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quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26364: S(C)em comentários (55): O fantasma do "capitão-diabo" (João Teixeira Pinto) e o "djubi" que, na fortaleza do Cacheu, de costas voltadas, não está a pensar no futuro-mais-que-perfeito, mas no presente mais comesinho e mais premente: o que é que eu vou comer hoje ao almoço… (Luís Graça)

 



Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > Estátua desmantelada do cap inf João Teixeira Pinto (o "capitão-diabo"), agora na fortaleza do Cacheu. Fotograma do vídeo do Carlos Silva, "Guiné-Bisssau, Estatuária" (2020) (7' 01") 


 
1. O nosso camarada Carlos Silva, que conhece bem o território, de antes e depois da independência, pôs, em 2020, à nossa disposição um vídeo sobre a estatuária colonial portuguesa na Guiné e as suas "andanças" desde 1974 (vd. a sua página, Jumbembem, no You Tube).

A estátua do Teixeira Pinto fora erguido em Bissau,  no Alto do Crim, parque municipal (atual Largo da Assembleia Municipal). É da autoria de Euclides Vaz (Ílhavo, 1916 - Lisboa, 1991) e deve ter sido executada emf inais dos anos 50/princípios dos anos 60.

A estátua, em bronze, desmantelada, encontra-se há muitos anos, ao ar livre, no forte do Cacheu, que funciona, infeliz e vergonhosamente, como uma espécie de caixote do lixo da presença histórica dos portugueses na Guiné.

É pena, porque, quer queiramos ou não, temos uma história comum, e só podemos ganhar, uns e outros, os portugueses e os guineenses, se soubermos construir pontes ligando o passado, o presente e o futuro, Está na altura de fazermos as pazes com o passado... E o passado deve ser explicado aos nossos filhos e netos. Essa pedagogia histórica está por fazer.

2. Ao jovem guineense que, na imagem acima, aparece de costas para a estátua, desmantelada, do "Capitão-Diabo", eu diria o seguinte:

"Que adianta, 'djubi', virares as costas ao passado, ou seja,  à História ?...Não terás futuro se não souberes aprender as lições do passado e do presente... Percebo a tua postura: não tens direito ao sonho,  estás a pensar,  não no futuro-mais-que-perfeito,  mas no presente mais comesinho e mais premente: o que é que eu vou comer hoje ao almoço… 

Que Deus, Alá e os bons irãs te protejam!"...  Luís Graça
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Nota doo editor:

Último poste da série > 7 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26358: S(C)em Comentários (54): "Fui saneada em 17 de abril de 1975 do Hospital da Força Aérea que ia abrir em janeiro de 1976" (Maria Ivone Reis, ex-maj enfermeira paraquedista, 1929-2022)

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26332: Historiografia da presença portuguesa em África (459): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, já estamos em 1890 (16) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Se é facto que o ano de 1889 decorreu numa relativa acalmia, atendendo à ausência de informações em sentido contrário no Boletim Official, 1890 vai reacender três focos de sublevação, arremetidas de Mussa Moló a partir do Senegal, alta tensão na Península de Bissau, guerras étnicas na região de Buba, isto quando ainda é manifestamente claro que há ainda muito território por ocupar. Tomou posse o novo Governador, Augusto Rogério Gonçalves dos Santos, em janeiro do ano seguinte será substituído por Luís Augusto de Vasconcelos e Sá. O que se vai manifestando é a pouca capacidade de Bolama dispôr de efetivos para apagar tantos fogos. E a Guiné ainda não sofreu o impacto da crise financeira que se abrirá em 1891, entrar-se-á num período de penúria, com efeitos na colónia.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, já estamos em 1890 (16)


Mário Beja Santos


Por muito que o leitor se surpreenda, 1889 foi um ano bastante árido, não consegui extrair de tanta monotonia informações de interesse. E confesso que os primeiros meses de 1890 também não saíram da modorra. A Guiné mudou de Governador, o novo chama-se Augusto Rogério Gonçalves dos Santos, e vão começar conflitos que irão permanecer bastante tempo em três pontos: Cacheu e Geba; Bissau e Bolola. O Boletim Official vai finalmente exprimir decisões em função do novo quadro de hostilidades.

O Boletim Official n.º 26, de 26 de junho, dá as seguintes informações, ambas assinadas pelo Governador:
“Tendo-se dado diversos factos pelos presídios de Geba e Farim, dependentes, aquele de Bissau e este de Cacheu, os quais só mui tarde têm chegado ao meu conhecimento por os respetivos chefes não se poderem corresponder com a secretaria geral do Governo senão por intermédio dos comandos militares de que dependem, e convindo que não haja delongas na resolução de quaisquer assuntos relativos àquele presídio, hei por conveniente determinar que os chefes dos referidos presídios se correspondam de futuro diretamente com a secretaria geral do Governo, participando ao comandante militar respetivo, em extrato, o que tiverem comunicado diretamente à referida secretaria.” E, mais adiante:
“Sendo sob todo o ponto de vista conveniente averiguar minuciosamente os factos ocorridos na praça de Buba na noite de 19 do corrente, em que foi ali morto por força pública um dos régulos do Forreá, Mamadi Paté, de Bolola, e preso um dos grandes daquele régulo; convindo não menos conhecer as causas para originar a prisão deste e a morte daquele, para se adotarem as providências que convierem: hei por conveniente determinar que o tenente Luís Maria Alves Costa siga na primeira oportunidade para Buba, a fim de com urgência proceder ali a um auto de averiguação.”

