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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20295: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXXII: 1984/85: um regresso, quinze anos depois (ii): as minhas andanças por Bissau e Dakar a tentar vender um projeto de desenvolvimento agrícola em Cabuca, junto ao rio Corubal


Foto nº 21 > Senegal > Dakar > 7 de janeiro de 1985 > A nossa viagem a Dakar no Senegal. Sou eu, de fato claro, ao centro, o Isidro Gomes Quaresma em mangas de camisa, e o nosso adido comercial da Embaixada Portuguesa, junto do Governo do Senegal.  Ao fundo, a ilha de Gorée, onde  se localiza  a "Casa dos Escravos".


Foto nº 22 > Senegal > Dalar > 8 de janeiro de 1985 > Foto numa estrada no cimo de um monte com vista para a baía de Dakar, e o carro do Adido Comercial da Embaixada Portuguesa, foi ele que tirou a foto. Estou eu, e o Isidro Quaresma [, técnico agrícola,retornado de Angola].


Foto nº 23 > Senegal > Danar > 8 de janeiro de 1985 > Foto minha em Dakar,  nos arredores do Centro da Capital. Os ventos secos de Dakar. Um dia de vento quente e seco, nada comparado com o martírio de Bissau.  Influência francesa em tudo, a começar pelos carros.


Foto nº 20 > Senegal > Dakar > 8 de janeiro de 1985 > ma família Senegalesa nos arredores de Dakar, mãe e 5 filhos.  Apesar de tudo dá para perceber que era outra cultura e outro poder de compra, não se via disto em Bissau, eram pessoas conhecidas do Adido Comercial.


Foto nº 19 > Vista aérea da Guiné, sobrevoando a zona de Bafatá, com os arrozais e o local do futuro projecto a levar a efeito. Céus da Guiné, 8Jan85. 



Foto nº 17 > Guiné-Bissau > Aeroporto Osvaldo Vieira > 8 de janeiro de 1985 > O avião Bi-Turbo dos TAGB a percorrer a pista do aeroporto, para levantar voo.


Foto nº 18 >  Guiné-Bissau > Aeroporto Osvaldo Vieira > 8 de janeiro de 1985 > O avião da TAGB já a levantar voo com destino ao Senegal, aeroporto de Dakar, ainda com paragem na cidade fronteiriça de Zinguinchor no Senegal.


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Continuação do texto, sobre o regresso à Guiné-Bissau (*), em 1984/85, do nosso amigo e camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde; tem já perto de 140 referências no nosso blogue.


Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:

T999 – O regresso à Guiné em 20OutT84
- 10 anos após a independência em 74Set24
- 15 anos depois da minha saída em 4Ago69
- 17  anos depois da minha primeira chegada, em 21Set67


II Parte – A viagem de negócios à Guiné-Bissau e Senegal 
(de 30/12/1984 a 14/1/1985)


Anotações  e introdução ao presente Tema 


Este tema tem tanto de louco como apaixonante

Não vou entrar em pormenores, porque teria aqui tanto para escrever que daria sono a qualquer um que tivesse a ousadia de querer ler tudo. Já escrevi, no meu livro inédito,  todos os dramas pessoais e familiares que esta saga me trouxe, nunca saberei se valeu a pena, abandonar a família, desbaratar dinheiro que viria a fazer falta, com resultados nulos.

Sobre a  primeira viagem de saudade à Guiné-Bissau, já aqui escrevi, em poste anterior (*):


 A preparação da 2ª viagem à Guiné


E entrei mesmo no esquema, foi feita uma apresentação do que precisavam, e eu nem sequer olhei para o lado, tal a minha obsessão pelas gentes da Guiné, integrei-me totalmente, mediante certas condições, negociadas em cima do joelho.

Após o levantamento das necessidades para o projecto, durante aproximadamente 2 meses trabalhou-se neste plano, e nessa altura era tudo feito à máquina de escrever, e com a ajuda de uma máquina de calcular, não havia os computadores como hoje, tudo seria muito mais fácil então.

Falamos com o Major (, o Valentim Loureiro, ) pois programamos nova viagem à Guiné para finais do ano de 1984, era preciso pagar a viagem e despesas de estadia para ambos, nesta fase apenas era necessárias duas pessoas. O Isidro convence o Major, mas não há dinheiro para me pagarem os meus honorários, conforme havia sido combinado para eu entrar dentro da organização.

Alguns dos outros sócios, lá vão adiantando algum, não muito, 50 a 100 contos no máximo [ de 1.188,72 € e 2.377,43 €, respetivamente, a preços de hoje, segundo o conversor de moeda da Pordata],  o que era muito pouco. Eu aguento, pois estou a perceber que se este negócio vai para a frente, há muito dinheiro a ganhar.

Apostei tudo neste projecto, foi a minha grande ilusão na vida, e acreditava cegamente em tudo. Mas enganei-me redondamente.

O Major mandou comprar as passagens de ida e volta para os dois, e na minha frente entregou ao Isidro 2.000 USD em notas para as outras despesas, incluindo as minhas.

Em 28 de Dezembro de 1984 tinha já o 2º visto no passaporte. A viagem foi marcada, por razões que desconheço, para sair de Lisboa na manhã do dia 31 de Dezembro, por isso teria de ir passar o ano em Bissau e não em casa, mas tinha de ser.

Vou passar o fim de ano de 1984 em Bissau

Novamente saí de casa na tarde do dia 30 de Dezembro de 1984 e lá fui carregado com o dossiê do projecto e uma máquina de escrever portátil, pois era importante para complementar qualquer coisa e não havia onde pedir ajuda naquele pobre país.

As despedidas do costume, agora com outro ambiente, havia qualquer coisa no horizonte, foi mais fácil, mas deixar a casa e família custa sempre muito. Vou para Lisboa no então chamado Foguete e pelas 18 horas já estou a escrever uma carta que vou novamente pedir a uma hospedeira para colocar no correio em Lisboa quando ela regressar.

Chegamos a Lisboa eu e o Isidro às oito horas da noite, fomos pôr as malas no Hotel, o VIP, não era mau, ficava perto das instalações da TEOR – uma empresa de consultoria, onde tinha já trabalhado como Director da Delegação Norte no Porto – era no Saldanha, e eu já lá tinha ficado uma vez.

Fomos jantar a uma Churrasqueira.  na Baixa de Lisboa, na Rua das Portas de Santo Antão, e encontro aí, a servir à mesa, um antigo soldado da CCS do meu batalhão, o José Espadana, era condutor de especialidade, mas lá arranjou alguma cunha e ficou a servir à mesa na messe de oficiais quando estávamos na Guiné. Falamos um pouco e disse-lhe que ia voltar às origens, ele ficou admirado, despedi-me e nunca mais o vi. Mais tarde venho a ver na Internet que ele estava à frente de um "site" sobre as passagens do nosso batalhão pela Guiné, e com relatos, memórias e fotografias, umas que eu tirei na altura e outras dele próprio.

Na manhã do dia 31 de Dezembro fomos para o aeroporto, a viagem estava prevista para mais cedo, mas só levantou voo às 11h25, devido a uma avaria ou problemas de carga. Não havia muita gente a bordo, não era o dia ideal para alguém se deslocar para a Guiné na véspera de ano novo, mas há sempre malucos e anormais para tudo, e outras razões, que a ‘razão’ desconhece.

Chegados a Bissau, fechei a carta, pedi agora a um comissário de bordo para me levar a carta para Lisboa e a colocar no correio. O envelope tem o carimbo dos correios do dia 4 de Janeiro de 1985, é normal por causa dos feriados do fim do ano.

Na noite de passagem de ano, ficamos no quarto e bebemos uma daquelas garrafinhas pequenas que servem a bordo, nós pedimos às hospedeiras duas de vinho branco e elas fizeram esse pequeno favor, e assim se festejou a passagem de ano, de 1984/85.

A suite 3002 só tinha um quarto com duas camas. Nós mudamos uma das camas para a sala de entrada, onde ficou o Isidro, e eu fiquei com o quarto só para mim. Ficamos melhor. A casa de banho era só uma, havia frigorífico, ar condicionado e as respectivas e sempre omnipresentes baratas. Á noite quando me ia deitar olhei para o teto e lá estava uma enorme, mesmo por cima da cama. Tivemos de andar atrás dela, atirando com as almofadas para ela cair, e após muito tempo teve mesmo de cair dali e matei-a, esborrachando-se toda, mas pelo menos já poderia dormir sem aquele nojento e pequeno monstro por cima da minha cabeça.

O dia 1 de Janeiro [de 1985] é feriado como em toda a parte e por isso o dia foi passado a passear. Nós quando arranjamos um táxi do aeroporto para o Hotel, era mesmo um Mehari, que eu já tinha visto antes, pertencia a um homem Fula, talvez chamado Mamadu. Falamos com ele, perguntando quanto é que ele ganhava em 2 semanas ele disse o preço, e então combinamos ficar com o carro e ele ficou em casa a descansar com a mulher e os filhos. Só o entregamos quando viemos embora, pagamos o combinado e ficamos amigos.

