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sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19199: Notas de leitura (1121): "Tatuagens da guerra da Guiné", de Capitão Luís Riquito [, cmdt, CCAÇ 818, Bissorã, Olossato e Mansoa, 1965/66) ("Elo", jornal da ADFA, novembro de 2018)


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Recorte que nos acaba de ser enviado pelo nosso camarada A. Marques Lopes , lisboeta que vive em Matosinhos [, cor DFA, na reforma, ex-alf mil,  CART 1690,  Geba, e  CCAÇ 3, Barro (1967/68)], e  que reproduzimos, para divulgação, com a devida vénia ao jornal ELO, órgão de informação, de periodicidade mensal, da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas.


Nota do portal Wook sobre o autor, Luís F. G. Riquito:

 (i) nasceu em Parada de Gonta, no concelho de Tondela;

(ii) fez o curso liceal em Braga, Évora, Coimbra e Viseu; (iii)

(iii) ingressou em 1957 na Escola do Exército, onde se formou no Curso de Infantaria;

(iv) mobilizado para o Ultramar, cumpriu comissões em Timor, Guiné e Moçambique, onde montou e comandou a segurança da construção da barragem de Cabora Bassa;

(v) em 1975, foi considerado Deficiente das Forças Armadas (DFA), por abate do helicóptero onde seguia quando apoiava as populações a realojar pelo enchimento da albufeira da barragem de CB;

(vi) é condecorado com a Ordem Militar de Avis – Grau de Cavaleiro, com a Medalha de Prata de Valor Militar com Palma, com três Medalhas de Prata de Serviços Distintos com Palma e a Medalha de Mutilados e de Inválidos de Guerra;

(vii) licenciou-se no ISCTE em OGE (Organização e Gestão de Empresas);

(viii) em 1980, assessorou o Serviço Nacional de Protecção Civil no apoio a Angra do Heroísmo, atingida pelo sismo;

(ix) continuou nos fogos florestais de 1981 e na seca de 1982- -1983;

(x) dirigiu o CCDPC (Centro de Coordenação Distrital de Protecção Civil) de Viseu, intervindo na seca, nos fogos florestais e nos acidentes rodoviários;

(xi) regressou em 1992 ao Serviço Nacional como Vice-Presidente com o pelouro dos estudos dos Riscos Naturais que promoveu;

(xii) de 1985 a 1992, foi Presidente da Câmara e da Assembleia Municipal de Tondela, onde organizou e implementou a actividade autárquica; definiu o plano de desenvolvimento para o Concelho, assente em projectos de candidatura a apoios do Governo e da CEE, que elaborou; empenhou as Juntas de Freguesia na resolução dos problemas locais, para quem transferiu meios económicos, técnicos e humanos
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19187: Notas de leitura (1120): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18631: Notas de leitura (1066): “Tatuagens da Guerra da Guiné”, pelo Capitão Luís Riquito; Guerra e Paz Editores, 2018 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
O então Capitão Luís Riquito desembarcou em Bissau em 1965, andou a afeiçoar a sua CCaç 816 em territórios de inequívoca dureza, entre Bissorã e Olossato, e meses depois, quando o Olossato estava no centro do furacão, coube-lhe construir e reconstruir em Olossato, Ponte Maqué, desobstruir estradas e abrir caminho, ao tempo tão intimidativo, para a base do Morés.
Para surpresa de muitos leitores, aparece em relatos em que os grupos de combate se afoitam pela floresta e tratam gente que vive sob o controlo remoto da base do Morés e grupos incidentes. Foram reagrupados e de um modo geral não voltaram a fugir para o mato.
Um relato um tanto formal onde não se escondem dolorosas e também dulcificantes situações naquele contexto tão áspero em que o PAIGC firmava posições e era crucial afronta-lo, no dia-a-dia.

Um abraço do
Mário


Nas terras do Oio, entre 1965 e 1966

Beja Santos

“Tatuagens da Guerra da Guiné”, pelo Capitão Luís Riquito, Guerra e Paz Editores, 2018, é um relato memorial de quem comandou a CCaç 816, que desembarcou em 26 de maio de 1965, o narrador dá pelo nome do Capitão Fernando Gonçalves, usa a terceira pessoa do singular e centra o essencial do seu registo em terras do Oio, mais concretamente Mansoa, Bissorã e Olossato. Para quem desconhece aquela floresta densa e fechada, o narrador fala-nos de várias campanhas de pacificação e dos seus povos. É informado das bases do PAIGC espalhadas pelo Oio: Morés, Iracunda, Cai, Cansambo, Cambajo (quatro bases de segurança periférica da base central), e de Maqué, de Biambi, de Queré e de Rua, bases regionais vocacionadas para o apoio logístico e o controlo das populações.

É uma peça de literatura memorial que obedece à estrutura de um relatório desdobrado em itens. Depois do que ele denomina treino operacional, esta Companhia independente chega em finais de setembro de 1965. Descreve o subsetor do Olossato e as missões de que está incumbida a sua Companhia. Era tudo trabalhoso e tanto, as forças do PAIGC não davam descanso: frequentes emboscadas às colunas da estrada para o Olossato; a estrada para Farim estava interdita, fora limpa e aberta em julho de 1965, não deixou de haver violência; destruição em 3 de agosto de 1965 da ponte de Maqué, onde foram implantadas minas antipessoal; abatises na estrada entre Mansoa e Bissorã, foram removidos; ataque à guarnição de Olossato, em 15 de agosto de 1965, e muito mais. Havia que reabilitar e construir infraestruturas, procurar e acolher populações transmalhadas, gerar boa convivência, patrulhar, intervir em operações, assistir e abastecer as populações dentro das suas tabancas. E tudo se descreve: a destruição de uma serração, um ponto estratégico onde as forças do PAIGC atacavam quem partia ou chegava ao Olossato; o diálogo com os Muçulmanos. E é dentro desta formalidade descritiva, um tanto seca e rígida, que surge um episódio emocionante, uma memória de Bacar Queba, este diligentíssimo combatente é atingido por uma mina, levado para a enfermaria, ficara cego, quer falar com o Capitão, e este regista a conversa pungente e transmite-nos uma dor universal:
- Esta mina era mesmo muito perigosa, Bacar, e tu conseguiste safar-te, pá. Aquela era para limpar quem apanhasse e tu safaste-te. Tiveste mesmo muita sorte, Bacar. Sabes como foi e como podia ter sido, pá! Dentro deste azar, tu sabes que tiveste muita sorte por continuares aqui a falar comigo e tens todos os teus amigos da OITO16 a rezar por ti, para que fiques bem e continuares a trabalhar por esta tua gente. Uma vez que chegaste aqui, o nosso furriel está a preparar tudo para seres transferido para o Hospital de Bissau e os médicos podem resolver e recuperar a tua vista, percebes?
- Pois é, Capitão, mas eu estou aqui sozinho mesmo, pá, e o que eu quero mesmo, mesmo, é voltar para aí! Para sentir isso aí fora, percebes Capitão? Dá cá a tua mão, para eu sentir outra vez isso aí fora, pá!

O Capitão estendeu a mão direita a Bacar que, ao segurar, a apertou com força, num cumprimento de esperança, de camaradagem e de amizade correspondida, e desabafou:
- Agora já sinto, Capitão, já sinto isso aí fora onde tu estás e estou a ver-te, mas eu estou longe, pá; mas agora assim estou melhor, já sei onde estou e a lembrar com quem estou a falar, sabes. Parece que voltei, Capitão, já sinto mesmo, pá.

Há um aspeto que seguramente emocionará o leitor, a integração das populações espalhadas pelo mato que em sucessivas ações os homens da CCaç 816 vão ao contacto, e trazem quase sempre com sucesso gente que é forçada a cultivar e a alimentar as forças do PAIGC. Um conjunto de descrições que deverá doravante merecer a atenção dos historiadores para situar naquele tempo ainda fortes debilidades no controlo remoto exercido por Morés sobre populações que viviam foram da base.

A batalha de Maqué, expressão usada pelo autor para esmiuçar todo o trabalho desenvolvido para beneficiar o destacamento e garantir a segurança da ponte de Maqué, não deixando de referir que para além destas reconstruções, a CCaç 816 foi envolvida num conjunto apreciável de operações, patrulhamentos, emboscadas a que não faltaram duros confrontos, abrindo-se caminho para ir mais destemidamente até ao núcleo central do Morés.

Luís Riquito muniu-se de informação sobre as campanhas de pacificação, leu René Pélissier, Luís Cabral, Amílcar Cabral, seguramente que guardou arquivo de todas as atividades da CCaç 816, a não ser todo este arquivo não nos poderia dar com tal grau de minúcia as intervenções no Oio e no Morés. E destaca aquela coroa de glória que foi a Operação Castor, onde intervieram a CCaç 816 com um grupo de combate da CCAÇ 1418 e Caçadores Nativos do Olossato, saíram do Olossato em 19 de fevereiro de 1966 e apanharam muitíssimo material e algumas emboscadas pelo caminho.

Em 27 de julho de 1966 a CCaç 816 deixa o Olossato e vai para Mansoa, passa a intervenção e fica-se igualmente com um relato das operações por onde andaram. A memória detalhada do Capitão Luís Riquito culmina com um grande desastre ocorrido no quartel novo de Mansoa, o Capitão procurou evitar mais graves danos humanos e materiais, houve para ali um forte litígio verbal e não-verbal com um camarada de armas.
O documento termina com a orgânica da CCaç 816, os seus mortos e feridos e louvores.