No Boletim Official n.º 27, de 5 de junho, a referência vai para a região de Geba:
“Tendo sido votado em sessão do concelho de Governo de 16 de junho último que, para ser tomada uma resolução definitiva sobre as providências que convém adotar, para pôr termo à discórdia sempre crescente entre os Fulas que habitam os territórios Joladu e Ganadu, dependências do presídio de Geba, os moradores da praça do mesmo presídio e os Mandingas e Biafadas que povoam a ponta de Sambel Nhantá, é preciso que se conheça por um relatório circunstanciados a origem das dissensões que ali se têm havido; pelo que o mesmo concelho foi de parecer que vá àquele presídio um oficial de exército ou empregado de confiança indagar minuciosamente qual a atitude que desde a última guerra os referidos Fulas têm tomado em relação àquela praça que os referidos Mandigas e Biafadas, compreendendo nas suas indagações o que há de verdade relativamente à forma como os territórios de Corolá e Sam Corlá, entre aquele presídio e o de Farim, foram invadidos e atacados por uma horda de gentios capitaneado pelo súbdito francês Mussa Moló, e que de tudo façam relatório de qual constam todos os factos de que ali se têm dado.” E faz a nomeação do capitão de artilharia.

No Boletim Official n.º 30, de 26 de julho, o Governador não está pelos ajustes perante atos que apontam para indisciplina militar:
“Tendo constado oficialmente a este Governo que o 2º tenente da bataria de artilharia Eduardo Augusto Perfelin, na qualidade de chefe do presídio de Farim deu autorização ao Mussa Moló, súbdito francês e chefe de guerra do rei Dembel para invadir e atacar os territórios portugueses Corolá e Sam Corlá, situados entre os presídios de Farim e Geba, hei por conveniente ordenar o seguinte: 1.º - Que no presídio de Farim seja aberta uma sindicância extraordinária aos atos oficiais do referido chefe, Eduardo Auguto Perfelin; 2.º - Que o capitão do Batalhão de Caçadores n.º 1, Joaquim Ribeiro de Brito Teixeira, comandante militar e administrador do concelho de Cacheu, proceda à referida sindicância; 6.º - O mesmo capitão, chegando a Farim, assumirá a direção político-administrativa e militar do presídio, fará seguir para Cacheu o 2.º tenente Eduardo Augusto Perfelin, que fica suspenso.”

O Boletim Official n.º 31, de 2 de agosto, traz notícias sobre a morte de Mamadi Paté, eis o que consta, de acordo com o relatório apresentado: "Mamadi Paté de Bolola, régulo do Forreá, foi morto na praça de Buba na noite de 19 de junho último, porque, quando o alferes João Moreira do Carmo, do Batalhão de Caçadores n.º 1, o foi chamar a comparecer ante o comandante militar para a conferência que tinha combinado ter, agrediu o referido alferes, pretendendo desarmá-lo e matá-lo; pelo que, teve este oficial de gritar socorro, o que sendo ouvido por aquele comandante e praças daquele destacamento, correram em seu auxílio, sendo então salvo da morte por um soldado que num ato de defender o pré-citado oficial ficou ferido e com a espingarda inutilizada devido aos contínuos golpes que sobre ele vibrou o falecido régulo com um ferro, o qual também feriu o 2.º sargento do referido batalhão, dando-lhe uma punhalada na cabeça e atacou todas as praças do destacamento que se lhe aproximaram; - Consta dos autos que o régulo tinha dentro da praça uns 30 homens, sendo alguns deles cavaleiros, e que fora da paliçada parecia ter alguma gente acampada; o que faz crer, que o falecido régulo pedindo ao comandante militar para guardar a conferência que havia de ter com ele depois do toque de recolher, era com fim premeditadamente sinistro, fim que se evidencia pelo seu procedimento, quando foi chamado pelo alferes Carmo para ir à conferência que tinha combinado ter com o comandante militar; consta também dos autos que as agressões dirigidas pelo falecido régulo à força pública deram lugar a estabelecer-se a uma completa desordem e confusão dentro da praça, a qual teria sérias consequência, se o comandante militar não fosse enérgico nem ativo, mandando dar fogo para fora da praça; por todos estes fundamentos, deve-se à energia do tenente comandante militar da praça não ter sido atacada e o alferes João Moreira do Carmo soube defender-se das agressões que o régulo Mamadi Paté lhe dirigiu.”

E termina o documento com o pedido de louvores tanto para o tenente como para o alferes e outros militares. Iremos ver seguidamente que ainda não acabou o contencioso com Mussa Moló, temos rebeliões em Geba, é uma nova época de instabilidade.

1890: o rei morreu, viva o rei! D. Carlos inicia o seu reinado e dirige uma carta a José Luciano de Castro que o Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa reproduz
O jovem D. Carlos
Sociedade do Fomento da Guiné, Bissau, bilhete-postal
Dispensário do mal de Hansen, Cumura, Guiné
Culturas da Guiné, gravura de Johann Theodor de Bry, séculos XVI e XVII

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 25 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26310: Historiografia da presença portuguesa em África (458): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, finais de 1888, início de 1889 (15) (Mário Beja Santos)

sábado, 14 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26264: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (50): A velha fortaleza do Cacheu, com os seus inúteis canhões de bronze, e o triste Diogo Gomes lá aprisionado, a ver o pintor de canoas nhomincas...

Foto nº 13


Foto nº 14A


Foto nº 14

Foto nº 15

Foto nº 16A


Foto nº 16


Foto nº 17


Foto nº 17A


Foto nº 2 

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Cacheu >  4 e 5 de dezembro de 2024 >  

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Aqui vai o resto das fotos da  última viagem ao Cacheu, em 4 e 5 do corrente,  partilhadas pelo  Patrício Ribeiro, nosso amigo e camarada, histórico membro da Tabanca Grande, nosso "embaixador em Bissau",  cicerone, autor da série "Bom dia desde Bissau" (*)...