O Virgílio Teixeira, de motorizada, em Safim,
em 11/3/1968
Fomos a Safim, que fica a uns 20 km de Bissau, eu já lá conhecia um pequeno tasco que servia antigamente uns petiscos e mariscos, e outras coisas, arriscamos e fomos. Comemos 2 kg de camarão com cerveja e voltamos, não havia mais nada de comer. Tudo tinha mudado radicalmente.

No dia 3 de Janeiro falei por telefone com a minha mulher, foi muito empolgante e fiquei excitado com a voz dela, parece-me que estamos no fim do mundo. A chamada foi conseguida, porque já tinha ido ao Ministério do Comércio, que ficava na Avenida que todos nós conhecemos, pedi à menina que me deixasse fazer um telex para o BESCL em Vila do Conde, quase ao lado de minha casa. O nosso amigo Macedo levou lá a mensagem, na qual eu pedia para ela pedir uma chamada ‘via Marconi’ para o telefone do Hotel em Bissau, marcando o dia e hora. Isto parecem coisas, nesta época, da era dos Descobrimentos, mas lá chega a mensagem e o telefonema é feito. [Telex , lembram-se ?  "Serviço de dactilografia à distância, posto à disposição dos utentes por meio de teleimpressores", segundo Dicionário Priberam da Língua Portuguesa...(LG)].

Vou voltar atrás um pouco, por causa deste telex. Já na primeira viagem, o dinheiro que levei acabou muito rápido, eu precisava de mais e não sabia como arranjar. Então fui eu próprio, sem ligações nenhumas, ao tal Ministério do Comércio, falei com uma dessas Secretárias simpáticas e atenciosas, e pedi-lhe para mandar um telex, para o BESCL – Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, balcão de Vila do Conde, no qual pedi ao nosso amigo e vizinho Macedo, funcionário do BESCL – depois BES, depois NB [, Novo Banco,]  – , para ir a minha casa e combinar com a minha mulher para me fazerem chegar mais uns 100 contos [, em 1985, a preços de hoje, seria o equivalente a 1.988,66 €], e ele lá chegou, só não sei como, não me lembro, mas não havia cartões!

Agora aproveito, porque estes favores das meninas do MC [Ministério do Comércio]de Bissau, não são gratuitos, ela então, sabendo já que eu voltaria novamente, está na posse do meu telefone de casa, e do telex do Cônsul da Guiné, e envia um telex, ao meu cuidado, ainda o tenho em meu poder, como aliás quase toda a documentação desta aventura, a pedir-me para lhe levar ou mandar até ao fim do ano, além de sapatos tamanho x, vestido tamanho y, roupa interior tamanho z, e ainda uns medicamentos para uma infecção intima, ‘Gyno qualquer coisa’ e o que pudesse arranjar.

Levei o medicamento quando cheguei em 31 de Dezembro e entreguei-o quando lá fui novamente pedir o mesmo favor. São coisas simples demais para aqui escrever, mas não sendo eu romancista, isto até dava um belo romance. Não de ‘amor’ pois nunca passamos a 'linha vermelha', mas de amizade pura.

Voltando ao assunto que estava a contar, depois do telefonema, ouvir a voz da minha mulher, dos filhos, fico desperto demais, e escrevo às 5 horas da manhã, já do dia 4, umas primeiras palavras de uma carta que seguiria no dia 5, não conseguia dormir, estava muito excitado, e precisava de estar fresco pois íamos ter muitos contactos. No dia 5 de Janeiro voltei a escrever dando conta da situação e mandei a carta para o correio, via normal, e tem a marca do dia dos correios de Bissau, e saída de 7 de Janeiro.

E é assim tudo muito lento, pois está muito calor, mas não está aquela humidade incrível e viscosa e pegajosa do tempo das chuvas, o tempo está quente e seco, é a época mais fresca do ano.

Naquele telefonema os meus filhos a pedirem sempre a mesma coisa, que lhes ficou na mente depois de verem as minhas fotos, algumas claro, do tempo na Guiné. A mais velha, 13 anos, só me pedia para eu trazer aquela motorizada que via nas fotos, o meu filho seguinte, de 11 anos, que lhe trouxesse a minha G3 que via na cabeceira da cama, a mais nova de 10 anos, que lhe trouxesse o macaquinho que viu nas fotos.

Coitados,  ficaram todos desiludidos, mas porquê as crianças não sabiam que isso era de todo impossível?

Por vezes e agora com a idade avançada, já passei os 75, como é possível que eu tenha feito aventuras destas, com as responsabilidades que tinha a meu cargo, uma mulher em casa e mais 3 filhos menores... Foi a loucura dos meus 40 anos, hoje vejo outras pessoas que correm o mundo e andam atrás de ganhar algum ou procurar uma vida melhor, e admiro-os, mas afinal eu fiz o mesmo em muito piores condições, sem ajuda ou apoio de ninguém, e não era preciso sair de Portugal para viver uma vida normal.


O presidente 'Nino ' Vieira, em 6/3/2008,
um ano antes de ser assassinado.
Foto: Luís Graça (2008)
Os contactos com o Presidente 'Nino' Vieira 


Nos dias seguintes, tivemos o primeiro contacto com o Presidente 'Nino' Vieira, no seu palácio. Fomos recebidos à frente de toda a gente que lá esperava, pois tínhamos a carta diplomática do Major Valentim, cônsul honorário e amigo pessoal do 'Nino' Vieira.

Falamos e expusemos a nossa ideia, mostramos o projecto, mas ele não percebia nada daquilo, deu-nos a promessa de toda a sua ajuda, e encaminhou-nos para outros diversos ministérios, e em especial o Desenvolvimento Regional, era aí que passava o primeiro crivo. Tinha lá um engenheiro local, técnico destas áreas, e a quem competia a análise do nosso projecto, mas tinha atrás de si toda uma série de pessoal do Leste Europeu e de outros países que se diziam amigos, e com a mesma filosofia que aqui não vou comentar, apesar de já a ter escrito, fica por escrever.

Estes amigos, os novos imperialistas, que eram os seus conselheiros e consultores, instalados nos grandes centros de decisão, eram por isso nossos inimigos, não nos queriam lá, e por isso encontramos todas as resistências, pois o nosso grupo era 100% capitalista e europeu em busca do lucro fácil e imediato.

Era assim mesmo, não vale a pena andar à volta de outros ideais, o objectivo era sacar o máximo possível, para isso teríamos de ajudar o país em causa, mas não era ideia de ninguém ajudar por ajudar, mas sim para retirar o máximo proveito legal. Bem ou mal era esse o alvo dos principais capitalistas, eu não pertencia a esse ‘núcleo duro’, mas os ideais eram os mesmos, nesses tempos.

Encontrávamos uma cáfila de gente de todo o mundo, ou nos aviões ou nos Hotéis com esses ideais e piores ainda, vender a alma se fosse preciso.

O nosso projecto transitou pelos serviços governamentais, sob a designação inventada por mim, de “AGRINÉ – Agricultura da Guiné, Lda.,“ e ocupava uma zona previsional de 7000 hectares de terreno [, mais do que 7 mil campos de futebol...], já inscritos a nosso favor, e com mapa registado, na zona de Cabuca, nas margens do Rio Corubal, que eu tão bem já conhecia.

Bem,  como um elevado montante de investimento nacional e internacional, eram 20 Milhões de USD que ao câmbio daquela época, já tinha baixado de 200 para 180, dava em dinheiro português cerca de 3,5 Milhões de contos.

Aquele valor a preços actuais com a inflacção de mais de 30 anos, e com as mudanças de Escudos para Euros, significava algo como 70 milhões de euros!...  [Em rigor,  3,5 milhões de contos, em 1985, dava qualquer coisa como 69.603.048,44 €, a precos de hoje, usando o conversor de moeda da Pordata. ] E fosse o que fosse era sempre muito dinheiro, e da parte do Estado da Guiné significava pouco mais do que a cedência do terreno.

Andei um ano às voltas com este projecto, e para elaborar o estudo tive de me deslocar 2 vezes àquele país, a burocracia era tanta que quase dava para desistir, formamos a empresa local, arranjamos sócios locais – o próprio 'Nino' Vieira, presidente da república, também entrava através do sogro, e mais um brigadeiro local, ajudante de campo do 'Nino'...  E cada viagem custava uma pequena fortuna, era arriscar muito.


As burocracias do projecto junto das instâncias do Estado 


Havia um investimento em dinheiro a realizar pela República Portuguesa, através dos seus sócios, com transferências – em dinheiro e em espécie - , e havia o retorno a prazo destas verbas para Portugal, logo que houvesse os lucros. Tudo isto estava legislado no CIE - Código do Investimento Estrangeiro português e guineense, que era a cópia integral do português, mais coisa menos coisa.

Elaborei o maior estudo realizado até então – técnico, económico e financeiro -, a apresentar junto do Banco de Portugal, que era a entidade que autorizava e protegia este investimento. Levei muitos meses de trabalho no conjunto, mas ao fim de 6 meses já havia um dossier para apresentar junto das imensas entidades envolvidas e que teriam de dar o seu parecer, nacionais e guineenses. Tudo era feito à mão e com uma máquina de calcular, e seguidamente passado à máquina de escrever, se fosse hoje o tempo seria infinitamente menor, e fiz tudo com a ajuda dos técnicos, o português na parte Agrícola e o alemão na área de Agroindustrial, pois isto envolvia para aquela data um investimento enorme.

O Banco de Portugal aprovou o nosso projecto, pois o retorno estava garantido com taxas de rentabilidade fora de normal, e com uma inscrição de louvor que passo a citar, não é para me regozijar, mas tenho de levantar também a minha moral e puxar dos meus galões, quando é preciso, não é só lamechices que tenho de contar:

Decisão:  “Porque jamais deu entrada no Banco de Portugal um projecto de investimento externo, tão pormenorizado e tão completo, como este”.  Conclusão:  Aprovado.

Havia apenas de dar seguimento ao mesmo, isto é, solicitar o envio das remessas para o estrangeiro, em dinheiro e em espécie. O governo da Guiné-Bissau também deu o seu ‘parecer favorável de princípio’, sempre com grandes resistências e com pareceres pouco favoráveis dos técnicos das zonas de influência já referidas. E isso atrasou tudo, o despacho final em papel timbrado não saía e então não podia andar nada. O tempo passa e nada acontece. Mas viria a acontecer.


A preparação do pacto social e quotas 


Entretanto e durante este longo período – Agosto de 84 (data em que foram iniciadas conversações entre o Major e os Técnicos) e Julho de 85 (data em que tudo acabou), vão sendo discutidas e acertadas as condições de cada sócio, as suas percentagens e tudo em função da capacidade de influência de cada um, então liderada sempre pelo Major, que achava que o seu peso político era mais importante que qualquer outro.

São feitas várias alterações de quotas e com entradas e saídas de alguns, fazem-se acusações mútuas entre uns e outros, e ameaças de denúncias e de procedimentos criminais. Mas tudo volta ao normal. E lá estou eu metido no meio de malabaristas, era a minha sina...

Eu passo a ficar instalado a partir talvez de Dezembro de 1984, no edifício do consulado, na Praça Marquês de Pombal, numa sala do 1º andar ao lado do gabinete do Major, e acabei por ter conhecimento de muitas coisas que ele tratava ao telefone, ou até em reuniões, pois como todos sabem o Major fala sempre muito alto e até aos berros, por isso é fácil ouvir tudo. [Soube muitas coisas sobre o mundo do futebol, ele era também Presidente do Boavista, pude ver como foi tratado o caso do famoso ‘Luvas Pretas’, o João Alves,  agora comentador de programas desportivos com que a TV nos enche a barriga todos os dias.]

O Gabinete – aquilo era uma mansão - era frio, mas ele gostava das janelas abertas, não queria muitas luzes acesas, não ligava o aquecimento e não gostava de água a pingar das torneiras. Manias que fui vendo e aprendendo, mesmo com muito dinheiro que ele já tinha e as suas influências, era assim um forreta como poucos. [Nas minhas atuais andanças de fotógrafo pelo Porto, fui lá fotografar este palacete do Marquês, e o edifício, antes em ruinas, é hoje um hotel de luxo!]

A viagem a Dakar

Aguardando o impasse nas negociações e estudos lentos do Estado da Guiné, e porque já estava em carteira esta ideia, partimos no dia 7 de Janeiro de 1985 rumo ao Senegal, num avião Bi-Turbo das Linhas Aéreas da Guiné-Bissau, com capacidade para uns 50 passageiros, com paragem de escala em Zinguinchor, depois de atravessar o Rio Casamansa, e correu tudo bem até aterrar no Aeroporto Internacional de Dakar.

A nossa viagem ao Senegal, tinha como objectivo principal, ‘vender’ o projecto ao Governo deste país, o Senegal, tivemos uma reunião com o Ministro do Desenvolvimento Rural, ele gostou e apreciou muito e disse que seria interessante para eles. Pediu para deixar uma cópia, ficamos com todos os contactos, mas nunca mais disse nada. Coisas de África…

Verificamos que toda a Economia do Senegal estava nas mãos dos Franceses, vimos isso em Dakar, mas era o mesmo nos outros locais do país, foi o que também nos assegurou o nosso Adido [Comercial, da Embaixada Portuguesa], pois já tinha muitos anos daquele país.

Dakar [, hoje com mais de 3 milhões de habitantes,] era uma grande cidade, moderna e desenvolvida, era uma espécie de ‘Paris em África’, mas habitada na sua maioria por cidadãos de diferentes etnias, de religião muçulmana.  Quando desembarcamos no aeroporto de Dakar – a 25 km da capital – parece que tínhamos chegado a outro mundo, o clima muito diferente para mais suave, e não faltava nada. Mas tudo muito caro, uma garrafa de águas de 0,25 custou 400$00 na nossa moeda, e tomada em pé na rua.[, 7,95 €, a preços de hoje].

Ficamos instalados num Hotel novo, no centro da capital, o Hotel ‘Al Afifa’ era tudo gerido por franceses, só os criados eram africanos. Tudo muito caro, almoçamos lá, com a fome que trazíamos de Bissau, e foi bom mas caro, uma garrafa de vinho normal francês, custou 7 contos, no total pagamos mais de 20 contos por tudo [397,73 €, hoje ]. A moeda circulante era o Franco CFA, e com os câmbios para a nossa moeda ficava tudo muito caro, para nós, portugueses. Nessa altura o câmbio de 1USD era à volta de 200$00 [3,98 €, a preços de hoje].

Ficamos lá 2 dias, pois o visto que foi dado no aeroporto, a troco de suborno, pois não tínhamos as vacinas em dia, custou 100$00 este pequeno suborno, eles não conheciam a nossa moeda, eu disse-lhes que era equivalente a Dólares Americanos, por isso 100 USD era muita massa.

Tivemos um contratempo, levamos só dinheiro em escudos, lotes de notas de 5 contos, e quando fui no aeroporto ao balcão para trocar pela moeda deles, ele devolveu as nossas notas de 5 contos, dizendo que era ‘merde’,  não tinha câmbio. Ficamos enrascados, mas não havia problemas, apanhamos um taxista, levou-nos até à Embaixada de Portugal, os gajos faziam aquilo a uma velocidade louca, mas chegamos vivos, o meu amigo ficou no carro, pois o taxista nunca desligou o motor, estava sempre a contar, entrei e pedi para falar com o Embaixador, ele ouviu a explicação e mandou logo o Adido com dinheiro para pagar ao táxi e não aumentar a conta.

Depois explicamos que tínhamos ali dinheiro de sobra, mas era preciso cambiar, ele explicou aquilo que já sabíamos uma hora antes, não tinha câmbio em Francos CFA. Ele falou com o Governador do Banco Nacional do Senegal, depois este falou para um Banco Comercial, e fomos com o Adido juntos falar com o Presidente. Trocamos aquilo que eles pensaram que era necessário para os dois dias e hotel, e extras, acho que 20 ou 30 contos. Ainda tenho a nota de câmbios e sei que ficava tudo muito caro com base na nossa moeda. O Presidente do Banco foi ele mesmo que nos pagou em Francos CFA, não fomos à caixa porque não era possível, foi assim feito tipo saco azul, não sei, mas para nós ficamos aliviados.

Este Adido depois é que nos orientou em tudo, convidou-nos para um jantar inolvidável na casa dele, a mulher era de Macau, e falava também Chinês, mas cozinhava muito bem. Um grande peixe inteiro dos mares de Dakar, comemos até dizer chega, depois ainda ficou mais de metade, pesava aí uns 5 kg, os pescadores transportavam aquilo aos ombros, um pau grande e um peixe de cada lado, era um postal da cidade. Eles tinham de ir trabalhar no dia seguinte, deixaram-nos a chave de casa, e ao almoço fomos lá comer o resto sozinhos. Depois pagamos um jantar fora, ficamos muito agradados com aquele casal.

Ainda fomos ao cinema uma noite, e andamos pelos bares, e quase deu para o torto, eu pegava no dinheiro vivo das calças, um monte de notas, às tantas estava já cercado por meia dúzia deles, senegaleses,  o Adido a ver tudo, ele já os conhecia a todos, daí que, ele mesmo sendo baixinho, investe contra eles aos pontapés, a maioria tinha uns 2 metros de altura, com insultos na língua deles, a verdade é que fugiram e nós lá ficamos. O Adido alertou-me para não exibir o dinheiro, ele disse que eles estavam a preparar-se para me sacar a nota, pois eu fiquei no meio deles sem dar por isso.

Na última noite fomos para o Hotel já tarde, havia música africana e miúdas giras, todas falavam Francês, e vi uma coisa do outro mundo, a mulher preta mais bonita que vi até hoje, e de uma beleza tipo sueca, as feições como branca, mas preta mesmo, era da Guiné Conacri. Estava ali para ganhar dinheiro, como é óbvio, fiquei com os olhos feitos em bico, mas já não tínhamos dinheiro para mais.

