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sexta-feira, 24 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25557: Os 50 anos do 25 de Abril (24): "As gargalhadas" de Salgueiro Maia (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72)


1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 22 de Maio de 2024:


"As gargalhadas" de Salgueiro Maia

"Salgueiro Maia - Das Guerras em África à Revolução dos Cravos" é um livro de Moisés Cayetano Rosado, de Badajoz, uma terra que também fazia parte da Lusitânia.

Salgueiro Maia foi acusado de Comunista, de fascista, foi um dos primeiros subscritores do Documento dos Nove, deixou durante algum tempo de participar nas comemorações do 25 de Abril e pediu para ser enterrado em campa rasa ao som do Grândola vila morena, o hino do MFA.

Vejamos o prefácio deste livro e o que escreveu o Sr. Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre o Cap. Salgueiro Maia:

Associo-me, com honra e júbilo, (...) saudando o ensaio histórico-biográfico do Sr. Professor Moisés Cayetano Rosado (...). E não encontro mais adequado modo de traduzir essa partilha (...), ocasião em que juntei às justíssimas Ordens da Torre e Espada, de Valor, Lealdade e Mérito e da Liberdade, atribuídas pelos Presidentes António Ramalho Eanes e Mário Soares, a Ordem do Infante D. Henrique.

Eis o que disse em 2016.

Foi há quarenta e dois anos!

Um homem em cima de uma chaimite. Que interpela o Poder que tarda em cair, enquanto o novo tarda em chegar (...)

(...) e termina. Neste Abril de 2021, tanto ou mais ainda do que há cinco anos, toda a homenagem e indelével gratidão é devida!

Marcelo Rebelo de Sousa

Palácio de Belém, 29 de Março de 2021.

Será que o Cap. Salgueiro Maia está a rir-se lá em baixo e quer dar uma lição de História à malta, sobre Castelos, a Ordem do Templo e a Ordem de Cristo?

O Rei D. Dinis, foi um senhor muito inteligente e hábil e fez tudo quanto quis. Antes da extinção da Ordem do Templo em 22 de Março de 1312, conseguiu integrar os bens da Ordem do Templo no Reino de Portugal, mantendo assim todo o seu património intacto.

Deu umas férias Grandes aos nossos Cavaleiros Templários e mandou-os para Castro Marim para proteger e manter a nossa Elite de Cavaleiros e formar novos guerreiros. As férias só terminaram depois de criar uma nova Ordem em 26 de Novembro de 1319, a que chamou Ordem de Cristo, onde foram integrados.

O melhor agora é citar algumas partes deste livro, sobre a vida deste guerreiro lusitano que foi Salgueiro Maia que terminou os seus dias como membro e Dirigente da Associação dos Amigos dos Castelos.

Pág. 62 (...) de 1 a 3 de Junho de 1973, celebrar-se-ia no Porto um encontro que viria ser uma "resposta" ao anterior: O "I encontro de Combatentes do Ultramar" (...). É interessante constatar que a hierarquia castrense proibiu que os militares no ativo participassem no encontro. O Gen. Spínola já tinha expresso, dois anos antes, que a solução do problema da Guiné (onde era Governador e Comandante-Chefe) era política, e muitos eram os militares spinolistas do Quadro Permanente que tinham intenção de intervir defendendo esta posição.

Em 5 de Março de 1974, tinham acordado na reunião celebrada em Cascais, a aprovação do importante documento. "O Movimento, as Forças Armadas e a Nação". Dos 197 presentes, 111 assinam o documento.

A pág. 75 (...) Distribuição das missões para o Golpe de Estado do 25 de Abril. O sr. Major Otelo esclarece. "Tens alguma dúvida? Não tenho nenhuma". Queres fazer alguma pergunta? "Duas" Quais são? Primeira: Programa político, (...). Segunda questão? E o Salgueiro Maia pergunta-me. Temos Generais no Posto de Comando? Aí eu tive uma mentira necessária e piedosa e disse-lhe: Concerteza pá, podes garantir pá que temos Generais no Posto de Comando.

Era mentira, não tínhamos porque os Generais não arriscavam nada (...).

A pág. 78 (...) O Salgueiro Maia - conta Otelo -, quando lhe dei a missão, avisou-me de que os soldados só tinham uma semana de recruta, não sabiam dar tiros. Disse-lhe, não faz mal, a tua coluna vai ser a coluna de isco, traz a maior quantidade de material de combate que puderes, Chaimites, M-47, Panhares, MBR, os soldados de capacete, metralhadoras e espingardas automáticas, munições, tudo. Quem vai opor-se a uma coluna dessas? Montas o arraial todo no Terreiro do Paço. Ficas à espera. Se por acaso estiver o Ministro do Exército no Gabinete, vais prendê-lo. E vão todos ter contigo.

Eu só tive uma amante na Guiné, chamava-se G3, tratava-a por tu, dormia ao meu lado com o carregador e uma bala na câmara.

Um atirador de Infantaria que domine o tiro instintivo pode agarrar a G3 só com uma mão e acertar num alvo a 50 metros sem apontar. Para isso é necessário premir o gatilho muitas vezes e gastar largas centenas de munições.
Eu nem imagino quantas vezes terá pensado o Cap. Salgueiro Maia, no Arraial do Terreiro do Paço e na sua responsabilidade sobre os militares que utilizou. Vem-me à memória o exemplo um deles estendido ao longo do passeio, a apontar a G3, não se sabe bem para onde, perante a curiosidade de três putos ao seu lado.
A sorte protege os audazes, mas não devemos abusar da sorte e muito menos a comandar uma força constituída por militares que nunca deram um tiro.

A pág. 75 e 78 permitem compreender a sua excitação em envolver-se a partir do 25 de Abril de 1974 sem ter a certeza de que tinha Generais no Posto de Comando.

Acresce que: Consta da pág. 110 e 111. O Maj. Vítor Alves adiantar-se-ia para expressar a Spínola a sua intenção de fazer um comunicado público divulgando o Programa do MFA, com os três grandes postulados de Democratizar, Descolonizar e Desenvolver, e o velho general lançar-lhe-á um "jarro de água fria":

- "Vocês são muito jovens, sem formação política, deixem isso para quem sabe, eu tenho uns amigos que trataram desse assunto".

Esta declaração é vaga, não identifica quem são os amigos e não permite identificar a linha política defendida por esses amigos.

Pág.120. A Unicidade Sindical e a liquidação dos latifúndios e entregar a terra a quem realmente a trabalha. Esta é uma conversa para parolos, porque a unicidade Sindical foi objecto de forte contestação no meio operário e, trabalhar a terra, provoca muitos calos nas mãos e dores nas costas. Dos 20.000 trabalhadores necessários para trabalhar a terra, 50.000 passaram a vida a fazer comícios, nomeadamente nas cooperativas e unidades colectivas de produção.

Pág. 121. Estes acontecimentos vão pressupor a ruptura do "aparente" entendimento do PCP e do PS, e são um alerta ao socialismo europeu, representado pelas figuras de Olof Palme e Willy Brandt os grandes apoios de Mário Soares, hostis ao protagonismo do PCP. E mais hostil ainda ao Secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, que por estes dias dirá a Soares:
- "Portugal está perdido, vai ser um novo país comunista. Vai ser uma nova Cuba".

De facto há razões para as preocupações dos líderes ocidentais. No frente a frente realizado entre Mário Soares e Álvaro Cunhal, em 8 de Novembro de 1975, este defende que no PS existem duas linhas.

Os dias loucos do PREC pág. 382. (...)

