sábado, 26 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23035: In Memoriam (431): Padre Mário de Oliveira (1937-2022): até sempre! (Comentários de Zé Teixeira. José Martins, António Murta e Alice Carneiro)


Mário Pais Oliveira: página do Facebook. Foto de Francisco Chico da Emilinha (Com a devida vénia...)



1. Comentários de quatro membros da Tabanca Grande sobre o Padre Mário de Oliveira (1937-2022), ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68),  cujos restos mortais ficam, doravante, sepultados, em campa rasa, no cemitério de Macieira da Lixa, Felgueiras, conforme era seu desejo:


(i) José Teixeira (*)

Ouvi falar do Padre Mário no tempo em que ele era professor de moral no Liceu D. Manuel II, atual Escola Rodrigues de Freitas, nos anos 64/65.

Congregava à volta dele um grupo de jovens que o tinham como mestre ativo e era muito querido e respeitado no grupo de estudantes. Só voltei a saber dele, já depois de eu regressar da Guiné nos primórdios dos anos setenta, quando foi julgado no Tribunal de S. João Novo, quando ele era pároco de Macieira da Lixa e o Bispo do Porto D. António Ferreira Gomes o foi defender, dizendo em tribunal que o que se pretendia era julgar o bispo servindo-se do padre.

Pelos vistos, logo de seguida o bispo tirou-lhe o tapete e entraram em conflito, nunca mais sanado.

Sei que ia gente do Porto a Macieira da Lixa: uns para o ouvir e tentar seguir os seus conselhos, outros para gravar as homilias, de modo a puderem atacá-lo, acusando-o de antipatriota, comunista e outras afirmações insinuações e acusações.

Os esbirros da Pide não se dedicavam só ao Padre Mário. Recordo que o mesmo acontecia na Paróquia de Cedofeita onde oficiavam dois sacerdotes holandeses, os quais foram acordados de madrugada e colocados na fronteira.

Na Paróquia de Miragaia, aconteceu o mesmo cenário e até houve um sujeito que estava a gravar a homilia do Pe. Afonso. Não se conteve e tentou fazer uma homilia patriótica, mas foi posto fora da Igreja pelos cristãos que estavam presentes.

O Padre Mário manteve a sua forma de estar, apesar de perseguido pela hierarquia religiosa antes e depois do 25 de Abril, pelas suas posições críticas e radicais. Como não pediu a redução ao estado laical, foi suspenso. Congregou sempre à volta dele um grupo de Católicos que ainda se reúne, e dedicou-se ao jornalismo. Conversei com ele algumas vezes e tenho entre as minhas amizades gente que ainda convive com ele.

Considero o Padre Mário como uma pessoa bem intencionada, que se radicalizou, talvez face às injustiças de que se considera vítima na Igreja e tem sido um estorvo para essa mesma Igreja.
Agora que faleceu, é tempo de recordar os princípios e valores que sempre defendeu, de paz, justiça e defesa dos mais frágeis da sociedade.

Zé Teixeira

(ii) José Marcelino Martins (*)

Faz falta, em especial numa diocese que precisa de ser alertada.

Foi dos que lutou sempre pelo lado de dentro.

Condolências.

(iii) A. Murta (*)

Tinha uma grande admiração e respeito pelo Padre Mário da Lixa. Era por este nome que, ainda adolescente, lhe ouvia referências (de respeito) por parte dos meus pais quando vivíamos no Norte.

Há uns anos contactei várias vezes com ele (por e-mail?) para me ajudar a localizar um outro alferes capelão, mas sem sucesso, pois era demasiado o desfasamento de idades entre eles. Uma simpatia.

Condolências à família e aos seus colaboradores mais chegados.

(iv) Alice Carneiro (**)

Mário: Eu sempre quis acreditar na tua capacidade de resistência. Eu própria dava ânimo aos nossos amigos comuns enquanto tu estavas internado no hospital. Tinha a secreta esperança de te poder dar os parabéns pelos teus 85 anos, que irias completar no próximo dia 8 de março.

Tive o privilégio de poder acompanhar a evolução do teu estado de saúde, que inspirava muitos cuidados, através de uma sobrinha, a enfermeira Susana Carneiro, que trabalhava no serviço de cuidados intensivos.

Ela acompanhou-te diariamente, com todo o desvelo, empenho, competência e dedicação. E eu estou-lhe grata, a ela e aos seus colegas, pelos cuidados que te prestaram.

Para mim, serás sempre o Mário de Oliveira, pároco da minha freguesia, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses.

Para mim, foste um grande amigo e sobretudo um cidadão e um cristão que mudaram a minha vida. Estiveste sempre presente ao longo de momentos importantes da minha história de vida. A tua palavra e o teu exemplo tiveram o condão de acrescentar mundo ao pequeno mundo em que nasci. Valores como liberdade, justiça, solidariedade e fraternidade marcaram a minha formação cristã e humana.

Deixa-me lembrar-te que foi na minha terra que começaste a escrever o teu primeiro livro, “Evangelizar os pobres” (publicado em 1969). Retrata muito bem a nossa realidade de então…

Era uma freguesia rural, perdida nos confins da diocese do Porto, onde ainda predominavam no campo as relações de produção pré-capitalistas, a parceria agrícola e a parceria pecuária …Os grandes proprietários rurais da região, donos de muitas quintas, eram tratados, com toda a deferência e submissão, por “fidalgos”. Os rendeiros “desbarretavam-se” e vergavam a cabeça ao cumprimentá-los: “Com a sua licença, meu amo!”...

Tu, Mário, quiseste acabar com esse resquício da sociedade senhorial, exortando os teus paroquianos, rendeiros, meus vizinhos, a reconquistar a sua dignidade: “Não têm que se vergar, levantem a cabeça, os patrões são pessoas iguais a vocês“…

Trouxeste-nos desassossego e mudança, mas também nunca te faltaram a frontalidade e a coragem, física e moral, de quem se põe ao lado dos pobres, dos humildes e dos fracos. Por outro lado, eras um padre jovem e conseguiste mobilizar a juventude da minha terra. Lembras-te de irmos cantar as janeiras de porta em porta, para angariar dinheiro para comprar um duplicador a “stencil” ?… Acabámos por publicar um jornal, tirado a duplicador… Que orgulho, o nosso!

Enfim, toda a gente gostava de ti… Para os jovens, como eu, daquela freguesia, a tua chegada foi uma lufada de ar fresco e, mais do que isso, uma bênção de Deus.

Como amigo a quem eu muito queria, não te poderia esquecer no dia do meu casamento, civil (, o primeiro no meu concelho), em 7 de agosto de 1976. Convidei-te justamente para partilhar a minha/nossa alegria. Estiveste na casa dos meus pais para me desejar boa sorte e saúde na minha nova vida, casada, e a viver em Lisboa, longe do Norte eu tinha as minhas raízes.

Voltámos a encontrar-nos, mais vezes, mas não tantas quantas eu gostaria. Lembro-me de, em Lisboa, ter assistido ao lançamento de um dos teus livros mais queridos, “Novo Livro do Apocalipse ou da Revelação”. Foi em 1 de novembro de 2009 , numa noite de temporal, e numa ambiente muito intimista, no meio de um grupo de leitores e amigos fiéis… Estive agora a reler, com emoção, a extensa dedicatória que me escreveste: “Para a Maria Alice, a de Viadores, com ternura e saudade”…

Tenho vários dos teus muitos livros, que agora prometo reler, com tempo e vagar, retomando o diálogo contigo, numa outra dimensão, já que tu não estás mais fisicamente entre nós… Destaco o livro “Em Memória Delas. Livro de mulheres”, de 2002, em que tu evocas, entre outros, os teus tempos passados na minha freguesia…e homenageias algumas das mulheres da minha terra.

Sei que não queres choros nem homenagens no teu velório e funeral, no dia da tua despedida da “Terra da Alegria” (para usar uma imagem do Ruy Belo, poeta que tu admiravas). Mas faço questão de te lembrar como uma das figuras de referência da minha vida terrena.

Obrigado, Mário, e até sempre!...