O Adido, sabendo das vigarices que os taxistas  faziam, combinou com um deles, a hora que deveria estar no Hotel para irmos para o aeroporto, e o ‘preço’ certo para a viagem, tudo escrito e falado.

No dia seguinte fomos com ele à hora certa, quando chegamos ele estacionou à beira de um Policia, depois teve a lata de pedir o dobro do preço combinado. Como não tínhamos muito tempo, e apesar de barafustar, o polícia foi-se chegando, eles falaram, e deu para entender que tínhamos de pagar, senão ficávamos em terra. Por isso o Adido dizia que eles eram todos uns 'filhos DP'...

Deixamos aquela terra no dia 9 de Janeiro de 1985, com muita saudade e com grande gratidão ao Adido comercial e à sua mulher. Nunca mais nos falamos nem nos vimos, e já lá vão 33 anos, agora 35 e nem o nome dele e dela me lembro.

Em Bissau, depois voltamos aos contactos, tivemos imensas reuniões sempre inconclusivas, conhecemos muita gente, Africana e de todo o mundo, andavam por lá a tentar fazer negócios de rentabilidade imediata, eram do tipo ‘mercenários comerciais’ com muita experiência por países africanos e do terceiro mundo.

Regressamos a 14 de Janeiro, sem nada na pasta. Com grande tristeza pelo tempo e dinheiro perdidos. Mas ainda com a esperança de que íamos dar a volta àquela gente.

Lembro-me das mensagens dos meus filhos, que tenho escritas nas cartas que enviavam, que me pediam para trazer ‘um macaco’, outro perguntou se já tinha encontrado as minhas motorizadas que lá tinha deixado em 1969, a minha G3 e coisas de crianças que tinham entre 10 e 13 anos.

O que trouxe, foi um caixa de 10 kg de camarão da Guiné, tudo devidamente embalado em gelo, que pedi ao comissário de bordo para as colocar nas geleiras do avião. Ficou depois no Hotel onde fiquei hospedado com a minha mulher, nas câmaras frigoríficas, e no dia seguinte veio de comboio para o Porto e Vila do Conde, à temperatura ambiente, fria naturalmente.

Foi o nosso jantar no dia 16 de Janeiro de 1985, fazia o meu filho do meio 12 anos.

O camarão foi cozido e preparado à moda da Guiné, comprei lá o piripiri natural, os limões muito diferentes dos nossos, e fiz o molho que era servido lá nas esplanadas no tempo da guerra.

Num prato pequeno, piripiri moído, sal e o indispensável sumo de limão da Guiné, não tem nada a ver com o nosso. Depois ficou um petisco e foi até acabar.


O regresso de Dakar até Bissau 

Regressamos no mesmo avião e com o mesmo piloto, ainda fizemos escala em Zinguinchor, que eu ainda não conhecia, era uma cidade do tipo de Bissau, ainda deu para dar umas voltas.

Regressados à luta ‘armada’ dos papeis e reuniões, não vou maçar mais ninguém, pois as muitas reuniões não levam a nada, e não é objectivo deste trabalho contar isto tudo, mas com a máquina de escrever fiz muitos requerimentos e adendas ao projecto, sempre tentando que fosse ultrapassado os impasses que eram colocados, muito embora as reuniões com altas patentes governamentais não davam passos significativos, nunca se tentou corromper ninguém, talvez fosse esse o mal.

Havia o problema das colheitas, a cultura do arroz seria de sequeiro e não de bolanha, previam-se 4 colheitas por ano, e os senhores do Leste, não percebendo nada, diziam que não ia além das duas, e as quantidades por hectare eram muito diferentes, estava tudo emperrado.

O problema do financiamento ficou assegurado por um Consórcio Árabe-Espanhol, mas havia que ter um ‘garantia idónea’. Então era a do próprio ‘Aval do Estado Guineense’. Ninguém aceitava, pois, a Guiné não tinha ‘crédito’ nenhum. Tentou-se então entre muitas a COSEC, que era do Estado, mas também não alinhavam. Só mesmo aquele Consórcio. Depois o nosso Banco de Portugal não dava o aval porque não aceitava também o aval do Estado Guineense, o mais pobre país do mundo nessa altura.

Foi um trabalho hercúleo, cá e lá, que não ficou resolvido na segunda viagem.

(Continua)

Legendas das fotos:

Das fotos já enviadas e para esta Parte II são válidas as seguintes:

F17 a F23 – A VIAGEM DE TRABALHO A DAKAR NO SENEGAL

Esta viagem foi realizada de Bissau para o Senegal, com paragem em Zinguinchor, feita num avião médio Bi-Turbo dos Transportes Aéreos da Guiné Bissau – TAGB, comandando por um piloto negro, guineense e hospedeiras morenas, possivelmente de Cabo Verde.

F17 – O avião Bi-Turbo dos TAGB a percorrer a pista do aeroporto Amílcar Cabral, para levantar voo. Bissau 8Jan85.

F18 – O avião da TAGB já a levantar voo com destino ao Senegal, aeroporto de Dakar, ainda com paragem na cidade fronteiriça de Zinguinchor no Senegal. Bissau, 8Jan85.

F19 – Vista aérea da Guiné, sobrevoando a zona de Bafatá, com os arrozais e o local do futuro projecto a levar a efeito. Céus da Guiné, 8Jan85.

F20 – Uma família Senegalesa nos arredores de Dakar, mãe e 5 filhos.  Apesar de tudo dá para perceber que era outra cultura e outro poder de compra, não se via disto em Bissau, eram pessoas conhecidas do Adido, não são muçulmanos. E se ficássemos mais uns dias, ainda poderíamos assistir à chegada do rali Paris-Dakar, que chegou uns dias depois. Dakar, 8Jan85.

F21 – A nossa viagem a Dakar no Senegal. Sou eu, de fato claro, o Isidro Quaresma em mangas de camisa, e o nosso Adido comercial da Embaixada Portuguesa, junto do Governo do Senegal.  Não me lembro agora do nome deste homem que foi o nosso anfitrião, guia e amigo naquele país. Ao largo pode ver-se a ilha onde se traficavam escravos, tem um nome qualquer como símbolo contra a escravatura, não me lembro do nome, e agora serve como prisão de alta segurança no Senegal. Dakar, 7JAN85.

F22 – Foto numa estrada no cimo de um monte com vista para a baia de Dakar, e o carro do Adido, foi ele que tirou a foto. Estou eu, e o Isidro Quaresma. Dakar, 8Jan85.

F23 – Foto minha em Dakar, na viagem ao Senegal, nos arredores do Centro da Capital. Os ventos secos de Dakar. Um dia de vento quente e seco, nada comparado com o martírio de Bissau.  Pode ver-se ainda uma Renault 4L, a maioria dos carros de origem Francesa. Dakar. 8 Jan85.

Em, 06-06-2018 - Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ1933  / RI15, Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21Set67 a 04Ago69».

Corrigido, aperfeiçoado e modificado novamente,

Em, 2019-10-29

Virgilio Teixeira

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 23 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20271: Guiné 61/74 - P19815: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXXI: 1984/85: um regresso, quinze anos depois: (i) a primeira viagem de saudade

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20271: Guiné 61/74 - P19815: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXXI: 1984/85: um regresso, quinze anos depois: (i) a primeira viagem de saudade


Foto nº   16 > Guiné-Bissau > O Virgílio Teixeira junto à instalação da fábrica descascar arroz,  desativada. Bissau, 5Jan85


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bissau > 3 de janeiro de 1985 >  No Pilão, na porta da casa do nosso taxista fula, de nome Mamadu.


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá >  3 de janeiro de 1985 >A nova ponte acabada então de inaugurar, em Bafatá, com ligação a Fá Mandinga.


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Cabuca > 3 de janeiro de 1985 > Esta era a picada entre Nova Lamego (hoje Gabu) e o aquartelamento de Cabuca, a uns 20 a 30 km da sede do comando do antigo sector L3.

Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Cabuca > 3 de janeiro de 1985 > Em Cabuca recolhendo terra para amostras de produtividade e rendimento.



Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Cabuca > 3 de janeiro de 1985 > Aqui estamos numa lagoa, que faz fronteira com a Guiné-Conacri.


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Cabuca > 3 de janeiro de 1985 > – Pormenor de um lago lodoso de águas paradas, e o aviso no placard da existência da mosca Tsé-Tsé. O nome escrito diz ONCORSECOSE (a doença mais conhecida por "cegueira do rio").

Foto nº 11 >  Guiné-Bissau > Região de Bissau > 5 de janeiro de 1985 > Vista geral complexo agroindustrial, inacabado e abandonado. Tratava-se de uma fábrica de descasque de arroz.


Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Região de Bissau > 5 de janeiro de 1985 > Outra vista das instalações fabris que nunca chegaram a funcionar.


Foto nº 13 > Guiné-Bissau > Região de Bissau > 5 de janeiro de 1985 >  Em primeiro plano, os porcos que se passeiam livremente pelo complexo industrial abandonado.



Foto nº 14 > Guiné-Bissau > Região de Bissau > 5 de janeiro de 1985 >  Vista geral do complexo, Bissau, 5Jan85.


