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quarta-feira, 19 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26598: Historiografia da presença portuguesa em África (470): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908 (27) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Saímos da pasmaceira da nomeação de terras em concessão, aforadas ou em enfiteuse, com nomeações e boletins sobre o estado de saúde, o governador Oliveira Muzanty parece não tolerar insubmissões e de 1907 para 1908 ajustou contas com Infali Soncó, no Cuor, brandiu armas na circunscrição de Geba, afrontou o régulo rebelde do Xime, mandou uma expedição a Varela e pôs em sobressalto toda a ilha de Bissau; farto do videirinho Graça Falcão, determinou o seu despacho para S. Tomé e Príncipe; é cuidadoso no levantamento da moral das suas tropas; louva todos e mais algum. Isto naquele ano extraordinariamente difícil em que a monarquia parece oscilar depois do regicídio de 1 de fevereiro. Estamos num ano que ainda não acabou e que promete mais acontecimentos.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908 (27)


Mário Beja Santos

Se os anos mais recentes se revelam marcadamente taciturnos, espelho de uma burocracia entediante e de estranhíssimas omissões sobre o que realmente se passa na Guiné, o Boletim Official de 1908 revela-se totalmente diferente, há razões de sobra, Oliveira Muzanty é um governador que aposta em expedições, procurará resolver o corte à navegação no Geba, perpetrado pelo régulo do Cuor, e com alianças espúrias, e uma nova situação de indisciplina na ilha de Bissau. E chegam-nos referências elucidativas na página oficial dos resultados obtidos.

Logo no Boletim n.º 7, de 2 de fevereiro, portarias com um conjunto de louvores: “Tendo sido dissolvida em 31 do mês findo a coluna de operações no rio Geba e em vista dos relatórios apresentados; hei por conveniente louvar por todas as forças que fizeram parte da referida coluna pela muita subordinação, coragem e sangue-frio de que deram provas no combate de Campampe em 1 de dezembro do ano findo e bem assim nas marchas de 29 de novembro a 2 de dezembro e em especial pela maneira como dirigiram as suas forças e serviços, por vezes com risco do própria vida".
E enumeram-se os oficiais, tenentes da Armada, e tenentes do Exército; e, mais adiante:
“Tendo sido dissolvida em 31 do mês findo a coluna de operações no rio Geba e em vista dos relatórios apresentados; hei por conveniente louvar a guarnição da lancha canhoneira Cacheu pela muita coragem e sangue-frio que deu provas nos combates travados entre aquele navio e o gentio insubmisso do Cuor em especial pela maneira como cumpriram os seus serviços, por vezes com o risco da própria vida.”
E enumera-se os oficiais e as praças.

No Boletim Official n.º 10, de 14 de março, o Governador manda publicar a seguinte portaria: “Considerando o estado de rebelião em que se encontra a região de Varela e a forma como se portou o gentio, com o Residente de Cacheu, na ocasião em que esta autoridade procedia à receção do imposto nas povoações próximas, vindo junto ao acampamento em que se achava, dirigir-lhe os maiores insultos: “Hei por bem organizar um destacamento misto do comando do capitão de Infantaria José Carlos Botelho Moniz, sendo apoiado pela canhoneira D. Luís, do comando do capitão-tenente Alberto António da Silveira Moreno, para castigar o gentio em revolta.”
E enumera-se o efetivo em oficiais, sargentos e praças, incluindo uma companhia de atiradores indígenas, corpo de auxiliares indígenas, serviços de saúde e administrativo.

No Boletim n.º 19, de 16 de maio, uma nova informação de Oliveira Muzanty, desta feita sobre os acontecimentos da ilha de Bissau:
“Considerando que durante os sucessivos combates, em que foi derrotado o gentio de Intim, Bandim e Cuntumbo, se reconheceu a manifesta rebelião de todos os regulados da ilha; considerando mais que a aproximação da época das chuvas inibe a coluna de prosseguir com as alterações em terra, hei por conveniente determinar o seguinte:
1 – É mantido para todos os efeitos o estado de guerra em toda a ilha de Bissau, continuando suspensas as garantias dos seus habitantes;
2 – A suspensão de garantias será proclamada por bandos, em todas as residências em que se acha dividida a província;
3 – Fica proibido todo o género de comunicação da ilha de Bissau, com exceção da Praça, ficando os contraventores sujeitos às consequências da perseguição dos navios de guerra, sendo as embarcações contraventoras consideradas como presas e os seus tripulantes deportados para outras colónias;
4 – Em todas as residências fica proibida a administração do gentio de Bissau, como trabalhadores, quer do Estado, quer de particulares, à exceção dos que tiverem permissão especial do Governo da Província.”


Vale a pena vir um pouco atrás e voltar à campanha do Cuor. No Boletim Official n.º 8, de 10 de julho, o governador que comandou a campanha mandará publicar um conjunto impressionante de louvores, atendamos ao início desta ordem especial de serviço:
“Tendo sido batido e repelido o régulo Infali Soncó, e ocupada a região do Cuor, há muito em rebelião, operações estas levadas ao fim com um bom êxito e honra para a nossa bandeira, que o soldado português tanto ama e respeita, o que mais uma vez veio aumentar o nunca desmentido lustre das armas portuguesas; e que tiveram consequência o livre trânsito da navegação no rio Geba, que se achava fechado desde outubro do ano findo, e durante as quais a coluna suportou não só o embate do inimigo, como também as fadigas de campanha sempre com energia, boa vontade e disciplina, Sua Excelência o Governador manda louvar os oficiais e praças que fizeram parte da coluna de combate, durante as operações no rio Geba…”

E já cá faltava mais uma travessura dos ex-alferes Graça Falcão. No Boletim Official n.º 27, de 11 de julho, o governador não está para os ajustes:
“Tendo chegado ao meu conhecimento que o negociante Jaime Augusto da Graça Falcão, residente em Bissau, reincide na prática de actos para os quais já fora punido, tendo-lhe sido interditado habitar nas circunscrições de Cacheu e Farim;
Tendo sido mandado levantar auto desta reincidência pela competente autoridade da acima citada circunscrição, e averiguando-se, por ele, que o referido Graça Falcão tem feito aleivosas e injuriosas referências ao pessoal da coluna de operações, bem como as vários funcionários, com a agravante de os provocar constante e persistentemente a discussões irritantes e perturbadoras da pública tranquilidade, quer nas ruas quer nos estabelecimentos mais frequentados por estrangeiros e indígenas, prejudicando assim o bom conceito da nação e o brio nacional, perante aqueles, e o nosso prestígio perante estes últimos;
Considerando que lhe não serviu de corretivo o castigo já sofrido;
Considerando que, nessa portaria, não lhe foi aplicado todo o rigor que a lei impõe aos delinquentes dessa sua espécie, em atenção a ter sido oficial do Exército e condecorado, mas deixando de merecer qualquer ato de benevolência por parte dos poderes públicos;
Em virtude dos recentes conflitos, por ele provocados; e
Com o fim de evitar a continuação de factos que podem trazer consequências graves e pôr em risco não só o sossego como a segurança pública:
Hei por conveniente determinar que o mesmo siga, no primeiro transporte, para a província de S. Tomé e Príncipe.”


Temos de agradecer ao governador Oliveira Muzanty ter vindo animar a vida do Boletim Official, tão pardacenta nos últimos tempos.