Uma peça a considerar para o estudo da guerra da Guiné na zona crucial de Morés, entre 1965 e 1966.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18622: Notas de leitura (1065): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (34) (Mário Beja Santos)

domingo, 22 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14398: Convívios (659): Encontro do pessoal da CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato e Mansoa, 1965/67), dia 23 de Maio de 2015 em Fátima (Rui Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 17 de Março de 2015:

Caros e considerados amigos Luís, Vinhal e Magalhães Ribeiro
Recebam os maiores votos de uma boa saúde e também de uma boa forma (sempre) para sustentar este extraordinário Blogue.

Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Queiram publicar no Blogue o anúncio de mais uma Festa anual da Companhia de Caçadores n.º 816 - Guiné Portuguesa 1965 / 67, e do qual se junta em anexo.

Passem bem (!) e daqui vai também um grande abraço.
Rui Silva

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Nota do editor

Último poste da série de 18 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14382: Convívios (658): Almoço do pessoal da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, dia 18 de Abril de 2015 em Vila Real (António Nobre)

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13310: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (28): O dia em que o Trovoada caiu ao poço

1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 3 de Junho de 2014:

Caros amigos e ilustres editores do Blogue:
Aqui vai mais um “salpico” que espero os vá encontrar de boa saúde, harmonia e bem-estar. 

Abração.
Rui Silva



Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”

28 - O Trovoada no fundo do poço! Os morcegos alvoraçados e o Grilo a gritar!

É verdade, o “Trovoada” (Zé) caiu ao poço, bem fundinho, ali a uns escassos quilómetros do Olossato, para os lados de Maqué, e em pleno terreno da guerrilha.
Esta, como se sabia, era já ali, era só passar o arame farpado do aquartelamento.
Foi um grupo constituído por cerca de trinta homens, à lenha e, como era habitual e necessário: a lenha e o efetivo militar.
Desta feita foram então para os lados de Maqué, aí a uns 3-4 quilómetros e o local era o de uma Tabanca abandonada e, assim, provavelmente, um bom sítio para encontrar alguma lenha.

Eu, no entroncamento do carreiro para Maqué com a estrada Bissorã-Olossato e no “intervalo” (se é que haviam intervalos) de uma operação. Na foto, vê-se, em segundo plano, se não é o celebre poilão de Maqué, é outro lá perto. Toda a Companhia (e pelo que as conheci) tinham o seu fotógrafo. Na minha era o Correia radiotelegrafista. Ainda hoje nos Convívios lá anda ele a fotografar a tudo que mexe.

Uma parte do grupo procedia à recolha daquilo que podia então servir de lenha e a outra parte fazia a necessária segurança.
O “Trovoada”, elemento dos que garantiam a segurança aos esgravatadores da lenha, com tão redobrada atenção, acabou por vislumbrar uma bananeira e então há que ir buscar um cacho que tanto jeito fazia para tirar a barriga de misérias.
Pensou e melhor o fez; foi buscar um cacho e trouxe-o para junto do “Grilo” a quem se propunha dividir as bananas, mas o “Grilo”: - “Dividir o quê? Vou é lá buscar um cacho também pr’a mim”.

E assim, com a companhia do amigo do batedor “Trovoada” foi lá arrancar um cacho, só que o “Trovoada”, que ia à frente, pois sabia onde elas estavam, pisou capim de raiz falsa, que, para grande azar dele, cobria um poço que outrora abastecia, com certeza, a referida tabanca, agora, e como disse, abandonada.

Pamba!!... tchoc, tchoc… 

O “Grilo” gritou logo, ante o desaparecimento relâmpago do seu companheiro de safra e do consequente estoiro, o qual também surpreendeu toda a gente que logo constatou que alguém tinha caído a um poço, provavelmente.

- “É o Trovoada, é o Trovoada”, grita o “Grilo”

O “Trovoada” qual voz do outro mundo, e passados uns segundos, diz lá de baixo e para sossego do alvoraçado “Grilo”.
- “Oh Grilo, eu estou bem!!”

Pois, não estava muito mal, depois de tirar a medida à altura da água, segurou-se como pôde e ficou à tona, contou ele depois, cá em cima e já algo refeito do susto.

O preto, o padeiro civil, que era também parte interessada na recolha da lenha, como já se vê, propôs-se a ir lá baixo buscar o “Trovoada”. Mas como? E com quê?


Já bastava um no fundo do poço. Uma outra versão do Black and White, podia acontecer.
Alguém se lembrou de que só com uma corda é que ele saía dali e então um pequeno grupo foi buscá-la ao aquartelamento do Olossato.

O Pinto (paz à sua alma – faleceu há meia dúzia de anos-) condutor da Unimog que iria trazer a lenha, mais 2 ou 3 elementos voaram para o aquartelamento. É verdade, por ali havia uma corda aí com 30 metros. Vá lá, vá lá…
Para lamento do “Trovoada” o Pinto, que até voou, demorou tempos infinitos.

Chegados ao local da tragédia, há que içar o “Trovoada” que apesar de tudo até nem era dos mais nervosos.

- Cara-ho (!) lá em baixo andavam morcegos que voavam à frente do meu nariz”.

O “Trovoada” a sacudir-se todo de alto abaixo, e alguém pergunta :
- “Oh carago (carago é favor) e a G3?… e as cartucheiras?”
- “ Ficaram lá no fundo!”, diz o “Trovoada” com ares de “eu é que já me safei!! Que se f… o resto…”

Bom, aí é que o preto padeiro, que estava ansioso por mostrar serviço (de coragem), com a ajuda da dita corda, amanda-se pelo poço abaixo e no regresso surge ele do poço com a arma e as ditas cartucheiras do “Trovoada”, sorridente e a mostrar toda a sua cremalheira branca encaixilhada por grossos lábios à boa maneira da natureza nativa, e com cara de quem acabou de fazer qual truque de magia.
E ele que ansiava ser protagonista.

Tudo acabou em bem, afinal, e para o Olossato veio a lenha e também vieram os cachos de bananas do “Trovoada” e do “Grilo“, que tanto custaram a apanhar, principalmente ao primeiro. Este quase que arranjou foi lenha para se queimar (afogar).

O preto padeiro, esse, nunca mais deixou de arreganhar a tacha.

Eu e o meu amigo Zé “Trovoada”, passados 48 (!) anos de o Zé ter caído ao poço, ou, (soa melhor), ter saído do poço, algures na Guiné. (foto tirada agora no último Convívio da 816 (10/5/2014)

Rui Silva
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12601: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (27): Operações Vacas

terça-feira, 20 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13170: Convívios (598): Rescaldo do Encontro do pessoal da CCAÇ 816, realizado no passado dia 10 de Maio de 2014 nas Caldas das Taipas ( Rui Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 12 de Maio de 2014:

Caro e estimado amigo Vinhal:
Recebe um abração!

No passado sábado, e como é habitual fazer no segundo sábado de Maio, a Companhia de Caçadores n.º 816, que esteve na Guiné entre 1965 e 1967, realizou mais um Convívio anual e que, mais uma vez, teve, para grande satisfação da malta, uma boa presença.

Cerca de 60 (!) militares da Companhia conviveram alegre e fraternalmente durante praticamente todo o dia. Esposas, muitas, filhos e netos – não faltará muito para haver bisnetos- juntaram-se também à grande festa da 816.

O evento realizou-se desta feita nas Caldas das Taipas (Guimarães), terra do seu realizador, o grande amigo “Manel das Taipas”, um elemento da 816, claro está.

A festa começou com a concentração do pessoal no Largo da Feira junto aos bombeiros.
Seguiu-se a habitual missa por Ação de Graças dos que faleceram, os muito saudosos e queridos da Companhia, o Furriel Silva e o soldado Manso que deixaram a vida em combate, e outros que entretanto e ao longo do tempo nos foram deixando. A Missa teve lugar na bonita Igreja de Sande S. Martinho onde pontificavam bonitos altares em talha dourada e pinturas no teto adequadas à religião.
Um bonito Grupo Coral deu mais brilho à cerimónia.

No restaurante Albino, também na localidade de Sande S. Martinho, seguiu-se o almoço de confraternização.
Pelo meio da tarde, o momento solene da divisão do Bolo tradicional, sempre com o emblema da 816 destacado, e com o champanhe a acompanhar.

O Capitão, Comandante da Companhia (hoje Tenente Coronel reformado) Luís Riquito, fechou a cerimónia com a habitual e reconfortante alocução.

A despedida teve então lugar com abraços e mais abraços agora já com lágrima a aflorar nos olhos (sempre são quase 50 anos que partimos para a Guiné) de muitos, pois, como alguém disse, a vivência na guerra da Guiné tornou-nos muito, muito mais, que amigos.

Eu, com o amigo Jorge, figura incontornável da Companhia que veio com esta para Portugal. Viveu e cresceu com a família Marques (o Luís José Marques, Furriel da Companhia) que o acolheu e protegeu de forma insuperável

 A cerimónia litúrgica na bonita Igreja de Sande S. Martinho

 Na escadaria da Igreja houve lugar à foto de família (só os ex-militares)

A sala do restaurante preenchida com os militares da 816 e suas famílias

O bolo tradicional muito bem desenhado e confecionado

O Capitão Luís Riquito parte o bolo com a “ajuda” de um neto do “Manel das Taipas”
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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13168: Convívios (597): Rescaldo do Convívio da CART 2679 e Pel Caç Nat 65, realizado nos passados dias 10 e 11 de Maio de 2014 em Tomar (José Manuel Matos Dinis)

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12926: Convívios (577): Encontro comemorativo do 47.º aniversário do regresso da CCAÇ 816, a realizar no próximo dia 10 de Maio de 2014 nas Caldas das Taipas (Rui Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 15 de Janeiro de 2014:

Caríssimos:
O que me ocorre logo e antes de tudo, é formular o desejo de uma boa saúde nas vossas pessoas e familiares queridos.
Agradecia que fosse publicado no “Querido Blogue” o programa da festa da família 816 que este ano ocorre na simpática terra de Caldas das Taipas.
Manda di ronco no dia 10 de maio e que faz sensivelmente 47 anos da chegada ao cais da Rocha do Conde de Óbidos. Isso mesmo, da chegada!... Irra!!).