Maria Alice
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Notas do editor:

(*) Vd.poste de 24 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23024: In Memoriam (430): Padre Mário de Oliveira (1939-2022), ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68)

Guiné 61/74 - P23034: Companhias e outras subunidades sem representantes na Tabanca Grande (3): CART 2411 (Mansoa, Porto Gole, Bissá, Enxalé, Bissau, 1968/70)


Companhia de Artilharia nº 2411


1. Mais uma subunidade que não tem, até à data, nenhum representante na Tabanca Grande. São também muito escassas as referências no blogue, contrariamente à CART 2410 e à CART 2412.  Tem, todavia, uma página no Facebook (, criada em 2011, inativa desde finais de 2019). Tem poucas fotos.

Daí justificar-se esta ficha de unidade. O brasão, que se reproduz ao lado, com a devida vénia, é da coleção de © Carlos Coutinho (2011).

Identificação: CArt 2411

Unidade Mob: GACA 2 - Torres Novas

Cmdt: Cap Mil Art Manuel da Silva Frasco | Cap Mil Art António Dias Lopes | Cap Mil Art Virgílio Graça Pereira Saganha

Divisa: "Velando em toda a parte"

Partida: Embarque em 11Ag068; desembarque em 16Ag068 | Regresso: Embarque em 18Abr70


Guine > Região do Oio > Sector de Mansoa > Bissá > O António Rodrigues, ex-1º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2587 / BCAÇ 2885 (Mansoa 1969/71), em Bissá, junto do monumento da CART 2411 (1968/70). Foto do álbum do  seu blogue BCAÇ 2885, Guiné, 1969/71,  

Foto (e legenda): © António Rodrigues (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 


Síntese da Actividade Operacional

Em 26Ag068, seguiu para Aldeia Formosa, a fim de efectuar o treino operacional sob orientação do BCaç 2834, o qual foi interrompido e continuado em Mansoa, a partir de 04Set68 até 26Set68, então sob orientação do BCaç 1912.

Depois a companhia permaneceu temporariamente em Mansoa, em reforço do BCaç 1912, a fim de tomar parte em operações realizadas nas áreas de Changalana, Inquida, Polibaque e Bindoro, tendo um pelotão sido colocado no destacamento de Bissá, a partir de 22Set68; de 310ut68 a 02N ov68, participou ainda numa operação realizada na região do Morés, sob controlo operacional do BCaç 2851.

Em 07Nov68, rendendo a CArt 1661, assumiu a responsabilidade do subsector de Porto Gole, com destacamentos em Bissá e Enxalé (este até à sua passagem para a zona de acção do BCaç 2852, em 290ut69) e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1912 e depois do BCaç 2885.

Em 14Mar70, foi rendida no subsector de Porto Gole pela CCaç 2587, sendo colocada em Bissau, onde substituíu a CCaç 2382 no dispositivo do BArt 2866, com vista à segurança e protecção das instalações e das populações da área; destacou ainda um pelotão para o subsector de Nhacra, que se instalou em Safim e João Landim.

Em 16Abr70, foi substituída, temporariamente, no subsector de Bissau por dois pelotões da CArt 2412, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n." 118 - 2.ª Div/4.ª Sec. do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág 464.
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Nota do editor

Último poste da série > 22 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22931: Companhias e outras subunidades sem representantes na Tabanca Grande (2): CART 2338, "Os Incansáveis" (Fá Mandinga, Nova Lamego, Canjadude, Cheche, Buruntuma, Pirada e Paiunca, 1968/1969)

Guiné 61/74 - P23033: Os nossos seres, saberes e lazeres (493): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (39): Os esplendorosos jardins do Palácio dos Marqueses de Fronteira (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
O perito em azulejaria Santos Simões considerou que o repositório azulejar da Casa dos Mascarenhas é do maior interesse histórico e artístico. Como escreve um dos familiares dos Mascarenhas, "À exceção de alguns da Galeria dos Reis, que parecem de origem espanhola, possivelmente de Talavera ou Valência, e de uns outros, policromos, na fachada do palácio que deita para o Jardim Grande, de origem holandesa na Sala dos Painéis, os restantes são de fabricação portuguesa". Desconhecem-se os seus fabricantes, o que importa é que nesta casa seiscentista a existência de tantos conjuntos azulejares deve.se a um período de prosperidade, estes conjuntos possibilitam o estudo do gosto da época, tanto as representações profanas, com os painéis alegóricos e a exaltação da estirpe vitoriosa dos Mascarenhas, o que importa é que o azulejo português era pujante e de grande qualidade, e se tem graciosidade própria nos jardins, entrelaça-se harmoniosamente no interior do palácio com os estuques de salas verdadeiramente deslumbrantes. Jardins e palácio, adverte-se os interessados, merecem visitas repetidas, tal e tanta variedade de obras-primas carecem de olhares demorados, de preferência intermitentes. Acresce, como recorda José Saramago, que o que se vê no verão não é o que se vê no inverno e o que se vê em plena luminosidade não é o mesmo em dias baços. Então, votos de bons passeios, começa-se aqui pelo triunfo do azulejo, maior paraninfo para este período de ouro de uma das mais imaginativas artes da decoração não pode haver.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (39):
Os esplendorosos jardins do Palácio dos Marqueses de Fronteira (1)

Mário Beja Santos

Em São Domingos de Benfica, confinando com um fim ao Parque Florestal de Monsanto, de paredes meias com a Quinta dos Marqueses de Abrantes, levantou-se o Palácio dos Marqueses de Fronteira, por todos considerado um dos mais belos de Portugal, um verdadeiro museu de azulejos, de cerâmica, de belo estuque lavrado, fundado pelo 2.º Conde da Torre e 1.º Marquês de Fronteira, D. João Mascarenhas. E se o palácio é um tesouro, os seus jardins não lhe ficam atrás. É deles que vamos mostrar imagens que não iludem as preciosidades que acolhem os visitantes.

No entanto, podemos aduzir sérias dúvidas se há um verdadeiro compartimento estanque entre a beleza azulejar e a graciosidade dos jardins e o que oferece o interior do palácio, o mínimo que se pode dizer é que as estéticas se complementam, mesmo no interior do palácio cruzam-se estuques com painéis de azulejos de brutesco, há mesmo uma sala de painéis com belíssimos azulejos holandeses. Obviamente que há distinções entre palácios e jardins: a decoração interior é do século XVIII enquanto a riquíssima decoração cerâmica dos terraços e jardins são seiscentistas. Mas se o visitante tem a possibilidade de visitar palácio e jardins descobrirá que o diálogo é constante, impensável um viver sem o outro.

Ajuda-nos na itinerância pelos jardins a obra "Jardins em Palácio dos Marqueses de Fronteira", por José Cassiano Neves, Quetzal Editores, 1995. A reter: jardins ao gosto italiano, sumptuosos, com imensos acessos a partir do palácio e por portões de quinta, entrando pela porta do pátio, somos lançados num enorme terraço descoberto, tendo a meio uma escadaria para o Jardim Grande e, de cada lado desta, uma bela balaustrada em mármore de Carrara. Ao fundo do terraço, depois de um corredor, temos duas fachadas e a surpresa de uma fonte com conchas, búzios, vidros de várias cores – é a fonte da Carranquinha.