Notícia do regicídio no Boletim Oficial de 8 de fevereiro
Telegrama alusivo à campanha do Cuor e fuga do régulo Infali Soncó
Estátua de Oliveira Muzanty, Governador da Guiné entre 1906 e 1909, de autoria do escultor António Duarte, erguida em 1950 na cidade de Bafatá, permaneceu intacta após a independência, embora tombada no chão.
Nota de 10 mil réis do BNU, 1909, pagável na sua agência em Bolama
Moeda de 2 tostões de prata com a efígie de D. Manuel II, 1909

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 12 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26577: Historiografia da presença portuguesa em África (469): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, até 1907 (26) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 12 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26577: Historiografia da presença portuguesa em África (469): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, até 1907 (26) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Longe vaI o tempo em que o Boletim Oficial permitia tomar o pulso a uma Guiné que começava a dispôr de uma vida orgânica colonial, um mapeamento administrativo, uma débil ocupação, o despertar de atrativos comerciais, isto apesar de uma imensidade de conflitos interétnicos e outros relacionados com os impostos e a perda de influência das chefaturas locais. Folhear agora este Boletim Oficial é procurar uma agulha no palheiro, e o contraste é por vezes brutal quando se ouvem as descrições que nesse exato momento perpassam pela Guiné, como conta Armando Tavares da Silva do seu acervo monumental A Presença Portuguesa na Guiné, que aqui se publica separadamente. O governador Muzanty, como veremos nas descrições de Armando Tavares da Silva, conseguirá meios para desembaraçar a navegação do Geba, que estava sujeita à hostilidade do régulo do Cuor e penetra a fundo na ilha de Bissau, esta será uma vitória temporária, entretanto o aventureiro Abdul Injai já está ao serviço das tropas portuguesas, rouba que se farta, é exilado para S. Tomé, voltará para mais altos voos, ao lado do capitão Teixeira Pinto, terá depois a sua queda.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, até 1907 (26)

Mário Beja Santos

Creio que o leitor que acompanha esta tentativa de sequência cronológica de encontrar no Boletim Official da Guiné elementos válidos para melhor conhecer a realidade socioeconómica e cultural da época já se apercebeu de que as autoridades reduziram a atividade do Boletim a um documento praticamente inócuo; numa tentativa de procurar os dados da realidade da história política, militar e socioeconómica e cultural voltamos ao convívio do acervo monumental organizado por Armando Tavares da Silva em "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", edição Caminhos Romanos, 2016, é o modo que julgo mais facilitado para se procurar iluminar uma época.

Os anos passam, a rotina administrativa mantém-se impassível, assim chegamos a 1905 e no Boletim Official n.º 9 de 25 de fevereiro encontramos os elementos de corografia da Guiné exigidos pelo Conselho Inspetor de Instrução Pública para inserir no compêndio Corografia de Portugal. Abrira-se um concurso, quem concorria devia preencher com as seguintes bases aprovadas pelo dito Conselho Inspetor. Em termos de geografia física: situação geográfica, limites e superfície, rios, canais, ilhas, etc.; clima, regime das chuvas, fenómenos atmosféricos frequentes e produções naturais; em termos de geografia económica: a importância do comércio nacional e estrangeiro, os principais artigos de importação e exportação, agricultura e indústrias subsidiárias, meios de desenvolvimento e indústrias indígenas; em termos de geografia política: população, esboço etnográfico, organização política das diversas raças, suas aptidões e organização política e administrativa da província. O Conselho Inspetor exigia para este concurso noções de cultura tropicais, uma resenha das principais produções naturais da província: plantas alimentares, industriais, essências florestais mais comuns e espécies exóticas. É visível neste programa didático o juntar o útil ao agradável: davam-se informações de caráter geral e também orientadoras a possível investidores e comerciantes.

No Boletim Official n.º 52, de 23 de dezembro desse ano, a Secretaria Geral do Governo emite o seguinte determinação: “Tendo chegado ao conhecimento de Sua Ex.ª o Governador Interino que algumas casas comerciais vendem ao público substâncias medicinais sem que para isso tenham competência, e sendo certo que tal facto, além de representar uma desleal concorrência aos estabelecimentos que a lei protege, pode acarretar perigosas e desastrosas consequências para a salubridade pública, encarrega-me o mesmo Exm.º Sr. de chamar à atenção dos senhores administradores do concelho e comandantes militares para tão importante assunto, e de lhes dizer que procedam como é de lei contra os infratores, na certeza de que lhes atribuirá a responsabilidade de qualquer desaire que possa dar-se no futuro, quando se prove a sua negligência no cumprimento desta determinação.”

Estamos agora em 1907, no Boletim n.º 14, de 6 de abril, o governador João Augusto d’Oliveira Muzanty, farto das traquibérnias do ex-alferes Graça Falcão (de quem ainda se muito falará) publica a seguinte portaria:
“Tomando na maior consideração que me expôs o Residente de Cacheu, o que se confirma pelo auto levantado e pelo conhecimento pessoal dos péssimos precedentes do negociante Jaime Augusto da Graça Falcão;
Considerando a permanência deste negociante nas circunscrições de Cacheu e Farim constitui um desacato permanente à autoridade, que nestas circunscrições mais do que em quaisquer outras precisam de maior prestígio, visto o caráter pouco submisso de grande parte dos indígenas que as povoam, e não estar ainda concluída a sua ocupação militar;
E, como julgo a permanência deste negociante nas referidas circunscrições como podendo comprometer a segurança e ordem pública, com a propaganda que tem feito contrária às determinações de autoridade, propaganda que não desiste de fazer apesar de todos os concelhos e outros meios de brandura empregados:
Hei por conveniente determinar que seja intimado a sair da circunscrição de Cacheu no prazo de 30 dias a contar da data de intimação, ficando-lhe interdita esta circunscrição, bem como a de Farim, até que o seu procedimento futuro e as boas informações dos Residentes nas outras circunscrições, indiquem o permitir-se-lhe a livre circulação em toda a colónia.”


No Boletim Official n.º 24, de 15 de junho, somos informados de que se iniciou o reinado da Gillette. Informa-se o pedido de registo que fora feito em 4 de setembro de 1906 efetuado em 13 de março do ano seguinte, a favor da sociedade anónima americana Gillette Safety Razor Company. A marca é destinada a navalhas de barba, folhas de navalha de barba, cutelaria e instrumentos cortantes.

E despedimo-nos com uma daquelas raríssimas notícias em que se dá conta que há profundas tensões na Guiné, vem no Boletim Official n.º 36, de 7 de setembro, assina o governador Muzanty:
“Tendo o Residente de Cacheu terminado o serviço de cobrança de imposto na sua circunscrição com o aumento de receita tão considerável que demonstra um trabalho insano e uma dedicação digna do maior elogio:
Considerando que parte da região se encontrava insubmissa, o que obrigou o Residente a arriscar a sua vida sempre que a percorreu no desempenho dos serviços que lhe estavam confiados:
Considerando ainda, que se houve com um critério tal, que, apesar de se ter feito acompanhar de um limitado número de auxiliares, evitou sempre os conflitos que pudessem pôr em cheque este Governo: hei por conveniente louvar o Residente de Cacheu, tenente do quadro da Índia, Rodrigo Anastácio Teixeira de Lemos, pelo valor, dedicação, zelo e lealdade com que se houve no desempenho das funções do lugar que exerce.”