Mário Soares (...). O Partido Socialista já escolheu o seu campo (...), instaurar em Portugal uma sociedade socialista, uma sociedade sem classes mas em liberdade (...). Não fará uma revolução (...) que transforme este País numa ditadura e o PCP deu provas durante estes meses de que quer transformar este País numa ditadura.
Álvaro Cunhal. - Olhe que não! Olhe que não!
(...) Álvaro Cunhal - (...) Há membros do Partido Socialista que querem as duas coisas, querem liberdade e querem socialismo. Mas infelizmente isso não parece a política do Partido Socialista (...). Pág. 382 Os dias loucos do PREC. ÚLTIMAS OFENSAS, (Promoções e outras coisas)

Pág. 142. O Sr. Maj. Gen. Adelino de Matos Coelho grande amigo de Salgueiro Maia animou-o a pertencer à Associação dos amigos dos Castelos, como membro da Associação e seu dirigente, participa em actividades sobre Património nomeadamente em Braga, Castelo Branco, Coimbra, Alcobaça, Santarém, Monsanto, Sortelha, Almada, Castelo de Vide Marvão, Évora, Beja, Olivença e muitos mais.
Não é de estranhar que Salgueiro Maia, tenha estudado o percurso de D. Gualdim Pais (1118-1195), 6.º Mestre Templário ( de 1159 a 1195).

Era de 1209. O Mestre Gualdim certamente de nobre geração, natural de Braga, existiu no tempo de Afonso, Ilustríssimo Rei de Portugal. Abandonando a milícia secular em breve se elevou como um astro, porquanto, soldado do Templo, dirigiu-se a Jerusalém onde durante cinco anos levou vida trabalhosa. Com seu Mestre e seus irmãos, entrou em muitas batalhas, movendo-se contra o Rei do Egipto e da Síria. Como fosse tomada Ascalona, partindo logo para Antioquia, pelejou muitas vezes pela rendição de Sidon. Cinco anos passados, voltou, então para o Rei que o criara e o fizesse Cavaleiro. Feito procurador da Ordem do Templo em Portugal, fundou, neste, o Castelo de Pombal, Tomar, Zêzere e este que é chamado Almourol, Idanha e Monsanto (...). José Manuel Capêlo Portugal Templário, pág. 76 e 77.

Pág. 150. Em declarações à revista "Expresso", Vasco Lourenço considerava Eanes o principal responsável pela marginalização e persecução dos militares de Abril (...). Ramalho Eanes, militar de costumes austeros e vida ascética, imparcial na execução das suas convicções, teve de enfrentar-se com líderes políticos em contínua tensão: (...).

Costumes austeros e vida ascética é um dos princípios da Ordem do Templo. O percurso militar de alguns membros do MFA, indicia que Ramalho Eanes, não era o único a seguir estes princípios: Ser o primeiro a dar o exemplo e cortar a direito é um princípio de base.

Foi no programa "O que dizem os teus olhos" de Daniel Oliveira que ouvi este perguntar ao actor Vítor Norte, também ex-combatente:
Como foi a sua Guerra na Guiné? Resposta de Vítor Norte (...) Fui para lá um puto e vim de lá um velho. Mas... Esteve lá muito tempo? Perguntou o Daniel. Dois anos, foi a resposta seca de Vítor Norte.

As primeiras Eleições livres decorreram em 25 de Abril de 1975. A eleição da Mesa da Assembleia Constituinte decorreu no dia 5 de Junho de 1975 e teve como Presidente Henrique de Barros, que deu início aos trabalhos.

O 25 de Novembro de 1975 pôs fim ao PREC e à linha do MFA que defendia o manual da Revolução de Outubro de 1917 "Catástrofe iminente e os meios de a conjurar" de Lenine. Felizmente não conhecemos o resultado de uma guerra civil em 1975.
Os trabalhos da Assembleia Constituinte foram aprovados na sua votação final em 2 de Abril de 1976.

Pág. 105. No dia 25 de Abril de 1974, enquanto decorria o Golpe de Estado, (...). Mais tarde conta a sua conversação com Caetano: "Passei por uma antecâmara, onde se encontravam Moreira Baptista (Ministro do Interior) e Rui Patrício (Ministro dos Negócios Estrangeiros), chorando como uma criança, olhando para o infinito o primeiro. Marcelo estava pálido, barba por fazer, gravata desapertada, mas digno.

Pág. 154. Tem um curioso encontro com Cavaco Silva numa visita que este efectuou à EPC.

"Aproximam-se e o Coronel - Comandante da Escola diz a Cavaco. Sr. Professor, não sei se já conhece, este é o Ten-Coronel Salgueiro Maia, o Cap. de Abril que prendeu o Primeiro Ministro Marcelo Caetano... O governante sorri discretamente e cumprimenta Salgueiro Maia. Este demolidor, dispara sem pestanejar: "Prendi esse, sim senhor e prenderei outros se necessário for". Cavaco engole em seco e passa adiante, decerto pouco à vontade com tão inadequada analogia".
Salgueiro Maia não estava "para brincadeiras" com os políticos. (...).

Termina assim o autor deste livro, na pág. 190.

Caro Fernando.

Partiste cedo. Tens-nos feito cá muita falta!

Vais-te rir certamente, com a informação que te dou: depois de partires, depois de deixares de poder, causar-lhes problemas, fizeram de ti um Herói!

Vá lá, acaba com as gargalhadas. A vida e a morte são mesmo assim!

Um grande , um enorme abraço, muito amigo e de Abril!

10 de Setembro de 2021.

Baltazar Rebelo de Sousa, pai do nosso actual Presidente da República, foi Governador Geral em Moçambique, durante 2 anos e Ministro do Estado Novo de 7 de Nov. 1973 ao 25 de Abril de 1974.

Salgueiro Maia foi um guerreiro e não estava "para brincadeiras" com os políticos, ficou de forma simbólica ligado ao fim do Regime do Estado Novo.

Este guerreiro Lusitano da Arma de Cavalaria, com provas dadas em combate, é um justo merecedor da Ordem de Torre e Espada, de Valor, Lealdade e Mérito e da Liberdade.

Os políticos não faziam, nem fazem, a mais pequena ideia, do que é uma guerra. Mas quando uma guerra começa ficam a saber, o que é a verdadeira violência.

Tem razão o autor quando diz: Depois de partires, depois de deixares, de lhes causares problemas, fizeram de ti um herói.

Vá lá, acaba com as gargalhadas! A vida e a morte são mesmo assim.

Junto Capas dos livros:
"Salgueiro Maia - Das Guerras de África à Revolução dos Cravos", de Moisés Cayetano Rosado.
"Portugal Templário", de José Manuel Capêlo
"Catástrofe iminente e os meios de a conjurar", de Lenine
Contracapa do livro "Catástrofe iminente e os meios de a conjurar"
Editada para facilitar a leitura do texto

Um abraço,
Victor Costa,
Ex-Fur Mil At Inf
CCaç 4541/72

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Nota do editor

Último post da série de 20 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25542: Os 50 anos do 25 de Abril (23): Hoje, na RTP1, às 21:01, o 6º episódio da série documental, "A Conspiração", do realizador António-Pedro Vasconcelos (1939-2024)

terça-feira, 21 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24159: Os nossos seres, saberes e lazeres (563): O Estado a que isto chegou (Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 16 de Março de 2023:


O Estado a que isto chegou

Para mim a guerra não foram só problemas. A capacidade de liderança, tolerância e a resistência aprendi-as na tropa, essa tolerância e resistência foram fundamentais quando iniciei uma nova atividade em 1976.

Numa empresa é fundamental dizer "o cliente tem sempre razão", mas para engolir tantos sapos e aguentar tanta razão, foi precisa muita resistência, tolerância e ouvir muita m..da. Eu sou empresário desde 1976.

Nem sempre há tempo para responder em devido tempo aos comentários, mas neste caso, com um barco da nossa Marinha de Guerra na Madeira, tive de arranjar tempo para escrever esta mensagem, porque ela me trouxe as recordações de um amigo com idade de ser meu pai chamado Maximiliano de Sousa, mais conhecido por Max.

Pouco tempo convivi com ele, mas aquela do "magala", numa conversa com ele numa mesa do café Nicola, depois da sua actuação no salão de festas do Casino da Figueira no outro lado da rua foram inesqueciveis.

Max era um homem vivido, com muita categoria, que não deixava ninguém indiferente, que saudades tenho daquele tempo. A primeira conversa com ele começou numa simples mesa do café Nicola e terminou com a mesa rodeada de assistência.

No que a mim me toca sendo eu um "reacionário" eleito pela CCaç 4541/72 para o MFA, que acima de tudo procura honrar os antigos combatentes, vou voltar a ouvir o "magala" de Max e meditar.

Depois deste desabafo vou responder ao último comentário da minha anterior mensagem.

A carta militar de 1947, mostra o estuário do rio Mondego, junto à Figueira e depois o início do baixo Mondego, que depois continua para Nascente até Montemor o Velho. A constituição do terreno (aluvião) é igual, mas as culturas são diferentes.

Da Ínsua, passando pelo marco geodésico (Pontão), até à Ribeira, para Noroeste é o Estuário do Mondego, para Sudeste da Quinta do Canal, Lares e Carrapatosa e até Montemor o Velho fica o Baixo Mondego, como mostra a simbologia da carta.

Durante mais de 4 anos fiz um trabalho de pesquisa no Arquivo da Universidade de Coimbra sobre escrituras do século XVIII e XIX, relativas a terrenos privados no Estuário do rio Mondego.

Este trabalho permitiu-me conhecer, a evolução da escrita, heróis da época, as virtudes do nosso povo e a covardia de alguns dirigentes que fugiram para o Brasil. Com as invasões francesas, veio o "aliado", o Duque de Wellington para organizar a resistência, este estabeleceu o seu Q.G. no Porto de Lavos em 1808.

A Figueira da Foz era então uma pequena vila em pleno crescimento devido à exportação de sal. Portugal tinha então um cobarde como Rei e com a falta de Forças Armadas capazes, as tropas de Wellington chegaram e fizeram uma política de "Terra Queimada" na região.

A maioria da população refugiou-se na Vila da Figueira que não estava preparada para este aumento de população. Seguiu-se um período de doenças, sofrimento e miséria tais que não constam dos manuais de História, mas que está registada nos velhos livros do Arquivo da Universidade de Coimbra.

Nas escrituras de aforamento do princípio do século XIX, do notário Manuel Peregrino de Carvalho, consta o Dr. Manuel Fernandes Tomaz, um ilustre figueirense do século XIX, deputado do Reino e o seu pai João Fernandes Tomaz. Da descrição consta a utilização de terrenos de aluvião na região de Lares e Carrapatosa, para instalar marinhas, que foram até aos anos 60 do século XX, actualmente são campos de arroz.

A constituição dos terrenos é igual, mas as culturas são diferentes devido ao tipo de água que utilizam. No Estuário a água é salgada e as culturas são Marinhas, Sal, Peixe, Crustáceos e Bivalves e no Baixo Mondego até Montemor o Velho, predomina a cultura do arroz, onde as águas são doces, ambas estão representadas na carta com simbologia diferente.

As invasões registadas na História de Portugal a nós trouxeram muitos problemas, mas também nos trouxeram conhecimento. No Estuário do rio Mondego junto ao mar a invasão do Império Romano trouxe-nos o conhecimento das marinhas para levar o sal até Conimbriga, a influência da água salgada chegava a Montemor o Velho vulgarmente chamado de Baixo Mondego.

A invasão dos mouros trouxe-nos o conhecimento da cultura de produção do arroz e a tecnologia dos canais de irrigação que conduziram a água doce para jusante até ao início do estuário.

As marinhas de sal são constituídas por diversos compartimentos, sendo o primeiro deles o viveiro ou reservatório da marinha, aqui através da comporta entra além de água salgada, peixe, crustáceos e Bivalves, daí que a produção extensiva destas culturas já venha do tempo do Império Romano.

Nos anos 80 do século passado alguns produtores converteram as marinhas de sal e construíram novas instalações para produção de peixe e com a utilização de novos equipamentos, alteraram as instalações para o regime semi-intensivo.

Para exercer esta atividade é preciso saber lidar com a vida animal, a DGRM, ex-Direção Geral das Pescas passou a chamar-lhe Aquacultura Marinha, eu sou um dos pioneiros ainda vivos.

Como a História mostra as invasões e as guerras trouxeram sempre problemas, mas não podemos esquecer aquilo que aprendemos com os romanos e os árabes e também não devemos esquecer aquilo que ensinámos a outros povos, por esse Mundo fora.


O Estado Fascista, o Estado Comunista e o Estado a que isto chegou.

Há gente neste País que colaborou com o IN, outros fugiram cheios de "coragem" e são hoje apresentados como heróis, há outros "democratas" que pediram ao regime "fascista" um adiamento à sua integração nas FA. Esse direito foi-lhes concedido e tratam os ex-combatentes com peste. Há ainda os filhos do papá, que não foram à guerra e opinam sobre tudo e todos e desprezam tudo o que deixámos em África e no Brasil.

Há ainda alguns que procuram o "ouro do Brasil", ou do quinto dos infernos que vinha na Nau dos Quintos para devolver aos "Brazileiros". Deste ouro, ainda só encontrei pedras já que as jóias da coroa foram roubadas na Holanda, está a decorrer a "investigação" e eu como "homem de fé ainda não perdi a esperança", porque a fé é a última a morrer.

Quando regressei da Guiné em Outubro de 1974, a Presidente da C.M. da Figueira da Foz, convocou-me para uma reunião cujo objectivo era a criação de uma comissão para elaborar os Cadernos do Recenseamento Eleitoral da Freguesia de Lavos.

A minha abertura a esta tarefa foi imediata, a caloirice falou mais alto, foi um trabalho que durou dois meses, as eleições de 25 de Abril de 1975 foram realizadas graças ao trabalho deste e de outros "parolos" deste País. Se a velhice fosse um posto, eu devia debitar os serviços prestados pela elaboração dos Cadernos Eleitorais, das inúmeras vezes que pertenci a várias mesas de voto, quatro anos como 1.º Secretário da Assembleia de Freguesia, só para falar destas e tudo isto a custo zero, mas não o vou fazer porque vivemos num "Estado de direito democrático". Hoje até os membros de uma simples Mesa de Voto, recebem 75 Euros pela execução daquela "tarefa dificil".

Já só falta o Presidente, numa qualquer comemoração atribuir um prémio aos parolos, "habituem-se", porque o valor que é dado às coisas depende das "costelas".

Se as "costelas" forem de esquerda, levam-se as facturas ao contabilista para registar, esperamos pelo relatório no fim do ano e sabendo que há contas por pagar, vamos para casa descansados e dizemos ao vizinho "as contas estão certas."