Um abraço para toda a tertúlia.
Rui Silva


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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12916: Convívios (576): XVII Encontro do pessoal do BCAÇ 4514, Estarreja, dia 5 de Abril de 2014

sábado, 18 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12601: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (27): Operações Vacas


1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 15 de Janeiro de 2014:

Caros amigos Luís, Vinhal e M. Ribeiro:
Aí vai, com um abração, mais um conto extraído do meu caderno de memórias.
Rui Silva



Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa” 

27 - OPERAÇÕES - VACA

Na minha Companhia era assim e provavelmente na tua também.
O que se apanhava, e refiro-me aqui e agora à recolha (desvio, mudança de dono, etc.) de gado no mato, era compartilhado irmãmente pela população do Olossato: vaca para nós; vaca para eles.

- Não serei o primeiro a dar-lhe este nome (operação-vaca) aqui no Blogue, pois o Veríssimo Ferreira assim lhe chama no Post 12413.
(Não sabia que no célebre K3 - bifurcação das estradas para o Olossato e para Mansabá, para quem vinha de Farim - já lá havia tropa em 1966). Andámos lá perto em operações de golpes-de-mão e emboscadas -.

O nosso Capitão, e honra lhe seja feita, tinha uma filosofia da guerra muito ortodoxa (para mim e por certo para toda agente da 816). Grande comandante operacional no terreno e também no desenvolvimento dos valores morais, da ética e sobretudo humanos e culturais das povoações por onde assentávamos arraiais.
O tratamento com os seus militares era insuperável, era como se diz, “terra-a-terra” mas sem a mínima quebra do respeito hierárquico. Respeitava e fazia-se respeitar.
Uma das suas primeiras preocupações, não militares, era pôr as crianças numa “escola” com um Furriel a ensinar.
A simbiose população-tropa ou tropa-população, era um dos seus propósitos prioritários.
Não me esqueço mais, e isto já no campo militar, ele tirar a MG 42 do tripé e pô-la no parapeito da autometralhadora improvisada numa GMC (o “Águia Negra” Rogério Cardoso sabe do que estou a falar) expondo-se assim, muito a jeito, à trajetória das balas e dos estilhaços (destes não se livrou, ainda que não gravemente) das granadas inimigas (não foram poucas) numa das emboscadas mais problemáticas que a Companhia sofreu durante a refrega africana. Outra atitude de rara coragem e aqui vou citar o meu grande amigo Rui Alexandrino no seu extraordinário e singular livro “Rumo a Fulacunda”:

...acorri ao local onde deparei com uma cena terrivelmente chocante e verdadeiramente trágica.
Numa viatura GMC da Companhia que estava parada junto à arrecadação, anexa à caserna dos Soldados que se aprontava para escoltar aquela coluna, envoltos em chamas, atingido que fora o depósito da gasolina, ardiam 2 militares do 3.º pelotão.
Rebentavam ininterruptamente granadas de mão e de morteiro que já tinham sido colocadas na caixa da viatura.
O pandemónio e a desorientação eram gerais.
Imóveis os sinistrados, já mortos, ardiam.
Incrédulos, protegiam-se os restantes encobertos pelos cantos e pelas paredes dos edifícios anexos sem saber muito bem qual a atitude a tomar, qual a acção a desenvolver.
Tomou então a iniciativa o Capitão Riquito, comandante da 816 que, protegido por uma auto-metralhadora DAIMLER se aventurou até junto da viatura em chamas, a destravou, lhe engatou um cabo de reboque para que fosse arrastada para o meio da parada, longe da arrecadação onde existiam mais granadas e munições.
Esgotado o combustível e arrefecida a viatura, foi então possível fazer o rescaldo do incêndio e resgatar os corpos que estavam completamente carbonizados.
Uma verdadeira desgraça! Um inacreditável horror!

Recordo bem das primeiras advertências do Capitão (particularmente, e ainda hoje, chamamos-lhe Grande Capitão) dele, logo nos primeiros dias de campanha: Quem fizesse engravidar assumia a paternidade. Balizava o procedimento do pessoal de uma forma humana e muito altruísta. Aquele foi um dos mandamentos a cumprir. Terá sido cumprido?... Julgo que sim.

O povo do Olossato e a tropa da 816 puxavam para o mesmo lado.
Olossato era uma povoação guineense das mais pequenas certamente.
Fomos ali substituir a 566 (um abraço Zé Ribeiro) uma Companhia que tinha feito um belíssimo trabalho quer no campo da luta, quer na construção e na defesa do aquartelamento, quer ainda na ajuda aos sacrificados nativos. Fomos “apresentados” numa ida à base de Iracunda e que foi o batismo de fogo para 2 Grupos de Combate da 816, um batizado que demorou aproximadamente 25 minutos de fogachada (chamei pela minha mãe ali a primeira vez - será que ela ouviu? Até pareceu…-).

Para começar… nada mau…. e eu que me gabava de não me meter com ninguém.
Julgo que a 566 foi a primeira Companhia a sediar e a reconstruir o Olossato.
Nós da 816, fomos render aquela Companhia em outubro de 1965.
Ficamos por ali praticamente 1 ano.

O Olossato foi por assim dizer a nossa terra na Guiné. Fomos encontrar meia dúzia de casas em alvenaria, supostamente outrora de colonos, e o resto era a pequena tabanca das gentes nativas do Olossato.

Havia um chefe de posto com casa própria. Do lado para Farim a loja de panos do Sr. Fodé, a casa do padeiro do outro lado e pouco mais. Isto logo a seguir ao cavalo de frisa que fechava o aquartelamento desse lado. Do lado de Bissorã, já havia mais casas. Logo imediatamente antes da “Porta d’armas”, 2 a 3 casas a vender miudezas, panos garridos e diversidade de coisas muito simples e corriqueiras, regionais e artesanais - a necessidade aguça o engenho - ouvi já isto em qualquer lado. Por ali também inevitavelmente o grande barracão, outrora serração onde se acomodava a guarnição dos Obuses do meu querido amigo Alferes miliciano Brandão.

Libaneses, nem um, ao contrário de Bissorã onde lembro os bailes em casa do Sr. Rui. (eu? Não, o Libanês). Saudades? Talvez! Até então onde tínhamos estado.
No Olossato, bem dentro do aquartelamento, este bem fortificado com troncos de palmeira e chapa de bidão a guarnecer, e de planta quadrada, apenas um civil: um velhote cabo-verdiano que cultivava ananases não sei onde e para o lado de Maqué. Saía de bicicleta e usava um chapéu típico de expedicionário africano. Para ele não havia guerra.
Tinha uma casa também em alvenaria e esta ficava escondida num matagal de plantas e árvores, com algum toque de ajardinado, diga-se. Figura um pouco enigmática.

Dentro do quartel só havia casas em alvenaria e também mais um barracão (sempre as serrações) que servia de caserna aos soldados.
A tabanca da população flanqueava todo o lado Norte do aquartelamento e do lado de fora deste.
Olossato, bem dentro do Oio, e relativamente perto de Morés sempre foi uma povoação da Guiné mas terá sido completamente abandonada aquando de Morés se tornar uma das principais bases inimigas na Guiné. Aqui e julgo que foi a 566 que recolheu gente no mato e trouxe para o Olossato e aí renasceu aquela terra.

Um momento de festa e alegria do humilde povo do Olossato. Senti o pulsar da franca alegria daquela gente. Arrepiava, o chão, vermelho, até tremia. O riso das bajudas e até das mais velhas (estas mais traquejadas nos movimentos da dança) era largo. De face a face, e a mostrar toda uma dentadura muita branca e alinhada. Dentes tinham, nozes? Nem tanto…

Passado este introito (talvez longo. Desculpem!) vamos então às célebres e denominadas “Operações-vaca”.
As “Operações-vaca” tinham por fim, e daí a afinidade com o seu nome, o apanhar, para não usar outro termo mais apropriado, de gado ao inimigo ou pró-inimigo. A maioria do gado em poder daqueles, sabia-se, que era “roubado” aqui e acolá em pequenas povoações indefesas ou aquelas que não queriam colaborar com eles, e que na maioria dos casos não tinha qualquer proteção da tropa. Acresce dizer, que nestas povoações, sem qualquer proteção da tropa, o pessoal aí habitante era sempre suspeito, claro, de colaborarem com os “turras”, ou, no melhor das hipóteses, jogarem com um pau de 2 bicos - coitados pelo dilema -, isto é, eram por eles quando estes apareciam e eram por nós quando aparecíamos nós. Claro que esta situação nunca era de nos convir e, portanto, sempre que eles se negavam ao nosso convite de virem fazer a sua vida e o seu trabalho na povoação de Olossato, onde estariam a coberto das investidas e da política inimiga, ficavam então rotulados de "meio-turras” senão de “turras” mesmo, e daí as consequências. Estas no entanto não eram bem dentro da maneira de atuar da 816 mas, outras Companhias, para quem não acompanhasse a tropa ia-se lá ao outro dia…
Não estou, seguramente, a fazer juízos de valor.
O inimigo também fazia as suas retaliações, para com aquele pessoal, oh(!) se fazia!