Legendas:

Foto nº 13 > Ele, o Diogo Gomes, lá dentro, fechado, a assistir às pinturas das canoa nhomincas 

Foto nº 14 >   Os canhóes apontados para o rio

Foto nº 15 > O portrão da fortaleza

Foto nº 16 > Lateral oeste da fortaleza

Foto nº 17 > Igreja de Cacheu (ou de Nossa Senhora da Natividade)  

Foto nº 2 > Canoas nhomincas, com pinturas originais, no porto de manutenção, na margem esquerda do rio Cacheu

Sobre a foto nº 17, o fotógrafo escreveu, já com data de 8 do corrente:


"Hoje está a decorrer a peregrinação anual entre Canchugo e Cacheu.

"A peregrinação é a pé. Normalmente, é nesta altura de Dezembro, com o tempo frio, em que alguns milhares de pessoas percorrem a estrada durante a noite, onde o capim tem cerca três metros de altura e o cheiro da palha anima os corações dos fiéis crentes. As pessoas, durante a maior parte do tempo vão a cantar cânticos religiosos. No percurso passam em cima da ponte metálica antes do Bachil, e da mítica floresta de Cobina [ou Caboiana, segundo a nossa antiga carta militar de 1953],  local onde os Manjacos fazem as cerimónias ao irã ."


Igreja do Cacheu. Fonte: HIPP

2. Comentário do edit0r LG:

Sobre esta igreja, lê-se no portal HIPP - Património de Influência Portuguesa, este apontamento de Manuel Teixeira:

"Historicamente, constitui a primeira igreja portuguesa erigida na costa ocidental africana, padroeira da urbe. Em 1680 ruiu, devido a uma inundação do Rio Cacheu, sendo mandada reconstruir pouco depois pelo bispo de Cabo Verde, D. António de São Dionísio. Encontra‐se hoje relativamente bem preservada".



Guiné > Bissau > Região de Cacheu > Forte de Cacheu (séc- XVIII) > Restos da estátua de Diogo Gomes, que até à Independência, estava em Bissau, frente à ponte cais de Bissau...


Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




(...) "Edificado à beira‐rio, em 1641‐1647, é de pequena dimensão, consistindo num quadrado de cerca de vinte metros de lado, defendido nos cantos por pequenos bastiões, e uma muralha com quatro ou cinco metros de altura. 

"Em 1822 há notícia da sua existência, com estrutura de paredes em adobe. 


Forte do Cacheu (séc. XVII).
 Fonte: HIPP
"Em 1988 foi assinado um protocolo de geminação com Viana do Castelo, que contribui para diversos melhoramentos da vila, nomeadamente a recuperação do forte e o restauro da Capela de Nossa Senhora da Natividade. Mais recentemente, por iniciativa da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa e da Câmara Municipal de Lisboa, procedeu‐se a nova reabilitação do forte. A reabilitação incluiu o interior e as muralhas exteriores, danificadas pelo tempo e pelas correntes do Rio Cacheu, que em alguns pontos lhe corroeram os alicerces. 

"A zona adjacente ao forte é o local onde as autoridades da Guiné‐Bissau, após a independência, vieram depositar as estátuas ligadas ao período colonial. Estão há trinta anos no meio da vegetação, desmontadas, à beira do forte."



Guiné > Região de Cacheu > Carta de Cacheu / São Domingos (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor dos rios Cacheu e seus afluentes: Pequeno de São Domingos (margem norte); Caboi, Caboiana e Churro (margem sul), a montante da vila de Cacheu.


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26262: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (49): Porto do Cacheu, junto à fortaleza: a canoa nhominca, o pintor e o "aui"

 


Foto nº 11C


Foto nº 11B


Foto nº 11A


Foto nº 11


Foto nº 12 B


Foto nº 12A


Foto nº 12


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Cacheu > Porto de manutenção > Canoas > 5 de dezembro de 2024 >  O pintor, a canoa nhominca e o "aui"

 
Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Mais duas fotos da sua última viagem ao Cacheu, em 4 e 5 do corrente,  partilhadas pelo  Patrício Ribeiro, nosso amigo e camarada, histórico membro da Tabanca Grande, nosso "embaixador em Bissau",  cicerone, autor da série "Bom dia desde Bissau" (**)...

Legendas:

Foto nº 11 > Pintura decoartiva de uma canoa nhominca, junto à fortaleza de Cacheu.

Foto nº 12 >   O artista a pintar a canoa


2. Comentário do editor LG:

Duas fotos fantásticas, reveladores de um arte mal conhecida, a pintura  decorativa das canoas de pesca nhomincas, com cores muitos quentes e motivos da fauna e da flora da Guiné... Neste caso, o pintor ("apanhado" em plena atividade criativa) inspirou-se num "aui", um pássaro da  região...

Vamos lançar o desafio aos nossos leitores:  o que é o "aui" ? Como é o seu nome em português? E,  já agora, por que razão  é pintado na proa da canoa e com estas cores tão vivas ? Dará sorte ao pescador ? E dá visibilidade à embarcação em manhãs de cacimbo ? 

Deve haver alguma explicação para a escolha deste tema e destas cores fortíssimas (fazem-me lembrar as cores, também muito vivas, dos moliceiros da Ria de Aveiro)...

Obrigado, Patrício. Uma bela prenda de Natal !.. (Mas tenho que fazer render o "peixe", ainda me restam duas ou três do Cacheu...)