Se as "costelas" forem de direita, além das contas certas, sabemos que é importante pagar as dívidas e ter lucro para não deixar problemas aos filhos.

Estes são os novos tempos, por este andar ainda vou morrer reacionário. Os Donos disto tudo continuam a reclamar o Estado de direito democrático, mas o que nós temos, é o Estado a que isto chegou. Quer gostem ou não, o que está em causa é o Estado de Direito. Quem sabe se não precisamos voltar ao "ferro", ou a outro 25 de Abril?

Antes de terminar quero agradecer ao Luís Graça, Carlos Vinhal e restante equipa pela coragem que têm demonstrado na defesa da liberdade de expressão e pedir-lhes desculpa por não saber elaborar um texto que possam perceber, mas há uma razão para isso, eu sempre gostei mais de lidar com números.

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf


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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24154: Os nossos seres, saberes e lazeres (562): Os meus livros. Ao todo, quinze (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico)

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23234: (In)citações (205): O general Spínola, a guerra e a paz (Victor Costa, ex-fur mil, At Inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)


Guiné > Sector de Bissau > Safim > CCAÇ 4541/72 (Caboxanque, Jemberém, Cadique, Cufar e Safim, 1972/74) > Maio de 1974 >  Eu e a minha lavadeira e a sua famíla. Foto de que lhe ofereci uma cópia.

Foto (e legenda): © Viictor Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), natural da Figueira da Foz, e membro nº 855 da Tabanca Grande :

Data - terça, 3/05/2022, 19:48
Assunto - O General Spinola, a Guerra e a "Psicola", na Guiné

Amigos e Camaradas da Guiné,

Quando cheguei à Guiné, o General Spínola já não estava no Comando do Território, no entanto o seu nome era citado frequentemente com opiniões a favor ou contra. Foi um personagem que mexeu com todos e não deixava ninguém indiferente.

Passei a conhecer e admirar Spínola a partir de uma entrevista dada por Leopoldo Sedar Senghor em 15 de Junho de 1974.

Para mim, fosse ele de esquerda ou de direita, era pouco importante, considerava-o um grande guerreiro, que procurou a paz para a Guiné e dava muita importância à Acção Psicológica e à vantagem militar para dar início às negociações de paz numa posição de força, mas não tinha habilidade para a política.

Na CCaç 4541/72 era frequente os "Velhos" falarem da "Psícola" do Gen. Spínola. Tratava-se de ele oferecer prendas a um Homem Grande, onde constavam um rádio de 6 transistores, uma camisa garrida e uns óculos escuros.

Como eu tinha vindo do Leste da Guiné,  nunca tive oportunidade de ver estas acções, mas o que sei é que ele dava muita importância às condições físicas e mentais da tropa e ao exercício da Acção Psicológica e utilizava tudo para conseguir um bom relacionamento com as populações locais.

Eu acabei por receber essa influência dos "Velhos", não ofereci óculos escuros, que era visto duma forma depreciativa, porque talvez o exemplo não fosse o melhor, mas também utilizei a "Psícola", chegando a brindar a minha lavadeira e família com uma fotografia conjunta. 

Na guerra devemos sempre manter boas relações com a população porque nas patrulhas podemos vir a precisar, eu próprio verifiquei isso e não custa nada procurar evitar atritos, que nos possam trazer desvantagem no futuro.

Penso que seria uma mais-valia os camaradas lerem a entrevista republicada no Boletim Informativo n.º 2 do MFA,  de 17 de Junho (de «Jeune Afrique»,  n.º 701 de 15 de Jun 74) nomeadamente a opinião do Representante do IN (PAIGC), o Presidente do Senegal Leopoldo Sédar Senghor, "O meu papel acabou", sobre o que ele pensava do General Spínola e a descolonização da Guiné.

Não pretendo fazer nenhuma crítica sobre outras formas de ver estas questões mas apenas emitir a minha opinião. Mas lembro que por vezes agarramo-nos a preconceitos, não vamos ao fundo da questão, não vemos o personagem na globalidade e acabamos a desvalorizar os valores do nosso País, em detrimento de outros. 

Por isso continuo a admirar Spínola e a dar valor aos nossos, porque se não o fizermos, quem o irá fazer? (*)

Segue em anexo a fotografia e o texto da entrevista. (**)

Um abraço do Victor Costa
Fur Mil At Inf
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 24 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23196: (In)citações (204): As comemorações do dia 25 de Abril de 1974 (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

(**) A publicar, num outro poste, na série "18º aniversário do nosso blogue"

domingo, 24 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23196: (In)citações (204): As comemorações do dia 25 de Abril de 1974 (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

Safim, Abril de 1974 - Lendo o jornal República


1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 5 de Fevereiro de 2022:

Amigos e camaradas,
Apesar de muito importantes, as fotografias não dizem tudo sobre nós. Esta mensagem e a fotografia anexa pretende recordar um período da nossa História que eu vivi intensamente.
A fotografia que vos trago hoje é de um membro da Delegação do MFA de 22 anos de idade da CCaç 4541/72, nos balneários do Quartel de Safim a ler o Jornal República.

Fundado em 15 de Janeiro de 1911, o jornal República, foi um Jornal da Oposição moderada ao Governo do Estado Novo e como muitas outras instituições e pessoas deste País não resistiu ao vendaval do PREC.

Na minha opinião, as duas datas mais importantes antes e depois do PREC são o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, por isso dou muita importância às Comemorações do 25 de Abril de 74 porque pôs fim ao Estado Novo e à Guerra Colonial e também dou muita importância às comemorações do 25 de Novembro de 75, porque sem esta data, continuaríamos seguramente a não ter, a democracia, nem o País que ainda temos hoje.

É no entanto necessário falar do que aconteceu entre estas duas datas, isto é - a 5.ª Divisão do MFA e o PREC-, para percebermos como chegámos ao 25 de Novembro de 1975.

Em 17 de Junho de 1974 é publicado na Guiné o Boletim Informativo n.º 2 do MFA na Guiné, em formato A3 que refere nomeadamente na sua pág. 4, cito - Constituição de uma Repartição de Relações Públicas e Acção Psicológica (espécie de 5.ª Repartição) a funcionar ao nível do EMGFA, - que mais tarde se assumiu na Metrópole em 9 de Setembro desse mesmo ano como - 5.ª Divisão do MFA .

Neste documento começam as minhas reservas com a orientação política do MFA na Guiné, que depois irão aumentar durante o período do PREC.
Ler o Jornal República, era comungar daquilo que no Jornal se escrevia, e acompanhar os seus problemas internos durante o PREC e em particular no Verão Quente de 1975, serviu para reforçar as minhas convicções.

Quando finalmente no dia 25 de Novembro de 1975, o Ten. Cor. Ramalho Eanes e o Maj. Jaime Neves puseram novamente o País nos eixos, foi com alívio verificar, que afinal não estava sozinho naquela barricada.
De facto até o Director, a equipa redactorial e colaboradores do Jornal República, nomes que não vou divulgar, nem emitir qualquer comentário, mas que estavam nessa barricada.
Foi necessário esperar 46 anos para receber a triste notícia dum Senhor, rijo mas moderado, o "Velho" Gen. Ramalho Eanes, ex-Presidente da República com apenas alguns "gatos pintados" e aquela coragem, à chuva a dar o exemplo, nas comemorações do último 25 de Novembro.

Foi uma comemoração desvalorizada e apagada, para dar um sinal político ao País, que as coisas tinham mudado e que eles é que mandam. Que mais disseram esses Senhores que mandam nisto tudo? Disseram apenas que o 25 de Novembro é uma data que divide os Portugueses. E é verdade, visto que do lado desses Portugueses, já só falta o casamento, porque a união de facto, há muito que já existe.