Bom, mas para não me desviar das “Operações-vaca”, então sempre que nos inteirávamos de que o inimigo tinha algures grande quantidade de vacas que justificasse a nossa ida (e a nossa necessidade) lá nos púnhamos a caminho. O gado normalmente era guardado por um ou outro indígena, quase sempre armado, e que logo tratava de se por ao fresco, fazendo no entanto antes uma rajada ao pressentir a aproximação da tropa. A rajada era mais para avisar as “casa-de-mato” próximas do que alvejar alguém, mas se pudesse acontecer as duas coisas…

Como estas operações se faziam com alguma frequência nunca faltava carne à tropa e à ávida população, pois o Capitão compartilhava o “apuro” com os nossos fieis amigos e nativos do Olossato.

Era uma operação típica e grotesca; o risco a correr pela malta, salvo um encontro fortuito, embora sempre de admitir logo fora do arame farpado, não era muito previsível, pois, como atrás disse, as vacas nunca estavam, obviamente, perto dos refúgios dos “turras”, e, uma vez as vacas na nossa posse, toda a cena decorrente fazia lembrar o “Far-West”. Aquela grande quantidade de reses, só de uma vez foram à volta de 100, em fila indiana, acompanhada da malta de arma nas mãos, também a fazer lembrar os pistoleiros daquelas paragens do Oeste americano. Havia soldados que chegavam a montar nas vacas, ao bom estilo do rodeo americano, o que elas, aos pulos, tentavam sacudir. Alguns bem queriam mas não havia hipótese, e tudo aquilo tinha feições de um filme de “cow-boys”. Um rodeo (!), isso mesmo! Como víamos nos filmes.

Raramente os terroristas apareciam emboscados, pois como o sequestro era feito de surpresa e em jeito, só tarde eles se apercebiam do golpe, e quando eles apareciam, o azar que havia, era ficar uma ou outra vaca com uma rajada no lombo, pasto para os abutres que andavam sempre por perto. Homem armado, abutre por perto, parecia.

Junto da nossa cozinha, refiro-me à cozinha dos Furriéis, havia uma enorme árvore e por lá estavam sempre meia dúzia de abutres. Apetecia fazer tiro ao alvo, mas constava-se que era proibido (?) matar abutres. E por falar em abutres também lembro-me bem de encontrarmos um burro morto ali para os lados da célebre serração na estrada para o K3 inteirinho na carcaça exterior e com todo o interior comido.
Parecia que estava a dormir. Curioso. Os abutres tiveram o cuidado de preservar a total fisionomia exterior do burro. Literalmente. Prontinho a encher para embalsamar. Impressionante o trabalho cirúrgico dos sinistros abutres.

Carne (aqui já estou a falar das vacas não da do burro), portanto não faltava mesmo com semanas a comer com arroz (mal) pilado, por falta de reabastecimento. O pontão de Maqué (entre Bissorã e Olossato, mais ou menos a meio caminho) onde obrigatoriamente passavam as colunas motorizadas e de reabastecimento era destruído com alguma regularidade pelo inimigo. Mais tarde teve ali lugar um destacamento.
Na nossa companhia havia um magarefe de profissão (civil), o que ajudava e muito a seleção criteriosa de toda a carne do animal Os miolos fritos bem regados a cerveja era um pitéu logo ao meio da manhã.

As operações-vaca rendiam uma boa petiscada ao meio da manhã: miolos fritos muito bem regados a cerveja. Como se pode ver, nos Furriéis também havia bons corneteiros. Eu estou a dizer para a objetiva “ai que rico pitéu”.


Vistas aéreas (de ângulos diferentes - quase opostos -) de Olossato . A primeira foto, propriedade do meu amigo José Ribeiro (CART 566) foi tirada em 1965 e a segunda em 1966, com a diferença sensivelmente de um ano, portanto. Como ponto de referência das duas fotos a caserna dos soldados (A).
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12188: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (26): Como se faz acabar o vício de cravar cigarros aos outros

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12188: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (26): Como se faz acabar o vício de cravar cigarros aos outros

1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 14 de Outubro de 2013:

Olá amigos Luís e Vinhal!
Vai tudo bem no reino do Blogue?
Bem me parece que sim!
Para além de vocês Luís e Vinhal, aproveito também para saudar o meu amigo (nosso) Magalhães Ribeiro.

Em anexo aí vai mais um “salpico”.
Rui Silva


Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.


Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”

26 - Como se faz acabar o vício de cravar cigarros aos outros e aproveita-se até para lhe dar a alcunha duma marca de cigarros muito em voga na Guiné, na altura, e que veio mesmo a calhar: “CRAVEN A”

Na Guiné, mais propriamente em Bissau, fomos encontrar coisas boas no comércio. Uma surpresa! Logo ali na rua paralela à marginal, na Casa Pintosinho, haviam as últimas novidades eletrónicas. Os melhores rádios, transistors, pick-ups, aparelhagens de som, máquinas de barbear e todo o mais. Akai e Pioneer era do mais reclamado e moderno. Estavam na moda.
Um rádio para pôr na mesinha de cabeceira era o que se pretendia mais. No mato, já a ventoinha, a 5 dedos da cara, ganhava bem aos rádios. Alguns compraram autênticos rádios de sala e andavam com eles debaixo do braço, como que a dizer que o meu é maior do que o teu, e os donos da música fossem eles; outros ficavam pelos mais pequenos (vulgo transístor) que se levava no bolso e para qualquer lado.

Um camarada comprou um rádio que se transformava em pick-up após uma ligeira articulação. Foi de abrir a boca. Na Casa Pintosinho comprei ali mais tarde um “Mitsubishi”. Este transístor andava em propaganda radiofónica local e assim andou durante bastante tempo. Seduzido por tanta propaganda fui lá buscar um mais tarde, quando passei por Bissau em trânsito para férias na metrópole. Boa compra, durou muitos anos e tocava dentro do carro como se fosse um auto-rádio. Uma relíquia, mesmo depois de deixar de tocar (os tombos foram muitos), posta fora inadvertidamente, para desespero meu.
A Casa Pintosinho era uma casa atualizada e a tropa era lá muito bem recebida e atendida.
Pudera! Sargentos e Oficiais tinham manga de patacão.

Na mesma rua e mais para o lado da Amura, na loja Taufik Saad comprava-se, principalmente, entre outras, louças decorativas, vulgo bibelots, louças de servir à mesa, faianças e porcelanas, louça fina, entre esta bonitos Serviços de chá e café que vinham da China. Louça “casca d’ovo “, louça de fina espessura para não fugir aquele nome, onde no fundo se podia ver recortada na própria louça o rosto de uma linda chinesa. Ainda hoje guardo um serviço destes. Era uma casa requintada ao nível das melhores de Lisboa.



Vendo uma das montras do Taufik Saad. Muita cabeçada ali no vidro. As grades, no lado de dentro do vidro enganavam e a curiosidade levava a bater com a cabeça no vidro. Foram muitos os cabeçudos, daí a curiosidade de incluir isto no texto. Ah(!), o rapazinho a ver a montra sou eu! Turista? Se calhar ao outro dia já estava a atirar-me para o chão, lá bem para dentro do Oio. Engraçado (!) ali vivia-se as duas faces da moeda.

Mais à frente e já virada para a Avenida principal, o Café Bento. Mesas cá fora, em jeito de esplanada e sob árvores bem frondosas. O ponto de encontro da malta da tropa, com boas bebidas e para todos os paladares e com boa vista para a avenida principal.

Em Bissau vendiam-se também Whiskies das melhores marcas, algumas nunca vistas na metrópole, quando muito só faladas: Vat 69, Black and White, o Johnnie o preto e o vermelho, Dimple, o Ballantines, etc, etc. Bons Scotches, bons Licores. O Licor Drambuie que era muito procurado pela malta.

Marcas que nunca tinha ouvido, e eu que não tinha chegado propriamente de um colégio de freiras. Brandies, tabacos, tudo da melhor marca. Terra pobre, muito pobre, mas onde as bebidas espirituosas os apetrechos eletrónicos, os melhores tabacos, os melhores chocolates belgas e holandeses, se viam em algumas casas comerciais. Camisas muito bonitas e adequadas para aquele clima. Dizia-se que vinham da China (ou Taiwan?). Muito contrabando se calhar….
Deu para ver com algum espanto que a Guiné tinha mesmo do melhor para a malta dos vinte anos. Se calhar foi esta que fez trazer as coisas. Sobretudo boas bebidas, do melhor tabaco, e outras coisas, outras coisas.

E na Avenida, também passavam bajudas bonitas e formosas. Mais as cabo-verdianas, de olhos grandes claros e expressivos, mas havia nativas que não ficavam atrás, pelo menos nas três medidas standard para a harmonia feminina. Os bifes na casa de uma senhora mulata que me esqueci do nome, o frango assado no Tropical, etc, etc.

Se lhe juntarmos o bom e diversificado marisco, isto já produto do domínio e captura doméstica, não era preciso mais nada. A guerra, essa podia esperar… Na altura era preciso sair 20 ou 30 Km. de Bissau para entrarmos em contenda. No meu tempo e para o norte, esta só andava para lá de Mansoa. No Sul não seria preciso andar tanto depois de atravessar o Geba. Para Este e Oeste havia já alguns arrufos e não muito longe.

Bom, eu estou a dizer isto do bom de Bissau mas, cuidado, estávamos em trânsito para o mato. Ali em Bissau, melhor, em Brá, estivemos apenas 13 dias. O nosso destino estava traçado: Alancar para o OIO, pois a Ópera era para esses lados. Houve quem fizesse a comissão inteira em Bissau e que nunca tenha ouvido um tiro, mas convém dizer que não faziam nem mais nem menos do que cumprir ali a sua missão porque fora essa a destinada. Sortes!!...