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Notas do editor:

Último poste da série > 10 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26253: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (48): Viagem entre Canchungo e Bachil(e), em chão manjaco, 4 e 5 do corrente

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26256: Historiografia da presença portuguesa em África (456): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, o importante relatório do chefe do presídio de Ziguinchor, Marques Geraldes, 1887 – 2 (13) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Não vou esquecer tão cedo que folheei de janeiro a dezembro o Boletim Official da Província da Guiné à procura de quaisquer comentários não só alusivos ao facto de que a colónia da Guiné, pela primeira vez, tinha a definição da sua superfície, indo ocupar espaço no interior onde a presença portuguesa era mais do que diminuta, como igualmente este relatório de Marques Geraldes, chefe do presídio de Geba, que vê publicado o seu documento depois de Ziguinchor passar a ser possessão francesa, há aqui qualquer coisa de grotesco, de ausência de comunicação entre Bolama e Ziguinchor, ver um chefe de presídio a diagnosticar um quadro de penúria e negligência, pedindo meios, quando era irremediável a perda do território a que ele se referia. Virão depois os protestos daqueles que queriam manter a presença portuguesa, mas a Convenção Luso-Francesa entrara em vigor, diplomatas como Andrade Corvo julgavam que entregar o Casamansa à França fariam dela uma aliada para defender o Mapa Cor de Rosa, que gente tão ilusória.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, o importante relatório do chefe do presídio de Ziguinchor, Marques Geraldes, 1887 – 2 (13)


Mário Beja Santos

O relatório do chefe do presídio de Ziguinchor, enviado para Bolama no início do ano de 1886, é uma peça de indiscutível interesse, será porventura a peça mais detalhada que ficará para a historiografia sobre a presença portuguesa, com a Convenção Luso-Francesa de 12 de maio desse ano, todo o Casamansa passou a ser parte da África Ocidental francesa, incorporado no Senegal. Marques Geraldes faz uma recensão histórica, apresenta o presídio, releva os problemas existentes, é bastante frontal a expor a degradação em que se encontra o património. Dando continuidade ao texto anterior, ele passa em revista a saúde pública, o comércio, a indústria, a agricultura e a instrução pública.

“A não ser alguns casos de sarampo benigno que apareceram de abril a agosto de 1884, e as febres palustres que mais ou menos atacam os habitantes nos meses de outubro a novembro, devida às exalações pútridas que emanam dos arrozais da transição do tempo pluvioso para o seco; a não ser isto, digo, nada mais houve que alterasse o estado sanitário do presídio e subúrbios, devido às enérgicas e sábias providências adotadas pela Junta da Saúde da província, por ocasião de aparecerem doenças contagiosas na Goreia, sendo certo que este ponto está em constante comunicação com a praça. Eram eles que maior contingente fornecia aos mercados europeus com os produtos que anualmente saem deste rio. É também devido a eles, em grande parte, que a agricultura se ostentava em todo o seu viço, fornecendo géneros alimentícios tanto as tribos Mandigas com os povos deste lado que ali vão negociar.”

Marques Geraldes deplora o rendimento do presídio, considera que os negociantes deviam ampliar os seus negócios e faz o seguinte comentário:
“Grande parte das produções que aqui aparecem são novamente levadas pelos seus donos a outros pontos, já porque aqui os preços são elevados, já pelo amesquinhado do negócio. Além disso, os preços das mercadorias em Selho e Carabane são muito mais convidativos e incitam o gentio a ir fazer os seus negócios naqueles pontos. O comércio está aqui atualmente representado por quatro negociantes: Frederico Chambas, súbdito francês e residente nesta praça há perto de 24 anos; Samuel Lisck; Manuel Pereira da Cruz e José Gomes Pereira, africanos.
Os dois primeiros recebem a crédito as mercadorias de Selho; o terceiro de Cacheu, e o quatro costuma ir diretamente a Goreia, onde compra à vista, e por consequência mais barato, as mercadorias que necessita.”


Dá conta do rendimento da delegação fiscal aportada ao ano de 1882 e não deixa de fazer o seguinte comentário: “Bom seria que se aplicassem os rendimentos cobrados nesta delegação em obras de que tanto carece este presídio, para evitar as despesas que anualmente se fazem com rendas de casas para aquartelamento das praças, delegação fiscal e residência do chefe. De grande conveniência, pois, se tornava o proceder-se o levantamento de um quartel ao centro da povoação; casa para delegação fiscal próxima à praia e reedificação da igreja que se acha quase em ruínas.”

Na vertente industrial, o chefe do presídio menciona exclusivamente o fabrico de sal. E faz largo comentário ao estado agrícola:
“A cultura do arroz em todo o rio é que tem mais incremento, sendo por isso utilizados grande parte dos terrenos baixos que estão mais próximos do rio. Os lugares elevados são empregados na cultura do milho maçaroca do Brasil, feijão, alguma mandioca e batata-doce. A vinda de colonos europeus ou das ilhas, para este e outros pontos da província, bem auxiliados pelo Governo, com a condição de se dedicarem somente à agricultura e à introdução de instrumentos agrícolas, dava benéficos resultados. Em frutas, a que maior quantidade se encontra em terra de Banhuns é a laranja. Há matos imensos só de laranjeiras. Aparecem também algumas papaias e bananas. A colheita nos povos circunvizinhos da margem esquerda foi regular; a da margem direita foi insignificante, motivadas pelas guerras contínuas que os Mandigas ali estão promovendo à laboriosa raça de Felupes.”