Luís de Camões tinha razão, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (...). Será que a próxima data a deixar de ser comemorada, seja o 25 de Abril?

Quando damos tudo por garantido, não damos valor aos melhores, não respeitamos os mais velhos, não defendemos os nossos heróis e procuramos apagar a História, afastamo-nos da razão. Quem sabe se não existe agora mais um problema, à procura de uma solução!

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur. Mil. At. Inf.

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23184: (In)citações (203): Nós, os fulas e os nossos (mal-)entendidos. a propósito da expressão "(lavadeira) para todo o serviço" (Cherno Baldé / Mário Miguéis)

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23183: Historiografia da presença portuguesa em África (313): Informações da Guiné na Memória do Tenente Bernardino de Andrade (1777) (Mário Beja Santos)

Carta da Costa Ocidental de África, feita em Amesterdão, 1705


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Maio de 2021:

Queridos amigos,
É mesmo para ter em conta o que aqui relata o Tenente Bernardino António Álvares de Andrade, a viver há dez anos e oito meses na Praça de S. José de Bissau, escreve uma Memória para um Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor que não sabemos de quem se trata, e dá-lhe informações preciosas sobre a nossa presença na ilha de Bissau, nas nossas relações com os Felupes e o comércio de Cacheu, desce depois a Tombali e ao rio Nuno, sobe à povoação de Geba e dá-nos a saber que um tal José Lopes ofereceu a Sua Majestade domínio senhorio que tinha na Serra Leoa. Várias ilações podemos extrair deste texto: referências a régulos déspotas nas cercanias da ilha de Bissau, pouca lealdade à soberania portuguesa, algum tráfico negreiro; uma admirável descrição dos Felupes de Bolor e da sua lealdade com Cacheu; negócios concorrenciais de Tombali e em Rio Nuno, na Serra Leoa tinham chegado os ingleses recentemente e hostilizavam às claras a presença portuguesa; considerar a povoação de Geba como a de melhores negócios e de plenos recursos, por ali andou acompanhado de administradores da Companhia de Grão-Pará e Maranhão; e a doação de José-Lopes dos seus bens na Serra Leoa ao rei de Portugal (D. Maria I), que seguramente não teve efeitos práticos. Somando estas parcelas caleidoscópicas que podemos ir formando uma certa ideia do que era a nossa presença na Guiné no último quartel do século XVIII.

Um abraço do
Mário



Informações da Guiné na Memória do Tenente Bernardino de Andrade (1777)

Mário Beja Santos

No Arquivo das Colónias, Volume I, Julho-Dezembro de 1917, encontra-se um bem curioso documento que é a Memória que o Tenente Bernardino de Andrade elaborou em 1777 para informar o Governo da Guiné e dos seus recursos. Um dos aspetos mais curiosos do texto é ele revelar como foi cedido a Portugal o território da Serra Leoa. Em rigor não sabemos a quem se dirige, fala sempre no Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor a quem expõe sobre a ilha de Bissau, a terra firme da Guiné, Serra Leoa e Cacheu:

“Divide-se a ilha de Bissau da terra firme da Guiné por um pequeno rio chamado o de Balantas”. Refere algumas das frutas próprias do país (banana, mamão ou papaia e limão azedo). Fala numa viagem de três horas de Bissau a um outro porto chamado dos Brames onde vivem Balantas: 

“Nação indómita, muito traidores, cruéis nos seus procedimentos, vendem poucos escravos, raras vezes marfim e nenhuma vez cera”. Alude ao porto de Bejamita, na ilha de Bissau, onde se compra sal, arroz, algum milho, azeite de chabéu, diz ser povoada de muita madeira boa, para obras navais e de edifícios, aqui se vendem alguns escravos, é abundante dos frutos próprios do país, tem abundância de peixe, caça de toda a qualidade e produz bem a mandioca. “Deste porto para a Praça de Bissau há caminho por terra, em que se gasta pouco menos de um dia, é governada por um fidalgo despótico no seu governo, mas quando este morre herda o sobrinho filho do irmão, e para herdar dá certos donativos ao rei da ilha de Bissau”

Refere igualmente outros lugares como Safim, porto antes de chegar ao de Bejamita.

Está agora a caminho de Cacheu e refere Felupe do Bote, porto abundante de arroz, milho, galinhas, peixe, porcos, azeite de chabéu, diz ser gente de muito má fé, revoltosos, inimigos declarados de franceses e ingleses, admitem nos seus portos as embarcações portuguesas, neles se fazem negócio de mantimento para a praça, mas com muita vigilância, “e cuidado por amor da sua traição”

Fala igualmente de Felupe de Bolor, dizendo que é gentio manso e que se intitulam vassalos do nosso soberano, praticam as mesmas cerimónias que se veem usar na praça de Cacheu, onde vão levar escravos, mas caros, muitos bons porcos e em bom preço. 

“Esta nação tem por costume ser obrigada, nem lhe ser penoso, quando sucede haver alguma diferença em Cacheu com o gentio do seu continente, logo que ouvem a peça de rebate largam as suas casas e nas suas próprias embarcações, e com as suas armas, nos vêm auxiliar e ajudar à defesa da Praça. Esta nação pouco cultiva, mas são as que mais vendem e aonde se acha mais abundância de mantimentos; porque até as próprias mulheres metidas em embarcações, sem decência alguma em seu corpo, andam comprando de porto em porto; elas são as mesmas que remam nas suas embarcações, as que limpam o arroz, e os maridos só servem para o venderem, e para lhe defenderem a terra dos invasores de outros bárbaros, que lhe acometem”.

O Tenente Bernardino António Álvares de Andrade refere agora a terra firme de Guiné e o caminho de Serra Leoa. Começa em Tombali e fala na venda de escravos, cera e marfim, esta nação Beafada vai vender aos ingleses e franceses que frequentam o rio de Nuno. O porto de Tombali tem abundância de arroz, milho, galinhas, peixe e frutos do país, tem muita caça e muita vaca. Ficamos a saber que o rio de Nuno é povoado pela nação Beafada e alguns Fulas. Nalguns portos deste rio se faz negócio abundante em escravos e marfim, mas caro, pela frequência dos navios estrangeiros. Um deles chama-se porto de Santa Cruz e ainda há alguns vestígios de uma população portuguesa, e nela se adora uma cruz, há cristãos dispersos sem pasto e espiritual. Deste porto faz-se caminho por terra tanto para a Serra Leoa como para Geba. O Tenente Andrade refere o Porto dos Ídolos, povoado de gentio mouro preto, aonde vão carregar franceses e ingleses os seus escravos. No princípio do ano de 1775 principiaram os ingleses de Liverpool a fortificar uma casa de negócio neste porto, para o que tinham levado artilharia e materiais precisos. E adverte na sua memória: 

“Os ingleses não querem dar passagem às nossas embarcações, e quando veem que os capitães são frouxos, e lhe não sabem dizer que aquele continente é conquista descoberta pela nação portuguesa e a esta doado pelos nacionais do mesmo país o direito, que tinham dele ao nosso soberano”.

Fala da viagem da ilha de Bissau para a povoação portuguesa de Geba, demora de quatro a cinco dias sem perda de tempo. 