Entramos, cada conjunto azulejar lembra obras de pinacoteca, há para ali cenas de Corte, muita mitologia à mistura, veja-se o regalo para os olhos.
Quem se delicia com tanta originalidade azulejar não deixa de vez em quando de voltar a cabeça para os jardins, pois são dois, o Jardim Grande, ao gosto italiano, e um outro mais pequeno, mais moderno e em plano superior a este, o Jardim de Vénus. E com a vista indecisa, mirando até uma variedade de estátuas em chumbo, damos com uma fonte do Jardim Grande, encimada pela Galeria dos Reis, impõem-se a disciplina de continuar a ver com o máximo de cuidado estes rodapés e esperar o momento próprio de descer até ao Jardim Grande.
No Jardim Grande, com 65,30 metros de comprido por 57,50 metros de largo, tendo como fundo um grande tanque e lá em cima a Galeria dos Reis, com o seu buxo em tabuleiros geométricos e simétricos, formando ruas, travessas e pequenas praças, com doze estátuas mitológicas e cinco tanques octogonais, junta-se a sumptuosidade ao gosto de imaginar os recantos frescos, os passeios à conversa cercados por paredes revestidos de azulejos, a azul e manganês, representando o ciclo zodiacal e os meses do ano, novo esforço de disciplina, até apetece ir para a Galeria dos Reis e contemplar o Jardim Grande, todo ele italianizante.
Não nos detemos agora na Galeria dos Reis, pejada de bustos, importa dizer que bem formosos são os painéis de azulejos no lago da galeria, aparecem doze cavaleiros de inspiração velazqueana, ou seja, posturas imponentes do aristocrata em cavalos com as patas dianteiras no ar.
Os jardins têm que ser vistos vagarosamente, os azulejos do lago a mesma coisa, são painéis soberbos, apetece agora ir até à Casa do Fresco, mas como recusar o que a vista alcança, não há conjunto azulejar que não timbre pela originalidade, macacos e gatos, cenas de pesca ao coral, aulas de música e barbeiros e uma série infindável de divindades mitológicas, veja-se este Mercúrio rodeado de figuras tão curiosas como aquele pássaro que parece tirado de Jerónimo Bosch e um parzinho no transe da felicidade, isto à beira do relvado. E diz-se isto só para confirmar que a vista exige o máximo de atenção para não deixarmos para trás uma das muitas obras-primas da azulejaria portuguesa que enxameiam estes jardins possuidores de uma atmosfera mágica.
(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23009: Os nossos seres, saberes e lazeres (492): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (31): De regresso à primeira grande obra da arquitetura manuelina (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23032: Parabéns a você (2040): João Carlos Silva, ex-1.º Cabo MMA da Força Aérea Portuguesa (1979/82)

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de Fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23026: Parabéns a você (2039): Gumerzindo Caetano da Silva, ex-Soldado Cond Auto Rodas da CART 3331 (Cuntima, 1970/72)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23031: In Memoriam (430): Padre Mário de Oliveira, de 84 anos, ex-alf mil capelão, CCS / BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68): o funeral realiza-se amanhã, sábado, dia 26, pelas 16h00, no Barracão da Cultura, Macieira da Lixa, sendo sepultado no cemtiério local, em campa rasa, de acordo com o seu testamento de 2009



Fonte:  Página do Facebook do Grupo Barracao da Cultura, ACR "As Formigas de Macieira"


I.  Testamento, do Padre Mário de Oliveira, escrito em 2009 (um documento humano  impressionante, que pode ferir algumas sensibilidades ou suscetibilidades, mas que deve ser lido com espírito ecuménico, indepentemente das crenças ou valores de cada um de nós enquanto leitores):

Prólogo ao Amanhã-que-Vem (ou o meu ”Testamento”)

In: Padre Mário de Oliveira - "Novo Livro do Apocalipse ou da Revelação". Mira,  Areias Vivas, 2009 (Col Olhares, 1), pp.  661-665.

Não ficaria completo este meu livro, com tudo de póstumo, sem este Prólogo ao Amanhã-que-Vem. Assim, quando, Amanhã, eu me tornar para sempre invisível aos olhos de todas as pessoas, condição sine qua non para me tornar definitivamente vivente na Fonte-e-no-Mar da Vida, o nosso Abbá que um dia me fez Acontecer, por pura Graça, irrepetível e único, no decurso da Evolução-Expansão do Universo, peço a todas, todos Vós, Companheiras /Companheiros com quem mais tenho partilhado a minha vida presbiteral militante e a Mesa comunitária em nome e em memória de Jesus, que tenhais em conta esta minha vontade:

1. No Dia da minha Páscoa definitiva, começai por dar a todas as pessoas, através da Vossa alegria e da vossa paz, a boa notícia: o Mário acaba de explodir / ressuscitar e, desde agora, é definitivamente vivo! Nada de toque de sinos. Nada de anúncios pagos nos jornais. Nada de pagelas panegíricas, sempre despropositadas. E, se possível, tão pouco nada de agências funerárias que sempre se fazem acompanhar por toda aquela tralha de mau gosto e sem sentido, panos pretos ou roxos, cruzes, círios, velas, carros fúnebres, e coisas que tais. Apenas a urna com o meu cadáver dentro, e nada mais. Quando muito, uma fotografia ou mesmo algum vídeo recentes, a remeter as pessoas para o tempo em que estive /estou visível, entre Vós e convosco.

2. Ao meu cadáver — nunca o confundais comigo que, a partir daquele Novíssimo Instante, já serei definitivamente vivente convosco — vesti-o com alguma das roupas que me vedes utilizar diariamente, e depositai-o depois na urna, uma das mais baratas que houver no mercado. Tanto o meu cadáver, como a urna fechada, apresentem-se totalmente despojados de quaisquer símbolos religiosos, como o terço, o cálice, ou a cruz (do Império romano), tudo coisas beatas e deprimentes, por isso, inumanas, pelo menos, simbolicamente.

3. A urna manterse-á sempre fechada, até ser depositada numa campa rasa, em terreno comum destinado aos Sem-jazigo, do cemitério de Macieira da Lixa, a terra que, desde a década de setenta do Século XX, inopinadamente, se tornou / revelou um Lugar Teológico de Deus, o de Jesus, que gosta de Política, não de Religião e, nessa mesma qualidade, se colou para sempre ao meu nome de homem presbítero da Igreja do Porto.

4. Sobre a urna fechada, colocai, até à hora do seu levantamento, exemplares dos meus livros, com destaque para Salmos Versão Século XXI; O Outro Evangelho Segundo Jesus Cristo; Em Nome De Jesus Chicote No Templo; Que Fazer Com Esta Igreja?; E Deus Disse: Do Que Eu Gosto é de Política, Não de Religião; Canto (S) Nas Margens Na Companhia de Jesus e de Ateus e, é claro, também este, Novo livro do Apocalipse ou da Revelação. Nenhumas flores cortadas sobre a urna ou à volta dela, nem, depois, sobre a campa. Na campa rasa, em vez de flores cortadas, lançai sementes de flores de cores alegres e vivas, para que o meu cadáver floresça em festa, nos dias / meses que se seguirem. Colocai, igualmente, um pequeno rectângulo em madeira, à cabeça ou a meio da campa, apenas com estes dizeres e sem nenhuma data: Mário, presbítero da Igreja do Porto.

5. Nenhuma missa — ouvistes bem? Nenhuma missa! — deverá ser celebrada por mim. Nem durante as primeiras 24 horas, após a minha Explosão / Ressurreição, nem depois, nos dias  /meses / anos subsequentes. Confio tanto em Deus, nosso Abbá, Deus de vivos, e não de mortos, que sei que o seu Nome é muito mais glorificado assim, do que com todo esse obsceno Negócio eclesiástico das chamadas ”missas pelos mortos”, que por aí se faz nas paróquias. Um verdadeiro vómito, com tudo de sacrilégio!

6. Se houver mais pessoas que convosco se disponham a acompanhar o meu cadáver dentro da urna fechada, até ao cemitério, fazei-o, do princípio ao fim, em sororal / fraternal conversa, à mistura com cantos, alguns dos quais eu próprio escrevi e continuarei a cantar convosco. Levai também convosco, nos vossos braços, pequenos cestos com nacos de Pão e de Vinho, para Partirdes e Repartirdes singelamente umas com as outras / uns com os outros e com as demais pessoas. Fazei-o em memória de Jesus e em minha memória, enquanto seu discípulo, prosseguidor das suas mesmas Práticas Maiêuticas e dos seus mesmos Duelos Teológicos Desarmados. Esta é, como sabeis, uma prática eucarística que se quer, politicamente, subversiva e conspirativa, que podereis / havereis de prosseguir, a partir desse meu Novíssimo Dia, sempre que duas /dois ou três Vos encontrardes uns com os outros e comigo, definitivamente vivo, em redor de uma Mesa Comum e Partilhada.

7. O meu cadáver dentro da urna fechada não entrará, obviamente, em nenhum dos muitos templos paroquiais que por aí há, todos ou quase todos, outras tantas casas de opressão, de alienação religiosa, de mentira, de idolatria e covis de ladrões, dentro dos quais, ao longo dos séculos, sacrilegamente, se roubou e continua ainda a roubar a voz, a vez, a consciência crítica às pessoas / populações, que os frequentam, e — como não podia deixar de ser — o seu dinheiro. O cortejo, sempre animado com conversas e cantos, seguirá, por isso, directamente para o cemitério da freguesia de Macieira. Tão pouco, haverá orações recitadas / ritualizadas, antes, durante e no final do cortejo, já em pleno cemitério. Apenas Palavras Partilhadas, as vossas, Afectos Partilhados, os vossos, Cantos, Poemas vários, algum Salmo do meu livro Salmos Versão Século XXI e, se possível, Danças de Paz em redor da urna fechada com o meu cadáver. Sabei que, nesse Momento, já eu estou definitivamente vivo convosco e no meio de Vós, ainda que invisível aos vossos olhos.

8. Nenhum clérigo / pastor de Igreja, enquanto tal, presidirá ao cortejo, rumo ao cemitério. O cortejo será presidido por todas / todos Vós e demais pessoas que o integrarem, bispos / presbíteros amigos que sejam. Fá-lo-eis todas / todos em comunhão comigo, definitivamente vivo e definitivamente convosco. Porque a Maioridade Humana que a mesma Fé de Jesus nos dá, dispensa e até recusa toda a espécie de intermediários /hierarcas /poder sagrado, os quais, lá, onde são aceites, apenas eles crescem e se impõem, como eucaliptos que secam tudo em redor. Ora, a minha alegria e a alegria de DeusVivo, nosso Abba, é que todas as pessoas cresçam em Liberdade, em Maioridade, em Vez, em Voz e, com humildade / verdade, tomem nas suas mãos os seus próprios destinos. E os destinos da História e do Planeta. Sem mais necessidade de terem de recorrer a tutores, clérigos ou laicos.

9. Sabei que, em momento algum de todas aquelas horas em que o meu cadáver tiver de estar sobre terra, vós jamais estareis sós. Eu estarei ininterruptamente convosco, invisível aos Vossos olhos, é verdade, mas, intensa e definitivamente, presente no meio de vós e convosco. Sinal / Sacramento desta boa notícia, será o meu cadáver no interior da urna fechada que Vós singelamente entregareis, finalmente, à Terra, também ela ainda à espera do seu Novíssimo Dia de Liberdade e de Paz, na plena Sororidade /Fraternidade universal.

10. Este vosso Acto da Entrega do meu cadáver-grão-detrigo, dentro da urna fechada, à Terra, será de profundo e fecundo Silêncio, para, assim, poderdes escutar o que o Espírito de Jesus e o meu em comunhão com o dele, estaremos a dizer-Vos nessa Hora Derradeira / Primeira.

11. Durante todas aquelas horas que precedem o início do cortejo, rumo ao cemitério de Macieira da Lixa, qualquer de Vós pode, se assim o entender, tomar algum dos meus livros pousados sobre a urna fechada e ler / declamar /cantar /comentar com os demais algum dos seus textos ou poemas, à mistura com outros da vossa autoria ou de outros autores da vossa preferência. Sereis assim, nessa hora, a minha boca, já definitivamente ressuscitado, naquele mesmo Espírito que paradigmaticamente ressuscitou Jesus.

12. Todas, todos Vós sabeis que, felizmente, não tenho bens acumulados para deixar em herança, nem a Vós, nem aos meus familiares de sangue. Sempre quis ser pobre e assim me tenho mantido durante todo o meu viver na História. Quanto aos livros que me têm acompanhado, vida fora, e que estão disponíveis na sede da Associação Padre Maximino, prosseguirão lá, à disposição das pessoas que quiserem consultá-los e lê-los. Caso, um dia, venha a ser dado outro destino àquela casa, então, os livros deverão ser entregues, como um sacramento meu que se parte e reparte, ao Barracão de Cultura, em Macieira da Lixa. O mesmo destino, o Barracão de Cultura, terão os poucos livros e outros objectos do meu uso diário, presentes na casinha alugada em que ultimamente tenho estado a viver em Macieira da Lixa. Igual destino, o Barracão de Cultura, terão também os meus direitos de Autor, pelo menos, até que a sua construção esteja totalmente concluída. Depois, se direitos de Autor ainda houver, deverão ser repartidos em partes iguais entre as duas Associações, as Formigas de Macieira e a Associação Padre Maximino, em S. Pedro da Cova.

13. Entretanto, não penseis que Vos deixo assim sem qualquer herança. Não! Deixo-Vos a mais necessária e a mais valiosa de todas as heranças. Deixo-Vos todas aquelas Práticas Maiêuticas que tenho abraçado ao longo dos anos e todos aqueles Duelos Teológicos Desarmados que tenho travado; deixo-Vos todos os livros (= bíblia) que escutei e, por isso, escrevi; sobretudo, deixo-Vos a Missão Eclesial e Jesuânica de Evangelizar os Pobres e os Povos, que tenho procurado praticar, oportuna e inoportunamente. Para que tudo Vós prossigais, de modo sempre actualizado, na fidelidade ao mesmo Espírito de Jesus.

14. Duma coisa podeis estar certos: na vossa Entrega pessoal a essas mesmas Práticas Maiêuticas e a esses mesmos Duelos Teológicos Desarmados, sempre me encontrareis activo convosco, na primeira linha, porque também para isso é que eu, na minha definitiva Páscoa, me torno para sempre invisível aos vossos olhos e definitivamente vivente, no Vivente Jesus, o de Nazaré, a quem, antes, o Império Romano crucificou, na sua Cruz. Ah! E não esqueçais nunca este meu último Apelo que aqui Vos deixo em Testamento: Amai-Vos umas às outras, uns aos outros, pelo menos, tanto como eu Vos amo. Se possível, ainda mais, muito mais do que eu Vos amo. Vosso, para sempre,

Mário, Presbítero da Igreja do Porto 
Macieira da Lixa, Abril 2009.

Revisão / fixação de texto: Filipe Azevedo | Grupo dos Amigos do Barracão da Cultura . Revisão / fixação de texto complementar, negritos e itálicos, de acordo com o original: LG
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23024: In Memoriam (430): Padre Mário de Oliveira (1939-2022), ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68)

Guiné 61/74 - P23030: Agenda Cultural (801): Adiada sine die a emissão de "Despojos de guerra", uma série documental da jornalista Sofia Pinto Coelho da SIC (Miguel Pessoa, Coronel PilAv Reformado)



Série docmental "Despojos de guerra", da autoria de Sofia Pinto Coelho, coprodução coprodução SIC | Blablabla Media... Dois fotogramas do "trailer", disponível na plataforma de streaming Opto.Sic.pt... (Reproduzidos com a devida vénia...)


De acordo com a mensagem da Produtora da SIC, Sónia Ricardo, enviada ao nosso camarada Miguel Pessoa em 24 de Fevereiro, devido aos trágicos acontecimentos no Leste Europeu, a emissão da série "Despojos de guerra" foi adiada sine die.

As novas datas serão anunciadas oportunamente
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Nota do editor

Vd. poste de 19 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23008: Agenda Cultural (800): "Despojos de guerra", uma série documental da jornalista Sofia Pinto Coelho, que será emitida no Jornal da Noite da SIC nos dias 24 e 28 de fevereiro, 3 e 10 de março... Disponível também, a partir de hoje, na plataforma de streaming Opto.Sic

Guiné 61/74 - P23029: Notas de leitura (1423): “Pequenos Grandes Navios na Guiné” nos Anais do Clube Militar Naval, número de Janeiro/Março de 1998 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
É facto que já existe bastante literatura sobre a presença da Marinha no teatro de operações da Guiné. O Vice-Almirante Lopes Carvalheira esboça um quadro rigoroso, em termos históricos, acerca da intervenção da Armada na fiscalização e intervenção que era efetivada pelos Destacamentos de Fuzileiros Especiais. Atenda-se ao desenvolvimento que dá à Operação Tridente, a maior operação em que intervém a Marinha na Guiné, a guerra dos rios e as vicissitudes por que passou a gloriosa LDM 302.
Um belo resumo a ter em conta.

Um abraço do
Mário



Pequenos grandes navios na guerra da Guiné

Beja Santos

O Vice-Almirante José Alberto Lopes Carvalheira escreveu um muito bem elaborado artigo intitulado “Pequenos Grandes Navios na Guiné” nos Anais do Clube Militar Naval, número de janeiro/março de 1998. É um documento sobre a presença da Armada nos rios da Guiné, ilustrado pelos meios envolvidos. Começa por mencionar que na fase de prevenção de conflitos a ocorrer em África foi possível fazer chegar à Guiné em 19 de maio de 1961 as primeiras unidades navais: duas Lanchas de Fiscalização Pequenas (LFPs) e duas Lanchas de Desembarque Pequenas (LDPs). 

A partir dessa data outras unidades foram sucessivamente chegando, atingindo a Esquadrilha de Lanchas o seu número máximo em setembro de 1969, com 8 LFPs, 14 LDMs-F (Lanchas de Desembarque Médias) para fiscalização, 9 LDMs-L (para transporte logístico) e 8 LDPs, perfazendo um total de 39 unidades, houve depois o abate, ainda em 1969, de duas LDMs.

A Marinha atuava na fiscalização e na intervenção, mas também apoiando para reabastecimento de toda a espécie e para escoamento de produtos económicos.

No que toca à fiscalização dos rios, havia missões no rio Cacheu, nos rios Cacine, Cobado e Cumbijã, no rio Geba com apoio à navegação de e para Bambadinca; havia ainda a fiscalização de Bolama, rio Grande de Buba, havendo de ter em conta um Destacamento de Fuzileiros sediado em Bissau e outro em Bolama; por fim a fiscalização do rio Mansoa em permanência efetuada pelo Destacamento de Fuzileiros sediado em Bissau. E escreve:

“Este dispositivo de fiscalização foi ao longo dos anos sofrendo os necessários ajustamentos, de modo a criar o maior dissuasor possível para fazer face às linhas de ação do inimigo. Assim, a partir de 1967, dentro do novo conceito de contra-penetração então estabelecido foi formado, ao norte do rio Cacheu, com base em Bigene, o Comando Operacional n.º 3 (COP 3). A este Comando que também foi comandado por um oficial da Marinha, além das forças terrestres, chegaram a estar atribuídos, em permanência, três destacamentos de fuzileiros para intervenção na zona. Com os fuzileiros instalados em Ganturé, em aquartelamento para o efeito construído pela Marinha, tornou-se possível a estes atuarem com grande eficácia por meio de patrulhas e emboscadas em botes de borracha em colaboração com as unidades navais da TG3, igualmente atribuídas ao COP 3 para fiscalização da extensa zona do rio Cacheu, ao mesmo tempo que permitia a sua utilização no apoio direto às operações deste Comando Operacional”.

Este dispositivo naval manteve-se praticamente até ao final da guerra, impôs-se como um travão às tentativas de infiltração do PAIGC no Norte da Província. A partir de 1967, no Sul da Província, os rios Cacine, Cobade e Cumbijã deixaram de ter fiscalização permanente. Nesta altura, no rio Grande de Buba foi montado dispositivo idêntico ao do rio Cacheu. Em 1970, retomou-se o dispositivo de contra-penetração do rio Mansoa, interrompido em 1967. Ainda em 1970, no rio Cacheu, mais junto à sua foz, montou-se igual dispositivo com destacamento de fuzileiros sediados na vila de Cacheu. 

“Em 1971, após o ataque levado a efeito com mísseis sobre Bissau em 9 de junho, retomou-se a fiscalização contínua do rio Geba, a montante de Bissau, até ao Geba estreito, complementando a patrulha noturna ao porto de Bissau e seus acessos que se mantinha desde 1963”

Passemos agora da fiscalização para a intervenção. Era normalmente efetuada pelos Destacamentos de Fuzileiros Especiais que tinham como tarefa base a fiscalização que desempenhavam em permanência, sempre que não eram chamados a intervir em operações.

Quanto à sua atuação, destaca-se a Operação Tridente. O autor menciona a missão e organização operacional para se poder avaliar a sua envergadura naquela que foi a maior operação de sempre da Marinha na Guiné, detalha a missão, as unidades navais em presença, as forças de intervenção e o seu comando, o apoio logístico e a execução, concluindo nestes termos: 

“Não pode deixar-se de salientar que foi muito honrosa a atuação dos cerca de mil e quinhentos homens das nossas forças navais, terrestres e aéreas empenhados nesta operação que, no terreno em combate, sofreram oito mortos e trinta e três feridos, sendo alguns com gravidade”.

Quanto às vias de comunicação, o autor refere o armamento do PAIGC utilizado nos frequentes ataques das margens dos rios, o que confere importância ao capítulo seguinte, a guerra dos rios, pondo acento tónico nos reabastecimentos, no transporte operacional e rendição das nossas forças, bem como no transporte de pessoas e bens. 

“Teve a Marinha com todas as suas unidades navais, mais particularmente com as destinadas aos transportes logísticos (LDGs Alfange, Montante e Bombarda e LDMs), permanente, intenso, discreto, mas importantíssimo trabalho. Desde junho de 1963, quando se verificou que ao risco dos ataques das margens se juntava o risco da fuga de embarcações para a República da Guiné, quer por ação exclusiva do inimigo, quer por iniciativa conivente das próprias tripulações das embarcações civis, o Comando da Defesa Marítima da Guiné decidiu-se pela organização dos seguintes comboios, o que se manteve até final, com periodicidade mensal, embora com ligeiras alterações de execução.

Comboio de Bedanda... Bissau – Bedanda – Bissau
Comboio de Catió... Bissau – Catió – Bissau
Comboio de Farim... Bissau – Farim – Bissau
Comboio de Bissum... Bissum no rio Armada

Para outras povoações, tais como Cacine e Gadamael, as embarcações a proteger seguiam em companhia até à foz do rio Cumbijã, juntamente com o comboio de Bedanda, seguindo depois pelo Canal do Melo para Cacine e Gadamael Porto, com escolta embarcada e escoltadas por uma unidade naval para o efeito. O mesmo acontecia para Buba, Bambadinca, Encheia e Teixeira Pinto, apenas com as embarcações civis com escolta embarcada e, irregularmente, protegidas por navios escolta"
.

O artigo do Vice-Almirante Lopes Carvalheira conta a história da LDM 302, a lancha que, ao longo dos anos, mais duramente sofreu as consequências da guerra dos rios da Guiné, abstemo-nos de mais pormenores, já aqui se contou as vicissitudes que sofreu, inclusive foi referida a esplêndida banda-desenhada que lhe consagrou António Vassalo.[1]


A LDM 302, imagem retirada do blogue reservanaval, com a devida vénia.
A LDM 307, imagem retirada do blogue reservanaval, com a devida vénia.
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 14 DE AGOSTO DE 2015 > Guiné 63/74 - P15003: Notas de leitura (747): “A Epopeia da LDM 302”, por A. Vassalo, em BD, Edições Culturais da Marinha, 2011 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 21 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23013: Notas de leitura (1422): “Descolonizações, Reler Amílcar Cabral, Césaire e Du Bois no séc. XXI”, é coordenadora Manuela Ribeiro Sanches; Edições 70, 2019 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23028: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XVII: A última operação no CTIG, em 31 de março de 1967: cerco e limpeza à tabanca de Bissá onde, explorando uma notícia do BCAÇ 1888, deveriam estar elementos IN numa festa


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Foto nº 4

Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCAÇ 2587 / BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969 / 1971) > 

Legendas:

Foto nº 1 > O António Rodrigues, em tromco nu, à esquerda, no porto fluvial de Bissá,na margem direita do Rio Geba,  durante um reabastecimento; Bissá era alvez um dos piores destacamentos que existiam na Guiné, principalmente nos períodos das chuvas, na opinião do autor das fotos;

Foto nº 2 > O António Rodrigues em Bissá, junto do monumento da CART 2411 [Enxalé, Porto Gole e Bissá, 1968/70), subunidade de que não temos qualquer representant no nosso blogue;

Foto nº 3 > O António Rodrigues, no regresso de uma emboscada;

Foto nº 4 > Estrada de Porto Gole para Bissá e Mansoa.

Fotos do álbum de António Rodrigues, ex-1º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2587, 3º Gr Comb / BCAÇ 2885 (Mansoa 1969/71). (O seu blogue, BCAÇ 2885, Guiné, 1969/71, não é atualizado desde 29 de abril de 2019; gostava que o António Rodrigues, que mora em Coimbra, integrasse a nossa Tabanca Grande.)


Fotos (e legendas): © António Rodrigues (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Carta de Fulacunda (1955) > Escala 1/50 mil > Pormenor: posição relativa de Porto Gole e Bissá, e de outras povoações na margem direita do rio Geba, abandonadas com a guerra, e que o nosso camarada João Crisóstomo, alf mil da CCAÇ 1439,  bem calcorreou, "em perigos e guerras esforçado"...


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


A CCAÇ 1439 teve como unidade mobilizadora o BII 19 (Funchal), partiu para o CTIG em 2/8/1965 e regressou a 18/4/1967, tendo passado por Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole, Missirá, Fá Mandinga. O comandante era o cap mil inf Amândio Manuel Pires, já falecido. Alferes (milicianos): Freitas (Funchal, Madeira), Crisóstomo (Torres Vedras, hoje a viver em Nova Iorque), Sousa (Vila Nova de Famalicão), Zagalo (Lisboa, ator de teatro, já falecido).





João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)
(a viver em Nova Iorque desde 1977,
depois de ter passado por Inglaterra e Brasil)



I. Continuação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil at inf, CCAÇ 1439 (1965/67):


CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, luso-americano,
ex-alf mil, Nova Iorque) (*)


Parte XVII :  A última operação no CTIG, em 31 de março de 1967: cerco e limpeza à tabanca de Bissá onde, explorando uma notícia do BCAÇ 1888, deveriam estar elementos IN numa festa



Desde o início do ano de 1967 até ao final da comissão da CCAÇ 1439 em princípios de Abril, a história da unidade (ou o  relatório do capitão, a que tenho acesso),  enumera um grande número de operações, sem sofrermos mais baixas e sem haver também grandes resultados contra o IN. 

 Parece até que era um “jogo do gato e rato”: as NT estavam resolvidas e teimosas em encontrar o IN “para fazer contas” e o IN decidido a não se deixar apanhar. Verifica-se porém o seu crescente poder de fogo como se viu pouco antes antes no ataque a Missirá. Alguns dos seus “acampamentos” apresentam já abrigos subterrâneos bastante profundos e espaldões,  o que sugere confiança e determinação de defenderem com sucesso as suas bases em caso de ataque das nossas forças. Felizmente connosco isso nunca chegou a suceder, tendo o IN escolhido fugir sem resistência, limitando-se na maioria das vezes a fazer flagelações de longe para nos indicar que sabiam da nossa presença. 

 Essa situação iria mudaria para pior, depois de termos regressado, como se viu numa das operações levada a efeito pelas tropas que sucederam à CCAÇ 1439 em que houve avultado número de mortos, tanto das tropas regulares como das milícias de Porto Gole incluido o régulo Abna na Onça e, segundo me contaram, o abandono dum destacamento em Bissá, construido quando a CCAÇ  1439 já tinha regressado.

Tomei parte em várias destas operações aqui mencionadas e, salvo o contínuo cansaço pelo grande esforço que isso impunha a todos, uma vez que não tivemos baixas,  nada me causou suficiente trauma para me lembrar de pormenores e por isso pouco lembro já destas operações.

Mas para que conste vou mencioná-las todas, as operações mencionadas no relatório, fazendo um resumo tão sucinto quanto possa, dando destaque a alguma coisa que mereça especial atenção e que não deve ficar em completo esquecimento.

Dia 9 de Janeiro de 1967

Realizou a Operação Hipnose. Patrulha de reconhecimento e combate à região de Madina / Belel e picada para Queba Gila. As NT accionaram uma armadilha anti-pessoal que só funcionou parcialmente e o IN disparou de longe, mas furtou-se ao contacto.


Dia 5 de Fevereiro de 1967

Efectuou-se a Op Hóstia em Chubi para exploração immediata duma informação recebida. Realizado um golpe de mão,  foram capturados dois homens e uma bajuda. Esta foi entregue ao chefe da tabamca e os prisioneiros entregues no batalhão.


Dia 17 a 25 de Fevereiro de 1967

Embora sem grandes acontecimentos de destaque, dada a dimensão desta operação, copio na íntegra o que consta:

(...) " A CCaç 1439 com um efectivo de três grupos de combate participou na Op Farejar 2 sob o commando do Exmo 2º comandante do BCaç 1888, desenrolada na região de Sarauolo e Mantem,

Em 17 e 18 concentração das NF em Porto Gole.

Em 19 aproximação para a 1ª base de patrulhas, seguindo o itinerário de Porto Gole, Bessunha, Cãmanadu, picada para Naté Vale de Mansoa-Vale de Mansoa para Oeste até S de Mantem.

Em 20 patrulha de reconhecimento à região de Mantem.

Em 21 transferência de base de patrulhas para Mantem.

Em 22 reconhecimento à zona de Sarauolo.

Em 23 transferência da base de patrulhas de Mantem para a região vizinhança de Vale de Mansoa.

Em 24 emboscada na região de Mantem.

Em 25 regresso ao quartel.

Resultados obtidos  –Baixas infligidas ao IN . Confirmadas: Uma

Baixas prováveis não confirmadas; Três

Destruição de 6 acampamentos do IN abandonados.

Destruidos cerca de 12,5 toneladas de arroz,  além de vários objectos de uso normal domésticos e três canhangulos.

Verificou-se que os acampamentos IN tinham abrigos subterrâneos,bastante profundos e vários espaldões.

O IN flagelou por duas vezes as bases de patrulha. Não houve baixas na CCaç 1439.

Referência elogiosa do Ex.mo brigadeiro Comandante Militar

“ Comunico a V.Excia. que deve ser transmitida às Forças que intervieram na Op Farejar 2” o seu agrado pela determinação e entusiasmo com que executaram uma área totalmente desconhecida e aonde embora não não tivesse ( havido) contacto, se obtiveram muitos e bons resultados.” (...) 



Em 5 de Março de 1967

A CCAÇ 1439 realizou a Op Haraquiri, no Chão Balanta, que foi praticamente uma repetição da que teve lugar a 17 de Dezembro de 1966.


Em 8 de Março de 1967


Efectuou-se a Op Horizonte a qual consistiu num cerco e batida na tabanca de Colicunda,…

(...) "Resultados obtidos: foram capturados três elementos clandestinos desarmados em Colicunda que tinham cambado o Geba e que foram entregues no BCaç 1888. Foi capturada uma canoa contendo 300 kg de arroz os quais ficaram à guarda do Capitão Ebna Na Onça, também participante na operação, a fim de serem entregues à Administração.

"Referência elogiosa do Agrupamento no 1980: sobre as Op Haraquiri e a Op Horizonte pelos resultados obtidos”. (...) 



No dia 21 de Março de 1967

A  CCAÇ 1439 realizou a Op Heureca. Mais ou menos como as anteriores, IN detectou a aproximaçnão das NF, acampamento abandonado e flagelações.

Resultados: Capturadas duas granadas de mão ofensivs;  baixas infligidas ao IN em número não estimado. ão houve baixas nas NT.

Dia 31 de Março de 1967:  Ultima operação da CCAÇ 1439 na Guiné

Lembro esta operação por uma razão simples:

Eu e o meu pelotão estávamos em Missirá e pouco tempo depois foi de Missirá que o meu pelotão saiu para, juntamente com o resto da Companhia, irmos para Fá e daí para Bissau para o navio que nos levaria de regresso. Já não esperávamos mais saídas para nós.

Eu e o pessoal do meu pelotão que teve de participar nesta saida, ficámos surpreendidos pois “nas nossas contas”-- em que os pelotões em princípio “se revezavam nas saídas ao mato” “não era a nossa vez de sair”.

Por isso esta saida/surpresa não foi bem recebida por ninguém do meu pelotão. A mim pessoalmente custou-me pois me lembrava estar a chegar o dia do aniversário do meu pai. Eu, que desde o primeiro dia que cheguei à Guiné disse para mim mesmo que não valia a pena ter medos pois não dependia de nós o que nos ia suceder ou não, nesse dia senti receio de que agora nos últimos dias me sucedesse alguma coisa.

Mais confuso fiquei quando “foi sugerido” que a nossa companhia se ofereceu (o que duvido muito…) para fazer esta operação de última hora. Mas que podia fazer? Fui obrigado a “defender-me” dizendo que em tempo de guerra seguem-se as ordens sem as discutir, mesmo que não concordemos com elas; e que simplemente haveriam razões que eu desconhecia.

Copio na íntegra o que consta no resumo do capitão sobre este dia:

(...) "No dia 31 de Março de 1967 realizou a CCAÇ 1439 sua última operação denominada Hipoteca que consistiu num cerco e limpeza à tabanca de Bissá a fim de explorar uma notícia do BCAÇ 1888, que refere realizar-se uma festa em Bissá onde comparecerão provavelmente elementos IN.

