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quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24875: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (23): pequeno glossário para compreender as letras de fado e outros textos em calão


"Fado da Trolha", António Manuel Lopes, Lino Ferreira, Silva Tavares, Feliciano Santos, António Carneiro, Revista | Vaudeville Mãe Eva, Sassetti & C.ª Editores, s/d., p. 1 (Fonte: Museu do Fado, com a devida vénia...). 
 


1. Aqui vai uma ajuda para "descodificar" as letras dos fados e outros textos que reproduzimos nos postes P24840, P24858 e   P24866 (*)

Para esta recolha (feita muito em cima do joelho, mas consumindo já umas largas horas...), ocorremo-nos, no essencial, do  livro de Guilherme Augusto Simôes, "Dicionário de Expressões Populares Portugueas" (Lisboa: Perspectivas & Realidades, 1985, 432,  XX pp.), talvez a mais completa compilação  de termos e expressões idiomáticas neste domínio, incluindo "arcaísmos, regionalismos, calão e gíria, ditos, frases feitas, lugares comuns, aportuguesamentos, estrangeirismos e curiosidades da linguagem"... (Na edição que consultámos, de 1985. a compilação tem mais de 25 mil entradas; há outra edição posterior, Dom Quixote, 2000, com 700 pp. )

Pena é que o autor tenha feito autocensura, expurgando do seu dicionário grande parte dos palavrões considerados "obscenos",  esquecedo-se que o leitor estrangeiro, que ande a aprender português, também tem direito a conhecer o nosso calão de carroceiro:

(...) "Encontra-se neste dicionário:

  •  o calão académico (usado pelos estudantes), 
  • o calão vulgar (usado pelo povo), 
  • o calão dos marginais (usado pelos criminosos de todo os graus, desde o simples vigarista ao assssino da pior espécie)
  •  e omitimos, o mais possível, o calão ordinário a roçar a obscenidade. 

Mas deste, ao omiti-lo, não foi por falso pudor, mas sim por por verificar que infelizmente não é necessária a sua nomeação. tão sabida é pela nossa mocidade de ambos os sexos" (pág. XV). (Negritos nossos).

Não é necessário esta pregação moralista do autor: os modernos dicionaristas e lexicógrafos  já há muito que grafaram os nossos palavrões ditos obscenos, que também fazem parte da nossa língua materna: quando nos apetece mandar para o c...ralho alguém, que nos chateia os c...rnos ,  não o fazíamos, nos quarteis e matas da Guiné,  na língua dos nossos vizinhos espanhóis, mas na nossa querida língua...  

De resto, todas todas os nossos  "palavrões"  estão ao alcance de toda gente (a começar pelas criancinhas...) na Internet.

No que respeita à gíria ou calão do fado de antigamente, o autor recorre também ao livro "A gíria portuguesa: esboço de dicionário do 'calão' ", de Alberto Bessa (1901). 

Consultámos também o nosso camarada, transmontano de Moncorvo, infelizmente já falecido, o jornalista e escritor  Afonso Praça (1939-2001),  "Novo Dicionário de  Calão", 2ª ed. rev. (Lisboa, Editorial Notícias, 2001, 258 pp.).   O autor (AP) discrimina alguns termos e expressões do calão conforme o meio de origem: crime, desporto, droga, estudantes, jornalismo, militar  (incluindo Colégio Militar, Grande Guerra e Guerra Colonial), e regionalismo... 

Infelizmente, o Afonso Praça (que, além de seminarista,  foi alferes miliciano, em Angola, na zona norte, entre 1963 e 1965), já não é do tempo do nosso blogue: morreu prematuramente aos 62 anos. 

Já agora, e para saber algo mais sobre a história do fado, ver aqui uma excelente sinopse, disponível na página oficial do Museu do Fado, e baseada no essencial na bibliografia etnomusicológica e histórica sobre o fado de Rui Vieira Nery, professor associado da FCSH/NOVA. 


Pequeno glossário para compreender as letras de fado e outros textos em calão (de A a Z)

Quem se metter c'um fadista
E o ouvir faltar calão, 
Fica logo a ver navios, 
'Té perde a mastreação.  (pág. 93)

(...) Que era então p'ra se lembrar
Que o mundo é uma fumaça,
E emquanto n’elle se passa
E' dar-lhe, toca a gimbrar. (pág. 99)
 
(in: Alberto Pimentel - A triste canção do sul: subsídios para a história do fado. Lisboa: Livraria Central de Gomes de Carvalho, editot, 1904)


afinfar (bater em, arrear);
alcouce (bordel, prostíbulo; etimologia duvidosa);
alcoveta (mulher intermediária no comércio do sexo; do árabe, al-qawwâd, intermediário);
algema (pulseira, bracelete);
amarra (corrente do relógio, pulseira)
andantes (pés, pernas, sapatos);
andar ao fanico (na prostituição de rua, à procura de cliente);
andar no fado, andar no mundo, andar na vida (prostituir-se);
andorinha [prostituta, (AP)];
antrames [algibeiras, mas bolso interior o casaco, (GUS)];
apeado (diz do que deixou de ter amante, ou viatura pópria);
arame (dinheiro);
archeiro (bêbado);
arcos,arcosos (anéis);
arranjo, arranjinho (conquista amorosa, engate);
às duas por três (quando menos se espera);
asas (braços);
avental de pau (meia-porta dos bordeis do Bairro Alto);
avesa (tem);
avesar (conseguir, juntar, por ex., "bago grosso");

bago (dinheiro, termo que já vem do séc. XVIII);
bailhão [fadista, desordeiro, rufião (AB / GUS)];
batata (soco);
batolas (mãos);
beber (apanhar pancada);
belfe (calote);
brezunda, brezundela (pândega, brincadeira,pagode);
briol (vinho);
buchinha (num baile, era ceder a dama a outro cavalheiro);
butes 
 [otas, pés) (passar os butes/ fugir, dar aos butes / correr, meter os butes a caminho / partir, meter os butes/ enganar, mentir), (AP)];
buzilhão [dois vinténs, mas também muito dinheiro (GUS)];

cabides (orelhas, brincos);
camolete (?)
calhar (agradar, ficar bem);
canalha (biltre,patife, gentalha);
carinha (um) (moeda de prata de 500 réis, ou cinco tostões);
carunfa (traição);
carunfeiro (traiçoeiro);
celitro (decilitro, de vinho);
centopeia (mulher feia, de aspeto repelente);
cépios (vd. sépios);
charuto (pé de cabra, ferro para forçar fechaduras);
chata gorda (carteira bem recheada);
cheta (um vintém, 20 réis; 5 chetas equivalia a 1 tostão ou 100 réis);
cocheiro (jogador de pau);
comadre (mexeriqueira);
conquista (namoro, namorada),
cortado (vinho com soda);
cortiço (casebre);
cri-cri (?):
c'roa (dois mil, ou mal...réis);
cunfia (confiança);
cuté (casa ou quarto para encontros amorosos, ou para refúgio temporário)

