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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15550: Tabanca Grande (481): Osvaldo Pereira da Cruz, 1.º Cabo Radiotelegrafista (rendição individual) – Piche 1969/71. É o grã-tabanqueiro n.º 710

1. O nosso Camarada [António M. ] Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), enviou-nos a apresentação de mais um camarada nosso, com a seguinte mensagem: 



Camaradas



Envio a apresentação de um novo Tertuliano, Osvaldo Pereira da Cruz, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista em Piche – Guiné,  1968/71. Para além de camarada d’armas também foi meu colega de trabalho nos ENVC (Estaleiros Navais de Viana do Castelo). 

Saudações,
A. Sousa de Castro


OSVALDO PEREIRA DA CRUZ, EX-1.º CABO RADIOTELEGRAFISTA EM RENDIÇÃO INDIVIDUAL NA GUINÉ – PICHE, 1969/71

PARA DAR UM ABRAÇO AO IRMÃO QUE IA CHEGAR À GUINÉ PARA CUMPRIR A SUA COMISSÃO AO SERVIÇO DO ESTADO PORTUGUÊS, INVENTOU PROBLEMAS DENTÁRIOS PARA CONSEGUIR CONSULTA E DESLOCAR-SE A BISSAU, FICOU SEM DOIS DENTES MAS PASSOU O NATAL DE 1970 COM O IRMÃO PAULO. VALEU A PENA! 

HISTÓRIA QUE SUA FILHA PAULA OLIVEIRA DA CRUZ FEZ QUESTÃO DE RECORDAR E PARTILHAR. MUITO BOM! (Sousa de Castro)


4 IRMÃOS NA GUERRA COLONIAL AO SERVIÇO DO ESTADO PORTUGUÊS.

Tenho 68 anos, trabalhei nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. (Fui Serralheiro Mecânico.) Fui para a tropa e daí para a Guerra Colonial na Guiné em rendição individual, fui 1.º Cabo Radiotelegrafista,  tinha 21 anos. Pertenci à Companhia de TRMS sediada em Bissau, no Quartel General, passei por Teixeira Pinto, Farim e completei a maior parte da comissão em Piche (15 meses, zona Leste da Guiné, no STM - Serviço de Transmissões Militares),  adido à CCS do BART 2857.

Foi muito duro para os meus pais pois estivemos na guerra ao mesmo tempo 4 irmãos, 2 na Guiné, 1 em Moçambique e outro em Angola.

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José Cruz

Meu 2.º irmão: José Pereira da Cruz, ex-Fur Mil TRMS INF. Cumpriu na Província de Moçambique desde 1969/71 a sua comissão de serviço,  integrado na CCAÇ 2555 como adjunto do Centro Cripto.


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Paulo Cruz 


Meu 3.º irmão: Paulo Pereira da Cruz, ex-Fur Mil, chegou à Guiné em rendição individual, em 1970/72. Ficou integrado num Pelotão de Nativos até ao fim. Não sei qual a designação do Pelotão e onde pertencia. Faleceu há mais de trinta anos por afogamento no Rio Lima,  no Barco do Porto em Cardielos, Viana do Castelo.


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Domingos Cruz 

Por último o meu irmão mais novo, o 4.º,  Domingos Pereira da Cruz:  cumpriu a sua comissão em Angola,  em rendição individual nos anos  de 1973/74 como Rádio-Montador. 

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- Pai, esta foi, por ventura, a história de Natal mais bonita que me contaste. Talvez não te lembres de a ter escrito no projeto Sénior, mas eu guardei-a para ti. Paula.


Osvaldo Cruz com sua filha Paula




MEMÓRIAS DO LESTE DA GUINÉ QUE NUNCA VÃO DEIXAR DE O SER!



Osvaldo Cruz
Estava na GUERRA COLONIAL da GUINÉ, e como tinha ido em rendição individual, passei por Teixeira Pinto e por Farim, acabando por me fixar em Piche onde estive quinze meses. 

Piche era uma zona do mato, no leste da Guiné. Como era uma zona das mais flageladas pelos ataques do PAIGC, não era fácil uma deslocação a Bissau onde acima de tudo se respirava um pouco melhor aquele ambiente de guerra. Acontece, porém, que eu recebo um aerograma dos meus pais onde me diziam que meu irmão Paulo tinha sido mobilizado e iria embarcar também para a Guiné. Fiquei muito surpreendido, e eis que chega novo aerograma do meu irmão onde me diz a data em que embarcaria em Lisboa,  directo à Guiné.

Eu era Radiotelegrafista, e a partir desta notícia desdobrei-me para saber quando chegava o navio a Bissau pois gostava muito de dar um abraço ao meu irmão, naquela hora da chegada. Então comecei a pensar o que fazer para vir a Bissau, pensa que pensa, e eis que surge uma ideia! Fui falar com um sargento-ajudante, com quem tinha já alguma amizade, e que eu sabia que me poderia ajudar. Contei-lhe a minha pretensão ao que ele me diz: “Tu és maluco, tu nem as pensas!”.

Fiquei triste, mas não saí dali. Então ele diz-me: “Olha lá,  os teus dentes estão bons ou tens algum avariado?” Eu tinha dois dentes atrás que estavam mais ou menos, mas estavam a cariar. Respondi: “Tenho um que volta e meia não o suporto com dores.” “Ora bem” - diz ele - “Sendo assim eu vou falar com o médico para ver se ele ajuda nisto”.