Foto nº 15 > Guiné-Bissau > Região de Bissau > 5 de janeiro de 1985 >  Interior do complexo inacabado, Bissau, 5Jan85

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem, de 9 do corrente, do nosso amigo e camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); é economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde; tem já perto de 140 referências no nosso blogue- (*)


Luís, como estás? 

Segue o texto (e as fotos) para o tema T999: foi enviado por mail, em Junho de 1998, já passou mais de um ano. 

Não sei o que se passou, mas devo ter enviado em conjunto, no Wetransfer com prazo de 8 dias, e por isso perdeu-se. 

O interesse é mostrar no que se passou a seguir à Independência, aquele território tornou-se não no 3º mundo, mas uma parcela única do 4º mundo. Naquela altura a Guiné estava classificada como ‘o paíos mais pobre do planeta’… Pobre povo que tanto sofreu com esta mudança! 

Este poste trata de um assunto muito particular da minha vida, e agora estive e reler tudo, e achei que vale a pena tentar, e ver o feedback desta história. Não toquei em nada, foi escrito naquela data, era assim que pensava, e hoje igual. 

Tenho andado agora muito ocupado nas minhas rotas pelo Porto, já vou em mais de 7000 fotos, e eu que pensava conhecer o Porto, e afinal só conhecia as pedras da estrada, o paralelo, o alcatrão, a terra batida, e depois os restaurantes, hotéis e afins. 

Ontem fiz a minha mais dolorosa ronda. Para quem sabe, desci ‘as escadas do Codaçal’ e subi ‘as escadas dos Guindais’. São cerca de 400 escadas para baixo e para cima, mas depressa recuperei desta fadiga. Foram 158 fotos, coisas inéditas para mim, nunca lá tinha ido! 

Um dia talvez venha a publicar algumas, que interessam mais às gentes do Porto e do Norte. 

Quanto ao nosso Tema de hoje, esta descrição, apesar de longa, são 13 páginas, acho eu, está longe do todo, pois esta aventura já está escrita nas minhas memórias há muitos anos, nem me passava pela cabeça este Blogue, isto daria para mais 3 a 4 vezes, e isso, não sei se virei a contar na totalidade. 

O final do projecto não foi muito feliz, e contém tanta coisa pessoal e que tenho de preservar. Acho que, no final de tudo, quase desgracei a minha vida, e já se passaram 35 longos anos, desde que iniciei esta loucura. 

Em todo o caso, é parte da vida de um camarada da Guiné, e julgo que tem interesse para quem quer perceber o curso que seguiu aquele novo País de língua portuguesa. 

Isto como tem muito texto e fotografias, vai ter de se dividir em 3 postes ou em 3 partes, caso consideres que é um assunto de interesse para a malta. 

Um abraço, 

Virgilio Teixeira 

Em, 2019 –10- 09


2. Álbum fotográfico > Guiné 1967/69 

TEMA 999 – O REGRESSO À GUINÉ 15 ANOS DEPOIS

ANOS 1984 E 1985 : UMA VIAGEM DE SAUDADE ; DUAS VIAGENS DE NEGÓCIOS


I - Anotações e Introdução ao presente Tema

Este tema tem tanto de louco como apaixonante,

Não vou entrar em pormenores, porque para qualquer um que tivesse a ousadia de querer ler tudo o que já escrevi sobre o tema, teria aqui tanto para ler que até daria sono ao nosso Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

Já escrevi no meu livro ‘Não editado’ todos os dramas pessoais e familiares que esta saga me trouxe, nunca saberei se valeu a pena, abandonar a família, correr riscos, desbaratar dinheiro que viria a fazer falta, com resultados nulos.

Vou dividir isto em 3 partes que correspondem a 3 viagens, agora apenas escrevo sobre a primeira delas, aquela que mais me marcou, as restantes ficam para mais tarde…:

I Parte – A viagem de saudade à Guiné

II Parte – A viagem de negócios à Guiné e Senegal

III Parte – A viagem de arranque do projecto na Guiné


Parte 1 – A primeira viagem de saudade à Guiné


Corria o ano de 1984, e um dia qualquer, estava eu a ficar, podemos chamar com uma loucura incontrolável, tinha pesadelos diários com a Guiné, acordava todo suado, eram noites seguidas, anos a fio com estes sonhos, o meu regresso à Guiné, e o mais estranho é que até nos sonhos aparecia com a minha família toda, a caminho de lá. Incríveis.  estes sonhos, e porque não aguentava mais, resolvi que tinha de matar os fantasmas.

Vou ao Consulado da Guiné-Bissau no Porto, falo com o major Valentim Loureiro, era o Cônsul da Guiné em Portugal, na altura também era o tutor dos filhos do 'Nino' Vieira, que estudavam aqui no Porto. O Valentim era também já conhecido, ele e o meu pai,  eram já camaradas, estiveram a trabalhar juntos no RI 6 do Porto.

Nunca meti o meu pai nisto, conversei longamente com a minha mulher, expliquei que eu tinha de fazer isto sozinho, aliás ela também nunca iria, tem horror a África. Tinha eu então 41 anos feitos, a caminho dos 42, e a minha mulher em casa com 37 anos, e os meus três filhos, a mais velha com 13 anos, o rapaz seguinte com 12 e a mais nova com 10.

Abandonar a mulher e filhos, quando vivíamos todos felizes, como sempre até hoje, era uma obra do diabo, mas fui fazendo os preparativos para esta aventura de loucos, digo eu.  Passamos aqueles meses anteriores bastante tensos com esta perspectiva, pois nunca nos havíamos separado antes, eu amava a minha mulher e os meus filhos, eles eram todo o meu mundo, eu superprotegia-os. Como vou abandonar isto, e vou para o escuro ?... Há aqui dramas escondidos que só por si davam um romance, mas vamos em frente.

Sonhava que iria encontrar aquilo que lá deixei em 1969, um país normal de África, com todas aquelas mordomias que tinha quando lá estava, uma cidade de Bissau limpa, as esplanadas com aquelas maravilhosas ostras, os mariscos, a musse de chocolate gelada do Solar dos 10, e os restantes bons petiscos, e tudo bem acompanhado de cerveja gelada e uns uísques com muito gelo, o Grande Hotel, uns bons restaurantes, nada a faltar. Aquele calor insuportável, a humidade, tudo o que era de bom e mau, eu estaria mesmo louco.

Não vou descrever mais, sobre os dramas da partida, os preparativos, os encontros com outras pessoas que pudessem conhecer aquilo melhor, isto são coisas do nosso íntimo e não são fáceis para os outros perceberem. Posto isto, pedir o visto no passaporte por 15 dias, e a surpresa é que tive de esperar mais de um mês pela autorização do visto, mas o Valentim Loureiro alertou-me para não ir, que já não era nada daquilo que fora no tempo da tropa, mas desvalorizei, estava com umas palas como os burros e só via para a frente, ninguém me desviava do meu sentido.

E lá fui, depois de imensas peripécias que vou passar à frente, chego ao Aeroporto da Portela, pois o voo era por volta da meia-noite, de um sábado, como todos os voos para a Guiné, naquela época, em 20 de Outubro de 1984, chegando a Bissau na madrugada de 21 de Outubro. Vai fazer agora 35 longos anos, de recordação e muita angústia.

Era tudo escuro, os passageiros eram na maioria africanos, a confusão indescritível na fila para fazer o check-in e enviar as malas. Como já era hábito aquilo estava carregado de guineenses, que estavam cá a trabalhar ou a passar tempo, e, quando me apercebo,  já estava cercado por uns quantos que me entregavam caixas e embrulhos para meter na minha bagagem, e o peso não tinha importância pois a TAP facilitava isso.

Eu só pensei numa coisa. Se me metem droga nas malas e nas caixas deles, e quando lá chego e me revistam,  entro logo na prisão. Bom, em conversas acesas, pois eu não queria levar nada comigo, as hospedeiras convenceram-me que não havia problemas, era normal, eles só diziam que era ‘leite pra minino que está no Bissau’. Bom,  lá meteu mais uns 20 kg de carga e não paguei mais por isso, ainda perguntei a quem vou entregar aquilo, mas eles dizem que não se preocupe, alguém vai ter comigo e leva as embalagens.

O voo levantou uma hora mais tarde, pois aquilo era uma confusão total, mas eu estava decidido e já tinha gasto com a preparação da viagem e com a Agência, quase 200 contos [, 200  contos em 1984 é o equivalente a 4.754,87 €, a preços de hoje], incluindo viagens mas de fora a estadia. Eu não sabia nem tinha ideia para onde ia, tinha como referência o Grande Hotel de Bissau, mas nunca falei com ninguém nem marquei nada, fui mesmo à aventura, às cegas. 

Como já era normal, paramos no Sal, e comecei a sentir aquela sensação que já não estava habituado, aquilo não era uma Província de Portugal, é um País novo, e as pessoas, ainda com a sua jovem independência, olhavam e tratavam-me de uma forma não muito simpática. Eu tantas vezes lá tinha pousado, no antes, e era tudo nosso, fazia o que me apetecia. Mas não deixaram sair do aeroporto, agora já mais moderno, onde comprei qualquer coisa para entreter o estômago, afinal ainda era jovem, tinha os meus 41 anos, tinha apetite.

Lá deixamos aquilo, e voltamos ao avião Boeing 707 da TAP. Passado uma hora estava a sobrevoar aquela Guiné que já conhecia, os céus a mesma coisa, e cá para baixo a mesma paisagem. Como era ainda cedo, a neblina estava lá presente.

Escrevi durante a viagem, desde que deixei a família com um aperto enorme na garganta, uma carta com aquilo que estava a sentir, angústia e ansiedade. Já levava um envelope endereçado à minha mulher e, quando estava perto de aterrar,  chamei uma hospedeira, mostrei a carta com selo e endereço, e disse que ia metê-la no envelope, pedindo que ela na volta a Lisboa a colocasse no correio, e assim foi.

A aterragem deu-se pelas 9 horas da manhã, na mesma hora em que eu lá tinha chegado da primeira vez, em 21 de Setembro de 1967, ou seja 17 anos depois.  Mas agora era o dia 21 de Outubro de 1984, e estava num novo país independente.

Quando as portas se abrem, saindo daquele ar condicionado frio, pois ainda nos deram umas mantas para não se sentir aquele gelo dentro do avião, leva-se então com aquela baforada de ar quente e húmido, como se tivesse entrada no forno da minha cozinha. Entro da sala do aeroporto, e sem ar condicionado, tudo fechado, imediatamente o suor começa a cair pelas faces, pela roupa e em pouco tempo estou encharcado até à ponta dos pés. Nada que eu já não conhecesse, mas agora mais grave, pois cheguei a um novo país, ainda na minha mente um país... "inimigo" de Portugal.

As filas eram intermináveis para o check-in, pois o pessoal africano tinha prioridade sobre os brancos, e assim fui derretendo as poucas banhas que tinha. Chega a minha vez, apresento o passaporte de turista, e logo perguntam com grande autoridade: o que vem cá fazer? Eu disse que vinha fazer uma visita, não me veio mais nada à cabeça. Acharam estranho e, pouco tempo depois já me tinham chamado a uma sala reservada, eu levava comigo uma pasta preta de boa qualidade e marca conhecida, e uns homens, deduzo que da Polícia política local, ainda me perguntam se pertenço a algum ‘corpo diplomático’ e respondi que não, vinha apenas matar saudades dos tempos em que lá tinha estado na guerra colonial, há muitos anos atrás. Deram ordens para avançar, e fui para outra sala para a revista de tudo. Aí os guardas, como em todo o lado, logo me apanharam algumas coisas, era recordações para eles e família, cigarros, isqueiro, roupa, e coisas assim. Não levantei problemas.

Estava tudo em ordem, lá colocaram o visto de turista para 15 dias no passaporte. Voltei à fila do check-in, e perguntaram-me qual era a minha morada na Guiné, onde ia ficar. Fiquei indeciso, pois não tinha nenhum sítio marcado, disse que talvez fosse para o Grande Hotel. Escreveram tudo. Depois foi a vez do dinheiro, quanto é que levava, claro que declarei menos, e tive logo que cambiar o mínimo de 50 USD no Banco Local no aeroporto, tendo recebido 5.668,50 Pesos Guineenses, e alertaram que o câmbio de rua era ilegal, era crime e dava prisão. Ficou tudo escrito no passaporte. Eles olhavam-me muito desconfiados, não acreditavam em nada do que eu dizia. Mas finalmente consegui abandonar aquele forno.

Cá fora, lá estavam eles à minha espera, nem precisaram de procurar muito, pois os seus familiares em Lisboa devem ter dado todas as informações físicas da pessoa a contactar. E foi bom, porque tinham lá uma carrinha de caixa aberta e deram-me boleia até às portas do Grande Hotel. Despediram-se e foram à sua vida, e lá fiquei eu com a bagagem.

Mas o mais espantoso vem a seguir. Eu que estive na Guiné dois anos, e nunca vesti mais do que uma camisa, e de mangas curtas a maioria das vezes, levava então nesta viagem de loucos, já vestido um fato e gravata, e, num saco em separado, outro fato. Para quê? Só me estorvou o tempo todo. Meti-o na mala, ficou todo amachucado e deixei aquele apêndice que me estorvava os movimentos.

Quando desembarco do avião, aquela garra toda desaparece, como da primeira vez, e de imediato fico novamente apanhado pelo clima, e passo a andar como os outros, muito devagar, devagarinho, não há pressa para nada, nem capacidade física. E enquanto estou de viagem desde Bissalanca – agora aeroporto Osvaldo Vieira -, até à cidade, vou então confirmando os meus receios após a chegada, ou seja, que estou no sítio errado, aquilo não era a Guiné que conhecia.

A miséria era geral, e a falta de tudo em particular, era uma evidência. Vou passando pelos pontos conhecidos, A Base Aérea nada tinha, o quartel dos Comandas não existia, o quartel dos Paras nem se viu, passamos o quartel dos Adidos estava tudo destruído, até que passei pelo Hospital Militar e estava tudo coberto de mato, nada existia, a população levou tudo para casa ou para vender, e o edifício, o melhor hospital daquela zona do mundo, não existia mais.

Quando chego à entrada de Bissau, lá estava o mercado de Bandim, o cheiro era impressionante, o lixo abundava por todo o lado, passamos pela Bissau nova e está quase tudo em degradação, ainda fomos pela avenida principal, a antiga Avenida do Império, e não havia um único café, cervejaria, restaurante, casa de pasto, ou de comes e bebes, nada, tudo tinha desaparecido como se uma peste tivesse varrido a cidade de Bissau.

Quando entro do Grande Hotel aquilo estava a cair de podre, não havia ninguém, fui ver um quarto, meteu-me nojo, os preços eram pagos em Pesos Guineenses. Pediram 3500 Pesos por dia, que feitos os diversos câmbios oficiais, dava uns 2000$00 [, o equivalente a 47, 55 € a preços de hoje], por noite, ou seja o dobro do que tinha pago no dia anterior no Hotel Roma em Lisboa.

Claro que este valor pago com Pesos da candonga, significava então uns 200 Escudos Portugueses [, 4,75 €]... Claro que recusei logo, pois nem de graça eu lá ficava, abundava o lixo e a degradação total. Inacreditável o que via. Voltei a ver naquele espaço que tanto frequentei, os célebres "jagudis",  os abutres, à procura de carne podre, e os grandes lagartos a subir e a descer pelas palmeiras já minhas conhecidas.

Ter-me-ia enganado no local para onde comprei o Bilhete? Pelo sim, pelo não, fui logo de imediato à agência da TAP, que ficava na antiga Praça do Império, para ver se ainda podia apanhar o voo de regresso para Lisboa, mas já não era possível, então marquei logo para o próximo, uns 3 a 4 dias depois, quando a ideia era ficar 15 dias.

Lá fui ter não sei como, talvez num daqueles táxis que param em todo o lado para entrar e sair passageiros, e vou directo a Santa Luzia, onde diziam que havia o Hotel 24 de Setembro,  que era o melhor nessa época. O meu espanto é que estava a chegar ao antigo Club de Oficiais do tempo chamado agora de colonial. Eles fizeram daquele belo espaço um Hotel. Ainda construíram mais umas suites individuais, nos antigos terrenos e edifícios do Biafra, que era o sítio onde ficavam os oficiais milicianos quando passavam por Bissau.

Fui à recepção, e pedi um quarto, o preço eram 10 US Dólares, por dia – 2.000$00  [, o equivalente a 47, 55 € a preços de hoje] -, sem direito a nada. Com a ajuda de uma empregada negra, fomos para o quarto. Novo espanto, estava tudo partido, não havia ar condicionado, nem ventoinha, a água era escassa, os chuveiros estavam estragados, as baratas abundavam, e não tinha sanita, ou seja a sanita estava partida, não dava para uma pessoa se sentar, a empregada encolhia os ombros. Onde é que eu me meti, pensei com os meus botões?

Vou à recepção, o homem lá se desculpa, diz que há falta de manutenção, isso já eu sabia! Eu não queria aquele quarto, por isso ele sugeriu outro, dos novos, eram melhores, o preço era a 40 US Dólares por dia – 8.000$00  [190,19 €]...

Ok, fico para já, estava cansado e tinha novamente de pegar na bagagem e levar para outro quarto. Com o calor e de fato vestido, é fácil ver a cena. Instalei-me e tomei banho, deitei os fatos para o lado, e vesti calça e camisa. Tomei alguma coisa no bar, mas não havia quase nada, nem cerveja, nem uísque, só água com rótulo não conhecido. Mas tinha pressa em sair e ir conhecer melhor a cidade.

Fui a pé pela estrada de Santa Luzia abaixo, as bermas não existiam, estava tudo esburacado, as casas estavam em grande degradação. Procurei e encontrei logo a casa da minha primeira amiga cabo-verdiana, mas os novos inquilinos e vizinhos não sabiam nada dela nem da mãe. Fiquei desiludido, mas lembrei-me quando lá fui em fins de Julho de 1969 para me despedir dela e da mãe, me terem dito que ela tinha regressado a Cabo Verde, talvez seja verdade, e desejei que estivesse bem.

