1. Comentários de quatro membros da Tabanca Grande sobre o Padre Mário de Oliveira (1937-2022), ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68), cujos restos mortais ficam, doravante, sepultados, em campa rasa, no cemitério de Macieira da Lixa, Felgueiras, conforme era seu desejo:
(i) José Teixeira (*)
Ouvi falar do Padre Mário no tempo em que ele era professor de moral no Liceu D. Manuel II, atual Escola Rodrigues de Freitas, nos anos 64/65.
Congregava à volta dele um grupo de jovens que o tinham como mestre ativo e era muito querido e respeitado no grupo de estudantes. Só voltei a saber dele, já depois de eu regressar da Guiné nos primórdios dos anos setenta, quando foi julgado no Tribunal de S. João Novo, quando ele era pároco de Macieira da Lixa e o Bispo do Porto D. António Ferreira Gomes o foi defender, dizendo em tribunal que o que se pretendia era julgar o bispo servindo-se do padre.
Pelos vistos, logo de seguida o bispo tirou-lhe o tapete e entraram em conflito, nunca mais sanado.
Sei que ia gente do Porto a Macieira da Lixa: uns para o ouvir e tentar seguir os seus conselhos, outros para gravar as homilias, de modo a puderem atacá-lo, acusando-o de antipatriota, comunista e outras afirmações insinuações e acusações.
Os esbirros da Pide não se dedicavam só ao Padre Mário. Recordo que o mesmo acontecia na Paróquia de Cedofeita onde oficiavam dois sacerdotes holandeses, os quais foram acordados de madrugada e colocados na fronteira.
Na Paróquia de Miragaia, aconteceu o mesmo cenário e até houve um sujeito que estava a gravar a homilia do Pe. Afonso. Não se conteve e tentou fazer uma homilia patriótica, mas foi posto fora da Igreja pelos cristãos que estavam presentes.
O Padre Mário manteve a sua forma de estar, apesar de perseguido pela hierarquia religiosa antes e depois do 25 de Abril, pelas suas posições críticas e radicais. Como não pediu a redução ao estado laical, foi suspenso. Congregou sempre à volta dele um grupo de Católicos que ainda se reúne, e dedicou-se ao jornalismo. Conversei com ele algumas vezes e tenho entre as minhas amizades gente que ainda convive com ele.
Considero o Padre Mário como uma pessoa bem intencionada, que se radicalizou, talvez face às injustiças de que se considera vítima na Igreja e tem sido um estorvo para essa mesma Igreja.
Agora que faleceu, é tempo de recordar os princípios e valores que sempre defendeu, de paz, justiça e defesa dos mais frágeis da sociedade.
Zé Teixeira
Faz falta, em especial numa diocese que precisa de ser alertada.
Foi dos que lutou sempre pelo lado de dentro.
Condolências.
Tinha uma grande admiração e respeito pelo Padre Mário da Lixa. Era por este nome que, ainda adolescente, lhe ouvia referências (de respeito) por parte dos meus pais quando vivíamos no Norte.
Há uns anos contactei várias vezes com ele (por e-mail?) para me ajudar a localizar um outro alferes capelão, mas sem sucesso, pois era demasiado o desfasamento de idades entre eles. Uma simpatia.
Condolências à família e aos seus colaboradores mais chegados.
(iv) Alice Carneiro (**)
Mário: Eu sempre quis acreditar na tua capacidade de resistência. Eu própria dava ânimo aos nossos amigos comuns enquanto tu estavas internado no hospital. Tinha a secreta esperança de te poder dar os parabéns pelos teus 85 anos, que irias completar no próximo dia 8 de março.
Tive o privilégio de poder acompanhar a evolução do teu estado de saúde, que inspirava muitos cuidados, através de uma sobrinha, a enfermeira Susana Carneiro, que trabalhava no serviço de cuidados intensivos.
Ela acompanhou-te diariamente, com todo o desvelo, empenho, competência e dedicação. E eu estou-lhe grata, a ela e aos seus colegas, pelos cuidados que te prestaram.