O médico era meu amigo e antes que o sargento falasse com ele falei eu primeiro, onde ele me diz: “Ó Cruz,  por mim não sou problema, deixa-o vir”. No dia seguinte sou chamado ao comandante. Quando chego diz-me o comandante: "Então queres ir à consulta do dentista no hospital militar?" Eu respondi afirmativamente e, olhando para a secretária dele, vejo a guia de marcha para eu ir para Bissau no primeiro meio aéreo que aparecesse. Entretanto ele pega nos papéis,  assina,  põe o carimbo e manda enviar uma mensagem para marcar a consulta. Manda-me sair e esperar por notícias.

Eu via o tempo a passar e nada de notícias, até que chega finalmente a confirmação da consulta e o meu amigo sargento mandou-me chamar. Fui a correr onde ele me diz: "Só falta o avião, o resto já cá está".

Entretanto chega uma mensagem dizendo que um avião DAKOTA chegaria naquele dia e que trazia reabastecimentos. O sargento diz-me: “Eh´, pá, parece que estás com sorte. Vou ver se o Dakota te leva, aguarda”.

Lá viemos para o posto de rádio para comunicar com a Força Aérea para confirmarem a boleia,  o que aconteceu. Fiquei muito contente e lá vim para Bissau. Quando cheguei , apresentei-me na Companhia de Transmissões para me darem alojamento e alimentação. Como ainda faltavam oito dias para a consulta, puseram-me a trabalhar no posto de rádio do Quartel-General.

Os manos Cruz, Paulo e Osvaldo
Dali a dois dias chegava o navio que trazia meu irmão. Como para entrar no cais era preciso uma credencial, fui pedi-la à secretaria e aí não houve problemas, pois fui com o condutor da carrinha de Transmissões que tinha livre-trânsito. 

Já no cais, eis que o navio que já fazia manobras para desembarcar o pessoal é vedado pela Polícia Militar, e não deixam ninguém contactar com os militares que chegavam, e estes são metidos em camiões directo ao Depósito Geral de Adidos que ficava a uns 16 quilómetros. Lá pedi ao condutor e este levou-me aos Adidos. O condutor deixou-me ficar, mas também nos Adidos não era fácil chegar ao contacto com os que chegavam e que estavam a ser encaminhados para os diferentes quartéis. 

Já estava desesperado e vejo aquela cabecita a olhar para todo o lado, não à minha procura porque ele não sabia que eu estava ali, mas porque tudo era diferente para ele a partir daquele momento. Eu gritei: “PAULO! PAULO!” e ele ouviu-me,  saiu da fila e com as lágrimas nos olhos veio dar-me um abraço. 

Como ele já sabia que iam ser alojados temporariamente no Quartel-General e eu tinha que vir para entrar de turno, despedi-me e disse-lhe que o procurava em Bissau. Lá arranjei boleia, o que era fácil, e vim para o Quartel. Ainda não tinha terminado o turno e chega um colega meu que me diz: “Cruz, está lá fora um periquito à tua procura.” 

Pedi-lhe que terminasse o turno por mim, depois de lhe dizer que o periquito era meu irmão que tinha chegado naquele dia. Fomos beber uma cerveja na cantina, pois o calor assim o impunha, conversamos para saber notícias e decidimos ir jantar num restaurante em Bissau.

Fui-me vestir com roupa civil e lá viemos para a cidade que ficava a uns 4 quilómetros. Foi uma noite diferente. Depois todos os dias nos encontrávamos, até que chegou a consulta. Chegado ao Hospital lá sou encaminhado para uma fila com mais de dez pessoas. Chega o enfermeiro faz a chamada e de seguida sem ser visto pelo médico que era um oficial da Marinha, começa a dar anestesia a todos que ali estavam.

Já não sentia a cara quando sou chamado, o médico manda-me deitar na cadeira e pergunta "qual era o dente?” Eu não sabia falar, pois não sentia a cara. Abri a boca, ele olha toca no dente mais estragado e arrancou-o. Meteu uma gaze no buraco olha de novo e diz: "O melhor é tirar aquele também que já não te vai chatear mais". E vai daí fiquei com menos dois dentes.

Entretanto,  trago a alta do médico onde dizia que podia voltar à minha unidade. Faltavam mais ou menos três semanas para o Natal, mas o transporte era difícil e aí eu já não tinha muita pressa. Chegou o Natal e, nem eu nem o meu irmão, tínhamos ainda transporte para os destinos. Então foi muito bom porque passamos juntos o Natal de 1970.

Passados uns dias sou chamado e fui de volta para Piche onde os meus camaradas de transmissões me esperavam, pois já estavam só os dois há mais de um mês e como o turno era de 24 horas, cada um trabalhava doze horas por dia. Passado um mês sou mandado para Bissau, pois tinha terminado a comissão e aguardava por transporte para a Metrópole. (Assim era chamado o nosso Portugal.) Em Abril de 1971 regressei com menos dois dentes, mas com grande alegria porque tinha ido receber o meu saudoso irmão. 

Um abraço, camaradas 

Osvaldo Cruz 
1.º Cabo Radiotelegrafista (rendição individual)

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: