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quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27494: Aviões que serviram na guerra colonial na Guiné, e os do tempo da CCAÇ 816 (1965/67) (Rui Silva, ex-2.º Sarg Mil)

1. Trabalho enviado ao blogue pelo nosso camarada Rui Silva, ex-2.º Sarg Mil da CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato e Mansoa, 1965/67) que ele elaborou e publicou no facebook privado da CCAÇ 816.


AVIÕES QUE SERVIRAM NA GUERRA COLONIAL NA GUINÉ, E OS DO NOSSO TEMPO (1965-1967)

- Nota: algumas destas aeronaves estiveram na Guiné antes de nós ali chegarmos e outras estiveram posteriormente

Os 9 primeiros conhecemo-los bem e, pessoalmente, mais ainda a avioneta DORNIER DO 27, o avião DAKOTA DC-6 e os helicópteros ALOUETTE II e o ALOUETTE III, estes 2 últimos no transporte de feridos do mato para o Hospital Militar de Bissau, nomeadamente nas operações a Iracunda (23Jun/65 e 7Mai/66), Biambi (10Jul/65), na limpeza da estrada Olossato-Farim (1 Ago/65) e na célebre operação a Morés (20Fev/66) aqui mais no transporte de evacuados por insolação e do material capturado levado para o Olossato:

A última foto mostra o avião civil (não militar) o quadrimotor “Super. Constellation” da TAP, no aeroporto de Bissau, que nos trazia para férias na metrópole. A viagem demorava cerca de 8 horas de Bissau para Lisboa e era direta. O regresso fazia-se com escala na ilha do Sal em Cabo Verde.


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Bombardeiro bem nosso conhecido, muitas vezes atuaram em operações nossas com realce para a atuação na célebre emboscada na bolanha de Joboiá (estrada Olossato-Farim) naquele domingo em 1 de Agosto de 1965 onde os bombardeiros tiveram uma ação preponderante e decisiva, sem esquecer a nossa valentia.arvard.
O T-6 foi um dos mais famosos aviões monomotores de hélice, conhecido por nomes como Texan, Harvard, Yale, Wirraway, Mosquito, Boomerang e Tomcat, conforme o país que o usava.
Foi adoptado na Força Aérea de 55 países, desde avião de treino de pilotos a bombardeiro.
Criado em 1935 pela North American, começou a ser utilizado em força em 1940, sendo introduzido em Portugal em 1946.
O T-6,avião convertido em caça-bombardeiro ligeiro, equipado com metralhadoras, mísseis, bombas convencionais ou de napalm debaixo das asas ou a actuar como avião de reconhecimento.

Caraterísticas do avião:
Monomotor de propulsão a hélice
Envergadura de 12,81m
Potência: 600 CV
Veloc. máx.: 335 km/h
Voo até 7400 metros de altura
Veloc. de subida: 6,1 metros por segundo

Equipamento de combate do T6:
4 metralhadoras Browning 7,7 mm (duas em cada asa)
2 bombas de 50 kg
6 bombas de 15 kg
Contentores de napalm (alternativa)
1 mira de pontaria


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Caça-bombardeiro monomotor turbo-jato também bem nosso conhecido.
Com 8,56 metros de envergadura, atingia a velocidade máxima de 1090 km/h; tinha um raio de acção de 1850 km; com tecto de serviço de 13.260 m.
Era armado com quatro metralhadoras Browning 12,7 mm ou dois canhões DEFA de 30 mm para além de 3 câmaras fotográficas Vinten, 1 frontal e 2 laterais.
Em Março de 1966, foram embarcados oito FIAT G.91R/4 que iriam constituir a Esquadra 21 "Tigres" na Base Aérea n.º 12 em Bissalanca, ex-Guiné Portuguesa, a qual se tornou operacional em finais de Junho do mesmo ano.
Regressaram a Portugal em 1974, após mais de 14.000 horas de voo em missões de combate.
Na Guiné foram abatidos ou destruidos por acidente 7 Fiat, 6 abatidos pelo inimigo, 3 deles por mísseis Strela; 1 por acidente com bomba, tendo morrido 1 piloto num dos aviões abatidos.


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Esta avioneta foi utilizada na Guiné em missões de observação e sobretudo para transporte de mantimentos, evacuação de feridos, etc. dadas as suas capacidades de descolar e aterrar em espaços muito curtos.
No Olossato, aquando das primeiras vezes que lá fomos antes de nos instalarmos definitivamente, ainda deu para ver os destroços de um junto à messe dos Furrieis.
Aeronave monomotor de trem de aterragem convencional fixo com roda de cauda, monoplano de asas altas, totalmente revestido a tela.
Tripulação: 1 piloto.
Capacidade de carga: 2 passageiros.
160 CV de potência.
Envergadura 10,97 metros
Velocidade máxima 211 km/h
Tecto de serviço 3900 metros.
Esta avioneta viria a ser substituida pelos Dornier, ainda dentro do nosso tempo


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Muitos de nós andaram nesta avioneta e logo começou nos primeiros tempos com o transporte por evacuação de Bissorã para o Hospital Militar de Bissau, do “Maravilhas” acidentado com arma de fogo.
O DO 27 é um avião monomotor, asa alta, trem de aterragem convencional fixo, com a capacidade de transportar seis passageiros ou o equivalente em carga.