Ainda me lembro e pegando na moda de uma cantiga na altura, que, e quando chegamos ao mato (Bissorã), cantávamos : “beijinhos com beijinhos pra cá… bazocadas e granadas pra lá”. Deixem que digam (!), que pensem(!), que falem (!)… deixa lá”…

Ainda em Bissau começava-se pelas ostras e acabava-se, se é que percebo, isso mesmo, em perceves (!) passando por outros mariscos de nomeada. Nisto de marisco a barriga desligou-se de misérias. O Tropical ali tão perto. E isto a pensar que marisco, na metrópole, só um camarão escanzelado ali pr’as Portas de Santo Antão em Lisboa. Salvo a Solmar, mas aí era preciso mais dinheiro. Aí,“cá tem”.


Na esplanada (passeio na rua) do Tropical. No verso desta foto descobri agora que a tinha enviado na altura aos meus pais em correio. Curioso como escrevio ano (MIL 966)

No café Bento pedi uma cerveja, um pão partido ao meio e o chocolate tal.

O empregado pensou que estava a gozar com ele. Perante a cara dele perguntei-lhe se podia ser ou não e ele meio desconfiado foi para dentro e apareceu-me pouco depois com o que lhe pedi. Vá lá… Sabia bem uma sandes de chocolate a puxar pela cerveja. Essa mania trouxe-a do bar do Niassa. Seria pancada? Julgo que não…

Neste bar também se adquiriam coisas curiosas. Comprei ali uma máquina de barbear “Philips” que trabalhava com pilhas. Ainda hoje a tenho.

Falando dos bons tabacos. Os Três Vintes,  o CT, o Português Suave, etc. tinham ficado na viagem. Os últimos foram queimados no Niassa.

Ali na Guiné a fumaça era feita através de tabacos mais finos e requintados, entre eles o “Craven A” (novidade) que é afinal o protagonista desta história e que eu passo a contar:

À mesa no Olossato, ao serão, jogava-se às cartas e começava-se com a sueca (jogo). Lá por o andar da noite passava-se então à lerpa e acabava-se inevitavelmente no abafa e onde de vez em quando saía um ou outro bem (des)abafado.

A história que eu quero contar era ainda à mesa da sueca. Parceiros habituais na minha mesa, eu, o Carneiro, o Piedade e outro que é o centro do episódio e que passo a chamar-lhe o “nosso amigo” (por razões óbvias omito o nome real).
Portanto parceiros certos ali e acolá nas mesas.

Depois (só) de alguns dias é que nos apercebemos que um dos jogadores da minha mesa fumava os nossos - dos outros - cigarros e à vez:
- Dá-me um cigarro se faz favor.

Ao outro:
- Posso?
- Posso fumar um destes? - ao terceiro.

Dava a volta, pelo menos havia o bom senso (e o cuidado) de não cravar o mesmo duas vezes seguidas. Também a tática era logo ali detetada mais facilmente.

Bem, isto não podia ser assim alvitramos nós os três após a constatação, o que ainda levou tempo.

Sentávamo-nos à mesa e cada um punha à sua frente o seu maço e o isqueiro em cima. Primeiro os isqueiros que tinham vindo connosco da metrópole, mais tarde já usávamos os que as senhoras do Movimento Nacional Feminino, que por ali passaram fugazmente, nos ofereceram.
Isqueiros de pedra a fazer faísca e mecha embebida em benzina impregnada numa espécie de algodão e em depósito para o efeito.

Então teríamos de fazer alguma coisa para que os cigarros não fossem assim tão mal repartidos. O tabaco predominante ali era então o “Craven A”.

Pegamos numa embalagem de cigarros vazia e colamos num rótulo que se podia ver, logo mal abríssemos a caixa, com o dizer. "Vai cravar o car(v)alho". Ver, tal e qual, a figura seguinte.



Tinha no meu pelotão um soldado que se chamava Carvalho (que se calhar até nem fumava), mas não era esse o que queríamos apontar. Era o outro, o mais popular, o do léxico portuga, o que até ficou bem explicado na caixa, claro.

O maço ficou dissimulado em cima da mesa e à frente como era habitual de um dos contendores.
- Posso tirar um? - agora já apontando para o maço armadilhado.
- Podes…

Quando calhou de cravar no maço dito cujo, então o nosso amigo abriu, leu, e discretamente fechou. Como nada tivesse acontecido. Também não havia cigarros. Não sei se o maço tivesse cigarros o rótulo passava ao lado.

Bom, acabou ali o cravanço do nosso amigo e começou a risota, dissimulada, ao mesmo tempo que o nosso ilustre camarada logo “ganhou”, (perdeu nos cigarros) dali para a frente, a alcunha do “Craven A”, visto isso, e para memória futura.

Rui Silva
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11658: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (25): Os três Hospitais Militares que conheci

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11824: Os nossos médicos (64): A propósito do nosso anedotário médico militar... (Rui Silva)


1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, BissorãOlossatoMansoa, 1965/67), com data de 3 de Julho de 2013: 

Estimados caros amigos Luís, Vinhal e Magalhães Ribeiro: 

Recebam um grande abraço e os maiores votos da continuação de uma boa forma para a sustentação deste querido Blogue.
Rui Silva



A propósito de médicos militares na Guiné

Ultimamente tem-se “falado” no Blogue de médicos incorporados nas tropas na Guiné e então fez-me lembrar um episódio; episódio que tem o valor que tem, ou que lhe queiram dar.

Não indico, por razões de princípio e óbvias, os nomes dos principais protagonistas: Médico psiquiatra no Olossato e Furriel com a cisma do “Paludismo crónico”.

A minha Companhia era das ditas independentes. Independente de quê, não cheguei a saber. Era, era bem dependente do Batalhão. Primeiro do BArt 645 os “Águias Negras” (águias com 3 cabeças!) e depois deste vir embora passou para a alçada do BCaç 1857.

Um e outro com sede em Mansoa. Zona de Ação: Oio, ou grande parte deste.

As Companhias ditas independentes eram assim como Companhias bastardas e ao que parecia as mais sacrificadas, para fazer jus ao epíteto. As do próprio Batalhão eram mais protegidas. Isto era o que bem parecia e o que se dizia. Terá sido bem assim? Bom, que a minha Companhia era quase sempre o Grupo de Assalto…

Não, não. Não pretendo fazer juízos de valor, e então lembrar-me dos que andaram por exemplo na operação Tridente, dos que estiveram em Guileje, Guidage, na fase final da guerra, entre outros lugares… Irra (!) por bons sítios ainda andei eu, afinal.

A minha Companhia não tinha médico próprio e, em Bissorã, quando estávamos ali com a 643 (Companhia de BArt 645) julgo que ali havia um clínico permanente e que pertencia ao efetivo do Batalhão. Não tenho a certeza porque, felizmente, não tive necessidade dos seus préstimos, isto em cerca de 5 meses que a Companhia 816 ali esteve.

No Olossato onde a Companhia 816 trabalhava já sozinha, a visita do médico era esporádica, mas, mais ou menos regular, convenhamos.

A messe dos Furriéis no Olossato. As portas da fachada, são as do refeitório e a primeira janela do lado esquerdo é a do meu quarto, onde ficava com mais 3 camaradas. Ali, no refeitório, comia-se menos mal, escreviam-se os aerogramas, ouvia-se a toda a hora o Roberto Carlos (quase sempre “Quero que todo o mais vá pr’ó inferno”) e jogava-se a batota à noite, e às vezes com batatada pelo meio (só ameaços).
Foto do álbum fotográfico do meu amigo José Augusto Ribeiro, ex-Furriel mil. da 566, que aqui reproduzo com a devida vénia.

E por falar de saúde, aqui se ilustra e se interroga se estávamos a tratar da saúde ou a dar cabo dela. Depois das “operações vaca” não faltavam uns miolos fritos bem regados com cerveja (bebia-se tipo trompete).  Era um pitéu que acontecia muitas vezes e ao meio da manhã. E tão bem que sabia! Dimais! Travessa e pratos da época: alumínio engelhado. Copos? não me lembro!

Estávamos então uns poucos de Furriéis na nossa messe no Olossato quando chega um Furriel camarada, da consulta no médico.
Perguntamos-lhe então qual era o problema.
- “O que é que o médico disse?”
- “Ele respondeu que isto passava, que, do que eu me queixo, ele anda bem pior, mas que não dá importância, que isso passa”.
- “Disse-lhe que me doía a barriga e ele aponta-me o sítio: “É aqui.?” “É mesmo aí Sr. Doutor”, ao qual ele me reponde: “É exatamente como eu, ando aí com umas dores…, mas, nem ligo, é melhor não tomar nada, que isto passa.”
- “Bom, como vi que o médico afinal ainda andava igual ou pior do que eu, vim resignado”.

Aqui então é que se despoletou a discussão.
- “Oh(!) caramba!!,” - disse outro após aquela queixa e ulterior resultado:
- “Ele também disse que andava pior do que eu. Queixei-me das costas e após algumas perguntas sobre outros sintomas ele diz-me”: 
- ” Olhe, eu também ando exatamente como você e não me queixo. Isto passa.”

Outros ratificaram o diagnóstico/ terapêutica quase taxativo do médico, sobre os seus casos, e chegamos à conclusão que era uma boa maneira psicológica de tratar os pacientes. Podia era não chegar. Não havia drogas, o que dava um certo conforto, e o pessoal queixoso esquecia o seu mal.

- “Afinal quando o médico se queixa mais do que eu…”. Nem sequer sinal dos tais comprimidos que “saravam tudo”.

Aqueles comprimidos brancos de cerca de um centímetro de diâmetro que eram dados dois, embrulhados num papel, que nos davam na tropa na metrópole. Os comprimidos LM. Estava ali tudo neles, o que era preciso para curar, tudo (ou quase tudo).

Na Guiné não dei por eles. Os micróbios, fungos, parasitas e outros seres microscópicos que por ali andavam eram bem outros e mais variados (à la carte).