Fui por ali abaixo, na sombra dos grandes poilões, até chegar ao famigerado Pilão de Bissau. A população tinha aumentado para o dobro, as condições eram inimagináveis, nada que me fizesse lembrar as outras más condições do tempo colonial, agora aquilo eram mesmo bairros de lata ‘made in África’.

Vamos à Cidade, avenida abaixo, o calor e a sede aperta, procuro uma cerveja mas não há nada. Andam uns rapazes com uns bidões de barro com água e sumo de limão, diga-se que não estava quente nem fria. O serviço era em pé e na rua, e bebe-se pelo mesmo caneco sem lugar a lavagem, porque não há onde lavar. Paga-se qualquer coisa em pesos, era assim que se tratava o turismo de Bissau. Cansado sento-me na berma de um passeio, sempre na sombra de alguma árvore, o sol não perdoa, era implacável.

É preciso comer, aparece um dos muitos miúdos, que já antes existiam, com sacos ao pescoço, com mancarra descascada e torrada – amendoim, como se diz por cá – mas tão saboroso que parece marisco, era ainda igual àquela que se comia antes, uma primeira boa recordação. E mais umas canecas de água, tudo servido ali sentado no passeio esburacado.

Isto é surreal, estou sozinho sem saber o que fazer, mas vou continuar. Vou ter ao mercado local, onde há fruta e vegetais à venda. Os preços incrivelmente baratos. Compro ananás, bananas, mangas, limões, laranjas, e vou comendo tudo com a mão. Felizmente tinha levado um canivete suíço que dava para descascar aquilo. Já composto vou ver o que há para beber e comer, as primeiras necessidades.

Vou à antiga Casa Gouveia – agora são os Armazéns do Povo –, entro e está tudo vazio. Procuro nas prateleiras não há nada, mas encontro numa delas, isto fica na memória, pois não se pode esquecer..., encontro duas embalagens pequenas de sumos da Compal, daquelas latas pequenas de abrir com abre-latas em bico. Milagre. Vou ver os prazos já tinham passado vários anos de validade, e ainda por cima estão tipo caldo, não arrisquei, ficaram na memória, e na prateleira para o próximo cliente.

Não vou continuar mais a falar nisto, pois as surpresas acontecem à velocidade a que me desloco, não há lojas como antigamente, o famoso Café Bento desapareceu, as lojas fecharam, ainda vou até à Catedral de Bissau, pois está sombra e mais fresco. Rezei para que tudo corra bem para mim e para os meus familiares.

Agora os câmbios... I dinheiro que troquei no aeroporto e ficou registado no passaporte, eram 50 USD e deram-me um maço de Pesos Guineenses, a um câmbio que ficava tudo muito caro. Logo aparece sempre gente a tentar trocar Escudos ou US Dólares, por Pesos, a um câmbio 10 a 20 vezes menos do que o oficial. Ponderei para ver se não era nenhuma armadilha, depois arrisquei, e com 5 contos [, 118, 86 €, a preços de hoje,] fiquei com dinheiro para comprar quase tudo, o que era Nacional.

Mas não havia nada para comprar em divisas, só na segunda viagem já tinha aberto um chamado ‘Free Shopping’, onde se poderia comprar algumas coisas com moeda estrangeira. Mas o que havia era na maioria bebidas e pouco para comer. Daí que o mercado local era o abastecimento preferencial, comprava-se tudo por meia dúzia de tostões.

As surpresas estavam para vir, ao jantar no Hotel pouco ou nada havia, uns peixes secos daqueles que nunca antes havia comido, algum bife duro, pão só até acabar, vinho de garrafão fraco, quente, ou misturado com pedras de gelo da água do Geba. Não havia nem cerveja, quente ou fria. Sopa de estrelinhas, e compo sobremesa a fruta da época. Café de saco e nada de bebidas extras. Preço para isto tudo rondava os 1000 pesos, que com o câmbio no mercado paralelo, isto seria no nosso dinheiro 10 ou 20 escudos, nada mais [.o equivalente hoje a 0,24 € ou 0,48 €, respetivamente]. Tenho as facturas disto tudo, eram talões numerados com papel químico, e pagava no fim da estadia.

De manhã ainda pior, o café com leite, café de saco que não sabia a café, e o leite era ao natural, não tratado, aquilo e a manteiga derretida meteu-me nojo e só comi o pão sem nada, com uma chávena de café simples – digamos chicória.

Bom, a solução era mesmo o mercado, comprei tudo o que havia, muita fruta de toda a espécie, os preços ridículos, e assim comecei a comer no quarto a maioria das vezes. Tinha um frigorífico, onde também entravam as baratas, tirava-se um ananás inteiro, com a minha faca canivete cortava às rodelas e ia para a porta comer aquilo tudo, só com as mãos, tipo um sem-abrigo, enchia a barriga de fruta de vária categoria e sabia muito bem. O sumo de laranja fazia eu, partia várias laranjas a meio e com as mãos apertava aquilo e enchia um copo de sumo. Era tudo básico, não dá para acreditar. Era o mesmo com os limões.

O que fazer então?... Levava um contacto, o Ministro das Finanças local, fui falar com ele ao Ministério, que ficava num daqueles edifícios que se vê do cais na Marginal, à frente do Quartel da Amura. Recebeu-me porque eu levava o nome do Valentim, que por acaso também tratava das coisas dos filhos cá em Portugal. Apresentamo-nos, ele era mais velho do que eu, já tinha os cabelos meio brancos, falava com toda a educação e delicadeza. Acabamos por saber que tínhamos frequentado a Faculdade de Economia do Porto mais ou menos ao mesmo tempo, talvez nos tenhamos encontrado nos dois primeiros anos de 1964-66. Ficamos ‘amigos’, e até me convidou para ir jantar um dia a casa dele, ficava na Bissau nova, nas vivendas bem tratadas, onde não faltavam também nas paredes, dentro de casa, as ‘osgas’ que se passeavam calmamente. Chama-se Dr. Francisco Godinho. Foi-me orientando e até me apresentou outros Ministros e Secretários de Estado, das áreas do Comércio e Agricultura, que lhe chamavam de ‘desenvolvimento rural’.

Andei a deambular os primeiros dias, fui ver o novo Porto de Bissau, enorme, uma mudança radical, já tinha cais para encostarem os grandes navios, foi um investimento de um Banco Árabe, e construído por uma empresa portuguesa, a Somague.

Mas eu tinha de me desenrascar, e assim uma noite no Bar do Hotel, à volta dos copos e a sacudir e afugentar os mosquitos, estava um grupo de pessoas, falavam Português e notei logo pelo sotaque que eram do Porto, não me enganei. Eram uns 5 personagens, 4 de Portugal e um da Alemanha, Harald Muller. Estavam todos picados e com os braços inchados das picadelas dos mosquitos, e viram como eu estava normal sem os efeitos das picadelas dos mosquitos, pois eles não me pegavam, daí o início de uma conversa entre nós.

Expliquei que já lá tinha estado, contei a velha história, e que os mosquitos quando me ferravam eles é que morriam, o meu sangue era venenoso, eles não aguentavam. Acharam graça mas era assim, nunca tive nenhuma marca de mosquitos apesar de sentir as picadelas, acho que tem a ver com a cor e tipo de pele, a minha é escura, a deles era branquinha, os mosquitos aterravam e só largavam depois de lá deixar o ferrão, comigo felizmente não. Apesar de ter apanhado a Paludismo por duas vezes em 1968, não era imune a isso e não tomava nada para salvaguarda dos efeitos colaterais.

Resumindo vim a perceber que andavam por lá, com o aval do major Valentim Loureiro – que era o Cônsul da Guiné Bissau em Portugal – amigo do nosso ‘amigo’ Nino' Vieira–  , para um grande projecto agro-industrial no valor global de 20 milhões de US Dólares. Eram 4 milhões de contos [, o equivalente a 95 milhões de euros , a preços de hoje], o câmbio nessa altura era a 200$00 por cada Dólar.

Já tinham conseguido um ‘aval’ do presidente 'Nino', no qual era cedida ao grupo uma área bruta de 7000 hectares de terreno, nas margens do Rio Corubal, a 200 quilómetros da foz, por causa dos efeitos do sal, com o centro em Cabuca que eu já conhecia. Já tinham mapa de toda a área, e a cedência era pelo período de 100 anos.

Era preciso passar tudo por muitos estudos, e lutar ferozmente contra os ‘consultores’ do Leste que não queriam lá os ‘Tugas’. O Governo só confiava nos pareceres do Leste. Aquelas pessoas que encontrei, nenhuma delas tinha conhecimentos nem capacidade para demonstrar ao Governo que o seu projecto era viável, e muito.