dar os bons dias (ser o mais valente);
data (grande porção de alguma coisa, por ex, "camolete");
deixar espalhado (matar);
desarmado (teso, sem dinheiro, sem recursos);
direitinho (pessoa honrada e honesta);
duques (?):

elas (batatas, "iscas com elas");
embigo (baixo ventre);
encadernador (cangalheiro, agente funerário, gato pingado)
ensaio de galheta (ar de bofetadas);
entalada (uma isca metida num quarto de pão);
entortar (embriegar,mas também tornar pior);
envinagrado [embrigado, mas também mal disposto, zangado, azedo, (GUS)];
esfola (penhorista(;
esgueirar-se (fugir);
espiche (do inglês, "speech") (discurso, elogio, brinde, mas também hospital);
espinha (navalha);
estafar (matar, dar cabo, gastar de maneira perdulária);
estampa (bofetada);
estar a dormir (roncar);
estar no pinho (não ter amante);
estarim (cadeia, prisão);
ético ("estar ético", sem dinheiro);

fadista (homem vadio, brigão, desordeiro;mas também ulher que se entrega à prostituição);
faduncho (fado mal cantada, com má letra e música):
farol, faroleiro (indivíduo que joga por conta da banca, na casa de jogos);
fazer joginho (bater);
filhoses (notas de banco);
flaquibaque (estalada);
fole das migas (barriga);
francês (indivíduo enganador, desleal); 
fuça (cara);
fuças, ir às  (esbofetear, bater);
futrica [designação dada, entre os estudantes de Coimbra, a quem não é estudante; mas também futre, pessoa desprezível, (GUS)];

gabinardo (gabão, casacão, capote, gabardine):
gadunhas (mãos);
gaja, gajona (maneira depreciativa de referir uma mulher);
galdinas, galdras (calças);
galego (indivíduo grosseiro);~
galfarro (comilão, vadio, mas também agente da polícia)
galfo (fidalgo);
galopim (moço de recados, vadio, garoto, trampolineiro);
gamote  [reunião… mas também, grupo e rapazes, ou elementos do mesmo bando, (GUS)];
garonga (?);
gato pingado (agente funerário)
gentaça, gentalha, gentinha,gentuca (ralé, gente ordinária);
giga (vender em; arriar a) [discutir usando linguagem e modos grosseiros; insultar, gritando e gesticulando, arriar a canastra, (GUS)]
gimbrar
[viver à custa da amante, chular) (AP)];
grudar (convir, ser aceitável ou razoável);
guitarra (barriga);
guitarra pela cabeça abaixo, enfiar uma ( fazer uma gravata);

horas mortas (altas horas da noite);
hortas (retiros, tabernas nos campos, nos arredores de  Lisboa; começavam logo em Benfica);

isca [ pergunta capciosa, feita como objetivo de obter a resposta já esperada ou uma mais conveniente, (AP)]: 
iscas com elas (iscas com batatas);

juntas (pernas);
juiz do Bairro Alto (Deus);

labita (fraque);
laia (prata, dinheiro; mas também espéceie, casta: gente da mesma laia);
lárpios (ladrões);
libra (4500 réis);

má rês (pessoa velhaca, de mau carater, de maus instintos);
marafona (mejera, mulher ruim, mal-vestida, também rameira);
mariola (patife);
mastro (pénis);
meia-lata (meio litro de vinho);
meia-unha (meio tostão);
meio-caiado (água com café):
meio-curto (copo mal cheio, com café, vinho, canela e açucar);
místico (?);
moca (pénis, mas também cacete, asneira);
modista (taberna);
mondonga (mulher suja e desmaselada);
morraça (vinho ordinário, bebida reles);
mulato (café com leite);

nadar (justificar-se);
naifa (navalha);
naifada (navalhada);

orchata (azar ao jogo);
orchatado (?);
ourelo (cuidado, cautela);

pai de vida, pai da vida! [exclamação, "o que para aqui vai!", (GUS)];
painço, milho (dinheiro);
paivante (cigarro);
palhetas (botas, sapatos);
panaça (marido que tem medo da mulher);
passar as palhetas (esgueirar-se, esquivar-e);
pescoço (altivez, arrogância, soberba);
piela (bebedeira);
pingado (ligeiramente embriagado ou etilizado);
pingar-se (embededar-se);
pitorra(cabeça);

quarto de bife ou quarto de dose (um meio bife custava 140 réis ou sete vinténs; um quarto custava metade; retexto para se beber nais um copo);
queijada (a quantia que o chulo recebe da amante, mas também gorjeta ou gratificação);

rapioca (regabofe, pândega, paródia);
rascoa 
"mulher da vida", prostituta; era duplamente exploradas: pelos chulos (rufiões, que nem todos eram fadistas, vivendo do pequeno crime) e pelas "patroas", as donas das casas ("cobravam, em geral, quinze tostões a dois mil réis por dia por cada casa"; (...) "uma exploração ignóbil de que as infelizes eram vítimas, pois que, na maior parte dos dias, não ganhavam nem para o petróleo, como elas próprias diziam" (Avelino de Sousa, 1944, pág. 192)];
requineta (fraque);
retanha (gazua, ferro de abrir fechaduras);
roda,rodinha (um tostão, duas rodas, dois tostões ou dois-tões);
rodilha (gravata, mas também pessoa servil e bajuladora(
rouxinol (apito);

sanha (bofetada);
sardinha, sarda (navalha);
se m'entende (cemitério);
sépios (chapéus altos);
serviço [mulher fácil, ou criada com que se traz namoro, (GAS) ];
sino grande (copo de vinho dos grandes);
soldado de calça branca (cigarro);
suquir [ bater; mas também comer, furtar (GAS) ];

tabuleta (cara, fuça);
tingar (fugir, desaparecer);
tostão (100 réis, 5 chetas ou 5 vinténs);
toudas (sopapo);
trolha (pancadaria: andar à trolha; mas também servente de pedreiro);
trompázio na fuça (soco na cara);
trovas a atirar (cantigas que encerravam uma provocação, dando origem por vezes a conflitos);
tusto (tostão);

vintém (20 réis);
viúva (garrafa preta da taberna);
viúva, filhos da (copos)

urdimaças (mexeriqueira)

zaragata (pancadaria, desordem);

Abreviaturas - A recolha, feita do nosso editor LG, baseia-se sobretudo em Guilherme Augusto Simões (GAS) (que por sua vez tem uma bibliografia extensa, com cento e tal autores)... O Alberto Bessa (AB) é uma fonte obrigatória... E, pontualmente, recorremos também ao Afonso Praça (AP). Para um ou outro vocábulo não conseguimos encontrar o significado: por exemplo, camolete, duques, místico, orchatado... 

Mas este é um glossário aberto... Esperamos que os nossos leitores possam também dar os contributos do seu(s) saber(es), alargando o nosso campo  de cohecimentos ao calão do Porto (Bairro da Sé), e ao nosso calão militar (ou de caserna).

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24866: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (22): mais quatro fados com letras em calão do fadista ou faia de antigamente
Vd. também:

17 de novembro de 2023 Guiné 61/74 - P24858: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (20): O calão do Bairro Alto em finais do séc. XIX, algum do qual chegou à nossa caserna...

11 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24840: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (19): O Bairro Alto... de finais do séc. XIX, mal afamado durante muitas décadas, e hoje gentrificado...

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24866: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (22): mais quatro fados com letras em calão do fadista ou faia de antigamente


Capa do livro de Luís  Moita (1894-1967): O Fado, canção de vencidos: oito palestras na Emissora Nacional. Lisboa:  [s.n.] [Lisboa, Oficinas Gráficas da Empresa do Annuário Comercial], 1936, 357 páginas. Ilustrações de Bernardo Marques (1898-1962). Foi, na época, o inimigo público nº 1 do fado... "Enquanto cantamos o Fado, de cigarro ao canto da boca, olhos em alvo e paixão a arrebentar o peito, não passamos de um povo inferior, incapaz de compreender a vida moderna das nações civilizadas. Por isso repito aos rapazes  [da Mocidade Portuguesa] : ' Não cantem o Fado!' " (pág. 229). 

Tanto à esquerda como à direita, em diferentes quadrantes político-ideológicos, o fado nunca foi bem aceite pelas elites portuguesas...a não ser mais recentemente coma sua consagração como "património cultural imaterial da humanidade, pela UNESCO (2011). (Temos mais de 7 dezenas de referèncias com o "tag" ou descritor "Fado-)


1. Mais um excerto  do livro de Alberto Pimentel (1848 -1925),  "A Triste Canção do Sul: subsídios para a história do fado" (Lisboa, 1904, pp. 93/99). (*)

Mas não se pense que o Bairro Alto eram só faias, fado, tabernas, naifas e... rameiras. Também concentrava muita gente da emergente classe operária (com a crescente industrialização da cidade), a par dos homens dos  jornais, artistas, escritores e boémios. Desde meados do séc. XIX que se começaram ali a concentrar as publicações periódicas de Lisboa... Ali e nas zonas adjacentes, como o Chiado (chique e burguês). 

Sem dúvida que o Bairro Alto foi, dos bairros populares e ribeirinhos,  talvez o mais "afadistado", o que também tem a ver com a sua origem aristocrática: a nova fidalguia da época dos Descobrimentos  viveu ali, desde o terramoto de 1513  até ao terramoto de 1755 (este o mais mortífero, quando caiu o Carmo e a Trindade...).

Nos séc. XVI e XVII o Bairro Alto, com as suas ruas ortogonais,  são a primeria urbanização moderna da cidade (conhecido como a Vila Nova de Andrade)... O clero e a nobreza, com a degradação física do bairro,  começaram a mudar-se para zonas mais seguras e desafogadas da cidade...  Na segunda metade do séc. XVIII e princípios do sec. XIX, as classes laboriosas (artesãos, operários,  calafates, marinheiros, etc. mas também o lumpen)  começaram ocupar aquele espaço urbano. A seguir, e instalando-se em grandes edifícios deixados vagos,  vieram os tipógrafos e depois os jornalistas, os artistas, os literatos, etc., uma vez que se circulava facilmente entre o bairro, o Chiado e a Baixa (Rossio, Restauradores e Passeio Público, mais tarde Avenida da Liberdade).

 A concentração de tipografias e redações de jornais no Bairro Alto tem uma explicação, mais ou menos óbvia: ficando numa colina, a famosa 7ª Colina de Lisboa, e fazendo-se a distribuição dos jornais através de "ardinas" (hoje uma "profissão extinta"),  que iam de porta a porta, loja a loja, rua a rua, praça em praça, com quilos de papel às costas, era mais fácil descer do que subir, neste caso, da 7ª Colina para a Baixa... 

Já foram recenseadas algumas centenas  de publicações periódicas, de todo o género, com localização nesta zona histórica (Bairro Alto / Chiado), ao longo de mais de um século e meio... Hoje só o jornal desportivo "A Bola" ainda continua no Bairro Alto. Mas continuam a existir a rua do Diário de Notícias (antiga rua dos Calafates), a rua do Século, etc.

Dito isto, desafia-se o leitor a ler e a "descodificar" os vocábulos e as expressões  do calão, usados pelo  fadista ou faia de antigamente (que, diga-se de pssagem, é também uma figura estereotipada que nos veio dos primórdios do fado, ou seja anos 30/40 do séc. XIX)...  

A imposição, pela Ditadura Militar, em 1927 (e mantida depois pelo Estado Novo), do licenciamento dos recintos, da emissão de carteiras profissionais para os fadistas e da censura prévia das letras, vai ter grandes implicações na evolução do fado e dos seus cultores. E este tipo de letras (e outras com conteúdo mais contestário, no plano social e político) irão desaparecer...

Para os nossos leitores, fica  aqui  a tarefa de descodificar estas letras,  o que  não é fácil, à falta de um glossário (**). Alguns destes vocábulos e expressões ideomáticas chegaram, todavia,  até aos nossos dias (e faziam parte do nosso léxico de caserna)... Prometemos,  em próximo poste, publicar um pequeno glossário do calão fadista.


Cap III - Os assumptos do Fado (pp. 93 / 99)

(...) Há, porém, outros Fados compostos em calão. Conhecemos quatro que não devemos deixar de transcrever, tanto mais que elles contêem alguns termos, como por exemplo antrames e gamotes, que não foram incluídos no diccionario do sr. Bessa.(**)


Quem se metter c'um fadista
E o ouvir faltar calão, 
Fica logo a ver navios, 
Té perde a mastreação. 

Chamam ao bater suquir
A' gazúa uma retanha. 
A' bofetada uma sanha
Roncar é estar a dormir
Esgueirar é ter de fugir, 
Um arranjo é uma conquista, 
A taverna é uma modista
Cemitério se m'entende 
Decerto o nâo comprehende, 
Quem se metter c’um fadista. 

Homem honesto e honrado, 
É um gajo direitinho
Bater é fazer joginho, 
Mattar é deixar espalhado
Ser pobre estar desarmado
Gamote é reunião: 
Pois quem se chegue a um bailhão 
Passe-lhe logo as palhetas
Quando o vir fazer caretas, 
E o ouvir fallar calão

Elles chamam laia á prata, 
A um casebre um cortiço
Namorar é um serviço
A pancada é zaragata
Um sôcco é uma batata,
Chapéus altos são cepios, 
Aos ladrões chamam larpios
A’s algibeiras antrames
Quem ouvir dizer arames
Fica logo a ver navios.

Arames é o dinheiro;
Ao vinho chamam briol;
Ao apito um rouxinol;
Jogador de pau, cocheiro
Um bêbado é um archeiro
Um gabinardo um gabão
Dois vinténs um buzilhão
Avésa quer dizer tem: 
Quem os não percebe bem, 
'Té perde a mastreação. 

_____________________

Passei os butes (#) á Annica, 
Pois tinha naifa na liga: 
Boas noites, meus senhores. 
Vou cantar uma cantiga. 

De briol tinha atirado 
Duas viuvas e meia: 
Sentou-se uma centopeia 
Junto onde eu estava sentado. 
Fiquei mais envinagrado
Quiz dar cabo da futrica
Já por ser feia e não rica 
E me negar um paivante
Em tempo que é já distante 
Passei os butes á Annica. 

Puz-me a mirar a gajona 
E fez- me tanta arrelia
Que por pouco a não enfia
 À minha naifa, intrujona
Tinha um ar de marafona, 
De mulher que vende em giga
Mas não quiz armar a briga
Apesar já da piélla
Não me quiz medir com ella, 
Pois tinha naifa na liga. 

A final engole a isca 
Que tinha mandado vir, 
E diz- me assim ao sair : 
«Chamo-me Nuna Francisca. 
Se você se não arrisca 
A mostrar-me os seus valores,
Vá ter co'a Julia Dolores,
P'ra nos soccarmos com ela».
Vejam lá que bresundella!
Boas noites, meus senhores.

Se alguém d'aqui foi capaz
De saber o que eu cantei,
Uma prenda lhe darei,
Seja velhote ou rapaz.
Sabem o que aqui me traz,
O que a servil-os me obriga ?
É essa amizade antiga
Que por mim lhes é bem dada.
Visto que fiz esta entrada,
Vou cantar uma cantiga.

_______________________

Quando tenho um carinha
E um charuto a fumegar,
Já sou mais que o faroleiro,
É dar-lhe, toca a gimbrar


0 meu corpo não foi feito
P'ra se ralar...—isso pára!
P’ra gozança é que esta cara
Sempre teve todo o geito.
Se avélo por o direito,
Seja só uma rodinha,
Já dou mil voltas á pinha
A pensar como estafa-la,
E então isso não se falia
Quando eu tenho uma carinha!

Elle é a bella murraça,
E’ a bella rapioca
Elle é a gostosa móca,
Elle é tudo que tem graça.
Lá p'ra fazer de panaça
Co’as mondongas a versar,
Nunca me esteve a calhar;
Prefiro bater a bisca,
Ou dar-lhe então d’uma isca
E um charuto a fumegar.

Se a cousa gruda ao domingo.
Dou girança até ás hortas,
E de lá por horas mortas
É já torto que me tingo:
Que eu também nunca me pingo
Até perder o carreiro ;
Fico só um pouco archeiro,
A trez furos de pingado,
E assim mystico, orchatado,
Já sou mais que o faroleiro.

Todo o gajo que na orchata
Nunca entortou o pescoço,
Avezando bago grosso,
Tem a pitorra bem chata
Devia logo uma data
De camolete apanhar,
Que era então p'ra se lembrar
Que o mundo é uma fumaça,
E emquanto n’elle se passa
E' dar-lhe, toca a gimbrar.

______________________

Em calão a atirar

Dê me a naifa, não se ponha 
Comigo ás duas por trez . 
Não passe os butes agora... 
Que está na mão de má rez. 

— Eu estafo-o, seu mariola
—E eu cá chego-lhe umas todas. 
—Não se me ponha com modas, 
«Que o mando já p'ro esfolla
—Olhe que é de ponta e móla. 
«Olhe que esta  tem peçonha
—Você perdeu a vergonha ? 
—Perdi a vergonha ? Hom'essa! 
— Vamos lá, que lenho pressa, 
«Dê-me a naifa, não se ponha... 

— Não me ponho a fazer vistas 
«De fadista ou galopim
"Lá eslá aberto o estarim 
"P'a quem rentar com fadistas. 
Você porque faz conquistas... 
«Que eu não sei já quantas fez,
 «Vem cá fazer-se francez
«Porque pertence á gentalha
«Vem pôr-se aqui, seu canalha, 
«Comigo ás duas por trez !

—Está nadando, meu amigo; 
«Passe p’ra cá essa espinha.
 Isso, não; que é muito minha:
 «Você, chamava-lhe um figo! 
— Eu se lhe afinfo no embigo
"Um sôcco sem mais demora.. 
"Veremos, se você chora 
"O seu empenho tão cego!...
«Eh! onde vai, seu gallego?
«Não passe os butes agora !
 
—Arrede-se já d'aqui...
«Já o não vejo, percebe? 
—Pois já a comadre bebe!|
«Seu pateta!. .. seu cri-cri
—Eu cá logo quando o vi, 
«Puxei da naifa outra vez : 
«Vá, marche, seu montanhez
«Ou dou-lhe quatro naifadas
"Conte co’as guellas cortadas, 
Que está na mão de má rez.


(#) Bute é uma das palavras que o calão adoptou das línguas estrangeiras. Vem do inglez boot,  bota, pé. (Adolpho Coelho.)  

In: Alberto Pimentel - A triste canção do sul: subsídios para a história do fado. Lisboa: Livraria Ce
ntral de Gomes de Carvalho, editot, 1904, pp. 89-93

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Notas do editor:


Último poste da série > 19 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24864: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (21): Os sinais de código da estrada é para... respeitar, e os dos códigos comportamentais ainda mais... (Hélder Sousa, Setúbal)

(*) Vd. "A gíria portuguesa: esboço de dicionário do 'calão', de Alberto Bessa (1901), citado por Alberto Pimentel (1904)... Foi considerada na época a mais completa recolha de termos e expressões idiomáticas da gíria e do calão, feitas em Portugal e no Brasil, contendo mais de cinco entradas.

Há uma edição, recente, da Húmus (2022, 248 pp; coleção A Iha; preço de capa: 4 euros).

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24858: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (20): O calão do Bairro Alto em finais do séc. XIX, algum do qual chegou à nossa caserna...


Capa do livro de Alberto Pimentel (1904), "A triste canção do sul", 
Ilustração: Júlio Leite, 1904.


1.  Ainda a propósito do Bairro Alto, mesmo que já não seja do nosso tempo (estamos a falar de há mais de 100 anos) (*), achámos que pode interessar a alguns leitores, que gostam do fado e da sua história, a reprodução de alguns excertos do livro de Alberto Pimentel (1848 -1925) (curiosamente um homem do Norte, nascido no Porto), que escreveu, em 1904,  "A Triste Canção do Sul". ("Triste", seguramente por contraposição às alegres canções folclóricas do Minho e de Entre Douro e Minho;  acrescente-se que o Alberto Pimentel foi um escritor, jornalista e romancista,  com alguma notoriedade no seu tempo, mas hoje praticamente esquecido,  que escreveu quase tudo sobre quase tudo, incluindo uma primeira biografia de Camilo Castelo Branco, de quem ele se considerava, de resto, se considerava  amigo, admirador e discípulo.)

Tenho uma cópia de "A Triste Canção do Sul", muito desconjuntada, comprada há mais de 50 anos num alfarrabista do Bairro Alto. O livro, que já é do domínio público (isto é, livre de direitos de autor, o Alberto Pimentel já morreu há mais de 70 anos) está felizmente digitalizado pela nossa Biblioteca Nacional  (veja-se cópia em formato pdf aqui.). 

