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terça-feira, 9 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10505: Antropologia (20): Funeral Fula / Funeral Islâmico (Luís Borrega / Luís Encarnação)

1. Texto enviado a 8 do corrente pelo Luís Borrega [, foto atual. à direita,] a quem no próprio dia dos anos, a 27 de setembro,  fiz um pedido de comentário ás fotos do Armindo Batata, uma sequência fotográfica de um funeral fula:

"Tu que conviveste com os fulas, como eu, e tens inclusive um pequeno dicionário fula-português (*), é possível que tenhas assistido a algum funeral... Lembras-te como eram celebradas as cerimónias fúnebres entre os fulas, islamizados ? Mais do que um funeral fula, deve tratar-se de um funeral muçulmano... Ou não ? Só assisti a um funeral, e foi de um soldado nosso, da CCAÇ 12... Levámo-lo à sua aldeia numa urna de madeira, e prestámos-lhe honras militares... Não me lembro de ter assistido à descida do corpo à terra... Foi no regulado do Cossé, a 8 ou 9 de setembro de 1969... Ele morreu a 7. Não sei se a urna ia chumbada".


2. Funeral fula / funeral islâmico

por Luís Borrega / Luís Encarnação


[Foto à esquerda, de Armindo Batata]

Foi-me solicitado, pelo nosso Tabanqueiro-Mor Luís Graça, informações sobre os procedimentos referentes a um Funeral Fula, em virtude de eu ter convivido bastante com esta etnia, na minha permanência no Leste da Guiné (Pitche).

Acontece que,  como não tenho conhecimentos sobre a totalidade dos procedimentos de um Funeral Fula , contactei o Fur Mil.Cav  MA Luís Encarnação, meu Camarada e Amigo desde os tempos da EPC (Santarém) e que me acompanhou sempre no percurso Militar, Curso de Minas e Armadilhas na EPE (Tancos), RC 3 em Estremoz para formar o BCav 2922 que foi para o CTIG.

O BCav 2922 foi colocado em Pitche, assim como a minha CCav 2749, e o Luís Encarnação foi colocado na CCav 2748 que ficou sediada em Canquelifá. Só nos víamos quando o meu Gr Comb  estava a fazer a escolta às colunas para Canquelifá. Aí, ele viveu mais a vida da população na tabanca e elucidou-me sobre os funerais fulas, que mais adiante passo a narrar.

Quando estive colocado no Destacamento de Cambor, no itinerário Pitche-Canquelifá, tive um enorme contacto com a população fula da tabanca. Como estava a exercer a "vaguemestria" no Destacamento , tinha a oportunidade de fazer o que queria neste campo. A nossa Padaria (o forno era um baga baga adaptado) confeccionava um pão para cada elemento da Guarnição. Dei ordem para se cozer mais cinco ou seis pães para distribuir pelos Homens Grandes de Cambor [, a nordeste de Piche].

Todos mandavam diariamente alguém buscá-los, à excepção do Cherno Al Hadj Mamangari Djaló, que era o Chefe religioso do "Centro Fixo de Difusão" do Islamismo de Cambor, com real influência religiosa em toda a região do Gabu, mesmo além fronteiras. [O título Al Hadj é dado ao crente que já foi a Meca].

Diariamente eu tomava a missão de entregar em mão própria o pão a este Homem Grande. Ficávamos horas a fio a conversar, umas vezes sós, outras acompanhados pelos Homens Grandes, nessa altura punhamo-nos todos de cócoras em circulo debaixo do mangueiro existente à porta da "morança" do Al Hadj. Eu também tinha aulas de árabe. Ainda hoje tenho o livro de ensino da Língua Árabe (ofertado). Éramos Amigos...

Mais tarde por incompatibilidade de feitios com o Alf Mil Cav Jorge Malvar, pedi ao Capitão Cav João Luís Pissarra a minha tranferência por troca com o Fur Mil Cav Belard da Fonseca. Fui para o 3º Gr Comb /CCav 2749 comandado pelo Alf Mil Cav José Belchiorinho. Os tempos livres começaram a escassear, e portanto as idas à Tabanca foram mais espaçadas, devido à carga operacional,a que estávamos sujeitos em Pitche.

Na véspera de eu partir para Pitche, fui-me despedir do Al Hadj Mamangari Djaló. Ambos estávamos emocionados, com os olhos "embaciados ", disse para eu esperar, entrou na sua "morança " , trouxe o seu Alcorão que tinha levado na sua peregrinação a Meca e um terço árabe e deu-mos. Depois tirou o seu barretinho (sabiá) branco e ofereceu-mo também e disse:
- Furiel Boriga , durante a tua vida ouve sempre o teu coração.

Abraçámo-nos , virei costas com as lágrimas a rolar pela cara... e ainda hoje guardo uma grata recordação deste Homem Bom. E os objectos que ele me ofertou, dão-me um enorme, mas enorme prazer possuí-los...

Quando havia funerais ( em Cambor, enquanto lá estive não houve nenhum), pelo pitoresco das cerimónias ía até à " morança "do morto(a) e assistia. O funeral propriamente dito no Cemitério, nunca vi.

Quando se dava o óbito, o viúvo(a) mandava abater vacas, ovelhas ou cabras, conforme o seu grau de riqueza, para fazer o Choro,  obsequiando os Familiares e Amigos com comida, pois para eles,  Islâmicos, a " verdadeira vida começava após a morte". Havia Ronco com batuque e depois havia os procedimentos abaixo indicados, conforme a informação do Luís Encarnação.

(i) Cavavam um buraco do comprimento do falecido e com a largura de +/- 60 cms;

(ii) O corpo era envolvido num pano branco;

(iii) O corpo era disposto deitado no buraco ( desconhece-se a posição em que ficava);

(iv) A sepultura tem nos topos e a meio de cada lado uma espécie de degrau;

(v) Um tronco com mais ou menos 15 cms de diâmetro é colocado a meio, encaixado nas concavidades;

(vi) Uma estaca feita de um ramo de uma árvore da Mata Sagrada, é pregada no canto superior, a prender a ponta do lençol do lado da cabeça;

(vii) Em todo o comprimento da sepultura são colocados ramos (fortes), a preencher toda a largura do buraco;

(viii) (Toda a folhagem dos ramos utilizados é colocada em cima , de maneira a fazer um tapete:

(ix) Depois leva a terra em cima (tirada do buraco);

(x) Só tem este ritual , todo o Mulçumano que respeite a Religião ( não pode ter comido carne de porco (combaro) ou beber álcool).

CONCLUSÃO : Se ele não estiver morto, tem ar suficiente e pode abrir a tampa...

Espero que tenham ficado elucidados, como se fazia os Funerais Fulas/Funerais Islâmicos.

3. Comentário de L.G.

Obrigado aos dois. Djarama! Peço ao 1º Luís (Borrega) que traga o 2º (Encarnação) até à nossa Tabanca Grande. Para que ele se possa também sentar no bentém à sombra do nosso mágico, secular, grandiosos, simbólico, fraterno poilão!

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3785: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (1): Nafinda, nháluda, naquirda... Bom dia, boa tarde, boa noite...

24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3786: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (2): Gô, Didi, Tati, Nai, Joi.../ Um, Dois, Três, Quatro, Cinco...

26 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3798: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (3): Jungo, neuréjungo, ondo... / Braço, mão, dedo, ...

1 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3827: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (4): Nhamo, nano... / Direita, esquerda...


14 e fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3889: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (5): Jubi, ala poren, iauliredu... / Miúdo, avião, tem medo...

Comentário de L.G.:

(...) Obrigado, Luís Borrega, camarada e amigo! O teu esforço por tentar comprender o outro (neste caso, os fulas, que eram e são um dos principais grupos étnico-línguísticos da Guiné-Bissau) é, só por si, um gesto de grande abertura de espírito, de recusa do etnocentrismo, e sobretudo de ternura. Bem hajas! 

Espero que a tua recolha (que não obviamente não tem a pretensão de ser um dicionário...) possa ser útil a muita gente, os nossos camaradas que voltam à Guiné em 'turismo de saudade', os nossos antigos camaradas fulas que vivem em Portugal, os seus filhos e netos, nascidos em Portugal (que estão em idade escolar, e que já não sabem ao idioma dos seus pais e avós)... 

Todos os idiomas do mundo fazem parte da riquíssima diversidade cutural da humanidade, diversidade que devemos conhecer, apreciar, manter e preversar... Por que só há uma terra, só há um raça (humana) (...) 

(**) Último poste da série > 19 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6762: Antropologia (19): Os muçulmanos face ao poder colonial português e ao PAIGC (Eduardo Costa Dias)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7742: O Nosso Livro de Visitas (106): José Fernando Estima, natural de Águeda, ex-Fur Mil, CCAÇ 3546/BCAÇ 3883, Piche, Cambor (1972/74)


Guiné > Zona Leste > Carta de Piche (1957) > Escala 1/50000 > Pormenor da posição relativa de Piche, Cambor (na estrada Piche-Canquelifá) e Ponte Caium (na estrada Piche-Buruntuma)...


Telefonou-me há dias o José Fernando Estima, morador em Espinhel, Rua Cabo do Lugar, nº 140, 3750 Águeda.


Foi Furriel Miliciano da CCAÇ 3546/BCAÇ 3883, a mesma subunidade do Jacinto Cristina e do Carlos Alexandre, dois bravos da Ponte de Caium. Pertencia ao 2º Gr Comb. Esteve em Piche, em Camajabá e em Cambor, a norte de Piche, na estrada para Canquelifá: no destacamento de Cambor passou mais de um ano, enquanto o 3º Gr Comb estava na Ponte Caium (havia um outro grupo em Buruntuma). Fiquei com a ideia de que também terá estado em Canquelifá...

Desse tempo lembra-se do Cap Cristo (Cap Mil Inf Fernando Peixinho de Cristo, comandante da CCAÇ 3545, sediada em Canquelifá)… Lembra-se de passar pela Ponte Caium… (Falámos do monumento, desenhado pelo Carlos Alexandre e construído pela malta do 3º Gr Comb, os "Fantasmas do leste"...mas não tenho a certeza de ele ter uma ideia precisa desse monummento)...


Lembra-se do Cristina… E lembra-se de ter voltado ao Xime (a 1ª vez, desembarcou lá, vindo de LGD, de Bissau, em Março de 1972)… Da segunda vez, lembra-se de ter encontrado um 1º cabo da sua terra, que levava 11 urnas para Bissau… (Este episódio deve ter ocorrido em Abril de 1972, e deve estar relacionado com a emboscada no Quirafo, de 17 de Abril de 1972)... Lembra-se de ter feito a viagem de regresso, com os seus camaradas, desarmados, à civil, de Piche ao Xime (ou a Lamego ?), com "segurança" do PAIGC ao longo da estrada...

O nosso camarada Estima trabalha em Aguada de Cima, Águeda, mesmo junto ao Restaurante Vidal, um dos restaurantes de referência dos apreciadores de leitão (Dizem que serviu em 1996 três leitões para um banquete da Rainha Isabel II)… Não conhece o Paulo Santiago, em contrapartida é amigo (ou conhecido) do Victor Tavares, nosso camarigo, ex-1º Cabo pára-quedista da CCP 121/BCP 12 (Bissalanca, BA 12, 1972/74).

O Estima pediu a sua entrada formal na nossa Tabanca Grande. Ficou de pedir ajuda,  a um dos seus filhos ou filhas,   para digitalizar fotos do seu álbum. Pediu-me para mandar um abraço à malta da sua companhia e do seu batalhão, extensivo a toda a Tabanca Grande.

Recorde-se aqui o historial da CCAÇ 3546/BCAÇ 3883:

(i) O BCAÇ 3883 foi mobilizado pelo RI 2, tendo partido para a Guiné, de avião, em Março de 1972 ( o comando e a CCS em 19/3/1972; a CCAÇ 3544, a 20; a CCAÇ 3545, a 22; e a CCAÇ 3546 a 23); (ii) A CSS ficou sediada em Piche; (iii) O comandante era o Ten Cor Inf Manuel António Dantas; (iv)  O comandante da CCAÇ 3546 (Piche, Cambor, Ponte Caium e Camajabá) era o Cap QEO José Carlos Duarte Ferreira; (v) As outras companhias do BCAÇ 3883 eram a CCAÇ 3544 (Buruntuma e Piche; teve dois comandantes: Cap Mil Inf Luís Manuel Teixeira Neves de Carvalho; Cap Mil Inf José Carlos Guerra Nunes) e a CCAÇ 3545 (Canquelifá e Piche; comandante, Cap Mil Inf Fernando Peixinho de Cristo);   (vi) O batalhão regressou a casa, de avião, em Junho de 1974.
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Nota de L.G.:

Último poste da série > 2 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7709: O Nosso Livro de Visitas (105): José Figueiral, ex-Alf Mil da CCAÇ 6 (Bedanda)

sábado, 24 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3785: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (1): Nafinda, nháluda, naquirda... Bom dia, boa tarde, boa noite...






1. Mensagem do Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922 (Piche, 1970/72) (*), com data de 17 do corrente:

Bom dia camarada e amigo Luis Graça, ainda não cumpri a segunda parte da [minha obrigação, decorrente da] inscrição na TABANCA GRANDE (que é o envio de uma história), porque me encontro doente.

Safei-me na Guiné do paludismo, mas não me safei agora da gripe.

Em relação ao Dicionário Fula/Português, como só agora comprei um PC portátil especialmente para me ligar à Tabanca, ainda ando na informática tipo galo pica no chão. Agradeço que sejam vocês a tratar de pôr o dicionário operacional no Blogue.

Também tenho histórias com os macacos cães (Babuínos), que oportunamente contarei!

Alfa Bravo

Luis Borrega

2. Comentário de L.G.:

O dicionário Fula / Português (sob a forma de uma dezena de listas de vocábulos e expressões em dialecto fula e o corresponente significado em língua portuguesa) é um trabalho de recolha feito pelo Luís Borrega. Chegou-nos todavia por mão do nosso camarada e amigo Mário Beja Santos.

Escrevi ao Mário, com conhecimento ao Luís, o seguinte:

"Posso fazer a partição e a edição da imagem, de modo a torná-la legível. Ou tentar arranjar um voluntário (entre a malta da nossa Tabanca Grande) para transcrever para word e (re)organizar o texto (por ex., ordem alfabética, fula/português e português/fula)... Recebi cinco documentos digitalizados em formato.jpg. Obrigado, aos dois".

Ao Luís Borrega mandei a seguinte mensagem:

"Sê bem vindo ao ... admirável mundo novo [da Internet] ! Mais vale um PC portátil do que... uma G3. Vamos avançar com o teu dicionário. Abraço. LG"

Como nos explica no 1º documento que se reproduz em cima, o Luís Borrega passou longas horas a conversar com o prestigiado Cherno Al Hadj Mamangari, de Cambor, um chefe religioso muçulmano com real influência em toda a região do Gabú e até além fronteiras. Morreu em 2005.

Não é (nem pretende ser) um trabalho científico, mas o nosso camarada revela aqui grande sensibilidade cultural, além de muita paciência e perseverança, qualidades essenciais em qualquer investigador.

A recolha do Luís Borrega é digna do nosso apreço e honra as nossas duas culturas, a portuguesa e a guineense. Aqui ficam as primeiras listas de vocábulos correntes, em fula, e da sua correspondência em português.

Jarama!...

(Continua)
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 4 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3699: Tabanca Grande (108): Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72

(...) "Ex Furriel Miliciano de Cavalaria com o curso de minas e armadilhas, mobilizado para a Guiné pelo Regimento de Cavalaria 3 de Estremoz, integrando a Companhia de Cavalaria 2749 / Batalhão de Cavalaria 2922, colocado no sector L4, no leste da Guiné em Piche.

"A minha companhia tinha os destacamentos CAMBOR, Ponte de RIO CAIUM e mais tarde reocupámos o destacamento de BENTEM. A nossa área de operações era Piche, Canquelifá e Buruntuma" (...).