Governador da Guiné Alfredo Cardoso de Soveral Martins (1903-1904)
Queimada da tabanca de Intim, na guerra de 1908. Imagem da Coleção Jill Rosemary Dias, com a devida vénia
A fazer esteiras, imagem retirada da Casa Comum/Fundação Mário Soares, com a devida vénia
Bissau em 1910

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26557: Historiografia da presença portuguesa em África (468): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1900 e 1901 (25) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26510: Historiografia da presença portuguesa em África (467): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Os Boletins Officiais de 1896 e 1897 são muito monocórdicos para meu gosto, isto quando, afinal, quando toma posse em janeiro de 1896, Pedro Ignacio de Gouveia, pela 2.ª vez governador, diz abertamente que vai confrontar com um mar de dificuldades, os conflitos do Forreá parecem eternizar-se; o relatório sobre as condições higiénicas e de saúde pública alusivas a 1896 fazem-nos pressentir que a capital é quase uma enxovia, os materiais importados quer para os hospitais ou para as instalações militares estavam totalmente desinseridos do espaço e do clima, interrompera-se a macadamização das ruas, a ilha tinha pontos saudáveis mas a escolha do lugar da capital era totalmente desacertada, enfim, o responsável da Junta de Saúde vai dizendo verdades com punhos. Notícia curiosa é a da experiência em curso para ver se a Guiné aderiria a um novo sistema de comunicação, a dos pombos-correios.

Um abraço do
Mário


A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23)


Em termos informativos, o Boletim Official referente a 1896 e 1897 é quase uma maçadoria, muitos relatórios de saúde pública, transcrição de regulamentos de Lisboa, chegadas e partidas, nomeações, louvores e punições e, como veremos, há muito mais mundo que a descrição de patentes, comércio internacional, taxas alfandegárias ou artigos didáticos como aquele que nos explica a borracha.

Temos novo Governador, regressa Pedro Ignacio de Gouveia, dirá coisas a propósito, vem registado no Boletim Official n.º 4, de 25 de janeiro: “Reconheço as dificuldades sempre crescentes e renováveis para manter no estado pacífico as tribos irrequietas de diversas origens tão disseminadas por esta província. Para o natural desenvolvimento da província carecemos mantê-la num estado de pacificação tão completo quanto o comércio e a agricultura possam desafogadamente expandir-se.”

Anteriormente, o Secretário-Geral do Governo discursará assim: “É certo que com a ocupação do Forreá, devido à iniciativa e bom senso do antecessor de V.ª Ex.ª, o capitão-tenente da Armada, Eduardo João da Costa Oliveira, muito há a esperar que melhorem consideravelmente as circunstâncias do tesouro público.”

Temos também que saber ler notícias curtas, como aquela que diz que Sua Majestade, a quem foi presente o relatório do Governador da Guiné acerca do aprisionamento do régulo Damá, e do seu principal chefe de guerra Moló-Lajó, que há muito hostilizavam os povos do Forreá, se comprazia e louvava o 2.º tenente da Armada, José de Oliveira Júnior – o que quer dizer, por outras palavras, que a questão do Forreá era uma tormenta permanente.

Passando agora para o Boletim Official n.º 20, de 16 de maio, veja-se o que escreve o Governador:
“Encontra-se a vila de Bissau, entre muralhas, nas condições de não comportar mais edificações, com uma população já bastante acumulada, razões de ordem pública não aconselham a ampliar a área, é certo que para alguns naturais já foi consentido a seu pedido estabelecer edifícios para habitações fora dos muros.
O comércio, porém, necessita de estabelecer armazéns à beira-mar, para fácil tráfego de embarque e desembarque de mercadorias permutadas com o indígena.
A situação geográfica do ilhéu do rei, fronteira a Bissau, permite que os negociantes, tendo a sua habitação na vila, edifiquem vastos armazéns neste ilhéu, hoje apenas ocupado, quase, que pelo Lazareto.
Bissau e o ilhéu do Rei é a chave do comércio entre os povos de Geba, Corubal, Balantas e Biafadas e pode desenvolver-se extraordinariamente quando o comércio encontre facilmente onde armazenar as mercadorias, o que presentemente não tem, e que o indígena ali traz para permutação.”

E o Governador Pedro Ignacio de Gouveia faz certas determinações sobre o aforamento do ilhéu do Rei.

É também altura de sabermos um pouco mais sobre o estado da saúde e os Boletins Officiais n.º 16 e 17, respetivamente de 17 e 24 de abril, dão-nos sumariamente conta. Para o autor Bolama é a população mais saudável em toda a província, porém são desgraçadas as condições higiénicas na capital. “Situada em terrenos baixo e argiloso, que absorve e retém durante as chuvas grande quantidade de água sem escoante possível, com uma praia totalmente lodosa, uma atmosfera excessivamente húmida, uma temperatura ordinariamente elevada, com habitações péssimas, água ordinária, com falta de recursos necessários para manter a regular limpeza das ruas.”

E acrescenta:
“Tenho notado desde que vim para o Ultramar que nunca foram as condições higiénicas de situação que presidiram à escolha do local para as diferentes povoações. Naturalmente mesquinhos e insignificantes interesses foram atendidos de preferência aos higiénicos para a escolha do local onde assenta a povoação de Bolama, quando bem perto tínhamos pontos mais saudáveis, em muito melhores condições de altitude, com praia arenosa, água regular, etc.; e o que se dá com Bolama dá-se em maior escala com todas as povoações que conheço na província, sobretudo Bissau, o empório comercial da Guiné e Geba. Em Bolama não há uma única habitação que se possa dizer razoável. Se há três casas que pela sua aparência grandeza e material empregado são as melhores da capital, estão, contudo, bem longe de satisfazer, relativamente à higiene o que era absolutamente necessário.”

E vai esmiuçando o material empregado na maior parte das construções, a má escolha dos pavilhões importados para serem edifícios públicos, piores ainda os pavilhões destinados ao alojamento dos oficiais, refere a falta de ventilação e, sobretudo, a falta de higiene. A água é ordinária. “A única suportável é a denominada do Intachá, nascendo a 2 km da povoação. À simples vista, parece pura por ser límpida, mas com certeza tem em suspensão muitos microrganismos e outras substâncias orgânicas, porque demorando envasilhada durante algum tempo, começa a fazer sentir-se o seu mau cheiro.”
Não esquece a irregular limpeza das ruas, largos, pátios e quintais e o facto de no princípio das chuvas tudo se torna num mar de lodo. “Macadamizadas as ruas com uma convexidade acentuada completada a obra iniciada pelo vogal da Junta de Saúde, dr. António Maria da Cunha, quando diretor interino das obras públicas, que mandou abrir largas valetas nas ruas para escoante das águas, ter-se-ia conseguido muito em benefício de Bolama. Mas apesar de se terem já corrido alguns meses depois de que as valetas foram abertas, e de terem vindo tubos para serem colocados nos pontos necessários, ainda elas não foram convenientemente empedradas e cimentadas como é indispensável, a não ser nas duas frentes da Casa Comercial Gouveia e à custa do seu proprietário.”
E vai por aí fora: o sistema de remoção das fezes, a situação do cemitério, o estado do hospital, é uma descrição minuciosa que nos provoca consternação.

Isto que acabámos de escrever tem a ver com o relatório de abril de 1897. Voltando a 1896, e à laia de despedida desse ano, regista-se a publicação de uma portaria do Boletim Official n.º 37, de 12 de setembro, em que se nomeia o capitão do quadro de comissões Luís da Costa Pereira para proceder à montagem dos pombais militares em Bolama e Bissau, seguindo no treino as instruções do continente de Portugal, e experimentando se os pontos indígenas podias ser empregados nos serviços de pombos-correios.

