Queridos amigos,
Sucede que aqui há uns tempos, ao selecionar imagens para ilustrar um episódio da Rua do Eclipse, encontrei uma fotografia de um dos colóquios em que participei ao lado de Gonçalo Ribeiro Telles, e dei comigo a pensar no agradável convívio que ele proporcionara a largas dezenas de participantes de uma tal quinzena cultural bancária, seguramente no início da década de 1990, tudo à volta da Rua das Portas de Santo Antão até ao Conde Redondo, enfim, as imediações da sede do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, foi um comentador brilhante, coube-lhe escolher os edifícios, fazer os comentários em torno do planeamento urbano, explicou-nos a importância daquele itinerário que possuía uma linearidade que escapava à generalidade dos peões - o caminho percorrido pelos saloios que vinham da Praça da Ribeira e que seguiam em direção às Portas de Benfica.
Para meu enlevo, cirandou-se dentro da Sociedade de Geografia de Lisboa, e agora, ao refazer o percurso de há trinta anos atrás não deixei de me alegrar por ver requalificações e intervenções que alteraram muito positivamente esta zona de Lisboa, que estava profundamente degradada. E, claro está, parei junto da porta do prédio onde Gonçalo Ribeiro Telles vivia na Rua de São José, e recordei com saudade o visionário e lutador por melhor ambiente que perdemos recentemente.
Um abraço do
Mário
Lembranças para Gonçalo Ribeiro Telles (1)
Mário Beja Santos
Conheci nos anos 1970 Gonçalo Ribeiro Telles quando para mim já era inevitável a estreita aliança entre os modos de consumo e ambientalmente sustentáveis, questão imperativa e indiscutível. Deu-me oportunidade de conversarmos a tal propósito, o rumo dos acontecimentos associativos levou-nos a conviver em conferências e debates, muito aprendi com ele, ensinou-me a olhar a organização de uma rua, os formatos de uma paisagem, o significado das hortas urbanas, o cruzamento das parcelas ou componentes que enformam o que designamos por qualidade de vida. E os anos passaram.
Aí por 1991 ou 1992, o presidente da Direção dos Bancários Sul e Ilhas, Barbosa de Oliveira, pediu-me para conversarmos. Fui à Rua de São José e aí o dirigente sindical convidou-me para coordenar uma quinzena cultural bancária, eu que escolhesse o mote e propusesse os eventos respetivos. Foi então que me surgiu a ideia de propor como tema inicial uma viagem à volta da sede do sindicato, e assomou-me a sugestão de perguntar ao Gonçalo Ribeiro Telles, que vivia nas redondezas da sede do sindicato, se aceitava ser guia e mestre de conferência de uma visita, sugeri que começássemos na Rua das Portas de Santo Antão e prolongássemos até à Rua de Santa Marta. Contrapropôs que se fizesse uma descrição da linearidade do percurso e a sua história e que se escolhessem edifícios de referência, uns com valor patrimonial arquitetónico de significado, outros associados à memória dos lugares.
Juntaram-se quase uma centena de participantes no passeio de rua e as apreciações finais correram na sede do sindicato. No final, para minha gratificação, ouvi desses mesmos participantes comentários elogiosos ao pioneiro da política ambiental em Portugal. Do resto da quinzena, onde participaram Jacinto Batista, jornalista emérito que coordenou uma visita-guiada ao mundo jornalístico e sindical no coração do Bairro Alto, sessões de cinema que contaram com o apoio do último cineclube de Lisboa, o ABC, e algo mais aqui não tem sentido relevar, homenageia-se o arquiteto paisagista e pioneiro do ambientalismo em Portugal, falecido em 2020, com 98 anos de idade. Começámos na Sociedade de Geografia, um pouco antes houve pormenores explicativos de um enfiamento de caminhos, explicação que nos deixou de boca aberta: quem comerciava na Praça da Figueira e arredores, gente saloia, seguia com as suas carroças pela Rua das Portas de Santo Antão, Rua de São José, Rua de Santa Marta, e ali no Conde Redondo fazia-se uma deriva para São Sebastião da Pedreira, e encaminhava-se para as Portas de Benfica, nós que atendêssemos que era quase tudo a direito. Quanto aos problemas ambientais, eles vinham de longe, foram-se montando, século após século, obstáculos para as linhas de água, e os resultados estavam à vista com as inundações. Feitos comentários à Casa do Alentejo e à Igreja de São Luís dos Franceses, houve paragem na Sociedade de Geografia, fundada em 1875, incorporada no edifício do Coliseu dos Recreios. Referiu a esplêndida arquitetura de ferro, com destaque para a Sala Portugal, não esqueceu a Sala dos Padrões e a Sala da Índia, e para minha satisfação subiu-se à biblioteca, espaço imprescindível para quem estuda História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa. É uma biblioteca riquíssima, foi integrando várias bibliotecas, espólios e fundos, possui um acervo riquíssimo de cartografia antiga e atual, provas fotográficas de indiscutível valor e fez-se um curto passeio pelo espólio do museu, muitos dos participantes andavam maravilhados.
Entrada para a Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa
Arquivo de cartas geográficas junto da Biblioteca
Sala da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa
Retrato do Almirante Gago Coutinho na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa
Busto em mármore do Marquês Sá da Bandeira, foi ele quem decretou a abolição da escravatura, também à entrada da Biblioteca.Subimos uma rampa junto ao coliseu para visualizar e admirar o Teatro Politeama, inaugurado em 6 de dezembro de 1913, estiveram no ato o presidente Arriaga e o primeiro-ministro Afonso Costa. Tem conhecido consideráveis modificações no seu interior, aqui atuaram na década de 1930 artistas musicais de renome quando a Sociedade de Concertos de Lisboa, fundada por Viana da Mota, aqui teve a sua sala de grandes récitas, o Teatro Nacional de São Carlos entrara em obras, não se encontrou sala com melhor acústica do que esta.
Velha fotografia do Ateneu Comercial de Lisboa
Ateneu Comercial nos bons tempos de atividade, hoje está em profunda decadência e vai ser hotel de luxo. Houve paragem e comentários em frente ao antigo Palácio dos Condes de Povolide, Gonçalo Ribeiro Telles referiu as consequências do terramoto que fizeram desabar o primeiro andar e daí a alteração de estilos entre o nível ao rés-do-chão e o andar superior. Naquele tempo da semana cultural bancária ainda existia a Cervejaria Solmar, espaço obrigatório para os amantes da marisqueira de bolsa abonada.Prédios renovados na Rua de São José, quase em frente da Cooperativa Militar, no início da Rua de São José
O nosso guia falava de igrejas, de palácios, de configurações ajardinadas, não esqueceu mesmo fazer referências ao Elevador do Lavra, sugeriu que mais tarde organizássemos um outro passeio como a descida da Calçada de Santana, começando pelos Jardins do Torel e vizinhança, e passando a Rua do Telhal, deparou-se diante da Igreja de São José dos Carpinteiros, também sofreu com o terramoto esta igreja iniciada no século XVI, guarda o que resta do acervo da Casa dos 24, quando faleceu o arquiteto paisagista, foi aqui que a Câmara Municipal abriu em sua homenagem uma exposição referente à sua obra
Fachada da Igreja de São José dos Carpinteiros
Interior da Igreja de São José dos Carpinteiros
Um belo azulejo de uma loja que já teve outro passado.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 8 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22182: Os nossos seres, saberes e lazeres (450): Quando vi nascer a Avenida de Roma (7) (Mário Beja Santos)