Há um edição mais recente, em papel,  da Dom Quixote, 1989. Da edição de 1904, e sem revisão da ortografia em vigor na época, tomamos a liberdade de reproduzir alguns excertos.

É interessante verificar como algum do calão do "faia do Bairro Alto" dos finais do século XIX chegou até aos nossos dias, e era utilizado por nós na tropa e na guerra; por exemplo: estampa (bofetada), briol (vinho), pinha (cabeça), cebola (relógio),  raspar (fugir), batota (jogo), larica (fome), naifa (faca), butes (pés, bota),  piela (bebedeira), afinfar (bater em), paínço,  milho, graveto (dinheiro). etc. (**).


Cap III - Os assumptos do Fado  (pp. 77, 89-93)

(...) O calão é a linguagem habitual do fadista. Parece un dialecto, sem o ser rigorosamente. Muito pittoresco, não se limita apenas a alterar phoneticamente as palavras como a gíria infantil; além de lhes alterar o som, altera-lhes também  a forma, e muitas vezes lhes desloca a significação, levando-a para outros objectos, n'um sentido tropologico, fundado na relação de semelhança. 

 Assim, a garrafa preta da taberna é viuva; os copos são filhos da viuva: uma viuva e dois filhos quer dizer — uma garrafa e dois copos. Mas se o copo é maior que o da decilitração habitual, chama-se sino grande

 O cigarro é soldado de calça branca; a navalha, sardinha; a faca, sarda; o apito, rouxinol; a quantia que o rufião recebe da amante, queijada; o dinheiro, painço; o café com leite, mulato; a agua com café, meio-caiado; Deus, juiz do Bairro Alto; as pernas, juntas; a barriga, folle das migas; as notas de banco, filhozes; enfiar uma guitarra pela cabeça d'outra pessoa é fazer uma gravata; a bofetada é estampa; a meia-porta dos bordeis do Bairro Alto, avental de madeira, etc. (...)

 Nas outras linguas encontra-se um vocabulário correspondente ao calão dos nossos fadistas: os hespanhoes chamam lhe germania e chamavam lhe antigamente gerigonza; os francezes jargon e argot; os italianos gergo e lingua furbesca; os inglezes cant, etc. (...)

Calão vem de caló, nome que os ciganos dão a si mesmos. (...).

A giria portugueza, isto é, a linguagem especial usada pelas classes vis a fim de que as outras classes sociaes a não entendam, é muito antiga: já no século XVI Jorge Ferreira de Vasconcellos se refere aos que fallavam germania

No século XVII D. Francisco Manuel de Mello empregou alguns termos de giria na Feira dos anexins , que é, como se sabe, uma galante collecção de equívocos e jogos de palavra. 

No século XVIII, o padre Bluteau organizou uma lista d'aquelles termos, que incluiu no seu Vocabulário, e que foi copiada em parte no Compendio de orthographia de Frei Luiz de Monte Garmelo. (...)

No século XIX (...), os Ciganos de Portugal, por Adolpho Coelho (***), abrangendo um importante estudo sobre o calão, e o diccionario de giria ultimamente publicado pelo sr. Alberto Bessa constituem copiosas fontes para o vocabulário do calão portuguez. 

Adolpho Coelho traz o seguinte Fado composto em calão, reproduzido por Alberto Bessa:

Ao fadista chamam faia, 
 Ao agiota intrujão; 
 Ao corcovado golfinho, 
 Ao valente bogalhão. 

Entre o povo portuguez 
Ha calões tão revesados, 
Que deixam muitos pintados 
Por mais de cento e uma vez. 
 Lá vão alguns — trinta e trez 
 (Não sei se n'elles dou raia): 
 A' prata chamam-lhe laia, 
 A's nossas cabeças pinhas
Aos porcos chamam sardinhas
Ao fadista chamam faia

A's nossas mãos chamam batas
Ao génio chamam ralé
A' esperança chamam filé
A's bruxarias bagatas; 
A's velhas chamam cascatas
Ao poupado sovelão
Um gabinardo ao gabão; 
Ao caldo chamam-lhe rola
A um relógio cebola,
Ao agiota intrujão

Ao fugir chamam raspar
Chamam á casa mosqueiro
Ao ébrio chamam-lhe archeiro
Ao comprehender toscar
Ao roubo chamam cortar
A' guitarra pianinho, 
Ao chapéu escovadinho
Ao jogo chamam batota
A uma sardinha aranhota
Ao corcovado golfinho
 
A' fome chamam peneira
Também lhe chamam larica
Chamam á cara botica
A' aguardente piteira
Chamam bico á bebedeira, 
A uma mentira palão
E também é de calão 
Chamar-se ao vinho briol;  
Ao nosso bucho paiol
Ao valente bogalhão
 
In: Alberto Pimentel - A triste canção do sul: subsídios para a história do fado. Lisboa: Livraria Central de Gomes de Carvalho, editot, 1904, pp. 89-93 
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24840: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (19): O Bairro Alto... de finais do séc. XIX, mal afamado durante muitas décadas, e hoje gentrificado...


(***) Os ciganos de Portugal : com um estudo sobre o calão / F. Adolfo Coelho. - Lisboa : Imp. Nacional, 1892. - [8], 302, [1] p.; 26 cm. Obra também do domínio público, digitalizado pela Biblioteca Nacional (ver aqui cópia em formato pdf).

sábado, 11 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24840: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (19): O Bairro Alto... de finais do séc. XIX, mal afamado durante muitas décadas, e hoje gentrificado...

Capa do livro de Avelino de Sousa (1880-1946), "Bairro Alto: romance de costumes populares". Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco, Lisboa, 1944, 290 pp. 


1. Já não é do nosso tempo de meninos e moços...Mas se fosse,  não nos deixavam lá ir, sozinhos... Nem já é do tempo dos nossos pais, nascidos por volta dos anos 20... Estamos a falar de 1896/97/98, e de um dos guetos de Lisboa... o mal afamado Bairro Alto. 

Irreconhecível hoje, ou talvez não: as suas ruas, o seu casario, são os mesmos... Ainda existem casas com aventais de pau (meias-portas, nos pisos térreos), e persianas de tabuinhas nos andares de cima. Mas já ninguém sabe hoje o significado da expressão, "estar de avental de pau" (estar debruçada, a mulher,  sobre as meias-portas, oferecer-se, prostituir-se).

A toponímia pode ter mudado num caso ou noutro. As tascas dos galegos desapareceram. Tal como os candeeiros a gás, de iluminação pública.  E a redação dos jornais e as tipografias, que começaram a concentrar-se nesta zona histórica, logo desde meados do séc. XIX. Já não há cheiro a peixe frito nem se servem entaladas, candas, iscas com elas, etc., nem se bebe um meio-curto (copo mal cheio, com café, vinho, canela e açucar)... Ou uns tintos.... cortados (vinho com soda).