- “Porque é que estes seres não são visíveis para que a gente possa dar conta deles antes que eles nos “cosam?” - como dizia um camarada meu, ajuntando que era um defeito da natureza.

Curiosa a imagem seguinte e legenda subsequente obtida e aqui reproduzida, com a devida vénia, do Blogue http://bart1914.blogspot.pt

Por que foi que deixaram de fabricar os comprimidos "LM"?... Acudiam a tudo - diarreias, cefaleias, bicos de papagaio, panaríssios, enjoos, malária, gripes, tremideiras, eu sei lá mais o quê?

Após alguma pesquisa viemos a saber que o médico ali no Olossato era um Psiquiatra.

Bom, de Psiquiatra também precisávamos e não era pouco, pois os neurónios da malta não andavam bem sincronizados, naquela situação, mas precisávamos mais alguma coisa da medicina, obviamente. E então de erupções na pele havia para todos os gostos. Logo as virilhas com a “flor do congo” à cabeça. Manga de erupções cutâneas, em forma de borbulhas de rosetas, de manchas, etc.

Aqui, os enfermeiros, com o 1214, também resolviam boa parte dos problemas de pele. Os alérgicos à tintura de iodo (raros), às vezes ficavam era ainda bem pior. O Ásterol era bom mas dava para chamar “oh da guarda!!”
Só que o 1214 não sarava tudo, o que era na pele, claro.

Mas que o Dr. Psiquiatra diagnosticou e “terapeuticou” muita gente, à custa de “boas palavras” e com (no mínimo) razoáveis resultados, lá isso foi uma boa verdade.

Tive um colega meu (julgo que o único caso do foro), que cismou que tinha o Paludismo crónico. Chegou a acordar-me alta madrugada com o “Simpósium terapêutico” na mão a apontar-me os sintomas do Paludismo crónico. E que era isso mesmo que tinha.
Os sintomas, que o livro preconizava, coincidiam precisamente c’os dele, isto na sua maneira de ver, claro. Chegou a comprar um termómetro e a andar com ele no bolso.

Um dia, em Bissau, andávamos juntos a passear, quando a certa altura dei por a falta dele ao meu lado. Olho para trás e ele estava encostado a uma árvore a medir a temperatura na axila.
Ao ler, olha para mim e diz-me:
- “Vês? Há pouco tinha 37.2 e agora já tenho 37.4. Vês? É uma característica do Paludismo crónico: oscilação da temperatura. Estou f…..”

Sei que após algum tempo recuperou, não sei se foi o aludido Psiquiatra que o curou. Se calhar até foi!

Passem bem!
Rui Silva
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Nota do editor:

Último poste da série de 9 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11820: Os nossos médicos (63): O dr. Sousa Fernandes, o VCC de Guileje, era de Coimbra e infelizmente já nos deixou em 2000 (José Crisóstomo Lucas)

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11802: VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (20): Monte Real, 8 de junho de 2013 (Parte VII): Uma foto histórica, a do reencontro dos 'velhinhos' José Augusto Ribeiro e Carlos Paulo (CART 566, Olossato, 1964/65) com o Rui Silva (CCAÇ 816, Bissorã e Olossato, 1965/67)


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Três  "velhinhos" da guerra da Guiné: José Augusto Ribeiro (Condeixa), Rui Silva ( Santa Maria da Feira) e Carlos Paulo (Coimbra). (*)

O Paulo e o Ribeiro eram, naquele sítio e momento, se não me engano, os "velhinhos" dos mais "velhinhos", em termos de antiguidade na tropa... Pertenceram à CART  566 (que veio de Cabo Verde, 1963/64. para reforçar o TO da Guiné, no início da guerra, 1964/65)... Por seu turno, o Rui Silva pertenceu à CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67). Conversa puxa conversa. andaram nos mesmos sítios e na mesma guerra. Daí esta "foto histórica"...

Foto: © José Augusto Ribeiro (2013). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do nosso camarada José Augusto Ribeiro que eu tive o gosto de pessoalmente conhecer e abraçar em Monte Real, no passado dia 8 de junho, e que se comprometeu em trazer, para a nossa Tabanca Grande, o seu camarada de armas Carlos Paulo:

Data: 9 de Junho de 2013 às 23:44
Assunto: Uma fotografia histórica.;

Camarada Luís Graça, essa fotografia histórica está aqui, afinal o fotógrafo estava lá.

 É verdade que se fizeram várias operações em conjunto, a CART 566 e a CCAÇ 816. Não é possível me lembrar da "cara" do Rui Silva (**), pois já passaram quase 50 anos sem nos termos encontrado, mas lembro-me do dia 1 de Agosto de 1965, a que eu chamei O DIA MAIS LONGO, em carta que escrevi à minha jovem Madrinha de Guerra, hoje minha mulher, casados há 47 anos. O Rui também lhe chamou O DIA MAIS LONGO..

Os relatos do Rui eram também iguais aos nossos. Outras operações também foram recordadas. O Olossato, o nosso guia "Vacar" que ficou cego, o quintal do caboverdiano, etc..

Estes encontros são salutares. Eu gostei de participar, por isso quero dar os parabéns à organização que fez um bom trabalho. Parabéns para todos e em especial para o Carlos Vinhal que está de serviço quase 25 horas por dia. 

Um abraço para todos, deste que em idade seria o mais velho presente naquele dia.

José Augusto Miranda Ribeiro
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Notas do editor:

(*) Últim poste da série > 22 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11746: VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (19): Monte Real, 8 de junho de 2013 (Parte VI): Dando de comer ao corpo e à alma: seleção de fotos do Jorge Canhão

(**) Vd. poste de 9 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11685: VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (12): Monte Real, 8 de junho de 2013 (Parte I): as primeiras imagens da nossa festa anual

(...) Comentário de Rui Silva

Coisas da Tabanca Grande:

Não é que andei com estes 2 camaradas, o José Ribeiro e o Carlos Paulo, juntinhos, mais à frente ou mais atrás, em operações no mato e que de uma forma extraordinária e inconcebível (até), nos viríamos a encontrar praticamente 50 anos (meio século) depois?!!

Que grande prazer e satisfação!

De facto o mundo é pequeno e esta tabanca é mesmo muito GRANDE.

Rui Silva, sem deixar de enviar um grande abraço para estes amigos e também para ti Luís, principal "causador" destes encontros quase, quase improváveis. (...)
 

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11658: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (25): Os três Hospitais Militares que conheci

1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, BissorãOlossatoMansoa, 1965/67), com data de 20 de Maio de 2013:

Caros amigos Luís, Vinhal e Magalhães Ribeiro:
Recebam o habitual abraço de saudação.
Junto mais um episódio (mais compilação) tirado das minhas memórias “Páginas negras com Salpicos cor-de-rosa”.

Saúde + saúde e muita saúde é o que vos desejo.
Rui Silva


Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”

25 - Hospital Militar de Bissau (HM 241) - Hospital da Estrela (HMP) - Anexo do HMP na rua Artilharia 1

É verdade, deu para conhecer os três. Estive internado, uns dias no primeiro, umas boas semanas no último. O da Estrela, só lá ia, depois, para consultas, mas deu para ver…
Embora fosse de imaginar, vi nos 3 hospitais o que jamais pensava ver.

Também deu para conhecer o Hospital civil de Bissau, aqui de visita. Edifício de aspeto idêntico ao Hospital Militar de Bissau, pelo menos quanto à fachada frontal e sua volumetria, embora com a entrada principal a meio daquela. Impressionou-me o aspeto arrumado, limpo e metódico, dado os condicionalismos daquela terra e daquele povo. Seria bom que, pelo menos, hoje ainda assim fosse. Este hospital ficava na estrada que ligava a fortaleza da Amura lá acima a Santa Luzia ali mais ou menos na direção e por trás das instalações da UDIB na avenida principal. Estrada orlada a mangueiros.

Chegado a Lisboa depois de 16 horas de voo a bordo de um velhinho DC6, na altura já na frota militar, com breve escala de 45 minutos em Las Palmas, fui de seguida em viatura militar para o HMP na Estrela, mas nem cheguei a sair da viatura. Segui logo para o Anexo. Ali na Estrela ficaram os casos a requererem mais cuidados, isto é, mais urgentes.

Era já alta madrugada do dia 6 de Janeiro de 1967. Dia de Reis.

Fui evacuado da Guiné para ser operado ao joelho direito. Motivo? Lesão meniscal e ligamentar com calcificação e outras complicações no joelho direito.

Aconteceu no Olossato a… jogar à bola.

Logo no dia seguinte ao eu ter regressado ao Olossato, vindo de férias da metrópole, tive um acidente incrível, se bem que de gravidade relativa constatada depois.

Estávamos em Julho de 1966.

A jogar futebol, dobrei a perna direita totalmente para o lado direito; a perna encostou à coxa do mesmo lado, do lado de fora, literalmente. Fechou como um canivete. O meu azar foi cair sobre a perna que estava então desligada do joelho. Este não demorou a inchar como um grande melão. Acidente arrepiante, também para quem assistiu. Foi a dar um pontapé em bicicleta (uma espécie de) e, no ar, senti a perna desligar-se pelo joelho.

A rótula veio-me parar ao meio da canela e instintivamente puxei-a para o sítio. Foram umas dores horríveis! Tive a sorte de a perna ter ido por si ao sítio, isto é à sua posição normal, como que impelida por uma mola. Fui transportado para a minha cama e não podia mexer a perna. E eu, que nem me podia mexer, ainda tive que correr para um abrigo nessa noite, pois o inimigo resolveu atacar.