Feito o cerco e limpesa não foram encontrados quaisquer elementos IN. Informações da população referiram que havia estado em Bissá nesse mesmo dia um grupo de 20 homens armados vindos da região de Mansoa, mas que os mesmos só demoraram o tempo necessário para comer.

Durante o regresso a Porto Gole através da picada de Sée e Chubi foi referenciado por um grupo de exploração que ia à frente, um grupo de dois elementos IN armados de P.M., os quais, mal se aperceberam da presença das NT, puseram-se em fuga disparando algumas rajadas de PM,

O grupo de exploração sem se importar com os disparos IN seguiu em perseguição dos mesmos tendo atingido um dos elementos.

Resultados obtidos -Baixas infligidas ao IN: Um morto confirmado

Material capturado: 1 Pistola Metralhadora Thompson nº 69565 | 1 carregador c/ 19 cartuchos PM.

Não houve baixas nas NT.

Foi distinguido nesta acção o soldado nº 6/65, Abel Fernandes Vieira de Jesus." (...)


(Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de janeiro de  2022 > Guiné 61/74 - P22940: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XVI: brutal ataque ao destacamento e tabanca de Missirá na véspera do Natal de 1966

Guiné 61/74 - P23027: Memórias do Chico no Império dos Sovietes (Cherno Baldé) - Parte IV: Chiquinho, aspirante comunista, não entendia a atração dos africanos (e dos próprios soviéticos) pelas bugigangas do Ocidente



Cherno Baldé, Kiev, Ucrânia, 1986


Memórias do Chico no Império dos Sovietes, 1985-1990
(Cherno Baldé) - Parte IV: Chiquinho, aspirante comunista, não entendia a atração dos  africanos (e  dos próprios soviéticos) pelas bugigangas do Ocidente 


por Cherno Baldé (*)


(xv)  Primavera, 1986: recuperação da boa disposição mental

Estava de novo apaixonado, o Chiquinho, desta vez, por uma mulher do Iémen do Norte (ou era do Sul?), sem hipótese de aproximação. Ela era casada e vivia com o marido num quarto isolado. Tinha tanta inveja do homem que queria matá-lo. Foi, talvez, a mulher mais bonita que os seus olhos alguma vez tinham visto.

Mas, ou era o sentido universalmente humano que o guiava ou era a tolice de um coração desorientado, pois no meio de tanta diversidade étnica e cultural, tinha que apaixonar-se logo por uma mulher árabe, com a carga de desprezo secular que estes beduínos do deserto nutrem pelos negros.

- Acorda, preto!.. - apetecia dizê-lo. 

Era mais um daqueles amores platónicos, impossíveis, destinados a colmatar o vazio do seu coração. O frio agudizava o seu sentimento de solidão. Começou, assim, a criar o hábito de deambular sozinho pelos parques da cidade na secreta esperançaa de encontrar, numa viragem qualquer, a sua europeia de cabeleira reluzente, a promessa de um destino que o empurrava para o desconhecido.

No entanto, ainda tinha muitas questões sem resposta. Por exemplo, por onde a pegaria?... Pela mão, no braço ou por cima dos seus ombros?... Seria capaz de adivinhar seus sentimentos encarando os seus olhos azul-marinhos?... O que lhe diria, e como lhe diria?... Contar a verdade ou mentir descaradamente sobre a sua vida como faziam alguns colegas para melhor seduzir?... Na sua terra natal ouvira dizer que a mulher conquista-se com a mentira e mantem-se com a verdade. E para os europeus, seria o mesmo?... Tinha muitas duvidas e uma certeza, a certeza de que a amaria muito, dentro do seu coração.

Com a chegada da primavera, o Chiquinho começou também a recuperar a boa disposição mental e fez mesmo parte de um grupo de estudantes que, vestidos de trajes multicolores, ensaiavam a dança tradicional moldava para apresentar em palco, para mostrar a integração cultural dos africanos. Não resultou tão bem assim, tecnicamente falando, mas permitiu apertar e acariciar as partes arredondadas das colegiais ainda adolescentes, recuperando assim um pouco da sua jovialidade e amor próprio.

A sua amiga, a Vika, parecia gostar dele, mas nunca dizia nada, limitava-se a olhar para ele e a sorrir. Também ele sorria, dividido entre o desejo de seduzi-la e o medo de enganá-la. Pode-se mentir a quem se ama?... O Chiquinho ainda vivia no mundo em que um homem era incapaz de transformar o mundo com o enredo das palavras dúbias, enviesadas, entorpecentes como a morfina.


(xvi) Finais de junho de 1986: o Chiquinho, aspirante comunista e de altos valores, não entendia a atração dos africanos e dos próprios soviético pelo Ocidente

Em finais de Junho de 1986, terminaram os exames e muitos estudantes foram a Moscovo tratar de vistos nas embaixadas para viajar aos países do Ocidente. Ele recebeu o convite de um irmão que era estudante em Lisboa, mas ainda não queria afastar-se muito do universo que queria integrar e também da posibilidade de aproximar-se da Vika. Todavia, a menina com os seus cabelos cor de trigo, não correspondia muito à imagem da europeia dos seus sonhos.

Adiou a visita para o ano seguinte. Entretanto a expetativa da viagem aos paises do Ocidente fazia furor entre os estudantes estrangeiros, particularmente nos congoleses que sonhavam com as luzes de Paris e não escondiam o seu entusiasmo. Lisboa era o destino preferido dos guineenses e angolanos.

O Chiquinho, aspirante comunista e de altos valores, não compreendia porque razão os estudantes eram tão atraídos pelo Ocidente, atitudes que ele considerava como subproduto da mentalidade neocolonial e servil. Para ele, era mais importante a apropriação da doutrina marxista-leninista, em especial o pilar da economia política que encerrava as premissas para a verdadeira libertação dos povos do terceiro mundo.

Mais surpreendido ficou ainda quando viu a avidez com que os próprios soviéticos consumiam os mais insignificantes produtos trazidos do Ocidente pelos estudantes em contrabando, bugigangas de um regime em decadência. 

Afinal, as férias dos estudantes escondiam outras realidades que, não sendo políticas nem filosóficas, contribuíam para minar os alicerces de base sovietica e comunista.

(Continua)
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 24 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23023: Memórias do Chico no Império  dos Sovietes (Cherno Baldé) - Parte III: Em Kichinev, Moldávia... Pôr-se em pelota, na inspeção médica perante um mulher?!... Mostrar tudo?!... Subahaanallai!...

Guiné 61/74 - P23026: Parabéns a você (2039): Gumerzindo Caetano da Silva, ex-Soldado Cond Auto Rodas da CART 3331 (Cuntima, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23019: Parabéns a você (2038): José Ferreira da Silva, ex-Fur Mil Op Especiais da CART 1689/BART 1913 (Fá, Catió, Cabedú, Gandembel e Canquelifá, 1967/69)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23025: Blogoterapia (301): E a montanha pariu um rato... (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872)


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 22 de Fevereiro de 2022:


E A MONTANHA PARIU UM RATO

Caros camaradas já recebi o tão esperado cartão.

Gostei de receber a medalha, o cartão e também já cá canta a insígnia. Não quero que me julguem um ingrato.

Que desculpem, mas não vejo para que serve na verdade, por enquanto, a menos que esteja mal informado.

Os combatentes de África, não estão todos no mesmo patamar económico e assim, há os muito necessitados e os que não precisam dos benefícios do cartão para nada a não ser, como prova de que lá estiveram e que aqueles tempos foram duros também para eles.

A titulo e exemplo falaremos dos que auferem reformas de muitos milhares e dos têm uma reforma de poucas centenas euros.

A diferença é tão grande como os que sempre andaram de autocarro, metro ou eléctrico, e os que nunca andaram nem precisam, até embirram com esses meios populares de transporte onde se pode usar o dito cartão.

A diferença é entre os que têm acesso a tratamentos de saúde privados, quando e onde querem e os que só têm direito quando têm sorte, após por vezes esperem pela sua vez, independentemente da gravidade da sua doença.

Quantos milhares de combatentes não têm reformas dignas?

Quantos precisam de ajuda na verdade, porque vivem abaixo do limiar da pobreza?

