Emblema da CCAÇ 3566 e carta manuscrita de Maria Clarinda e Venâncio Gonçalves, viúva do nosso camarada António Joaquim Rosa Gonçalves, que pertenceu àquela, conhecida por Os Metralhas (Empada/Catió, 1972/74) (1).
1. Entre outras coisas, a viúva do Rosa Gonçalves - conhecido por Alentejano, entre os seus camaradas Metralhas - escreveu-me o seguinte, em carta enviada pelo correio:
1. Entre outras coisas, a viúva do Rosa Gonçalves - conhecido por Alentejano, entre os seus camaradas Metralhas - escreveu-me o seguinte, em carta enviada pelo correio:
(...) "Claro que não vejo inconveniente em fazer parte da vossa lista de amigos, será um prazer. Só mostra que a guerra onde vocês, ex-combatentes, estiveram envolvidos, deixou algo de muito bom, a amizade, [a qual] mesmo com o passar do tempo ainda perdura.
"Envio fotocópia de crachá dos Metralhas e de um papel que o meu marido trouxe da Guiné (uma determinação), o que mostra que, apesar de tudo, ainda havia tempo para brincar com coisas sérias... Como deve imaginar, guardo-o religiosamente.
"Como já tinha dito, o que faço em memória do meu marido, é uma forma de manter viva a sua memória, fazendo o que sei o que ele faria" (...)
[Alcácer do Sal,] 10-11-06
2. A nossa amiga Maria mandou-me também, no mesmo correio, um exemplar da Voz do Sado, com um depoimento sobre a guerra na Guiné. A fotocópia do papel do seu marido que ela guarda religiosamente, e que teve a gentileza de me mandar, não é mais do que uma lista de figuras de caserna a que estão associados títulos de filmes da época...
Era então uma forma de os nossos soldados criticarem a instituição militar, denunciando, caricaturando ou ridicularizando alguns dos aspectos mais sinistros, opressivos, cruéis e negativos da sua organização e funcionanamento, através do uso de trocadilhos com recurso a nomes de filmes comerciais (Carecada: E tudo o vento levou; Levantamento de rancho: a revolta dos escravos; Sargento da guarda: o Pai Tirano; Oficial de dia: Gringo não perdoa, etc.).
O emblema dos Metralhas é já, só por si, um tratado de humor castrense! Não sei como passou aos vários controlos da pesada hierarquia militar!
Reproduz-se a seguir a lista com alguns dos ditos de caserna, ditos esses que ao fim e ao cabo remontam a uma tradição popular, muito mais antiga que a guerra colonial... De facto, o nosso povo tem uma amarga experiência secular destas coisas, originando provérbios, de uma grande sabedoria, como:
- Bem parece a guerra a quem não vai nela;
- Da fome, da peste e da guerra... e do bispo da nossa terra, libera nos, Domine [livrai-nos, senhor];
- Em tempo de guerra, mentira é como terra;
- Nem todos os que vão à guerra são soldados;
- O bom soldado tira-o do arado;
- O soldado paga com sangue a fama do capitão...
Regimento de Infantaria nº 14 > Ordem de Serviço nº 5391
Determino e mando publicar:
Cabo Clarim – Trovador maldito
Cabo de Rancho – Ali-bá-bá e os 40 ladrões
Cabos chicos – Os miseráveis
Capelão – Cantiflas, o bom pastor
Carecada - E tudo o vento levou
Caserna – Casa dos infelizes
Comandante – O mais poderoso
Corte de fim de semana – O destino marca a hora
Depósito de géneros – Mercado negro
Desfile militar – Escândalo ao sol
Dia de pronto – O dia da vergonha
Dias de licença – O mundo maluco
Dias de instrução – Sangue, suor e lágrimas
Faxina ao refeitório – O dia mais longo
Fim de semana – Dias e dias no paraíso
Hospital militar – Cemitério dos vivos
Ida para o Ultramar – Que importa morrer
Ir para a Prisão – Os rebeldes
Levantamento de rancho – A revolta dos escravos
Médico de serviço – A morte veste-se branco
Messe de oficiais – Grande hotel
Messe de sargentos – Zona proibida
Meter o Chico – Pacto com o diabo
Mobilização – Passaporte para a eternidade
Oficial de dia – Gringo não perdoa
Passar à Peluda – A maior história de todos os tempos
Piquete – Todos morrem calçados
Plantão na caserna – Cabeça a prémio
Polícia militar – Espionagem maldita
Porta de armas – Cortina de ferro
Rancho melhorado - A grande mentira
Receber correio – De ilusões também se vive
Receber o pré – O dia da vergonha
Reforço ao quartel – Uma morte na escuridão
Sargento da guarda – O pai tirano
Secretaria – A caixa das surpresas
Soldados casados – Sarilhos de fraldas
Tirar o IAO – Aprender a matar
Toque de ordem – Música no coração
Toque de silêncio – Sinfonia incompleta
Uma noite deitado – Os assassinos atacam
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Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de
19 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1087: Rosa Gonçalves, o alentejano (CCAÇ 3566, Os Metralhas, Empada, 1972) (Quim Pinheiro)
7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1054: Agradecimento da viúva do Rosa Gonçalves (CCAÇ 3566, Os Metralhas, Empada/Catió, 1972/74)