“Todo o gentio deste sertão estima a correspondência dos nossos nacionais que a eles vendem os escravos, cera e marfim que têm. A povoação de Geba é grande, tem um só padre. O governo desta povoação intitula-se capitão Cabo que se costuma dar este governo aos filhos da terra, e os nacionais do mesmo país, ainda que cristãos, são muito revoltosos, levantados, sem fé além de Deus e sem obediência à de Sua Majestade. É esta a melhor povoação de negócio de Guiné, farta de mantimentos da terra, muito povoada de matos de boas madeiras, cercada de muitas povoações e aldeias de mouros pretos, Soninqués e Fulas. Segue-se o mesmo rio Geba sempre caminhando a leste oito dias de viagem, no fim destes se dá em uma cachoeira por onde não pode passar a embarcação, mas em pouca distância é navegável, e dizem os naturais daquele país que, caminhando-se pela margem daquele rio, se dá em uma grande lagoa, e que desta despede outro rio também de água doce. Esta é a informação mais comum, e certa, que achei em as repetidas jornadas que fiz por terra, e pelo mesmo rio em serviço de Sua Majestade, acompanhando aos administradores da Companhia de Grão-Pará e Maranhão na condução das remessas que se lhe faziam para a dita casa”.

E despede-se do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor referindo a doação que fez José Lopes da Serra Leoa: 

“No ano de 1760 do feliz reinado do fidelíssimo rei D. José, doou José Lopes em presença de todos os seus parentes e cabeças daqueles povos e de todo o povo e por parte do nosso soberano o Capitão Cabo António Godim Sanches e Frei Fernando da Feira e outros se celebrou a escritura de doação para todo o sempre do domínio e senhorio que ele tinha da Serra Leoa, para que Sua Majestade houvesse por bem fortificá-la e fundar nela igreja e convento e tudo mais que fosse do seu real agrado. Tomou posse em nome de Sua Majestade António Godim Sanches e foi remetida a esta Corte pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino. É do que posso informar a Vossa Excelência pelas notas que tenho adquirido em dez anos e oito meses de actual serviço na Praça de S. José de Bissau”.
Capturados e vendidos numa feitoria do litoral
Sónó de bronze com braços laterais e figura de um cavalo na extremidade superior, atribuído ao grupo soninquê. 1,23m. Acervo do Museu Nacional de Etnologia (Lisboa)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23164: Historiografia da presença portuguesa em África (312): Fundos da gaveta: leituras espúrias sobre a História Antiga da Guiné Portuguesa (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 25 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23110: Memória dos lugares (439): Safim e o edifício do posto administrativo (Victor Costa, ex-fur mil at inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)



Guiné > Sector de Bissau > Safim > CCAÇ 4541/72 (Caboxanque, Jemberém, Cadique, Cufar e Safim, 1972/74) > O Victor Costa à esquerda com outro camarada da companhia... Ao fundo, o edifício do posto administrativo... Curioso, tem dois telhados, um mais baixo acompanhando todo a varandim e um sobreelevado, correspondendo ao piso térreo, de pé direito alto... Uma solução da arquitetura colonial, certamente a pensar  na melhoria da ventilação do edifício.

Fotos (e legenda): © Viictor Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), natural da Figueira da Foz, e membro nº 855 da Tabanca Grande (*):

Data - domingo, 20/03/2022, 14:14 

Assunto - Fotografias do edifício da Administração de Safim


Amigos e Camaradas da Guiné,

Seguem duas fotografias minhas, tiradas no mesmo dia, com dois elementos da CCaç 4541/72, em frente à casa do Administrador de Safim (**), bem próximo do nosso Quartel e do desvio  para João Landim Porto. (***)

(...) Um abraço e em particular àqueles que, com o seu exemplo de coragem, continuam a resistir aos seus problemas de saúde. Aqui se vêem os guerreiros deste País.

Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 30 de novembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22765: Tabanca Grande (528): Victor Manuel Ferreira Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974). Senta-se no lugar n.º 855, à sombra do nosso poilão

(...) Mobilizado em 4 de Março de 1974 para a Guiné, beneficio de 10 dias de licença e no dia 16 de Março do mesmo ano, a bordo de um Boeing 727 da FAP, chego ao aeroporto de Bissalanca e daí em transporte rodoviário para Bissau, a fim de render um camarada Fur Mil, morto em combate na região de Bafatá.

Fico instalado no QG e aguardo ordens, que chegam uns dias depois. Fazer o espólio de guerra do camarada acima citado.

No final do mês de Março sou colocado na CCaç 4541/72 em Safim.

Nesta Unidade é-me atribuído o comando de uma Secção constituída por mim, 3 Cabos e 7 praças e dou início à minha actividade operacional realizando patrulhas e controlos em João Landim Sul, Impernal, arredores da BA 12 e Capunga. A Norte do Rio Mansoa no destacamento de João Landim Norte, segurança e patrulhas do Rio Mansoa até Bula.

Em Maio de 1974, fui eleito membro da Delegação do MFA na CCaç 4541/72.

Regresso à Metrópole a 3 de Outubro desse ano em avião da FAP. (...) 

(**) Deve tratar-se de chefe de posto, e não administrador.  Safim não era circunscrição ou concelho, mas posto administrativo.

domingo, 13 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23074: Memória dos lugares (437): Rio Mansoa, destacamento de João Landim (Victor Costa, ex-fur mil at inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5

 Guiné > Região do Cacheu > Rio Mansoa >  Destacamento de  João Landim

Fotos (e legendas): © Viictor Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região do Cacheu > Rio Mansoa > João Landim > 1965/66 > A famosa jangada que atravessava o Rio Mansoa em João Landim, ligando Bissau com a região do Cacheu

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região do Cacheu > Mapa de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor: Rio Mansoa e passagem em João Landim.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


1. Mensagem do Victor Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974)

Data - 12 mar 2022 17:09 
Amigos e camaradas da Guiné,

Ao longo da História,  os Rios e os Portos tiveram sempre muita importância numa guerra e os rios da Guiné, como não podia deixar de ser, tiveram também aqui um papel de relevo.

Este tema que pretendo abordar prende-se com o facto das fotografias que pretendo ver publicadas se referirem ao Rio Mansoa, ao Porto de João Landim e daí até a Foz, às Jangadas que realizavam a travessia, à proteção das pessoas e bens que as utilizavam, à amplitude das marés e à segurança e riscos associados ao funcionamento da engrenagem e também aos acidentes que vitimaram muitos de nós.

Todas estas fotografias não incluem equipamento militar nem armas, apesar da maior parte delas serem tiradas de cima de uma jangada militar. Isto não foi devido a qualquer imposição do Comando ou dos meus superiores mas por opção minha e deve-se a uma tonteria dum puto 22 anos que não queria que quando o rolo fosse revelado em Bissau pudesse fornecer ao IN qualquer informação por mais pequena que fosse das NT. Também não foi com a ideia de prejudicar quem acima de mim mandava, até porque era uma pessoa de trato fácil, muito correta e se calhar não dava muita importância a estas questões por ser do interior. Mas acontece que eu nasci e vivo numa zona onde desde miúdo convivi com o Rio, o Mar, a amplitude das marés e os riscos aí associados.
 
Quando em meados de Maio de 1974 fui colocado no Destacamento de João Landim Norte a minha travessia do Rio Mansoa foi feita na praia-mar, foi muito fácil e decorreu sem incidentes.

Mas durante as operações de segurança que ali fiz constactei que, apesar do Porto de João Landim estar a mais de 40 Km da foz (Mar), a influência das marés fazia-se sentir fortemente, com um caudal também muito forte e ainda com uma amplitude de maré superior a 4 metros e onde naturalmente se passeava o tubarão negro.