Publicidade publicada num número do Boletim Official da Guiné Portuguesa, 1923
(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 12 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26488: Historiografia da presença portuguesa em África (464): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 18 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26506: Historiografia da presença portuguesa em África (466): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte II ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 514, 27 de dezembro 1915, pág. 806)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26496: Notas de leitura (1772): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Uma mulher singularíssima, Bibiana Vaz, século XVII (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,~

Philip Havik já com o estatuto de reformado, prestou e está a prestar um relevantíssimo trabalho em prol da cultura portuguesa, e em diferentes domínios. Recordo o trabalho que ele fez com o António Estácio, de saudosa memória, sobre os chineses em Catió; este nosso confrade António Estácio que escreveu sobre Nha Carlota e Nha Bijagó, duas senhoras de grande peso da sociedade guineense, crioulas muito apreciadas e com grande poder comercial. Achei por bem publicar aqui algumas intervenções que ele deixou em trabalhos e dizer que quando quiser intervir no nosso blogue é só bater à porta, não precisa de pedir licença, aqui a Guiné é soberana, pelo amor que lhe dedicamos.

Um abraço do
Mário



Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné:
Uma mulher singularíssima, Bibiana Vaz, século XVII (1)


Mário Beja Santos


Vamos a partir de hoje publicar um conjunto de trabalhos assinados por um distintíssimo investigador, há muito ligado a Portugal, com ênfase na medicina tropical e em estudos orientados para a Guiné colonial. 
Um pouco do seu currículo:

Philip J. Havik (doutorado em Ciências Sociais pela Universidade de Leiden, Países Baixos) foi investigador principal do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade NOVA de Lisboa. 

Trabalhou como investigador na Research School for African, Asian and Amerindian Studies (Universidade de Leiden, Países Baixos) e no Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT) em Lisboa. Ensinou antropologia colonial e pós-colonial na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa.

Foi Research Fellow no African Studies Centre (ASC) da Universidade de Leiden e investigador associado do Centro de Estudos de História Contemporânea (IHC) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa. Autor/coautor de mais de 80 publicações, incluídas dezenas de artigos em revistas e capítulos de livros.

O trabalho a que hoje vamos fazer referências intitula-se Matronas e Manonas: Parentesco e Poder Feminino nos Rios da Guiné (Século XVII)

Começa por sumariamente historiar a condição da mulher, o seu escasso poder de decisão fora do meio doméstico e como a partir da abertura do espaço atlântico e com a presença de africanas ativas em todo o tipo de serviços em cidades como Lisboa e Sevilha, verdadeiras bestas de carga, se deu uma barafunda de géneros que foi aproveitada por mulheres que souberam criar espaços de manobra ao nível do trabalho, da religião e em rituais de toda a ordem. Seja como for, o desempenho da mulher nas sociedades africanas foi relegado para dois domínios fundamentais: a reprodução e a força de trabalho. Daí a herança e a identidade do grupo passarem geralmente pela linha feminina.

Quando a África Subsariana entrou no imaginário Ocidental, o comércio de escravos já era bem conhecido, mediado exclusivamente por berberes e árabes no espaço do Mediterrâneo. Deu-se depois a interação afro-atlântica, as notícias deste continente começaram progressivamente a ocupar um lugar na realidade em que as lendas de monstros e feras do Mar Ignoto se transformaram em ouro, marfim e outras preciosidades. 

Escravas africanas inundaram cidades europeias, no continente africano as relações afro-atlânticas produziram povoações mercantis, assistiu-se, mesmo que superficialmente, à cristianização dos quadros das redes comerciais, falava-se em cristãos e gentios. Estes cristianizados, descendentes afro-atlânticos, nascidos nas capitanias ou presídios, elevaram a importância da mulher, que nos chamados rios do Guiné do Cabo Verde, que passou a ter um papel chave nestes ambientes comerciais, assimilando diferentes papéis como curandeiras e conselheiras e mães dos “filhos espúrios”. 

A mulher passou a ser a garantia de sobrevivência em terras alheias, era um mundo com repartição de tarefas que se veio a estruturar nas redes comerciais da Costa Ocidental Africana a partir do século XVI e até fins do século XIX; e, claro está, veio a ter fortes incidências no século XX em que a Nhá ou Sinhara substituía, como Mindjer Garandi, o comerciante, por qualquer razão ausente.

 Philip Havik estuda a figura de Bibiana Vaz de França, nascida em Cacheu, membro de um clã poderoso da localidade. Ela é assumidamente uma das poucas vozes femininas que se fazem ouvir no universo limitado da palavra escrita. Cacheu era então um centro importante da rede comercial atlântica do tráfico de escravos, povoação elevada a vila em 1605; foi fundada por tangomaos, ou seja, aqueles que negociavam por conta própria, em colisão frontal com a política do monarca. Cacheu era um pequeníssimo entreposto de onde saiam aproximadamente 3 mil escravos por ano.

Um bom número de comerciantes tinha ascendência sefardita e cabo-verdiana, daí a designação pejorativa de tangomaos. Quando, por decisão régia, se criaram companhias de comércio com pretensões monopolistas, como a Companhia de Cacheu e Rios de Guiné, em 1676, o meio local recebe-o muito mal, os moradores iniciais denunciar os desvios e a prepotência de notáveis nomeados por Lisboa. 

O clã dos Vaz de França e dos Gomes eram muito influentes em Cacheu, de modo que o casamento de Bibiana com Ambrósio Gomes, este com ascendência sefardita e africana, trouxe vantagens mútuas. Ambrósio ocupara o lugar de capitão-mor durante alguns anos, e com o fim do contrato da companhia, Bibiana, um seu irmão e sobrinhos, constituíram um forte núcleo local, era uma rede de negócios que se estendia do Rio Gâmbia até à Serra Leoa. Quando o conselho Ultramarino deliberou que Bibiana devia fazer partilhas, ela já havia colocado maior parte dos bens fora do alcance do novo capitão-mor. Atenda-se agora a estas observações de Philip Havik:

“O novo comandante da praça de Cacheu, seguindo à letra o antigo contrato da companhia, proibiu a vinda de embarcações estrangeiras. A revolta do povo não tardou: em 25 de março de 1684, prenderam o dito capitão à saída do hospital enviando-o para Farim, para uma casa de Bibiana, onde permaneceu por espaço de 14 meses. Bibiana encabeçou o movimento de revolta, ela, seguida pelo povo ‘cristão’, decidiram não mais admitir capitães do reino nem das ilhas de Cabo Verde, nem portugueses negociando com o gentio, mas só com moradores da praça. Foi um duro golpe para os interesses dos portugueses; os moradores de Cacheu fizeram muitas petições contra os efeitos nefastos resultando-se da criação da comissão da companhia majestática, e passar a negociar n mato, esquivando-se a pagar direitos aos cofres reais – na realidade os bolsos dos capitães-mores e da companhia. Cacheu não era mais do que um entreposto empobrecido, desprovido de contribuintes e fontes de receita, cuja administração se encontrava no meio hostil, assolado, judeus, crioulos e gentios.”

Deu-se a reação das autoridades em Lisboa, Bibiana, o irmão e outro cúmplice no levantamento foram presos da cadeia da Ribeira Grande. O ponto curioso da historiografia anda à volta do facto de só muito tarde se ter vindo a conhecer os tramites desta sublevação. Presa em Cabo Verde, doente e iletrada, enquanto as autoridades procuravam secretariar e apreender os bens de Bibiana e família, ela e o irmão receberam um perdão real, a Corte, ciente da situação catastrófica do comércio português na costa receava perder ainda mais influencia. Daí a reabilitação de Bibiana. 

Mas havia outros pontos a favor dela. Depois de reabilitada, em sinal de agradecimento, ofereceu-se para construir um forte em Bolor, local estrategicamente situado na entrada do rio Cacheu, deu como garantia a sua pessoa e todos os seus bens.

Em jeito de conclusão, o investigador recorda o mundo de intriga que acompanhou o caso Bibiana Vaz, mulher africana, cristã, viúva, comerciante, armadora/parente de linhagens da terra dos donos di chon, ela liderou uma revolta contra uma autoridade alheia.

Enfatize-se um outro ponto que o autor chama a atenção: “Apesar das múltiplas petições feitas pelos moradores de Cacheu contra os efeitos nefastos resultantes da criação da companhia e contra e prepotência dos capitães-mores que chamaram todo o comércio para sim, não houve, por parte da Metrópole nem das ilhas, intervenção alguma. A resistência dos moradores ficou patente no facto da maioria andar a negociar e a morar no mato, esquivando-se de pagar direitos aos cofres reais.”

Voltando a comentários de Philip Havik:

“O governador de Cabo Verde e os capitães-mores saem-se mal desta história, muitas vezes agindo com base em raciocínios mesquinhos e vingativos. Cúmplices da crise em que mergulhou o tráfico português ao longo dos anos, as autoridades de Lisboa e da Ribeira Grandes, tinham perdido todo o controlo sobre a situação. A fraqueza da posição portuguesa no comércio da Costa da Guiné não permitia mais que o perdão de Bibiana".

Este artigo vem publicado em:
https://www.academia.edu/42757187/Matronas_e_Mandonas_parentesco_e_poder_feminino_nos_rios_de_Guin%C3%A9_s%C3%A9culo_XVII_

Nha Bijagó (1871-1959)
Nha Carlota (1889-1970)
Arredores de Cacheu, ida à fonte, 1900
O Forte de Cacheu e a estátua de Diogo Gomes, mutilada
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Nota do editor

Último post da série de 10 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26481: Notas de leitura (1771): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (5) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26439: Historiografia da presença portuguesa em África (462): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (20) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Temos vindo a encontrar ao longo dos anos bem curiosos diagnósticos de situação em termos de higiene e saúde pública, recordo os irrepreensíveis e minuciosos relatos do Dr. Damasceno Isaac da Costa. Encontra-se agora neste ano de 1894 este precioso documento assinado pelo chefe do serviço de saúde, que conhece in loco as situações e quando não as conhece baseia-se nos relatórios dos respetivos delegados de saúde. Acresce dizer que este ano de 1894 revela-se politicamente um tanto inócuo, vão aparecer uns atos de submissão, aparentemente a ilha de Bissau entrou em acalmia, praticamente não se fala em sublevações na região de Geba nem em Cacheu. A economia não está risonha, o reinado do rei D. Carlos iniciou-se numa situação financeira crítica, o dinheiro escasseia e há políticos em Lisboa que até sonham com a criação de uma empresa majestática para a Guiné, que evite despesas ao Estado.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (20)

Mário Beja Santos

Folheando os boletins deste ano, compete dizer em primeiro lugar ao leitor que a publicação está em muitíssimo mau estado, o boletim devia vir dobrado para o continente, não só está partido como o papel é muito frágil para desfazer-se. Da leitura feita entre janeiro a agosto, regista-se certa sensaboria, há muitos despachos e muitas entradas e saídas, excecionalmente aparecem autos de submissão após rebeliões, pelo que tomei a decisão de me centrar numa matéria que se revela rica, dada a qualidade dos relatórios sobre o serviço de saúde na Guiné. É chefe deste serviço César Gomes Barbosa, que escreve na perfeição. Após nos apresentar o hospital e a farmácia central de Bolama e o depósito de medicamentos, resolve fazer uma apresentação de Bolama, é um olhar muito interessante:
“O solo de toda a ilha é argilo-silicioso e argilo-ferruginoso, formando uma planície baixa coberta de vegetação, sem florestas, nem bosques, e rodeada à beira-mar por arvoredo (tarrafo) cujos troncos ficam mergulhados em água salgada do rio. Não existe nesta ilha animais selvagens. Corre apenas haver a onça e o lobo. O interior dela tem aqui e acolá espalhadas umas pequenas tabancas, de Brames, Fulas, Mandigas, Papéis e Manjacos que agricultam os terrenos a seu modo de batata, milho, feijão, milhinho e algum arroz, géneros de que se servem para a sua alimentação e mancarra que vendem em troca, a maior parte das vezes a partir de europeus tais como aguardente, pólvora, tabaco, artigos de vestuário.
As praias que limitam a povoação constituem os maiores e mais nocivos pântanos de toda a ilha e a elas se devem, decerto, grande parte da insalubridade desta capital. São praias que em parte do dia oferecem uma superfície extensa à exalação maremática e em que o Sol ardente ativa quotidianamente, fornecendo o calor para a decomposição das matérias orgânicas de germinação ou cultura dos micróbios.”


O autor volta-se agora para o quadro da saúde pública, irá falar do quinino:
“É o sulfato de quinina em doses nunca inferiores a 800 centigramas, mas que ascendem a 2, 3, 4 e 5 gramas diárias, o medicamento por excelência. Nunca atingi a dose de 4 gramas de sulfato de quinina na minha clínica. Durante o acesso febril de uma intermitente simples quotidiana terçã, quartã, etc. que muitas vezes se complica de embaraço gástrico ou intestinais, é seguida a prática racional de administrar evacuantes, vomitórios ou purgantes, conforme a complicação, sem se administrar a quinina. Após os efeitos de qualquer dos evacuantes sobrevém uma calma relativa que se aproveita para provocar a transpiração que pouco tarde. É no intervalo das pirexias (febres), que se administra o quinino. Esta regra, porém, não pode ser tomada como constante. O médico é muitas vezes obrigado a determinar o uso de sal químico durante o acesso febril. Esperar os intervalos das pirexias seria muitas vezes a condenação do doente. O médico é muitas das vezes obrigado a determinar o uso do sal químico durante o acesso febril, como antitérmico, quando a elevação da temperatura é grande e prolongada. (…) A minha prática de 8 anos em localidades paludosas leva-me a admitir e a usar com frequência a quinina durante o acesso febril. Deste uso tenho apenas que me felicitar. Nas febres intermitentes a temperatura axilar é muitas vezes elevada a 41 e 41,5 sem que, após ela, o doente ligue a menor importância ao que o doente sofreu. Estas febres assim deterioram facilmente o organismo e produzem com poucas repetições a anemia palustre, quando o paciente menos a espera.”

Faz seguidamente uma exposição sobre as formas gravíssimas de paludismo com a morte de todos os doentes, começa pela febre perniciosa a que se segue a febre biliosa hemoglobinúrica; apresenta o quadro das situações mais frequentes de doenças que levam à hospitalização: a diarreia, a disenteria, a doença do sono, as ténias, as ascárides lombricoides e as doenças de pele, as úlceras e a varíola. Continuando, faz uma síntese da higiene e polícia sanitária:
“De Bolama, Bissau, Geba e Buba, falo com conhecimento pessoal; de Cacheu e Farim apenas farei as referências dos delegados de saúde. Higiene tem sido uma palavra mais ou menos respeitada ou ridicularizada na Guiné, consoante a ilustração da câmara e das comissões principais. É certo que todas delas falam porque têm um pelouro de higiene, não é menos certo que cada vereador é um higienista especial, quando lhe incumbe os cuidados do pelouro relativo. Não supunham os vereadores das câmaras municipais da Guiné que esta especialidade lhes pertence. O que noto aqui observei-o durante 7 anos em Cabo Verde.”

Continuamos a falar do relatório do serviço de saúde da Guiné português durante o ano de 1891 publicado no Boletim Official ao longo de 1894. César Gomes Barbosa envereda agora por amplas descrições do Estado de lugares da Guiné. Começa por Cacheu.

Após localizar Cacheu, diz o seguinte:
“De janeiro a julho servem-se os habitantes de Cacheu da água colhida em dois poços abertos nos pântanos do Sul, de junho a dezembro a água é colhida em duas fontes que existem à entrada do mato e são a Inglesa e a Salanca. São estas águas, a meu ver, de má qualidade, não se devendo nunca servir de poços abertos dos pântanos e devendo usar-se com os cuidados precisos as que se colhem nas fontes Inglesa e da Salanca, fazendo filtrar ou melhor, ferver e arejar. Nesta vila manifestam-se todas as formas de paludismo, desde a mais ligeira até às febres remitentes, biliosa e perniciosa, o que confirma o meu juízo de pouco salubre. O solo de Cacheu é argiloso, com mistura de sílica. Desta natureza do terreno se compreende já a sua insalubridade, cercado de pântanos, salgados e doces abastecidas de água de má qualidade num espaço cercado de paliçada, esta vila não me merece o conceito de mais salubre que a povoação de Bolama.

De Cacheu e Farim, que não conheço ainda e que são banhados pelo rio de S. Domingos apenas repito o que tem sido dito. O cemitério de Cacheu é como o descrevem os delegados de saúde, uma porção de terreno ao Sul da vila, sem resguardo, cita numa pequena elevação do solo a que fica subjacente o pântano em que se encontram os poços de água que os habitantes da água fazem uso.
Manifestam os delegados de saúde o receio que as águas dos poços possam vir inquinada de produtos de decomposição cadavérica, não me parece justificado este receio perante a dar-se de que há muito em Cacheu deveria experimentar estes funestos resultados.
O cemitério não deve continuar no local onde hoje se fazem os internamentos, por ser a área muito pequena e estar muito próximo da praça. Convém que se termine aí com a inumação e que se construa um cemitério em local mais afastado.”


E o chefe do serviço de saúde irá seguidamente falar de Farim, Bolama e Geba.

Forte de Cacheu, finais do seculo XIX
Soldados da Companhia de Caçadores 508 com prisioneiros, na Guiné-Bissau, durante a Guerra Colonial. Fotografia retirada do site Lugar do Real, com a devida vénia
Marginal de Bissau. Ao fundo: a corveta NRP Honório Barreto, ao serviço da Marinha Portuguesa. Este tipo de embarcações atuou em missões de soberania e apoio de fogo nas águas de Angola, Guiné, Moçambique e Cabo Verde. Imagem retirar do Lugar do Real, com a devida vénia
Ponte-cais do Pidjiquiiti Correia e Leça, cerca de 1890

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 22 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26413: Historiografia da presença portuguesa em África (461): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1892 para 1893 (19) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26421: Notas de leitura (1766): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto, 1917-1919 (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
O impacto da Primeira Guerra Mundial é notório nos acontecimentos político-militares e económicos da Guiné; não conheço nenhum estudo que avalie o que foi o apresamento do comércio alemão e do encerramento das próprias fábricas germânicas, seguramente que tudo isso veio bulir com um descontentamento nos Bijagós e pesaram nas hostilidades às autoridades portuguesas. Veio um sindicante para o processo instaurado a Teixeira Pinto, acabou por ficar governador interino, era o coronel Manuel Maria Coelho, pediu regresso à metrópole de Sebastião José Barbosa, um secretário geral de longa data, sobre este pendiam múltiplos descontentamentos, Sebastião Barbosa desobedeceu; há também sublevações em chão Felupe, e o Chefe do Estado-Maior, Ivo Ferreira, toma medidas nos Bijagós que o coronel Manuel Maria Coelho anula. Nesse ano de 1917 temos novo ministro das Colónias, o comandante Ernesto Vilhena, quando Ivo Ferreira lhe pede a nomeação de Graça Falcão para secretário-geral, a resposta é terminante, nunca, jamais, em tempo algum. Tempos turbulentos, conforme se vê, e numa grande penúria, não há dinheiro para fazer operações militares.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto, 1917-1919 (11)

Mário Beja Santos

Todo o contencioso entre o governador Andrade Sequeira e o major Teixeira Pinto acabou num processo arquivado, o governador já deixara a Guiné e o major Teixeira Pinto morrera em campanha. Em 6 de janeiro de 1917 chegou à Guiné o coronel Manuel Maria Coelho, viera como sindicante deste processo que visava Teixeira Pinto, devia trazer mais referências do secretário-geral Sebastião José Barbosa, o coronel Coelho dá a saber ao ministro que não pode começar a trabalhar sem antes assumir o Governo interinamente, havendo que fazer regressar o secretário-geral à metrópole. O coronel teve que se preocupar com a realização de várias operações militares. Havia uma grande agitação na região do Cacheu, mais propriamente em Elia, tinham chegado uns manjacos vindos do território francês, estavam a pôr em polvorosa a etnia dominante, os Baiotes. O governador encarregou o Chefe do Estado-Maior, Ivo Ferreira, de ir averiguar a situação, Ivo Ferreira deu razão à queixa dos Baiotes, lamentava que o administrador de Cacheu não tivesse sabido agir em conformidade. Ainda na sua inspeção, Ivo Ferreira descobriu um roubo que estava a ser feito aos indígenas. “Verifica que toda a escrituração do cofre se achava correta, mas averigua que existia uma espoliação da parte do comércio local, o qual pagava adiantadamente o imposto devido pelos indígenas na importância de um escudo e 50 centavos por palhota, e que depois recebia por cada imposto pago um bushel (cerca de 27 quilos) de coconote cuja cotação é em média de 3 escudos. Era uma usura, com que era necessário acabar, mas que os administradores costumavam aceitar, por lhes ser mais fácil realizar assim a cobrança.” Ivo Ferreira também descobriu que havia grandes desinteligências entre o administrador e o comerciante Graça Falcão, aqui tantas vezes referido quer como herói militar quer pelas suas tropelias, Ivo Ferreira escreve no seu relatório ser do parecer de que o administrador deveria ser transferido para outro local, como aconteceu.

Há igualmente desacatos em Canhabaque, o governador Coelho para obrigar os indígenas à obediência e montar um posto de ocupação da ilha mandou constituir uma coluna comandada pelo tenente Sousa Guerra, que já se tinha distinguido na coluna de Bissau de 1915. A operação não se chegou a realizar porque o ministro não deu dinheiro para tal. Numa tentativa de resolver a situação, o chefe do Estado-Maior alvitrou ao governador que se desanexassem as ilhas rebeldes da circunscrição civil e se instalasse uma guarnição em Bubaque. Ivo Ferreira regressou a Bolama, o coronel Coelho visita Bissau e Ivo Ferreira aproveita para fazer ele próprio a sua política, as tais medidas de desanexação de circunscrição civil, ficam sob o comando militar com sede na ilha de Bubaque, o comandante nomeado é o tenente Gaspar que desembarca em Bubaque onde é informado por um chefe de tabanca que todos tinham fugido para o mato; Gaspar previne os chefes locais que irá fazer o arrolamento das restantes tabancas, a que se seguiria o pagamento do imposto.

O tenente Gaspar procede a um reconhecimento às margens da ilha de Canhabaque, há tiros disparados de longe contra o navio, a resposta são tiros de canhão e metralhadora. Dá-se um desembarque, a coluna é atingida pela fuzilaria dos Bijagós. Instala-se a desorientação na coluna, o tenente Gaspar decide retirar para a Praia, tinham morrido três soldados e ficado feridos 22. O governador Manuel Coelho regressa a Bolama, declara sem efeito as medidas de Ivo Ferreira. Há alterações governamentais em Lisboa, Afonso Costa era agora o presidente do Ministério e Ernesto de Vilhena o ministro das Colónia, o governador Coelho pede exoneração, mas antes disso ordena a Ivo Ferreira para ir a Canhabaque verificar o que se tinha passado, e o que se tinha passado fora um revés, Ivo Ferreira informa o governador que são necessários reforços para satisfazer as despesas das operações, temos uma nova coluna e operações nos Bijagós, nova fuzilaria mas os naturais da ilha fogem, encontram-se inúmeros mantimentos na tabanca de Bini, eram em quantidade tal que deram para sustentar uma força de 350 homens , entre regulares e irregulares, durante perto de 15 dias. Montou-se um posto militar, avançou-se para outras tabancas, o alvo era o rei de Canhabaque. No seu relatório, Ivo Ferreira releva a conduta militar de Sousa Guerra e, pasme-se, menciona com dignos louvores não só o alferes de 2ª linha Mamadu Sissé e o chefe de guerra Abdul Indjai.

Entretanto, Manuel Maria Coelho abandona a Guiné, sugerira ao ministro o nome de Ivo Ferreira, chegando a Lisboa apresenta o seu próprio relatório ao ministro, não deixa de lançar acusações à ação de Ivo Ferreira, acusando este de ser conflituoso e originar indisciplina com outros oficiais e escreve explicitamente que Ivo Ferreira não tinha mostrado as melhores qualidades de chefe. Enquanto isto tudo se passa, há desordens e desacatos de novo em chão Felupe, parte uma força de Arame que é recebida em Nhanbalam a tiro, mas depois os revoltados fogem em debandada, as tabancas são incendidas, os desacatos continuaram, as povoações Felupes foram intimadas em entregarem todo o armamento que possuíssem, todos irão cumprir com exceção de Susana, esta povoação será bombardeada, acabam por pedir perdão. É então que o ainda governador Manuel Maria Coelho manda atacar Nhanbalam, os residentes fogem em debandada, segue-se o incêndio das moranças, haverá festejos no Cacheu.

Armando Tavares da Silva debruça-se sobe o caso de Sebastião Barbosa. O coronel Coelho teria conhecimento de factos passados com Sebastião Barbosa que aconselhavam o seu afastamento da colónia, depois de várias peripécias, manda-o seguir para Lisboa e nomeia substituto interino para as funções de secretário do Governo, Sebastião Barbosa não irá cumprir a determinação do governador. Antes de se ausentar da província este envia um relatório providencial sobre o estado da colónia, aborda a organização dos serviços, fala do valor das riquezas e forma do seu aproveitamento, não deixando de resumir o conflito entre o governador Andrade Sequeira e o capitão Teixeira Pinto. Expressa a sua opinião sobre Sebastião José Barbosa: “É um antigo negociante, com dois ou três anos dos liceus nacionais; antigo escrivão, antigo amanuense da comissão municipal. É republicano antigo também e, por ocasião da proclamação da República, foi nomeado secretário do Governo por ser irmão de um dos membros do Diretório. É inteligente e ilustrado, mais do que o comum dos seus conterrâneos, crê a Guiné ser uma colónia de Cabo Verde.”

Em 13 de julho de 1917, o tenente-coronel Carlos Ivo de Sá Ferreira assume o Governo da província. De forma surpreendente a sua primeira proposta ao ministro Ernesto Vilhena era a nomeação para secretário-geral de Graça Falcão. E o ministro responde: “Convém dizer ao governador que o lugar não está vago, mas ainda que estivesse não era este individuo o mais próprio para o ocupar, atenta a circunstância de se ter envolvido, de longa data, em questões locais e de não apresentar bons antecedentes.”

Vamos agora ver a governação de Ivo Ferreira.


Armando Tavares da Silva
Manuel Maria Coelho, Governador interino da Guiné, 1917
Monumento aos heróis da pacificação de Canhabaque
Imagem retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, fotografia de Francisco Nogueira, Edições Tinta-de-China, 2016, com a devida vénia

Bolama, rua Governador Cattela, em 1892
Com a devida vénia a Wikimedia Commons

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 17 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26399: Notas de leitura (1765): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26364: S(C)em comentários (55): O fantasma do "capitão-diabo" (João Teixeira Pinto) e o "djubi" que, na fortaleza do Cacheu, de costas voltadas, não está a pensar no futuro-mais-que-perfeito, mas no presente mais comesinho e mais premente: o que é que eu vou comer hoje ao almoço… (Luís Graça)

 



Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > Estátua desmantelada do cap inf João Teixeira Pinto (o "capitão-diabo"), agora na fortaleza do Cacheu. Fotograma do vídeo do Carlos Silva, "Guiné-Bisssau, Estatuária" (2020) (7' 01") 


 
1. O nosso camarada Carlos Silva, que conhece bem o território, de antes e depois da independência, pôs, em 2020, à nossa disposição um vídeo sobre a estatuária colonial portuguesa na Guiné e as suas "andanças" desde 1974 (vd. a sua página, Jumbembem, no You Tube).

A estátua do Teixeira Pinto fora erguido em Bissau,  no Alto do Crim, parque municipal (atual Largo da Assembleia Municipal). É da autoria de Euclides Vaz (Ílhavo, 1916 - Lisboa, 1991) e deve ter sido executada emf inais dos anos 50/princípios dos anos 60.

A estátua, em bronze, desmantelada, encontra-se há muitos anos, ao ar livre, no forte do Cacheu, que funciona, infeliz e vergonhosamente, como uma espécie de caixote do lixo da presença histórica dos portugueses na Guiné.

É pena, porque, quer queiramos ou não, temos uma história comum, e só podemos ganhar, uns e outros, os portugueses e os guineenses, se soubermos construir pontes ligando o passado, o presente e o futuro, Está na altura de fazermos as pazes com o passado... E o passado deve ser explicado aos nossos filhos e netos. Essa pedagogia histórica está por fazer.

2. Ao jovem guineense que, na imagem acima, aparece de costas para a estátua, desmantelada, do "Capitão-Diabo", eu diria o seguinte:

"Que adianta, 'djubi', virares as costas ao passado, ou seja,  à História ?...Não terás futuro se não souberes aprender as lições do passado e do presente... Percebo a tua postura: não tens direito ao sonho,  estás a pensar,  não no futuro-mais-que-perfeito,  mas no presente mais comesinho e mais premente: o que é que eu vou comer hoje ao almoço… 

Que Deus, Alá e os bons irãs te protejam!"...  Luís Graça
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Nota doo editor:

Último poste da série > 7 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26358: S(C)em Comentários (54): "Fui saneada em 17 de abril de 1975 do Hospital da Força Aérea que ia abrir em janeiro de 1976" (Maria Ivone Reis, ex-maj enfermeira paraquedista, 1929-2022)

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26332: Historiografia da presença portuguesa em África (459): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, já estamos em 1890 (16) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Se é facto que o ano de 1889 decorreu numa relativa acalmia, atendendo à ausência de informações em sentido contrário no Boletim Official, 1890 vai reacender três focos de sublevação, arremetidas de Mussa Moló a partir do Senegal, alta tensão na Península de Bissau, guerras étnicas na região de Buba, isto quando ainda é manifestamente claro que há ainda muito território por ocupar. Tomou posse o novo Governador, Augusto Rogério Gonçalves dos Santos, em janeiro do ano seguinte será substituído por Luís Augusto de Vasconcelos e Sá. O que se vai manifestando é a pouca capacidade de Bolama dispôr de efetivos para apagar tantos fogos. E a Guiné ainda não sofreu o impacto da crise financeira que se abrirá em 1891, entrar-se-á num período de penúria, com efeitos na colónia.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, já estamos em 1890 (16)


Mário Beja Santos


Por muito que o leitor se surpreenda, 1889 foi um ano bastante árido, não consegui extrair de tanta monotonia informações de interesse. E confesso que os primeiros meses de 1890 também não saíram da modorra. A Guiné mudou de Governador, o novo chama-se Augusto Rogério Gonçalves dos Santos, e vão começar conflitos que irão permanecer bastante tempo em três pontos: Cacheu e Geba; Bissau e Bolola. O Boletim Official vai finalmente exprimir decisões em função do novo quadro de hostilidades.