Para mim, serás sempre o Mário de Oliveira, pároco da minha freguesia, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses.
Para mim, foste um grande amigo e sobretudo um cidadão e um cristão que mudaram a minha vida. Estiveste sempre presente ao longo de momentos importantes da minha história de vida. A tua palavra e o teu exemplo tiveram o condão de acrescentar mundo ao pequeno mundo em que nasci. Valores como liberdade, justiça, solidariedade e fraternidade marcaram a minha formação cristã e humana.
Deixa-me lembrar-te que foi na minha terra que começaste a escrever o teu primeiro livro, “Evangelizar os pobres” (publicado em 1969). Retrata muito bem a nossa realidade de então…
Era uma freguesia rural, perdida nos confins da diocese do Porto, onde ainda predominavam no campo as relações de produção pré-capitalistas, a parceria agrícola e a parceria pecuária …Os grandes proprietários rurais da região, donos de muitas quintas, eram tratados, com toda a deferência e submissão, por “fidalgos”. Os rendeiros “desbarretavam-se” e vergavam a cabeça ao cumprimentá-los: “Com a sua licença, meu amo!”...
Trouxeste-nos desassossego e mudança, mas também nunca te faltaram a frontalidade e a coragem, física e moral, de quem se põe ao lado dos pobres, dos humildes e dos fracos. Por outro lado, eras um padre jovem e conseguiste mobilizar a juventude da minha terra. Lembras-te de irmos cantar as janeiras de porta em porta, para angariar dinheiro para comprar um duplicador a “stencil” ?… Acabámos por publicar um jornal, tirado a duplicador… Que orgulho, o nosso!
Enfim, toda a gente gostava de ti… Para os jovens, como eu, daquela freguesia, a tua chegada foi uma lufada de ar fresco e, mais do que isso, uma bênção de Deus.
Como amigo a quem eu muito queria, não te poderia esquecer no dia do meu casamento, civil (, o primeiro no meu concelho), em 7 de agosto de 1976. Convidei-te justamente para partilhar a minha/nossa alegria. Estiveste na casa dos meus pais para me desejar boa sorte e saúde na minha nova vida, casada, e a viver em Lisboa, longe do Norte eu tinha as minhas raízes.
Voltámos a encontrar-nos, mais vezes, mas não tantas quantas eu gostaria. Lembro-me de, em Lisboa, ter assistido ao lançamento de um dos teus livros mais queridos, “Novo Livro do Apocalipse ou da Revelação”. Foi em 1 de novembro de 2009 , numa noite de temporal, e numa ambiente muito intimista, no meio de um grupo de leitores e amigos fiéis… Estive agora a reler, com emoção, a extensa dedicatória que me escreveste: “Para a Maria Alice, a de Viadores, com ternura e saudade”…
Tenho vários dos teus muitos livros, que agora prometo reler, com tempo e vagar, retomando o diálogo contigo, numa outra dimensão, já que tu não estás mais fisicamente entre nós… Destaco o livro “Em Memória Delas. Livro de mulheres”, de 2002, em que tu evocas, entre outros, os teus tempos passados na minha freguesia…e homenageias algumas das mulheres da minha terra.
Sei que não queres choros nem homenagens no teu velório e funeral, no dia da tua despedida da “Terra da Alegria” (para usar uma imagem do Ruy Belo, poeta que tu admiravas). Mas faço questão de te lembrar como uma das figuras de referência da minha vida terrena.
Obrigado, Mário, e até sempre!...
Maria Alice
(**) Vd. poste de 25 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23031: In Memoriam (430): Padre Mário de Oliveira, de 84 anos, ex-alf mil capelão, CCS / BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68): o funeral realiza-se amanhã, sábado, dia 26, pelas 16h00, no Barracão da Cultura, Macieira da Lixa, sendo sepultado no cemtiério local, em campa rasa, de acordo com o seu testamento de 2009