As próximas 5 fotografias tiveram como objectivo captar:

1º O aluvião descoberto no leito do Rio na baixa-mar para poder calcular a altura entre o nível da maior e da menor maré.

2º O desnível da rampa de acesso à jangada a marca da maré na margem e as dificuldades associadas.

3º A entrada das pessoas para a Jangada civil e a Lancha da Marinha a executar a proteção.

4º A Jangada a navegar no Rio sem qualquer dificuldade.

5º A minha última travessia e despedida já ao longe do edifício do Porto de João Landim, felizmente mais uma vez sem qualquer problema.

Para concluir,na minha modesta opinião, durante o período da Lua, o risco de embarque e desembarque nas Jangadas fora do pico da maré era muito elevado.

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23058: Memória dos lugares (436): Safim, às portas de Bissau, e o terminal dos autocarros da A. Brites Palma (Victor Costa, ex-fur mil inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)

quinta-feira, 10 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23065: (In)citações (196): Bissau, Safim e Nhacra: havia ir e voltar... (Victor Costa / Virgílio Teixeira /Carlos Pinheiro / José Colaço)


Guiné 61/74 > Região de Bissau > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 11 de março de 1968 > Safim > O alf mil SAM Virgílio Teixeira, na esplanada... da "Marisqueira de Safim". Em Safim, havia um cruzamento: para norte,   seguia-se para João Landim e Bula; para leste e nordeste, seguia-se para Nhacra e Mansoa. De Bissau a Nacra, eram pouco mais de 20 km, e daqui até Mansoa mais uns trinta... De Bissau a Safim, por Bissalanca, também seriam uns 20 km...


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Bissalanca > BA 12 >  c. 1973/74 > O Eduardo Jorge Ferreira, alf mil da Polícia Aérea, à porta dos seus aposentos, pronto para partir para Nhacra, para comer umas ostras, à civil, de sandálias, e com capacete de segurança, conduzindo a sua motorizada, de 50 cm3 (?), Yahama, matrícula G5907, e levando à boleia o seu amigo Jorge Pinto, alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)...

Pormenor digno de registo: o Jorge Pinto, também à civil, de sapatinho de vela, meiinha branca, leva um capacete de segurança pouco ortodoxo: um capacete, branco, da polícia aérea... A ideia só podia ser do nosso saudoso Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019), um homem prático e desenrascado...

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do Victor Costa ao poste P23058 (*)

(i) (...) Nunca deixei nenhuma missão a meio e não é agora que irei começar, isto para vos dizer que irei responder a todas as questões colocadas em todos os comentários e em particular ao Luís Graça ou a outros comentários que possam chegar. Eu só preciso de tempo para o fazer. Posso desde já responder ao camarada Valdemar Silva por ser aquele que coloca menos questões.

No tempo em que estive com a CCaç 4541/72 e até Agosto 74,  os autocarros da A. Brites Palma e os táxis que faziam serviço de Bissau para Safim e vice-versa nunca tiveram segurânça por não ser necessário. 

De vez em quando um táxi até trazia meninas de Bissau para satisfazer necessidades fisiológicas do pessoal. Isto quer dizer que nas operações que fazíamos não brincávamos. Serviço é serviço e conhaque é conhaque e isto foi uma das coisas que me orgulho ter aprendido com os "velhos", levávmos as coisas muito a sério.

Irei também enviar mais fotografias sobre Safim, João Landim Porto e outros locais acompanhadas de mensagens.


(ii) (...) Os camaradas Virgílio Teixeira e Carlos Pinheiro em conjunto não podiam ser mais precisos para caracterizar aquilo a que chamo a "marisqueira de Safim", o que demonstra que eram clientes assíduos, mas o primeiro não foi preciso na placa de informação rodoviária localizada 200 m mais a Norte. 

Trata-se das 3 placas,  cujas fotas foram publicadas em 6/3/2022 (**):  a do lado esquerdo João Landim 8 Km, com seta à esquerda e por baixo Porto e na parte central a placa Bula e uma seta à esquerda. Do lado direito da placa Ensalma 5 km com seta à direita. Se consultarem o Mapa no Google ainda existe no local a citada "marisqueira" mas não deve restar nada do edifício antigo.

No mês de Julho de 1974 iniciámos uma operação contínua de controlo e revista de todas as viaturas e civis que entravam e saiam de Bissau, em que todas as viaturas eram obrigadas a parar. Instalamos uma tenda de campanha junto à Base Aérea nº 12, em Bissalanca, precisamente ao lado dos caças Fiat G 91. 

Esta operação contava,  além da secção que eu comandava, também com a participação de dois elementos da Polícia de Segurança Pública de Bissau. Num desses dias um condutor civil cabo-verdiano que circulava na direcção Bissau-Safim,  não parou à nossa ordem e abalroou um elemento nativo da PSP. 

Imediatamente corremos para o condutor da viatura e dei-lhe ordem para sair com as mãos bem levantadas. Começou a gesticular, eu puxei a culatra atrás e dei-lhe ordem de prisão, entretanto o outro elemento da PSP  aproximou-se e meteu-lhe as algemas. 

Chamámos a ambulância e a ramona e lá seguiram os dois para Bissau. No dia seguinte comuniquei para à PSP  para saber do estado de saúde do agente, entretanto falecido de noite. Nunca mais soube o que aconteceu ao preso, nem se houve posterior investigação, eu limitei-me a fazer o relatório.

Entretanto a CCaç 4541/73 com o fim da comissão regressa à Metrópole e eu em Setembro sou colocado na CCS do QG em Bissau até ao meu regresso em Outubro de 1974. Bissau foi uma cidade segura durante o tempo que lá estive. Constava no entanto que haviam alguns problemas entre a nossa tropa pelo controle do Pilão, o Bairro das meninas, mas não era nada comigo.

Havia muito trânsito de viaturas militares em Safim, quer de Bissau para Nhacra ou Cumeré, quer de Bissau para Bula e vice-versa, era a artéria principal de ligação ao interior da Guiné e nunca senti insegurança até Safim e mesmo até João Landim Porto. 

Mas todos os dias em particular à noite eram realizadas patrulhas no mato e nas bolanhas circundantes desta estrada com objectivos definidos pelo Comando. Um Unimog 404 deixava a secção perto da estrada ou se a picada fosse minimamente segura deixava-nos mais no interior, a operação da noite durava em média 6 horas, a pé até ao objectivo e depois regressavámos ao ponto de partida e aqui não havia facilidades, porque era isto que nos dava segurança. 

Contactos com o PAIGC, zero!, apenas o grito das hienas. Do rio Mansoa para Norte as operações eram executadas pelo nosso Destacamento de João Landim Norte que se estendia até às imediações de Bula, onde também estive. Aqui a segurança das Jangadas na travessia do Rio era feita nós e uma LDM da Marinha. Ao fim de um mês com os "velhos", já me sentia seguro e as coisas tornavam-se mais fáceis.

Desloquei-me várias vezes a Bissau á livraria do Sr. Manuel Moreira em Benfica, penso que era perto do Palácio do Governador, para comprar livros e jornais, ia ao Café Ronda, onde gostava de apreciar o bater dos tacões das botas na marcha do render da Guarda para o palácio do Governador feita pela PM ao longo da avenida, tive conhecimento do rebentamento da granada que neste café provocou um morto e 63 feridos, mas não era coisa que nos tirasse o sono e fui ao café Pelicano perto do quartel da PM na Amura. 