Por último, Marques Geraldes debruça-se sobre a instrução pública:
“Funcionou com regularidade a aula de instrução primária. Cabe aqui dizer que a escola está completamente despida de tudo o quanto lhe deve ser inerente. Principia por não haver casa para tal fim, vendo-se o professor obrigado a dar a aula no seu próprio quarto.
Até hoje não têm sido satisfeitas as requisições da maior parte dos objetos, indispensáveis, de forma que o grau de instrução que se nota nos alunos, embora haja boa vontade do professor, não é tal qual se devia esperar, se as escolas estivessem munidas de tudo quanto lhes é necessário.
Os pais, na sua quase totalidade, são pobres e, portanto, é da máxima conveniência que o Governo, embora lhe custe sacrifícios, auxilie alunos e professores, para que a sua instrução progrida, sendo certo que só da geração nova nós devemos esperar os benéficos resultados da civilização que desejamos ver espalhada por todas as nossas províncias, e não da velhada a quem coisa alguma deste mundo será capaz de desarreigar os costumes retrógrados em que foram criados e que de certo modo passarão para a mocidade, se o Governo não atalhar este mal prontas e sábias providências.
Cabe aqui dizer, que sendo a câmara municipal de Cacheu a quem compete remediar em primeiro lugar tais faltas, nenhumas providências deu até hoje, apesar das repetidas reclamações já do chefe do presídio, já do próprio professor, sendo pressentir tal procedimento quando é certo que Ziguinchor tem dado não pequeno contingente pecuniário para o cofre do município.”


Quando se acaba a leitura deste relatório, não se pode deixar de ficar estupefacto como o chefe do presídio propõe medidas de fundo, no total desconhecimento que as autoridades em Lisboa estão a assumir diligências diplomáticas que levarão a que Ziguinchor, meio ano depois de Marques Geraldes enviar o documento a Bolama, deixe de ser território colonial português. Não encontrei no Boletim Oficial nenhum texto oriundo do Governo em Bolama que desse a saber que aquele território seria em breve possessão francesa. Depois virão as reações de quem vive em Ziguinchor e das autoridades gentílicas. Mas era demasiadamente tarde.

Mapa muito antigo onde se revela que o território da Guiné era, segundo o cartógrafo, parcela integrada do que se chamava a Etiópia Anterior, aparecem ali designações como Senegal e Terra dos Negros
Ziguinchor nos tempos modernos
Os Fijus di Terra, na região do Casamansa, que 500 anos depois da chegada dos portugueses, não se identificam em pertencer ao Senegal

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 4 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26231: Historiografia da presença portuguesa em África (455): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, o importante relatório do chefe do presídio de Ziguinchor, Marques Geraldes, 1887 – 1 (13) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26248: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (46): Viagem até Cacheu, onde dormi, passando por Bachile - Parte I: porto de pesca da vila de Cacheu

Foto nº  1 > Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Cacheu >  4 de dezembro de 2024 > Vista da cidade a partir do porto

Foto nº  2 > Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Cacheu >  4 de dezembro de 2024 >  Canoas nhomincas, com pinturas originais, no porto de manutenção, na margem esquerda do rio Cacheu


Foto nº  3 > Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Cacheu >  4 de dezembro de 2024 >   Porto de pesca, na margem esquerda do rio Cacheu (1)


 Foto nº  4  > Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Cacheu >  4 de dezembro de 2024 >   Porto de pesca, na margem esquerda do rio Cacheu (2)


Foto nº  5A> Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Cacheu >  4 de dezembro de 2024 >   Barbo, com 26.4 kg pescado no rio Cacheu (1)
 

Foto nº  5 e 5A > Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Cacheu > Barbo, com 26.4 kg pescado no rio Cacheu (2)

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Patrício Ribeiro (nosso "embaixador em Bissau", colaborador permanente, com o pelouro de ambiente, geografia e economia da Guiné-Bissau; português, natural de Águeda, da colheita de 1947, é o mais "africanista" de todos nós; criado e casado em Nova Lisboa, hoje Huambo, Angola, ex-fuzileiro em Angola (1969/72), a viver na Guiné-Bissau desde 1984, fundador, sócio-gerente e ex-director técnico da firma Impar, Lda; membro da nossa Tabanca Grande desde 6/1/2006; tem 173 referências no blogue).


Data - sábado, 7/12/2024, 19:27

 Assunto -  De Bissau ao Cacheu, passando pelo Bachile

Luís,

Este foi mais um dos meus passeios esta semana, entre Bissau e Cacheu, passando por Canchungo e Bachile, e  dormindo em Cacheu.

Envio algumas (15) das fotos que tirei com o meu telemóvel.

Como a internet tão fraca, não sei quando as vais receber.

Abraço, Patrício
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Nota do editor:

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26158: Notas de leitura (1744): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Confrontado com esta nova linguagem do Boletim Oficial da Província da Guiné que passou a ser omisso quanto à história política, económica e social, reduzindo-se à rotina burocrática, vi toda a vantagem em revisitar o acervo monumental organizado por Armando Tavares da Silva na sua gigantesca obra A Presença Portuguesa na Guiné, 1878-1926. No texto de hoje, são referidos os dois primeiros governadores, Agostinho Coelho e Pedro Ignacio de Gouveia, tiveram que apagar incêndios, sobretudo à volta de Geba e na região do Forreá, são notórios os lugares onde ainda não há presença portuguesa, as hostilidades sucedem-se, exigindo expedições, punições, perdões e tratados de paz, muitas destas iniciativas são pura fantasia, os insubmissos voltarão à carga. A França tudo vai fazendo tudo o que pode para pôr os Fulas revoltosos, aquela região sul ainda é para ela um grande atrativo, para juntar ao Futa-Djalon. Aqui fica o registo de duas governações dificílimas, há pouquíssimo dinheiro, os meios navais são frágeis e até há revoltas no Batalhão de Caçadores nº1, com os oficiais punidos.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (2)

Mário Beja Santos

Estamos agora no Governo de Agostinho Coelho, ele é o 1.º Governador da Guiné como província independente de Cabo Verde, desembarca em Bolama a 20 de abril de 1879. Começa por mexer no dispositivo militar, constituiu o Conselho do Governo, a província da Guiné é dividida em quatro concelhos: Bolama, Bissau, Cacheu e Bolola, Bissau compreende a vila de S. José e o presídio de Geba, Cacheu inclui, além da praça deste nome, os presídios de Farim e Ziguinchor e as povoações de Mata, Bolor enquanto Bolola inclui Sta. Cruz de Buba e todos os mais pontos que venham a ocupar-se no Rio Grande, era esta a divisão administrativa da Guiné autónoma. É claro que havia porções do território ainda não ocupadas, outros com presença duvidosa, e esta situação irá perdurar por algumas dezenas de anos. A divisão administrativa levantou críticas e o Governador seguinte, Pedro Ignacio de Gouveia, fará alterações.