A fauna humana também mudou... Todos/as tinham alcunhas, "nomes de guerra", das rascoas aos faias, dos artistas aos amigos do alheio:  Pinoia, Enjeitada, Pantera, Micas, Camélia, Pinta-Monos, Pé de Chumbo, Zé-Bode, Garrafão, Fininho, Janota... O fadista ou faia, com o seu traje característico e o seu calão,  perdeu-se na voragem do tempo...As modas são outras,,,  A fadista de faca na liga, também. 

Grosso modo, há o antes e o depois de Amália Rodrigues, que ajudou a branquear o passado "lumpen", proletário,  rasca, ordinário, popular, do fado...O mesmo  é dizer: nobilitou o fado, arrancando-o da rua, da viela, do vicio, da taberna... 

E já não há Adelaides Pinóias a cantar ou a gemer: "Quem nasceu no Bairro Alto / há de sofrer e chorar / ao ouvir uma guitarra / docemente a soluçar" (pág. 289).  Nem o Bairro Alto é mais o dos "amores tão delicados": se o foi, foi no bom tempo do palácios e conventos do séc.  XVI... Degradando-se, foi apropriado pelas "classes laboriosas" e pelos grupos socialmente marginalizados. O "acantonamento" das prostitutas em certas zonas da cidade, bairros populares, ribeirinhos  degradados, imposto por postura municipal de 1833, por razões de "saúde pública" e de salvaguarda da "moral pública", de acordo com o discurso liberal então dominante,  acabou por estigmatizar o Bairro Alto (e outros; Mouraria, Alfama, Madragoa, etc.) durante mais de um século... Mas foi também um dos "laboratórios sociais" do fado, "canção popular urbana de Lisboa"... hoje "património imaterial da humanidade", tal como o "cante" (que nasceu nos campos, na rua, na taberna...).

Perderam-se "bons e maus costumes"... Ganharam-se outros.  Em 2013, o antigo bairro aristocrático quinhentista fez 500 anos. O antigo Carnaval de Lisboa. com as suas cegadas,  também não existe mais, "muito bruto, por vezes malcriado, mas ao mesmo tempo divertido e com graça" (pág. 159). Em 1963, o Estado Novo hipocritamente fechou as "casas de passe" (nome eufemístico para os prostíbulos, em que as prostitutas tinham número de matrícula e inspecção médica periódica)... Já o tinha feito, de resto, no Ultramar (em 1954). 

Vinte anos depois, em 1983, Portugal legalizou a prostituição, mas não resolveu o problema das suas suas causas e consequências. 

Vale a pena, todavia, dar aos nossos leitores uma "ideia" e um "cheirinho" do que foi  o Bairro Alto das últimas décadas do século dezanove, social e espacialmenteĺ segregado, mal afamado tantos anos (até mesmo para lá do 25 de Abril de 1974)... 

Alguns de nós ainda o conhecemos nos anos 60/70, ao tempo da tropa e da guerra colonial ... Mesmo para aqueles que nunca lá foram, ficou no seu imaginário, tal como o Pilão, em Bissau...

A partir dos anos 80, o Bairro Alto "aperaltou-se", lavou a cara,  passou a ser uma zona turística, sítio obrigatório da noite de Lisboa, e hoje cada vez mais "gentrificado"...  Novas formas e lugares de prostituição apareceram, a começar pela prostituição de luxo (a que as elites do Estado Novo, de resto, já recorriam: veja-se o "escàndalo" do Balet Rose, em 1967).

Reproduzimos a seguir alguns excertos deste pitoresco "romance de costumes", do Avelino de Sousa,  publicado em 1944, mas que começou por ser uma opereta, com o mesmo nome, e do mesmo autor. (Terá tido bastante sucesso no ano de 1927, já em plena Ditadura Militar...)


O Bairro Alto de antigamente

(...)  Bairro Alto – bairro de gente honesta, bairro de artistas e de operários,      bairro da Imprensa, de boémios e de fadistas e também – na época em que decorre a ação deste romance – bairro de rascoas que se estendiam como que em alas de ambos os lados da maioria das artérias, debruçadas sobre os aventais de pau [nome  dado vulgarmente às meias portas], por todas as ruas, da Atalaia, dos Calafates, da Barroca, das  Salgadeiras, do Norte, das Gáveas, Travessas da Cara, da Boa-Hora, da Água da Flor, dos Fiéis de Deus, das Mercês, da Espera, do Poço da Cidade. (…) (pág. 58).

(...) A velha casa das iscas do Bairro Alto na rua da Atalaia, à esquina da Travessa da Água da Flor, era a mais antiga de Lisboa, depois da que ainda existia na rua do Arsenal, à esquina da Travessa do Cotovelo. Os seus proprietários, dois irmãos galegos, Manuel e José, usavam matacões [suiças],(...) (pág. 76).

***

 (…) Havia no Bairro Alto um fadista − ajudante de cortador no talho do Augusto, na rua da Rosa, esquina dos Inglesinhos − rapaz alto, desempenado, aloirado, de pequeno bigode e nariz saliente, vestindo rigorosamente à fadista: jaquetão e colete de astracã preta, camisa de cordões de seda em substituição da gravata, calça de boca de sino, até ao bico do sapato, em fantasia às riscas, num tom acastanhado,  algibeiras ao alto, larga pestana a guarnecer a perna,  cinto de seda vermelha, chapéu de aba de tela. Usava uma grande melena,  em caracol como que colada à testa, bamboleava muito o corpo,  quando andava, e fumava charutos cortados de dez cada um.

Bons tempos!

Chamava-se Augusto César de Carvalho,  mas era conhecido pelo Augusto   Bombinhas. (…) (pp. 116/117)

***

(...)  Ora, graças!... A velha, foi amiga!... Doze mal reis!...Ena pai!... 24 c’roas!... É melhor do que nada e eu estava sem vintém! (…)

E metendo o dinheiro no bolso do  colete, abandonou o saquito num canto, desceu a escada, saiu pela rua Formosa, meteu-se  à calçada do Combro, entrou na Adega do Estucador ao lado do quartel  dos Paulistas, e, ao mesmo tempo que tirava do prato, que estava em cima do balcão, um ovo cozido pintado de encarnado à força de anilina,molhando-o no sal grosso, depois de rebolar a casca sobre o balcão para a partir, pediu:

Dê cá três celitros, ó patrão!... e deu  uma dentada no ovo.

Mas, nisto, uma voz,  por detrás dele, dizia-lhe ao ouvido:

Não pagas nada, ó Cambalhotas ?...

Era o Pé de Chumbo gatuno como ele.

− Estás teso ?...

− Palavra de honra que estou! Não tenho  chapeca, e o raio da Micas, hoje, ainda não se estreou!

  Andas com azar!... Olha, come um ovo cozido, que estão bons!...Vá anda, e bebe um copo! O cofre, está aberto! Queres duas c’roas emprestadas?...

− Estás armado ?...

− E bem armado! Tive um belo gancho!, camarada.

− Não percebo!

− Contos largos! Toma lá as duas c’roas, não se fala mais nisso!

− Viste o Garrafão ?...

− Hoje, não. Ontem à noite,estive com ele no João da Arruda na rua da Atalaia.  Estava danado com a dor!

− Está no pinho?... [não ter amante]

− Pois, !... A Pantera correu com ele, e passou-se para o Zi-Zi!

 E o gajo não lhe deu um flàquibaque na tabuleta  [ bofetada na cara] ?

− Não, porque  tem medo do Zi-Zi. Tu sabes que o Garrafão não é mau rapaz, mas é fracalhote. Aquele corpo, todo é balofo!

− Ora, meu amigo, tu  também  quando a pregas é à carunfa [à traição] ! – disse o Cambalhotas.

− É como calha! Também não és tu quem dá os bons dias [ser o mais valente, ou o mais cotado em qualquer manifestação da vida].

O Cambalhotas engoliu em seco, e disse, fugindo à discussão:

− Também o Garrafão não perdeu nada! A gaja era um estojo horrível!

  bem, ela é atanado, é feia que nem um pente de pau do ar, mas governa-se bem a vender os trapos  às outras! Olha que o Garrafão talvez não arranje outra assim!

− Não sei… Ele andava a fazer-se [a atirar-se, a fazer o cerco] todo com a Beatriz Gorda, e também com a Augusta do Campos! Mas esta não deixa o João da Isabel [Também cantava o fado e era irmão do Zé-Bode e do Júlio Martelo].

− Pelo lado do interesse, nenhuma delas vale a Pantera! Agora como mulheres…

Enquanto estes dois patifes conversavam, comendo ovos cozidos e bebendo a sua pinga, na Adega do Estucador, outras cenas de roubo se desenrolavam em todas as casas de penhores do Bairro Alto (…) (pp. 129-131).

***

(...) Pendurados junto às ombreiras das  portas de um lado e outro da Travessa do Poço da Cidade, no renque de luz indecisa,  os candeeiros de petróleo difundiam uma claridade bruxuleante, mal eliminando as caras pintadas das infelizes rascoas, encostadas às tradicionais meias portas.  Nos primeiros andares,  de tabuinhas, a mesma luz soturna lucilava, mal se distinguindo da rua.

A cada esquina , um candeeiro de iluminação pública, espalhava aquela luz amarelada e mortiça do gás da Companhia. Lá em cima, na esquina da rua da Rosa, um polícia,  de palestra com o guarda noturno, chupava um magro cigarro.

No Bairro Alto, pelo menos na época que estamos descrevendo. a maioria das raparigas da vida, como era de uso chamar-lhes, eram comedidas de linguagem e de atitudes, raro sofrendo uma admoestação policial, e até se dava o caso interessante de cumprimentarem e serem cumprimentadas, cortesmente, por pessoas honestas da vizinhança. (…) Acarinhavam e  beijavam a petizada da vizinhança, tornando-se assim simpáticas aos pais e às mães das crianças.

E não se pegava nada, como diz o povo judiciosamente,  ou quem sabe ? talvez houvesse menos maldade naquele tempo! (...)  (pp. 137/138)

***

(…) A Enjeitada afastou um pouco a cortina de ramagem, sentou-se no canapé, de guitarra em punho, e a Adelaide, sem sair da porta, pegou no papel dos versos.

− Dá-me entrada, sim?...

A Enjeitada começou a tanger a guitarra,  tirando uns acordes à maneira de introdução.

− Entra agora!

E  a Adelaide começou:

Este livro é a grilheta
que a corrente a desgraçada, 
que chafurda e que vegeta 
nesta vida segregada!

É o nó que à perdição 
nos prende por toda a vida, 
− o selo da podridão,
e a algema da perdida! (…)

A Pinoia interrompeu-se:

− Vou bem ?

− Muito bem ! Segue, anda!

 A Adelaide prosseguiu: 

É ferro em brasa,
 que nos queima
 e nos arrasa! 
Um alvará 
que, por teima, 
a Lei nos dá.

Um passaporte p’ra viver no lodaçal:
Um escarro ignóbil ao serviço da Moral!

− Que tal,  ó Enjeitada ?

− Muito bem, Adelaide! E os versos ? Cheios de verdade!... (pp. 184/185) (**)

***

(...) E  a Adelaide senta-se no canapé.  O Pinta-Monos toma lugar a seu lado e observa:

 − Ah!, Adelaide se tivesses sido a minha, já não estavas aqui!

Ela solta uma gargalhada, e contrapõe;

− Tu estás doido,  rapaz ?! Deixar esta vida, eu ?! Aqui,  é que eu sou gente! Fora disto,  seria uma mulher corriqueira, uma senhora honesta,  como outra qualquer!

− Mas... 

− Já te disse: aqui,  sou eu Rainha! (...) (pág. 198) (**)

(Seleção / revisão e fixação de texto / adaptação: LG. As notas dentro dos parênteses retos são notas de rodapé, da responsabilidade do autor, Avelino de Sousa)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série de 5 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24824: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (18): a taberna em meio rural (António Eduardo Ferreira, 1950-2023, Moleanos, Alcobaça)

(**) Glossário (termos e expressões idiomáticas da gíria ou do calão usados no romance):

Alcouce - Bordel, prostíbulo (etimologia duvidosa)

Alcoveta -Mulher intermediária no comércio do sexo (do árabe, al-qawwâd, intermediário.)

Belfe - Calote


Buchinha - Num baile, era ceder a dama a outro cavalheiro

Carunfa - Traição

Carunfeiro - Traiçoeiro

Celitro - Decilitro (de vinho)

Cheta - Um vintém (20 réis), 5 chetas equivalia a 1 tostão

Cortado - Vinho  com soda

C'roa - Dois mil (ou mal...) réis 

Cunfia - Confiança

Dar os bons dias - Ser o mais valente

Duques - (?)

Elas - Batatas ("Iscas com elas")

Ensaio de galheta - Par de bofetadas

Entalada - Uma isca metida num quarto de pão.

Estar no pinho - Não ter amante

Ético - Sem dinheiro ("estar ético")

Flaquibaque - Estalada

Garonga - (?)

Labita - Fraque

Libra - 4500 réis

Meio-curto - Copo mal cheio, com café, vinho, canela e açucar.

Meia-lata - Meio litro (de vinho)

Meia-unha - Meio tostão

Pai de vida - (?)

Ourelo -  Cuidado, cautela

Quarto de bife ou quarto de dose - Um meio bife custava 140 réis (sete vinténs). Um quarto custava metade. Pretexto para se beber nais um copo.

Queijada - Gratificação

Rascoa - "Mulher da vida", prostituta... Era duplamente exploradas: pelos chulos  (rufiões, que nem todos eram fadistas, vivendo do pequeno crime)  e pelas "patroas", as donas das casas ("cobravam, em geral, quinze tostões a dois mil réis por dia por cada casa"; (...) "uma exploração ignóbil de que as infelizes eram vítimas, pois que, na maior parte dos dias, não ganhavam nem para o petróleo, como elas próprias diziam". (pág. 192).

Requineta - Fraque

Roda - Tostão (duas rodas, dois tostões ou dois-tões)

Tabuleta - Cara

Tostão - 100 réis, 5 chetas ou 5 vinténs

Toudas - Sopapo

Trompázio na fuça - Soco na cara

Trovas a atirar - Cantigas que encerravam uma provocação, dando origem por vezes a conflitos.

Vintém - 20 réis

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23400: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (3): (i) as minhas recordações do Depósito Geral de Adidos; (ii) o "Grelhas" e o "Ruizinho pugilista" de Catió (Hélder Sousa, ex-fur mil trms, TSF, Piche e Bissau, 1970/72)

Dois comentários do Hélder Sousa, ex-fur mil trms, TSF (Piche e Bissau, 1970/72), nosso colaborador permanente (provedor do leitor), com cerca de 180 referências no blogue, os quais merecem ser publicados, como poste, na nossa "montra grande", na série "A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra" (*)


(i) O Depósito Geral de Adidos

Estas "histórias/recordações" que o Luís Graça nos presenteia  (*),  têm muito "sumo" pelo qual se podem abordar e comentar.

Aqui, e agora, não me vou aventurar a comentar os dois episódios, conto fazê-lo depois.
Agora é só para me centra em dois tópicos que têm vindo a ser referidos: os Adidos e a Rua da Atalaia, ao Bairro Alto.

Então, relativamente à Rua da Atalaia, que é, hoje por hoje, uma rua cheia de estabelecimentos de restauração e bar muito concorridos, já teve várias evoluções ao longo do tempo, desde que passou a ser local de "peregrinação noturna". 

Devem lembrar, ou pelo menos ter ouvido falar, num bar muito "badalado" na década de 80, o "Frágil", que ficava nessa rua e que foi, à época um precursor do que hoje é quase "o pão nosso de cada dia", genericamente chamados de "bar gay". Passei por lá há pouco tempo (em serviço....) e é um outro tipo de estabelecimento, o "Cheers", com muito bom aspeto.

Relativamente ao Depósito Geral de Adidos, pois também fui "cliente".

Não tenho a certeza de já ter referido isto mas, enquanto não foi atribuído transporte marítimo para a Guiné, estive adido aos Adidos. Recordo que saiu a minha mobilização a 1 de Setembro de 1970, mais uns dias no Porto para fazer já não me lembro o quê, depois os tais 10 dias das "NNM qualquer coisa" e a partir daí "cliente dos Adidos. A marcação opara o embarque foi para o dia 26 de Outubro, o que quer dizer que devo ter estado "adido" cerca de mês, mais coisa, menos coisa.

Durante esse tempo só passava por lá para ver quando estava escalado para serviço e de todas as vezes que isso aconteceu, dei "a matar" o serviço. Só que uma vez que um camarada de Santo Tirso estava escalado,  não consegui a sua substituição e fui eu que o fiz.

Tentaram vender-me um "casaco de antílope", que recusei, e tive que escolher entre um "Sharp" e um "Casio" resultado de um contentor que tinham "ajudado a descarregar", para não ter problemas durante a ronda...

Como passatempo (não dava para deitar na cama sem correr o risco de ser atirado ao chão pelos "percevejos seus habitantes habituais"), presentearam-me com lições de carteirismo que consistiu, por exemplo, em treinar retirar um documento ou carteira do bolso de uma camisa e/ou de um casaco, pendurado num cabide suportado por uma corda passada entre dois armários.

Muito educativo.

Hélder Sousa, 29 de junho de 2022 às 00:20 (**)

(ii) O "Grelhas" e o "Ruizinho pugilista" de Catió

"Grelhas" poderá haver muitos!

Todos aqueles que, por força dos seus comportamentos, seriam "ocupantes frequentes" de locais de detenção os quais, na gíria da época, eram frequentemente referidos por "grelhas" por as janelas (quando existiam) terem as barras com espaços apertados para evitar fugas,  e que com facilidade se confundiam com "grelhas" ou uma outra expressão como  "ver o sol aos quadradinhos".

Sem ter a certeza, já lá vão muitos anos, e o meu interlocutor já faleceu, o meu camarada de curso TSF, Nélson Batalha, contou-me alguns episódios passados com um tal "Grelhas" em Catió, onde ele esteve entre Dezembro de 1970 e Abril de 
1971, [O "Grelhas", Armando de seu nome próprio,  hoje taxista no Porto,  pertenceu à CCS/BCAÇ 2930, Catió, 1970/72, segundo informação do camarada Rolando Rodrigues, no Facebook da Tabanca Grande, 29/6/2022 .] 

Presumo ser a mesma pessoa. Acho que havia como que uma espécie de "companhia disciplinar" que, além do "Grelhas", comportava mais alguns militares que provinham do cumprimento de penas.

Lembro-me de me ter falado dum tal "Ruizinho pugilista", filho rebelde de uma boa família de Gaia, que também tinha um longo cadastro e do qual se gabava exibindo recortes de jornais que referiam as suas "façanhas", como por exemplo uma situação que lhe deu prisão por "ofensas corporais" a uma jovem, alegadamente de "vida fácil" com quem tinha tido uma discussão por uma futilidade qualquer e que quando ele já se encontrava na rua lhe atirou da janela do 1º andar, um despertador à cabeça.

Calmamente, segundo ele, pegou no relógio, subiu as escadas, entrou na casa, perguntou qual foi a mão que atirou o relógio e, após a resposta. partiu-lhe o braço respetivo. Hospital, queixa, prisão.

Doutra vez, encontrava-se suspeitamente encostado a uma montra de uma ourivesaria e um guarda nocturno aproxima-se e,  tremelicando,  aponta-lhe uma arma para ele sair do local e ao qual o "Ruizinho" com muita calma lhe diz "Olha, se me molhas, bato-te!",  deixando desconcertado o pobre homem.

Quanto ao "Grelhas" de Catió,  teve de facto um problema disciplinar porque, alegadamente, teria partido umas costelas a uma bajuda, com uns pontapés, quando se encontrava junto à porta de armas, tendo alegado que na verdade teria sido um acidente e que teria agido de boa fé pois a rapariga em causa tropeçou em algo e ia a cair e para evitar isso ele estendeu a bota para amparar a queda. As costelas partidas foram o resultado do impacto do corpo com a bota e não a bota no corpo. Parece que não acreditaram...

Hélder Sousa

30 de junho de 2022 às 19:11 (*)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 29 de junho de 2022 >Guiné 61/74 - P23397: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra  (2): a minha passagem pelo Depósito de Adidos, em Brá, em 1973: como sargento de dia à Casa de Reclusão Militar, fiz uma escala de serviço para que os presos (alguns violentos) pudessem sair e entrar, "livremente", "ir às meninas" ao Pilão, petiscar em Bissau, etc. (Augusto Silva Santos, ex-fur mil, CCAÇ 3306, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/72, e Depósito de Adidos, Brá, 1973)

Vd. poste anterior da série >  29 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23395: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (1): Luanda, Depósito de Adidos de Angola, o oficial de dia e o preso cabo-verdiano (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, 1972/74)