Tendo em conta a nossa idade, quantos podem recorrer a tratamentos de um fisioterapeuta? (que até me dava jeito por causa da ciática que me aflige há quase dois meses) à falta dos ditos ando carregado de anti-inflamatórios e também por cá passaram 12 injecções de Relmus e Voltaren.

Quantos podem usar dos benefícios de umas termas, que as há óptimas para quase todas as maleitas dos portugueses?

Quantos podem ir ao dentista a não ser quando é para arrancar um malvado que os não deixa dormir?

Quantos não estão nas listas de espera para realizar as tão necessárias cirurgias?
Quantos vivem sozinhos num total abandono?

Quantos vivem na rua?

Ora criaram um cartão como se todos tivessem reformas ao nível dos que não precisam dele para nada.

Podem sempre dizer que é um cartão democrático pois é igual para todos, mas nós não somos todos iguais na vida nem na morte, atendendo à qualidade do caixão que nos está destinado.
Agradeço pela luta encetada por milhares de camaradas pelo reconhecimento do nosso papel no passado, mas quanto ao presente seria de esperar que os mais necessitados tivessem apoio, que não fosse caridade, mas direito como cidadãos de pleno direito, pelos serviços prestados como povo fardado, bem com uma vida inteira de trabalho em prol desta nossa Pátria que não é justa para todos.

Desculpem o desabafo enquanto rufam novamente os tambores da guerra, mas quanto ao assunto, esperarei sentado.

Um abraço a todos camaradas
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22939: Blogoterapia (300): O tempo passa, mas as suas marcas ficam (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493)

Guiné 61/74 - P23024: In Memoriam (430): Padre Mário de Oliveira (1939-2022), ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68)


Foto da sua conta no Twitter onde se apresentava desta maneira singela: 
"Presbítero da Igreja do Porto, longe dos templos e dos altares. 
Editor e Director do Jornal Fraternizar online. 
Vivo em Macieira da Lixa, numa casinha arrendada".

1. Morreu o nosso camarada e amigo, padre Mário de Oliveira, também conhecido como o Padre Mário da Lixa  (Lourosa, Santa Maria da Feira, 8 de Março de 1937 - Penafiel, 24 de fevereiro de 2022) (*). 

Estava internado há quase um mês, no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, em Penafiel,  com traumatismo múltiplos, na sequência de grave acidente automóvel, ocorrido em 26 de janeiro último (**),  em Macieira da Lixa, Felgueiras, onde residia desde 2004, sem quaisquer funções eclesiásticas

Ia completar 85 anos. Foi, durante 4 meses (entre novembro de 1967 e março 1968), alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68). Tornou-se depois uma figura pública, antes do 25 de Abril de 1974, na sequência da sua prisão pela PIDE/DGS, por duas vezes, e de dois julgamentos no Tribunal Plenário do Porto. Mas também devido aos seus problemas com a hierarquia da Igreja Católica, e em especial do seu bispo, da diocese do Porto. 

Além de padre, foi jornalista e escritor, autor de várias dezenas de títulos, uma vasta obra de reflexão teológical, espiritual, ética, social, cultural e política.  Era um comunicador nato, e um grande utilizador das redes sociais.  Como padre e cristão, inspirava-se largamente na letra e no espírito do Concílio do Vaticano II. 

Eu, a Alice e outros dos seus amigos, membros da Tabanca Grande, ficámos chocados com a notícia da sua morte inesperada, quando tudo indicava que ele iria recuperar, agora que tinha saído, há dois dias, da unidade de cuidados intensivos, e depois de ter sido submetido, há 10 dias,  a uma segunda intervenção cirúrgica do foro ortopédico.

Durante a sua hospitalização, foi alvo de inúmeras manifestações de simpatia, carinho e afeto, a começar pelo pessoal dos cuidados intensivos do Centro Hospitalar de Tâmega e Sousa, em Penafiel, a quem estamos gratos.  Tem 17 referências no nosso blogue.


2. Da sua página pessoal, antiga (já não está há muito disponível na Net),  retirámos em tempos,  alguns apontamentos autobiográficos que nos ajudam a entender melhor o seu percurso como homem, cidadão e padre bem como a sua curta passagem pela Guiné como capelão militar.

(i) Nascido em 1937, na freguesia de Lourosa, concelho de Santa Maria da Feira, numa família da classe trabalhadora, entrou no seminário em 1950;

(ii) Em 1962, foi ordenado padre, na Sé Catedral do Porto, pelo bispo D. Florentino de Andrade e Silva, Administrador Apostólico da Diocese, que substituira o Bispo D. António Ferreira Gomes (1906-1989), exilado por ordem de Salazar em 1959...

(iii) A partir de 1963 foi professor de religião e moral em dois liceus do Porto;

(iv) Em Agosto de 1967 "foi abruptamente interrompido nesta sua missão pastoral pelo Administrador Apostólico da Diocese, por suspeita de estar a dar cobertura a actividades consideradas subversivas dos estudantes (concretamente, por favorecer o movimento associativo, coisa proibida pelo regime político de então)";

(v) Nomeado capelão militar, "sem qualquer consulta prévia, pelo mesmo Administrador Apostólico", viu-se compelido a frequentar, durante cinco semanas seguidas, um curso intensivo de formação militar, na Academia Militar, em Lisboa;

(vi) Em Novembro de 1967, desembarca na Guiné-Bissau, na qualidade de alferes capelão do Exército português, integrado no BCAÇ 1912, com sede em Mansoa;

(vii) Menos de cinco meses depois, em março 1968, é "expulso de capelão militar, por ter ousado pregar, nas Missas, o direito dos povos colonizados à autonomia e independência", e mandado regressar à sua diocese, sendo "rotulado pelo Bispo castrense de então, D. António dos Reis Rodrigues, como padre irrecuperável ";

(viii) Em Abril de 1968, foi nomeado pároco da freguesia de Paredes de Viadores (Marco de Canaveses), a terra da Alice Carneiro; foi lá que começou a escrever o seu primeiro livro, "Evangelizar os pobres"(Porto, Figueirinha, 1969, 240 pp.);

(ix) Em Junho de 1969 é exonerado da paróquia de Paredes de Viadores pelo mesmo Administrador Apostólico da Diocese do Porto, que o havia nomeado;

(x) Em Outubro de 1969 está a paroquiar a freguesia de Macieira da Lixa (Felgueiras), por nomeação do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes (1906-1989), entretanto, regressado do exílio;

(xi) Em Julho de 1970 é preso pela PIDE/DGS;

(xii) Em Março de 1971 sai da prisão política de Caxias, depois de ter sido julgado e absolvido pelo Tribunal Plenário do Porto;

(xiii) Volta a ser preso pela PIDE/DGS em Março 1973; quando sai em liberdade, em Fevereiro de 1974, é "informado, de viva voz, pelo Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que já não era mais o pároco de Macieira da Lixa";

(xiv) Em 1975 torna-se jornalista profissional, tendo passado por jornais como a "República", o "Página Um" e o "Correio do Minho";

(xv) Em Julho 1995, e a convite do jornal "Público", regressou à Guiné-Bissau, onde permaneceu durante uma semana, "com o encargo de escrever uma crónica por dia sobre o passado e o presente daquela antiga colónia portuguesa" (...). (***)

(xvi) Foi fundador e  diretor do jornal, hoje "on line", Fraternizar. A última edição, nº 174, de janeiro de 2022, pode ser aqui consultada.

(xvii) Foi também um dos fundadores e animadores do Barracão da Cultura, na terra que adotou, Macieira da Lixa, Felgueiras: "O Barracão de Cultura é um espaço multiusos que nasceu com objetivo de promover e divulgar todas as formas de expressão artística de âmbito cultural" (Vd. aqui página no Facebook);

Ver também aqui a nota de leitura sobre o seu livro "“Como eu fui expulso de capelão militar” (Edições Margem, 1995) (****).


(***) Vd.poste de 25 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12897: (De) Caras (16): Quem tramou o alf mil capelão Mário de Oliveira, do BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/69) ?... Não foi o BCAÇ 1912 que expulsou o Mário de Oliveira, a PIDE tinha escritório aberto em Mansoa (Aires Ferreira, ex-alf mil inf, minas e armadilhas, CCAÇ 1698, Mansoa, 1967/69)


(*****) Vd. poste cde 27 de junho de 2005 > Guiné 60/71 - P85: Antologia (5): Capelão Militar em Mansoa (Padre Mário da Lixa)