Melhorou o equipamento naval, havia a canhoneira Rio Lima, vai chegar o vapor Guiné, o Rio Lima regressará a Cabo Verde. O coronel Agostinho Coelho tinha à sua espera problemas que requeriam inadiável solução, era indispensável garantir um quadro de normalidade em Buba, os Futa-Fulas impunham tributos aos negociantes. O Governador procurou fazer tratados com régulos, havia pretensões territoriais francesas no sul, o Governador deixou um documento esclarecedor sobre a situação existente no Rio Grande:
“É uma das zonas mais produtivas da província; as suas margens são povoadas até muito para o interior por tribos laboriosas e agrícolas e convém a todo o custo dar-lhe segurança e proteção. Há nas margens deste rio 53 feitorias portuguesas e francesas, onde vão muitos navios à carga; porém, estes agricultores, têm vivido até hoje expostos aos vexames dos Futas, os quais, em diversas épocas do ano, percorriam os vários estabelecimentos e exigiam, mesmo à mão armada, o tributo a que eles chamam dacha. Cobravam a título de senhores do território um imposto de proximamente 12 mil pesos, e os cofres da província nada lucravam. Como medida de transição, determinei que a importância da dacha fosse paga pelos negociantes por uma comissão composta da autoridade militar de Buba e de três negociantes, competindo a esta comissão reunir, em determinado dia do ano, os principais chefes Fulas e Futas, a quem distribuiria com o simples caráter de presentes, alguns donativos em panos, armas, e bijutarias, uma parte do produto do imposto, entrando na Fazenda o resto, quando o houvesse.” E mais adiante dirá que houve resistência dos negociantes franceses que tentaram atrair os chefes indígenas para ações de descontentamento.

O Governador empregou esforços para a ocupação do Rio Grande, assinou em Buba o tratado de paz com os régulos de Biafadas e com o chefe principal do Forreá. O Governador informa Lisboa que com este tratado terminava uma guerra encarniçada entre etnias. Mas havia continuidade de problemas em Geba, encontravam-se em guerra Fulas-Pretos e Mandigas. Atenda-se a um parágrafo de um documento que Agostinho Coelho mandara ao Governo: “Geba era antigamente o principal centro de resgate do ouro e do marfim na Guiné; hoje do primeiro aparece muito escassa quantidade e do segundo nem a mínima partícula. Dirigi-me a Geba, e foi aí tal o espanto produzido pela aparição de um navio a vapor que muito do interior vieram inúmeras pessoas verificar tão assombroso facto. Esta romaria de visita ao Guiné durou nos 3 dias em que nos conservámos em Geba. Os Fulas-Pretos e Mandigas andavam em guerra, Agostinho Coelho reforçou a defesa de Geba. Dá-se a sublevação do Batalhão de Caçadores n.º 1. O capitão e o ajudante suscitavam comentários injuriosos acerca dos actos de Governo da província. Agostinho Coelho aplicou-lhes dois meses de prisão, houve tentativas de levantamento, o Governador respondeu mandando levantar autos do corpo de delito".

Tavares da Silva destaca a dimensão daquela Guiné com o propósito de degredados, estes, por sua vez, eram sujeitos a um tratamento vexatório, o Governador tomou providências para aquilo que hoje se designa reinserção social. Foram efetuados tratados, houve esforço para a pacificação do Forreá, que culminou com o tratado de paz com os régulos do Forreá e do Futa-Djalon. Mas a questão nevrálgica dava pela delimitação da Guiné, havia a presença estrangeira, particularmente a francesa, fazia-se uma enorme pressão para a ocupação de pontos onde a administração portuguesa não se encontrava estabelecida. O Governador pede a Lisboa recursos financeiros; se havia problemas no sul, surgiram novos problemas fronteiriços envolvendo o Senegal. O que se passava no sul era preocupante, o próprio governante comunica que naquele sul era débil o movimento comercial, muita gente a viver em condições miseráveis, o que inaceitável.

Assim se passaram dois anos é nomeado novo Governador, o 1.º Tenente da Armada Pedro Ignacio de Gouveia, toma posse do cargo em dezembro de 1881, após três semanas de permanência no território, manda uma exposição ao Governo, constata que os povos da região estão longe da civilização, fala sobre o cultivo da mancarra, o principal produto agrícola de exportação, manifesta dúvidas que em pouco tempo se faça a substituição desta cultura de um produto pobre como é a mancarra pela cana sacarina, algodão ou café e cacau. Manifestando a sua preocupação sobre as produções agrícolas da província, escreve:
“A árvore que dá borracha e que aqui é abundante também sofre umas incisões primitivas: se na América ainda não compreendem bem a maneira de obter-lhe o líquido sem prejuízo temporário da árvore, aqui o definhamento é quase completo e o produto que sai é perfeito.” Falando do elemento militar ao Governo, é profundamente crítico: “As autoridades subalternas não são sempre aquelas que coadjuvam melhor o magistrado superior da província: o elemento militar tem o seu lado bom e o seu lado mau. Quando o militar não é ilustrado, e que saiu unicamente da fileira, sem noções razoáveis de administração civil, colocado à frente do concelho, vê nos indivíduos que o rodeiam soldados ou, quanto muito, sargentos. Se este indivíduo, entregue aos próprios recursos naturais, e uns hábitos de vida que destoam completamente da sua educação militar, não é vigário a mando, principia a destemperar e, por fim, desproposita, estabelecendo completamente a desarmonia social.” Pede meios de transportes, recorda a dificuldade em obter o combustível apropriados para os navios a favor.

Ignacio de Gouveia lança uma nova expedição contra os Biafadas de Jabadá, a exposição acontece em janeiro de 1882, está ciente de que deu uma lição aos rebeldes, é feita a paz com o régulo de Jabadá, fará outros tratados de paz, é confrontado com novos atritos com os Fula-Forros de Bakar Quidali. Muitos anos mais tarde, no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Fausto Duarte louva o documento enviado por Pedro Ignacio de Gouveia a Lisboa, dizendo a seu favor: “Espírito lúcido, observador arguto e com uma cultura digna de apreço […] Não faz literatura, nem procura servir-se de artifícios de linguagem para esconder ou mesmo diminuir certas deficiências da administração local. Num período incerto para a vida da província que adquirira a tão almejada autonomia política, mas se via a braços com toda a sorte de dificuldades, era preciso expor ao Governo de Sua Majestade em toda a sua crueza variadíssimas contrariedades que mantinham dentro de certos limites a ação do Governador.”

Mas ainda iremos falar adiante deste Governador, haverá acusações de alegada escravatura, novas desavenças em Geba e Buba, o alferes Marques Geraldes entra em cena, haverá perda do vapor Guiné, operações em Nhacra, a criação de escolas em Bissau e Bolama, dar-se-ão passos na organização administrativa e na ocupação do território.
1902, o Boletim Oficial passa por uma fase burocrática, não há conflitos, não há tensões políticas, é só rotina administrativa
Notícia da chegada de novo governador, em novembro de 1902, o 1º tenente da Armada Judice Biker
Pedro Ignacio de Gouveia
Imagem do que foi o último Palácio do Governador em Bolama

(continua)
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Notas do editor

Vd. post anterior de 8 de novembro de 2024 > 8 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26128: Notas de leitura (1742): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 11 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26141: Notas de leitura (1743): À descoberta do passado de África, por Basil Davidson (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26071: Historiografia da presença portuguesa em África (448): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1885 (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Tinha a expetativa de que ao longo do ano de 1885 se desse alguma ressonância aos acontecimentos do Casamansa, mas nada aconteceu. Chama a atenção o detalhe dos boletins sanitários de Cacheu, Bissau e Bolama; a relação dos artigos para o Hospital Militar e Civil de Bolama leva-nos a refletir sobre a natureza da alimentação dos doentes; de uma forma cuidada, o novo Governador lembra que são escassos os efetivos militares para manterem em respeito as tribos irrequietas; o delegado de saúde de Cacheu deixa-nos um relato impressionante do estado da vila; mas ficamos a saber que na feira diária se vendem alimentos como hoje seguramente não aparecem nos mercados guineenses; continuam as manifestações de régulos pedindo que se hasteie a bandeira portuguesa, é talvez também produto do desenvolvimento agrícola que leva as autoridades gentílicas a atrelarem-se à potência colonial.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1885 (7)


Mário Beja Santos

Durante os primeiros meses de 1885, ainda aparecem diplomas assinados por Pedro Ignácio de Gouveia, e depois entra em funções o novo governador, Francisco de Paula Gomes Barbosa. Nos Boletins n.º 6, 7 e 8, todos de fevereiro, vêm publicados os estatutos do Colégio das Missões Ultramarinas. Diga-se em abono da verdade que esses primeiros meses estão enxameados de disposições burocráticas, o costume, nomeações, transferências, taxas alfandegárias, muitos boletins sanitários, onde avultam as doenças próprias da época das chuvas. No Boletim n.º 17, de 25 de abril, temos um edital da Junta da Fazenda Pública onde se anuncia que se abriu a praça para o fornecimento pelo prazo de um ano de um conjunto de artigos para o hospital militar e civil de Bolama, é mais do que uma curiosidade saber por onde anda a base alimentar de um hospital da época, na Guiné: arroz da Índia, açúcar pilé, azeite doce, alhos, batata inglesa (termo que ainda hoje se usa), bacalhau, carne de vaca, chá, cebolas, cevadinha, calda de tomate, doce em latas, farinha de trigo, feijão branco e feijão vermelho, galinhas, leite, folhas de louro, massas, manteiga de vaca, banha de porco, ovos, pão, pimenta, sal, tapioca, vinho do Porto e vinho da Madeira, hortaliças, mandioca, batata doce, lenha, petróleo, fósforos, sabão, torcidas e velas de estearina.