Foi assim um azar acrescido: o inimigo resolveu vir-nos atacar nessa noite, o que até era raro. Nessa noite eles vieram de metralhadora pesada e de grande calibre, a julgar pelas fortes detonações e, como era de noite, tinham um efeito ensurdecedor. Parecia que estava ali perto. Destacava-se bem das armas ligeiras. Usavam também balas tracejantes, talvez da dita metralhadora, e que bem se viam no céu escuro, mas, para felicidade nossa, também muito altas passavam. Não sei como consegui levantar-me e atingir o abrigo mais próximo. Foram alguns minutos de fogo da parte deles, tido mais como de flagelação, a que a malta praticamente nem reagiu. A experiência da 816 já era grande, e gastar munições para quê? Eles até estavam tão longe!... Do outro lado da pista como era costume. O meu amigo Brandão com uma obusada, normalmente resolvia a questão.

De regresso do abrigo vi-me em sérias dificuldades para regressar à cama. Aquela surtida tinha-me agravado a lesão, pelo menos as dores redobraram.

Aguardei no Olossato então uns dias, por indicação do médico, que na altura estava lá, para ver se o inchaço no joelho desaparecia, e tudo se recompunha mas, como ao fim de uma semana o joelho continuava fortemente inchado e as dores continuavam, o médico tratou então de eu ser evacuado para o Hospital Militar de Bissau. Fui de Dornier.

Fiquei internado num quarto destinado a Oficiais e Sargentos no primeiro andar, e logo a primeira coisa que me fizeram foi extrair o sangue da hemorragia no joelho. Quando vi uma agulha de dois milímetros de diâmetro numa grande seringa apontada ao joelho fiquei apavorado.
Tratou disto o Ortopedista Dr. Martins Ferreira (operou-me mais tarde em 1975, passados 8 anos de ter chegado da Guiné !!), no hospital Santa Maria no Porto, por minha conta.
Procurei-o no Porto onde sabia que tinha consultório.
No hospital de Bissau fui então tratado. Tomei também comprimidos anti-inflamatórios e o ortopedista extraiu então do joelho e por diversas vezes mais sangue da hemorragia e também líquido sinovial.
Fui também radiografado. Sempre com aquele fueiro de vez em quando a entrar pelo joelho dentro. O Dr. Martins Ferreira enfiava a agulha com uma precisão tremenda. Que sorte! Artroscopia pelo meio, que pincel! Vi estrelas nesta e era bem de dia.

Depois de alguns exames ali, e algo recuperado, regressei à Companhia, esta já em Mansoa, vinda do Olossato, e continuei ali operacional.

Fui ainda para Cutia (destacamento) algum tempo e depois para o abrigo (bunker) de Uaque onde estive umas semanas integrado numa secção reforçada com guarnição de bazooka e morteiro. Deixei de andar no mato, mas passei a ser cigano. Acampa ali, acampa acolá.

Em Novembro e, como estava marcado, voltei ao hospital a Bissau para fazer novos exames ao joelho.
Fui então novamente radiografado e sujeito a outros exames, tendo o médico, o Dr. Martins Ferreira, constatado que eu tinha uma calcificação na zona onde eu tivera a rotura de ligamentos para além da rotura meniscal. Aqui o médico atribuiu um diagnóstico e terapêutica definitivos. Teria de ser operado e então entendeu o clínico que eu devia ser evacuado para a metrópole para ser observado e operado no hospital Militar da Estrela em Lisboa. 
Tinha então aqui acabada a minha missão na Guiné, no mato, pelo menos. Passados alguns dias, fui então evacuado para a metrópole, para a Estrela.
Assim aconteceu quando apenas faltava um mês para terminar a comissão na Guiné e regressar com a Companhia no Uíge.
A Companhia regressou no mês seguinte.

No Hospital Militar de Bissau para onde eram evacuados naturalmente e principalmente os feridos em combate com maior gravidade e de atenção imediata. Muitas das vezes os helicópteros aterravam em plena zona de combate para resgatar os feridos. Havia também em boa verdade muitos acidentes nos quartéis ou fora destes e que nada tinham a ver com a guerra. Cheguei a calcular que seria 50/50%. Os feridos, e às vezes muito, assim a precisarem de cuidados hospitalares urgentes, eram quase todos transportados nos Alouettes, primeiro nos que traziam uma ou duas macas no exterior, os Alouettes II. Como me intrigou as macas no exterior ao princípio, quando estava em Brá, em trânsito para o mato. Os Alouettes passavam mesmo por cima do quartel que não distava muito do Hospital; mais tarde os Alouettes III já com espaço para os feridos virem no interior. Estes helicópteros também, pelo menos alguns, equipados de helicanhão. Portanto tinham também parte ativa no combate e com caraterísticas especiais, e mais a temerosa e talvez a principal função que era a recolha de feridos no mato, muitas vezes debaixo de fogo inimigo. Salvar um camarada e defender a pele concomitantemente. Feridos mais leves ou doentes a não requererem tratamento imediato vinham de Dornier e depois eram transportados de Bissalanca para o Hospital Militar de Bissau ou então aguardavam por colunas-auto, normalmente pelas de reabastecimento.

Alouette II – Quando chegamos à Guiné eram estes os helicópteros que operavam com as tropas. Os tais que transportavam os os feridos de gravidade e outros acidentados em macas fixadas do lado de fora da aeronave. Impressionou-me esta disposição. 
(Foto do Álbum fotográfico do camarada Abílio Duarte, Furriel Miliciano da CART 2479 e que aqui com a devida vénia se reproduz).

No Hospital de Bissau muitos casos de Paludismo, Dengue e Iterícia ou Hepatite ; estes, doentes amarelinhos, cor canário, grande parte em trânsito para o Hospital da Estrela em Lisboa. Ainda eram uns poucos. Dificilmente eram curados ali.
No Hospital de Bissau julgo, que se tratavam ali também muitos casos de doenças patológicas e/ou sazonais. Os casos mais complicados, como feridos em combate e de grande gravidade (alguns mesmo muito), hepatites, fraturas ósseas mais complicadas (dizia-se que o clima não ajudava nada à consolidação dos ossos) seguiam para Lisboa.
O Hospital em Bissau tinha bons clínicos e cirurgiões. Era certo e comum dizer-se.
O Hospital Militar em Bissau um pouco afastado da cidade (aí 3-4 Kms.) na estrada para o aeroporto militar, logo a seguir o aeroporto civil, mais adiante Safim, depois Nhacra e mais lá para adiante Mansoa.

Tinha 2 andares: em cima, os primeiros quartos, quem entrava logo depois da escadaria, eram para Sargentos e Oficiais. Por lá andei uns dias. Primeiro aquando da lesão e então mais tarde após o veredito médico a aguardar transporte para a metrópole.
Um terraço dominava o andar em todo o comprimento do edifício. O banco de urgência logo ali acima das escadas e Bloco operatório também ficava por ali.
No andar de baixo camaratas onde ficavam os soldados. Julgo que também que as divisões quer em cima quer em baixo também eram seletivas, isto é, o que era infeto-contagioso tinha instalações e cuidados próprios naturalmente.
Havia missa regularmente no terraço, no topo norte.

Na altura, havia lá um cirurgião que se dizia fazer autênticos milagres. Era um homem franzino, baixo e já um pouco calvo. A indumentária no trabalho era em truces, de chinelos (havaianas), avental, touca e máscara cirúrgica, esta descaída no peito quando fora da sala de operar, nos corredores.
Simplicidade e descontração extremas, mas mãos de milagreiro. Julgo que o apelido era Garcia e não me devo enganar muito tratar-se do Dr. Fernando Garcia de que fala o Poste 5581.
Chegou ao que disseram lá no hospital a massajar o coração de um ferido diretamente no órgão pois o buraco que trazia assim o permitia e salvou o homem. Julgo que ainda por aí muita gente que chegou a ver o manto da morte a querer cobrir-lhe e um ou outro cirurgião (e haviam lá dos bons) afastou milagrosamente aquele manto. Casos difíceis, feridos de guerra… doenças tropicais… insalubridade da água, etc., etc.

Um soldado contou-me, já, depois de restabelecido, que chegou ali bastante ferido e chegou a ouvir de um médico para ser posto de lado, pois estava feito. Posto de lado para seguir para a morgue! “Oh (!) meu Furriel eu a ouvir aquilo e eu sabia que estava vivo mas não tinha forças para o dizer e ouvir ali que estava sem hipótese”, contou-me ele já depois “Vivinho da Silva” Salvou-se! Não cheguei a saber como. Alguém o viu mexer… se calhar!
Havia doentes com serviço ambulatório e outros de consulta externa para tratarem dentes (isto é, arrancar) e outros problemas mais ou menos passageiros. Aquele clima (ou a água?) deitava abaixo dentes e cabelo… no mínimo. Na minha Companhia houve quem deitasse petróleo (ou com este no composto) na cabeça, para evitar a queda do dito cujo.
Atrás do hospital ficava então a morgue. O fim da linha.

O meu Natal de 1965 foi alegre e a malta esteve muito bem disposta lá no Olossato. O Capitão ordenou rancho melhorado e toda a Companhia consoou no refeitório dos soldados. Mesas e bancos em tábua corrida, mas um ar de rica festa e de alegre convívio. Houve teatro em palco construído para o efeito e um orfeão bem ensaiado pelo Alf. Esteves.
O capitão Riquito distribuiu tarefas de representação quase para toda a gente. Espectadores? Os nativos das tabancas e vieram muitos.

Já o Natal de 66 e ali no HM 241 e embora eu já estivesse com um pé na metrópole nem por isso. O que me foi dado ver naquele dia, foi penoso, dramático, que ficou arquivado no cérebro e… para sempre!!