Precisavam de um Economista para elaborar todo o projecto económico e financeiro, e tratar de toda a burocracia que um Investimento Estrangeiro precisa. Bateram na porta certa, pois já tinha no meu CV dezenas de projectos e estudos, e conhecia muitíssimo bem o CIE, os procedimentos do investimento estrangeiro, pois a Guiné Bissau, ‘copiou’ linha a linha o nosso Código do Investimento Estrangeiro (CIE), que eu tão bem conhecia por ter trabalhado com os Suecos tantos anos e que tinha de ser aplicado em Portugal. Estava nas minhas quintas.

Daí para diante tudo mudou, pois entrei dentro do sistema que estava já montado, são os amigos de negócios, e assim havia um esquema com as empresas de construção que lá estavam instaladas, a Somague, a Soares da Costa e muitas outras, portuguesas. Todas tinham os seus estaleiros e não faltava nada, era só mesmo ‘entrar’.

Regressei a Portugal ao fim dos 14 dias com os novos amigos e futuros sócios, e passamos a trabalhar no projecto no escritório deles no Porto, perto da Rua da Boavista, dedicando-me a 100% a este projecto, pois as expectativas eram muito grandes.

Depois disto, tem uma história muito longa, pois durou cerca de um ano inteiro, com 3 viagens à Guiné e uma a Dakar. Um dia talvez volte a este assunto, que não me é nada grato voltar a lembrar-me dele, pois não teve um fim feliz, mas é uma história verídica, e que ainda hoje não sei como fui capaz de embarcar em semelhante ‘loucura’! Fica para os próximos capítulos, se os houver.

Em, 06-06-2018 - Virgílio Teixeira


II - Legendas das fotos:

Nota: O primeiro parágrafo da legendagem explica o que significa a foto. Já nos seguintes, são notas e observações que faço em relação à história e contexto de cada foto no seu tempo.


F1 a F6 – INTRODUÇÃO:

– No Pilão em Bissau, na porta da casa do nosso Taxista Fula de nome Mamadu.

Fomos a casa dele para nos alugar o seu táxi – Citroen Mehari. Ele ficou 15 dias sem trabalhar e recebeu o mesmo como se andasse a trabalhar, foi um bom negócio para ele, e também para nós que ficamos sempre de carro, totalmente descapotável. Bissau, 02Jan85.

F2 – A nova ponte acabada de inaugurar, em Bafatá, com ligação a Fá Mandinga.

Esta ponte veio substituir outro troço de caminho, que não tinha ponte e era necessário dar umas voltas para o contornar. Acho que faz a ligação para Fá Mandinga, e assim fica uma ligação completa por estrada asfaltada, entre Bissau até Gabu e daí até Pirada na fronteira com o Senegal. E tem portagem perto de Safim. Pagávamos 2 pesos e meio para abrirem a barreira. Bafatá 03Jan85.

F3 – Esta era a picada entre Nova Lamego – Gabu – e o aquartelamento de Cabuca, a uns 20 a 30 km da sede do comando do sector L3.

Este troço estava em 1985 completamente tapado, de mato, árvores, capim, e muitos buracos no troço da picada. Foram precisas algumas horas até chegar ao local de destino, que era a zona onde se iria desenvolver um projecto agrícola de 7000 há. Cabuca, 03Jan85

F4 – Em Cabuca recolhendo terra para amostras de produtividade e rendimento.

Em primeiro plano o Isidro Quaresma Gomes, o Técnico agrícola vindo de Angola como refugiado, e que levou a cabo este estudo complicadíssimo. Depois tem mais 3 técnicos locais do Ministério do Desenvolvimento Rural da Guiné Bissau. O Jeep era do Estado, O fotógrafo era eu que não ficou na foto. Cabuca, 03Jan85.

F5 – Aqui estamos numa lagoa, que faz fronteira com a Guiné-Conacri.

O barco segundo me parece, pertencia a alguém que fazia a prospecção de diamantes na lagoa, o homem do leme era o responsável por isso, Nunca soube ao certo o que faziam, era tudo muito secreto. Na foto está o Quaresma, o barqueiro e o Virgílio, sou eu. Cabuca 03Jan85.

F6 – Pormenor de um lago lodoso de águas paradas, e o aviso no placard da existência da mosca Tsé-Tsé. O nome escrito diz ‘ONCORSECOSE’ deve ser o nome latim da mosca do sono.

Dado o perigo eminente desta maldição, não ficamos lá muito tempo, viemos embora sem olhar para trás, não vá aparecer alguma mosca maldita. Cabuca, 03Jan85.

F11 A F16 – Série de Fotos tiradas no complexo agroindustrial de uma fábrica de descasque de arroz, construída do lado esquerdo da foz do Geba, completamente abandonado. Acho que é o local se chamava de Cumeré.

Chamo a atenção que este complexo enorme, quase pronto, mas inacabado, nunca funcionou, estava ali uma fortuna enterrada em obras e equipamentos. O nosso objectivo seria recuperar o complexo e depois apoiar o projecto agrícola do arroz.

Isto tudo foi financiado pela Comunidade Internacional, numa ajuda ímpar à Guiné Bissau, país na cauda da miséria, que recebeu,  segundo estimativas dessa época, a maior ajuda mundial "per capita", que foi dada a um país, em termos de relação – montante investido, versus área e população.

A visão que me impressionou foi ver que no cais de desembarque de Bissau, encontravam-se centenas de contentores, arrumados há anos, nunca abertos, que continham componentes para montar várias fábricas, mas que por uma inoperância dos sucessivos governos locais, nunca foi levada a efeito, ficou tudo a apodrecer, ninguém queria trabalhar, o que interessavam eram os sacos de arroz que desembarcavam de ajuda alimentar mundial. Vi isso com os meus olhos. Bissau, 05Jan85.

(Continua)

Em, 06-06-2018 - Virgílio Teixeira

Propriedade, Autoria, Direitos Reservados: Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ 1933 / RI 15, Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SeT67 a 04Ag69.

[Revisão / fixação de texto / conversão de escudos para euros, através do conversor da Pordata, para efeitos de edição neste blogue: LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19815: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXX: Viagem, de regresso, do Gabu a Bissau, em 26/2/1968: no 'barco turra', a partir de Bambadinca (II)

domingo, 11 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10650: O PIFAS de saudosa memória (17): Uma foto histórica: convívio, em 31 de maio de 1985, em Lisboa, do pessoal do emissor regional da Guiné e do Programa das Forças Armadas (Garcez Costa)



Lisboa > Páteo Alfacinha > 31 de maio de 1985 > Convívio do pessoal do emissor regional da Guiné e do PFA - Programa das Forças Armadas.

Foto: © Garcez Costa (2012). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do Garcez Costa, ex-radialista do PFA - Programa das Forças Armadas,  furriel miliciano  (Com-chefe, PFA, Bissau, 1970/72), com data de 30 de outubro último:


Caso entendam publicar no blogue, esta é a tal foto de que falei anteriormente, a qual merece o seguinte apontamento:


Jantar de convívio do pessoal do emissor regional da Guiné e Programa das Forças Armadas, em Lisboa, no Páteo Alfacinha, em 31 de maio de 1985.

Passados anos ainda reconheço algumas personalidades, uns fizeram parte da minha convivência, e outros não identifico, porque não houve o cuidado, na altura, de proceder à legenda da foto.
Em cima: 

(i) Jerónimo (o nosso incansável dactilógrafo – não tinha horário de entrada e nunca se sabia a que horas saía de serviço);

(ii) Ramalho Eanes (incentivou-me a ter gosto pela música clássica) (*);

(iii) Maria Eugénia (a nossa mãezinha e a célebre senhora tenente);

(ii) Silvério Dias (está encoberto o paizinho de todos nós, que era então, no meu tem+po, 1º sargento);

(iv) Dias Pinto (estava no mato, quando vinha a Bissau, colaborava nos noticários);

(v) Raul Durão (o 1º locutor do PFA);

(vi) José Manuel Barroso;  

(vii) João Paulo Diniz (um companheiro fraterno que me ajudou a soltar a voz sem medos)...

Em baixo:

(viii) Mário Feio, Júlio Montenegro (ensinou que a palavra é o corpo da rádio), Faride Magide (técnico do Emissor Regional e bom amigo a par do locutor Lopes Pereira que nunca mais ninguém ouviu falar dele), José Avelino, José Camacho Costa (a nossa amizade estendeu-se desde a adolescência no Colégio Nun'Álvares em Tomar até aos seus últimos dias de vida), Garcez Costa (aqui presente nesta narração) [, o último da direita].
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Notas do editor:

Último poste da série > 23 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10561: O PIFAS de saudosa memória (16): Compactos de gravação, Parte II: excerto áudio de "Noite 7" (emissão especial aos sábados) (Garcez Costa, ex-fur mil, 1970/72, ex-radialista)

(*) Guiné 1969/71: (...) "Sob o comando de António de Spínola, trabalhando de perto com Otelo Saraiva de Carvalho, chefia o Serviço de Radiodifusão e Imprensa, na Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica do comando-chefe. A imagem de Spínola acabará por marcá-lo decisivamente, havendo mesmo quem o considere um homem da 'entourage' do general, ou seja, um 'spinolista' " (...) (Fonte: Museu da Presidência).