Com pompa e circunstância, vamos encontrar desenvolvido em vários boletins a Nova Reforma Fiscal, tudo a partir do Boletim n.º 19, de 19 de maio. No Boletim n.º 27, de 4 julho consta o alto de perdão concedido pelo Governo aos gentios de Cacanda, mas anteriormente temos um impressionante alto de vassalagem e protesto de amizade que ao Governo português fez o rei das Ilhetas, tudo se vai passar a bordo da escuna Forreá, estavam presentes delegados do Governador, o régulo das Ilhetas, Jepomon, António Gomes, filho do dito régulo, e José da Silva, neto do mesmo. A delegação portuguesa afirmou que o Governador era sabedor da influência do régulo nos demais régulos das Ilhetas, de quem é suserano. “Que nas mãos dele régulo, depositavam a farda e capacete, presente de Sua Excelência o Governador, um ligeiro testemunho das suas boas intenções para com os Ilhetas. O que tudo foi bem explicado e traduzido ao régulo pelos próprios filho e neto que bem conhecem o crioulo, língua em que os legados do Governo fizeram a sua exposição. O régulo respondeu que ele e os seus eram portugueses, de que muito se ufanava. Que fora seu constante propósito acabar com a pirataria a que se dedicavam os insulares sobre a sua jurisdição. Que deste acerto dava testemunho com o seu procedimento e havendo várias embarcações que os seus povos e vizinhos, por vezes, noutro tempo, tinham pilhado e saqueado, fazendo-as restituir a seus donos, pela maioria negociantes de Bissau e de Bolama, citando os nomes de vários negociantes a quem mandar entregar embarcações, tais eram: Carlos Abreu, José de Sena, Victor Martins, Gustavo Theraizol e Blanchard & Companhia (…) Concluindo disse: que terminava por jurar obediência e vassalagem à Coroa Portuguesa, de quem sempre fora fiel e leal vassalo, ratificando qualquer outro juramento.”

Não deixa de ser curioso logo a seguir a este documento aparecer publicado o pedido do régulo de Bubaque para que se hasteasse a bandeira portuguesa e se fundasse uma colónia agrícola no seu território: “George, régulo de Bubaque, rendendo preito e homenagem ao Governo português, deseja que na sua ilha hasteie a bandeira portuguesa e se estabeleça uma colónia agrícola, assegurando que os colonos serão sempre tratados com todo o desvelo e amizade. Grato para com o Governo de Sua Majestade fidelíssima os favores dispensados a seu filho Ambrósio Gomes Jasmim, vem, por esta forma, manifestar ao Excelentíssimo Governador da província a sua viva e eterna gratidão e congratular-se com Sua Excelência pela sua elevação no Governo.” Assina Onhabaque de Bubaque.

No Boletim Official n.º 32, de 8 de agosto, chama a atenção o início despacho n.º 163 do Governador: “Sendo a força de 1ª linha da guarnição nesta província por vezes insuficiente para manter em respeito as tribos irrequietas que a povoam, e assegurar o sossego e tranquilidade pública, indispensáveis ao bem-estar dos seus habitantes e ao desenvolvimento do comércio e da agricultura…”

Cumpre registar que os boletins sanitários de Bolama, Bissau e Cacheu são cada vez mais detalhados. No Boletim n.º 34, de 22 de agosto, por exemplo, veja-se o relatório da vila de Bissau referente ao mês de julho de 1885:
“O predomínio dos padecimentos das vias respiratórias sobre as diversas doenças observadas na clínica urbana, definem a constituição médica durante o mês; tais afeções, porém, sempre complicadas de febres palustre jamais revestiram caráter de gravidade.” Segue-se a lista dos novos doentes, os curados e os transferidos, faz-se igualmente referência à higiene pública, tinha-se procedido à limpeza da parte do poço que corresponde ao interior da praça de Bissau”

No mesmo boletim, o presidente da Sociedade de Geografia dirige-se ao Governador da Guiné, tudo tem a ver com a Exposição Universal de Antuérpia e à cooperação dada pelo Governo da Guiné, a Sociedade de Geografia congratula-se e agradece aos expositores da província de que o Governador dirige.

No Boletim n.º 36, de 5 de setembro, chama prontamente à atenção o impressionante e singular relatório do serviço de Cacheu referente a 1884, assinado pelo delegado de saúde Alpino da Conceição Ribeiro. Depois de uma descrição minuciosa da localização da vila, deixa-se ao leitor o que há de impressivo em parágrafos elucidativos:
“As ruas que existem, não merecem tal nome. Tão desigual é o seu terreno que charcos e lameiros que na época pluviosa se formaram, as tornam intransitáveis.
Nas proximidades do baluarte do novo centro tem lugar a feira diária de géneros de usos ordinário e comum na povoação. Gentios de vários pontos interiores concorrem ao mercado da batata-doce, feijão, arroz, mandioca, inhame, banana, laranjas, abóboras, melancias, milho, amêndoas de palma, cola, semente de purgueira, muitos outros géneros e frutas; azeite de palma, azeite amargo, vinho de palmeira; ovos, galinhas, patos e outros animais domésticos; cera, borrachas e couros de boi. Aparece o marfim, mas raríssimas vezes.
Realizaram-se 17 batismos. Não houve nenhum casamento. Conquanto a religião oficial seja a dominante, aparentemente professada esta, mas verdadeiramente pratica-se o feiticismo.
Unicamente, mas antes como atos de luxo do que como preceitos da Igreja, ninguém se esquiva ao batismo, encomendação de cadáveres e missa de requiem. O matrimónio, segundo o rito da Igreja Católica, se não inspira repugnância também quase que jamais é aceite. É preferido o enlace matrimonial por um enlace privativo do país que não tem ligação alguma com as leis canónicas nem as civis.”


A Guiné na África Ocidental
Moeda de 50 centavos do 5º centenário da descoberta da Guiné
Moeda da Guiné-Bissau, 2 pesos e meio, 1977, FAO
Djolas da Gâmbia e do Casamansa, fotografia de Joannès Barbier, 1892
Fotografia de um albino senegalês, apresentada na Exposição Colonial de Lyon, 1894
Vista de Carabane, 1889, gravura
Arquipélago dos Bijagós, 1885, xilogravura
Bijagós numa bagabaga, 1885, xilogravura.

Todas estas gravuras podem ser adquiridas na Galerie Napoléon, Paris, o preço é de 60€ (moldura não incluída)

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 16 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26049: Historiografia da presença portuguesa em África (447): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, os últimos meses de 1884 (6) (Mário Beja Santos)