Eu conto.
Na noite de consoada ou de Natal - não posso precisar qual - foram postas mesas compridas cá fora um pouco atrás do edifício hospitalar e fez-se ali a ceia de Natal com rancho melhorado para toda a gente do Hospital. Tudo muito bem arranjado, dentro dos condicionalismos e dos meios. A certa altura e já fazia um pouco noite apercebo-me da chegada de helicópteros; chega um, outro e logo outro, do outro lado do hospital. Já são muitos, pensei eu.

A CCAÇ 816 chegou a atuar com a colaboração dos Alouette III, que aqui vemos durante uma operação ao Morés em Fevereiro de 1966. Estes helis, mais espaçosos interiormente, já transportavam os feridos no seu interior. Eram também equipados (alguns?) com helicanhão, o que lhes permitia terem também ação direta no teatro da guerra.

Os helicópteros aterravam em sítio criado e assinalado para o efeito do lado da frente do hospital e do lado direito, isto é do lado oposto à porta de entrada principal do hospital.
Discretamente saí da mesa e por curiosidade desloquei-me para a morgue pois apercebi-me que o movimento era mais naquela direção. Estavam a entrar 6 cadáveres de camaradas combatentes, entre eles 2 Furriéis (disseram lá).
Bastante maltratados, estropiados uns mais que outros, os cabelos tesos como arames e puxados num só sentido. Fora a forte deslocação de ar proporcionada por minas certamente, pensei eu. Indescritível! Lembro-me que pela porta da morgue entreaberta dava para ver o pessoal distraído e relativamente alegre nas mesas de consoada. Que contraste! Lembrei-me automaticamente das famílias daquelas grandes e infelizes vítimas que na Metrópole estariam a consoar ou na ceia de Natal e nem sonhariam por certo o que estava a acontecer aos seus “meninos”.
Saí da morgue, agora com um arrepio e a meditar. Sentei-me novamente à mesa e a vida fez-se continuar para aqueles que como eu ali estavam por este ou aquele motivo a necessitar do hospital. Não me sentia o mesmo já. Deve haver no Blogue alguém que saiba deste acontecimento. 
Notem:
 - 24 ou 25 de Dezembro de 1966
- Emboscada forte com pelo menos 6 mortos e alguns feridos. Minas acionadas, certamente.
- Julgo que foi lá para o Sul.

Equipa desportiva em estágio? Não, não senhor! Uma equipa de mancos e coxos no HM 241. Do lado esquerdo, com o braço sobre o muro, o Machuco e, sentado no muro ao lado do Machuco, estou eu. Cada um tinha o seu problema e muito diverso. Havia casos bicudos (típicos do clima tropical) para os médicos diagnosticarem… e tratarem

No hospital logo fiz amigos.
O Sargento Inácio que era um grande ponto e que ali estava a queixar-se dos intestinos. Acabei por saber que aquilo era mas era um pé para ver se saía do Exército, pois ele era do Quadro e não queria mais aquela vida.
Conheci o “Machuco” que esteve entre a vida e a morte, muito mais perto desta do que daquela, pois teve um nó nos intestinos e esteve neste estado e no mato, a aguardar transporte, cerca de 15 dias. Todo este tempo também sem comer por não poder. A figura do “Machuco” assustava, pois ali só havia pele e osso. Máquinas à volta do Machuco num quarto isolado. Vi com satisfação, quando passava no corredor, a sua progressiva reabilitação. Outro milagre!...
Foi também ali que encontrei um Furriel conhecido de Chaves e que tinha as pernas cheias de estilhaços, mas já em período de franco restabelecimento. As pernas estavam todas sarapintadas.
Conheci outros mais. Ali estavam, uns por isto, outros por aquilo, ou seja, uns por doença, outros por ferimentos em combate mais ou menos graves e outros e não eram poucos, por acidente com viaturas militares. Casos complicados… as doenças ditas tropicais, e a serem estudados (pensei eu).

A sala das refeições dos sargentos no HM241. O cabo atrás de mim, em pé e à esquerda, que nos servia à mesa, era o mesmo que prestava serviço na Morgue…

Assisti ali via rádio ao Mundial de 1966.
No dia 5 de Janeiro por volta das 9 da manhã entrava então no DC6. O aspeto do avião não era o melhor. “Queres ver que…”, pensei eu. Deixava o pesadelo da Guiné (isto até valia mais… do que pensar no avião)

No Hospital da Estrela, onde o pessoal que estava no Anexo ia as consultas em viatura militar que levava o pessoal para o efeito, ainda deu para ver numa enfermaria (e o que se viu meu Deus!) que ficava não no edifício principal mas sim já do lado direito da Basílica, ali no princípio da rua Sto. António à Estrela, o meu bom amigo do Sarrico (conhecido no RI 10 de Aveiro) que tinha ficado muito maltratado quando uma granada de mão incendiária (mais tarde retiradas oficialmente das operações) rebentou num bolso das calças do camuflado.
Tive oportunidade de ver estas granadas e a sua segurança era feita, depois de tirar uma cápsula, que se soltava facilmente, por uma fita branca, tipo fita de nastro, com alguns decímetros de comprimento enrolada à volta e que impedia o acionamento e a posterior deflagração da granada. Bastava a fita desenrolar-se, por simples descuido, até que a granada ficava pronta a despoletar.
O Sarrico foi vítima da fragilidade, em termos de segurança, destes engenhos. Andava sempre com uma no bolso!!... Foi vítima daquilo que ele julgava ser uma pronta defesa.
Não tive coragem de lhe falar, se é que ele me ouvia; uma enfermeira tentava dar-lhe leite à boca. O Sarrico estava muito mal, o bom do Sarrico que não largava a sua máquina fotográfica mesmo no teatro da guerra. Um dia passou pelo Olossato e esteve comigo. Ele com a sua inseparável máquina. Pouco tempo depois, soubemos do infausto acontecimento.
Paz à tua alma bom Sarrico.

Hospital da Estrela HM1 
Foto tirada da Net. Ao legítimo autor faço a devida vénia para aqui a reproduzir


No Anexo do HMP na rua Artilharia 1

- Do site www.exercito.pt/sites/HMP/Historial
Em 1961, o Aquartelamento de Campolide deixou de ser ocupado pelo Regimento de Artilharia n.º 1, sendo aí instalado o Centro Ambulatório de Doentes e Convalescentes, anexo do HMP, face ao grande número de evacuados do Ultramar-.

O Anexo ficava muito perto do Hotel Ritz, mais abaixo o parque Eduardo VII. No HMP uma equipa médica do qual fazia parte o ortopedista Dr. Aníbal Costa que foi médico do Sporting e da Seleção Nacional acharam por bem pouparem-me à operação pois não era atleta e podia fazer uma vida normal, tal como o joelho se encontrava. Estive então algumas semanas a fazer fisioterapia até passar à disponibilidade e com a condição se mais tarde tivesse problemas com o joelho, o processo era sempre reaberto e teria sempre assistência médica via militar.

Muita gente ali no Anexo. Muitos em convalescença de doenças diversas mas sobretudo para os camaradas se adaptarem às próteses normalmente construídas e montadas na Alemanha. Um ginásio bem equipado com aparelhos diversos e outro equipamento, para muitos, que com próteses, tentavam recuperar de algum modo a locomoção perdida.

Éramos transportados numa viatura militar que saía todos os dias à mesma hora para o hospital da Estrela para consultas e outros acompanhamentos clínicos.

Só saiam para fora, para a cidade, aqueles que tinham autorização, por escrito, do respetivo clínico responsável. Havia porteiro devidamente fardado (farda não militar) com ordens muito rígidas no portão de saída em ferro, largo, virado para a rua Artilharia 1.
Vi ali no Anexo um militar com uma prótese de uma perna quase completa a tentar correr sempre que se deslocava como a convencer-se e a convencer que era igual aos outros. Que determinação! Sensibilizante!

Preparativos para o embarque das tropas que vão combater na Primeira Guerra Mundial. Parada do Quartel de Artilharia 1 em Campolide 
(foto e legenda extraída do Blogue historia-dos-tempos.blogspot.pt/fotos e histórias/Portugal na grande guerra e que, com a devida vénia, aqui se reproduz)

Em relação aos princípios 1967, quando ali estive, a foto acima nem faz muita diferença pois do lado esquerdo havia uma edificação térrea também, talvez agora (na altura em que lá estive) restaurada e onde ficavam os nossos quartos, julgo dos Sargentos, um gabinete de enfermagem e outro de administrativos.
O edifício alto à direita parece-me o mesmo. Não cheguei a saber a que serviços se prestava.
Mais adiante no correr do edifício havia uma cantina onde podíamos comprar de tudo e a preços mais acessíveis.
Ao fundo, a seguir à árvore, perto da pequena casa que se vê ao centro, existia então o Pavilhão dedicado à fisioterapia e à recuperação locomotora possível dos infelizes camaradas que usavam próteses.
Ainda cá para trás e do lado esquerdo também ficava o refeitório da malta. Tínhamos direito a um copo de vinho. Acho que não se comia mal. Cozinheiros civis atarefavam-se bem em servir a malta.

Até ao portão de saída, desde o sítio onde está a tropa na fotografia, ainda eram cerca de 100 metros para o lado direito. Dava para a rua Artilharia 1.
Tinha o privilégio (assim como muitos outros) de poder sair, pois o médico responsável julgou que o meu problema não era de todo impeditivo. Muitos também e julgo que os que eram de Lisboa faziam o seu tratamento e iam para casa para depois voltarem. Muitos portanto em regime ambulatório.

O movimento frenético de uma cidade como Lisboa era alheia ao drama dos seus hospitais militares. Também não podia ser de outra maneira (ou podia?... talvez não)

La vie était (et est toujours) de sorte.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11278: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (24): O Sampaio armadilhou os seus tomates e deu mesmo estouro