O Boletim Official n.º 26, de 26 de junho, dá as seguintes informações, ambas assinadas pelo Governador:
“Tendo-se dado diversos factos pelos presídios de Geba e Farim, dependentes, aquele de Bissau e este de Cacheu, os quais só mui tarde têm chegado ao meu conhecimento por os respetivos chefes não se poderem corresponder com a secretaria geral do Governo senão por intermédio dos comandos militares de que dependem, e convindo que não haja delongas na resolução de quaisquer assuntos relativos àquele presídio, hei por conveniente determinar que os chefes dos referidos presídios se correspondam de futuro diretamente com a secretaria geral do Governo, participando ao comandante militar respetivo, em extrato, o que tiverem comunicado diretamente à referida secretaria.” E, mais adiante:
“Sendo sob todo o ponto de vista conveniente averiguar minuciosamente os factos ocorridos na praça de Buba na noite de 19 do corrente, em que foi ali morto por força pública um dos régulos do Forreá, Mamadi Paté, de Bolola, e preso um dos grandes daquele régulo; convindo não menos conhecer as causas para originar a prisão deste e a morte daquele, para se adotarem as providências que convierem: hei por conveniente determinar que o tenente Luís Maria Alves Costa siga na primeira oportunidade para Buba, a fim de com urgência proceder ali a um auto de averiguação.”

No Boletim Official n.º 27, de 5 de junho, a referência vai para a região de Geba:
“Tendo sido votado em sessão do concelho de Governo de 16 de junho último que, para ser tomada uma resolução definitiva sobre as providências que convém adotar, para pôr termo à discórdia sempre crescente entre os Fulas que habitam os territórios Joladu e Ganadu, dependências do presídio de Geba, os moradores da praça do mesmo presídio e os Mandingas e Biafadas que povoam a ponta de Sambel Nhantá, é preciso que se conheça por um relatório circunstanciados a origem das dissensões que ali se têm havido; pelo que o mesmo concelho foi de parecer que vá àquele presídio um oficial de exército ou empregado de confiança indagar minuciosamente qual a atitude que desde a última guerra os referidos Fulas têm tomado em relação àquela praça que os referidos Mandigas e Biafadas, compreendendo nas suas indagações o que há de verdade relativamente à forma como os territórios de Corolá e Sam Corlá, entre aquele presídio e o de Farim, foram invadidos e atacados por uma horda de gentios capitaneado pelo súbdito francês Mussa Moló, e que de tudo façam relatório de qual constam todos os factos de que ali se têm dado.” E faz a nomeação do capitão de artilharia.

No Boletim Official n.º 30, de 26 de julho, o Governador não está pelos ajustes perante atos que apontam para indisciplina militar:
“Tendo constado oficialmente a este Governo que o 2º tenente da bataria de artilharia Eduardo Augusto Perfelin, na qualidade de chefe do presídio de Farim deu autorização ao Mussa Moló, súbdito francês e chefe de guerra do rei Dembel para invadir e atacar os territórios portugueses Corolá e Sam Corlá, situados entre os presídios de Farim e Geba, hei por conveniente ordenar o seguinte: 1.º - Que no presídio de Farim seja aberta uma sindicância extraordinária aos atos oficiais do referido chefe, Eduardo Auguto Perfelin; 2.º - Que o capitão do Batalhão de Caçadores n.º 1, Joaquim Ribeiro de Brito Teixeira, comandante militar e administrador do concelho de Cacheu, proceda à referida sindicância; 6.º - O mesmo capitão, chegando a Farim, assumirá a direção político-administrativa e militar do presídio, fará seguir para Cacheu o 2.º tenente Eduardo Augusto Perfelin, que fica suspenso.”

O Boletim Official n.º 31, de 2 de agosto, traz notícias sobre a morte de Mamadi Paté, eis o que consta, de acordo com o relatório apresentado: "Mamadi Paté de Bolola, régulo do Forreá, foi morto na praça de Buba na noite de 19 de junho último, porque, quando o alferes João Moreira do Carmo, do Batalhão de Caçadores n.º 1, o foi chamar a comparecer ante o comandante militar para a conferência que tinha combinado ter, agrediu o referido alferes, pretendendo desarmá-lo e matá-lo; pelo que, teve este oficial de gritar socorro, o que sendo ouvido por aquele comandante e praças daquele destacamento, correram em seu auxílio, sendo então salvo da morte por um soldado que num ato de defender o pré-citado oficial ficou ferido e com a espingarda inutilizada devido aos contínuos golpes que sobre ele vibrou o falecido régulo com um ferro, o qual também feriu o 2.º sargento do referido batalhão, dando-lhe uma punhalada na cabeça e atacou todas as praças do destacamento que se lhe aproximaram; - Consta dos autos que o régulo tinha dentro da praça uns 30 homens, sendo alguns deles cavaleiros, e que fora da paliçada parecia ter alguma gente acampada; o que faz crer, que o falecido régulo pedindo ao comandante militar para guardar a conferência que havia de ter com ele depois do toque de recolher, era com fim premeditadamente sinistro, fim que se evidencia pelo seu procedimento, quando foi chamado pelo alferes Carmo para ir à conferência que tinha combinado ter com o comandante militar; consta também dos autos que as agressões dirigidas pelo falecido régulo à força pública deram lugar a estabelecer-se a uma completa desordem e confusão dentro da praça, a qual teria sérias consequência, se o comandante militar não fosse enérgico nem ativo, mandando dar fogo para fora da praça; por todos estes fundamentos, deve-se à energia do tenente comandante militar da praça não ter sido atacada e o alferes João Moreira do Carmo soube defender-se das agressões que o régulo Mamadi Paté lhe dirigiu.”

E termina o documento com o pedido de louvores tanto para o tenente como para o alferes e outros militares. Iremos ver seguidamente que ainda não acabou o contencioso com Mussa Moló, temos rebeliões em Geba, é uma nova época de instabilidade.

1890: o rei morreu, viva o rei! D. Carlos inicia o seu reinado e dirige uma carta a José Luciano de Castro que o Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa reproduz
O jovem D. Carlos
Sociedade do Fomento da Guiné, Bissau, bilhete-postal
Dispensário do mal de Hansen, Cumura, Guiné
Culturas da Guiné, gravura de Johann Theodor de Bry, séculos XVI e XVII

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 25 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26310: Historiografia da presença portuguesa em África (458): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, finais de 1888, início de 1889 (15) (Mário Beja Santos)