Em Bissau, só senti alguma apreensão em meados de Março quando visitei com meu amigo fur mil  José Bilhau,  penso que dos Piratas do Guileje (CCAC 8350), amigos seus no hospital e vi pela primeira vez os seus camaradas a esfregar os dedos das mãos nos braços, pernas e tronco e ver o ferro a sair do corpo,mas isto era no Hospital e este à data estava bastante preenchido. 

Numa das minhas últimas deslocações a Bissau e de regresso a Safim apanhei um táxi um Peugeot 404, estabeleci conversa com o condutor um cabo-verdiano que me garantiu que os efectivos do PAIGC rondava os 7.500 homens, ouvi, calei, mas não acreditei. Em Safim os transportes A. Brites Palma funcionaram antes e depois do 25 de Abril. (...)


Guiné > Carta geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Bissau e povoaçõs a norte: Safim, Landinm, Bula; Nhacra, Mansoa, Mansabá...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)



 2. Outros comentários  ao poste P23058 (*)
 
(i) Virgílio Teixeira:

(...) Victor Costa, uma saudação especial pelo tema deste poste, pois sou um amante quer de Safim, Nhacra, João Landim, etc.

Nos anos de 67-68-69, fui lá muitas vezes, tantas quanto as minhas idas a Bissau, com a minha motorizada, não parava, por vezes acompanhado, a maioria sozinho. Ia à procura de mariscos em Safim, e à piscina do quartel de Nhacra. Depois era a aventura e conhecer novos sítios.

"Marisqueira de Safim", assim com este nome, não havia, era uma esplanada, café, cervejaria e servia uns petiscos para quem passava. Ficava perto do cruzamento e das marcas das estradas para João Landim e Mansoa / Nhacra. Tenho imensas saudades desses momentos, o pior era o regresso, na maioria das vezes já noite, e com uns copitos a mais.

Quanto ao assunto do Poste, e quanto à mensagem do amigo Lobo, não se preocupe pois não é só a idade e a memória. Na minha modesta opinião, e tanto quando me lembro, e somos dos mesmos anos, 68 e 69, nunca vi semelhantes viaturas tipo "ambulância", parecem-me da 2ª guerra mundial.

Por isso posso quase afirmar que não existiam no meu tempo estes autocarros. Podem ser posteriores, mas parece-me mais pós-independência.

Não reconheço nem as viaturas nem os lugares aqui ilustrados, lamento mas não é por falta de memória, se existiam passaram-me ao largo.

Quanto a segurança, nunca pensei no assunto, apesar de tantos quilómetros através do mato, em especial entre Bissalanca e Safim. Depois disso não sei nada.

Podem consultar as minhas fotos aqui publicadas nos meus postes. E quem puder acrescentar mais alguma coisa, que o faça, pois eram locais lendários. (...)

(ii) (...) Relembro aqui para quem já não se lembra ou não viu os postes, a minha narrativa do dia em que sonhei que tinha de ir de motorizada de Bissau até Mansabá, nem sabia onde ficava, era a seguir a Mansoa.

Depois de ir a uns banhos à piscina, encho o depósito da Peugeot, por vinte e cinco tostões, e vou para a estrada a caminho de Mansoa, mas a viagem foi curta, pois uma patrulha militar, teve de me identificar, pois eu ia à civil, eu não tinha documentos mas disse-lhes que era Alferes Mil do BCaç 1933, que estava nessa época em S. Domingos, e depois de pormenores que não me lembro, não me deixaram passar, e lá voltei desolado...

Com certeza se continuava a viagem nem chegava a Mansoa,  muito menos a Mansabá (**).  Era uma miragem, uma loucura, maluca da idade, e já tinha uns 25 ou 26 anos, que ficavam mais curtos com os copitos que nunca faltavam.

Um dia se melhorar da minha saúde, ainda me meto no jipe que tenho lá à minha disposição, com motorista privativo, e faço a vontade ao meu amigo do HOtel Coimbra, que teima em me ver lá... e vou até Mansab!... Até posso morrer por lá, é uma terra que ficou na alma, para sempre.

Perdoem estes comentários de quem já não bate bem... da mona!... São quase 80 anos!  (...)

Carlos Pinheiro:

(...) Estive 25 meses em Bissau e só me lembro das camionetas do Costa mas não sei para onde iam. Eram camionetas já com certa idade e algumas deviam ter o chassis empenado. A malta até dizia que camionetas do Costa "suma a cachorro de rabo de lado"...

Só fui uma vez a Safim. Tinha três dias de Guiné, tina ido em rendição individual para o BCAÇ 1911, mas nunca o cheguei a conhecer, era dia de Todos os Santos de 1968 e foi um camarada da Companhia de Transportes, que me arranjou cama lá na sua Companhia porque nos Adidos não havia nada, para além da confusão geral, e que me levou a Safim onde eu paguei o petisco, ainda com patacão da Metrópole, em agradecimento ao facto de ele me ter arranjado uma cama. 

Gostei do petisco, uns camarões, umas ostras, que eu nunca tinha comido e fiquei freguês sempre que podia e até um bocado de leitão aparaceu. A cerveja já não me lembro a marca mas estava fresca e escorregava bem. 

Foi nesse dia que houve um acidente grave com uma companhia que tinha ido comigo no Uíge, perto de Bula, por ter rebentado uma granada de bazuca em cima duma GMC da CT que já estava carregada de pessoal. Vi passar perto de uma dezena de helicópteros e com três dias de Guiné comecei logo a aperceber-me da situação. Nunca cheguei a saber se houve mortos, mas feridos foram imensos. 

Gostei do petisco mas nunca mais voltei a Safim. Para mim a fronteira era BA 12, em Bissalanca.  (...)


José Botelho Colaço:


(i) (...) Obrigado, Victor Costa, pelas fotos dos autocarros da empresa A. Brites Palma, é precisamente este modelo de autocarro que está gravado na minha mente de 1964/65. 

Quanto aos camaradas dizerem que a memória pifou,  talvez não... O que aconteceu foi que á medida que as malhas da guerra foram apertando,  os colonos deixaram de ter o seu papel activo e quase de certeza estes autocarros deixaram de circular,  por isso os camaradas não se lembram de os ver. 

Eu recordo de ver em Bafatá, ao lado do café do tio Bento, a carcaça de um autocarro abandonado, deste modelo. 

Resumindo, antes da Guerra, estes autocarros ciculavam em grande parte do território da Guiné, que se foram confinando com o rebentar e evoluir da guerra. 

A memória que eu tenho do dono da A. Brites Palma era um homem de baixa estatura,  já com os anos a pesarem sobre si mas um poligolota em vários dialetos na lingua nativa.

(ii) (...) Que a memória vai pifando não há dúvidas mas é devido á idade, é mais a doença da anosognosia do que a Alzheimer. Obrigado, 

Victor Costa,  por me avivares e confirmares tudo aquilo que guardo em memória e escritos pessoais.

O que me parece é que o sector de Bissau se manteve quase igual ou com pequeníssimas alterações pelo que nos contas durante o tempo que durou a guerra. Exemplo,  em 1964/65 até á jangada do João Landin ou via Nhacra era praticamente zona livre,  viajava-se sem qualquer problema, mas para Mansoaa também se ia mas já era uma pequena aventura e só durante o dia. No Pilão á noite só os mais aventureiros e alguma segurança. Quanto aos transportes em Bissau,  total acordo confirmas tudo o que guardo em memória.  (...) (***)

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Notas do editor:

(**) Vd. poste de 5 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18287: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XIV: o dia em que eu queria ir de motorizada, de Bissau a Mansoa... e a Mansabá!