Na Guiné tinha a missão de transporte de passageiros, evacuação de feridos, militares para consultas no Hospital Militar em Bissau, reconhecimento aéreo e transporte de correio a nossa avioneta do coração.
Esta avioneta transportou muitos elementos da Companhia para Bissau para férias ou ali em trânsito para férias na Metrópole.
Era também a avioneta do correio e muito exaltávamos quando a víamos no ar no dia certo.
Esporadicamente foram utilizados em missões de apoio utilizando foguetes montados sob as asas.
Avioneta com uma envergadura de 12 metros; uma velocidade máxima de 250 km/h e um teto máximo de 5,5 km.


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Avião bimotor, operava em missões de carga e transporte de passageiros. Durante a Guerra do Ultramar nas três frentes executaram missões de reconhecimento aéreo, lançamento de paraquedistas (principalmente), transporte de feridos, busca e salvamento e até serviu de bombardeamento.
Tripulação: 4 (piloto, co-piloto, navegador e operador de rádio)
Passageiros: (paraquedistas e outros) 28
Envergadura: 29,41m
Potência: 1200 CV
Velocidade máxima: 360 km/h
Teto máximo: 8045m


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Avião dos evacuados para os Hospitais da metrópole; o avião que me trouxe como evacuado (Jan1966), e ao “Doutor" e ao Alferes Costa em outras datas.
Eram aviões quadrimotores, construídos no final da II Guerra Mundial para missões de transporte de longa distância. A Força Aérea utilizou os DC-6 nos Transportes Aéreos Militares (TAM) que ligavam a Metrópole a Bissau, Luanda e Beira. Serviram frequentes vezes para evacuar os feridos dos teatros de operações para o Hospital Militar Principal em Lisboa. Podiam transportar além de uma tripulação de 4 pessoas também cerca de 55 passageiros, a uma velocidade de 500 quilómetros por hora.
16 horas de voo com escala (45 minutos) em Las Palmas, de Bissau a Lisboa.
Avião com uma envergadura de 35,81 m
Teto máximo 7600 m


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Avião bimotor de dupla cauda e de asa alta, com 2 motores em estrela e um peso máximo de descolagem de 21 mil kg. Visualização de manobras aéreas com salto de paraquedistas.
Intrigavamo-nos quando víamos passar aquele avião com duas fuselagens. Único no género, que víssemos.
Usados em Tancos para treino de paraquedistas e, nas colónias, conjuntamente com os Douglas (Dakotas), deram suporte aéreo nas áreas de comunicação, lançamento de paraquedistas e transporte de feridos.
Com uma envergadura de 32,5m
Velocidade máxima: 405 Km/h
Tecto de serviço: 7100 m
Distância máxima de voo: 2500 Km
Capacidade de transporte: 32 passageiros ou carga até 5800 Kg
Tripulação: 5 (2 pilotos, mecânico, navegador e operador de rádio).


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O helicóptero que transportava os feridos em macas suspensas do lado de fora da aeronave. Bem nosso conhecido pois, logo de princípio víamo-los passar por cima do quartel de Brá onde estivemos nos primeiros 15 dias de Guiné, já bem baixos e a caminho do Hospital Militar mais adiante e ali perto.
Intrigávamo-nos porque eles levavam um ou duas (uma de cada lado) o que pareciam macas suspensas do lado de fora da aeronave. Deduzimos que só podia ser para servirem ao transporte de feridos (ou mortos) e assim era.
Alguns militares da CCAÇ 816 chegaram a utilizá-los pelos piores motivos (feridos), nomeadamente em consequência das operações a Iracunda (23Jun65 - 2 feridos), a Biambi (10Jul65 – a única operação que atuamos em conjunto com a CCAÇ 818 –1 ferido) e na estrada Olossato-Farim (1Ago65 -3 feridos graves +1 morto, este o Furriel Silva que não chegou a sair do Olossato onde esteve em câmara ardente). Aqueles 3 feridos transportados também para o Hospital Militar de Bissau.
Os Alouette II começaram a ser substituídos em Novembro de 65 (tínhamos meio ano de Guiné) pelos Alouette III que se mantinham em operacionalidade quando regressamos à então Metrópole.
O Alouette II foi o primeiro helicóptero do mundo, motorizado com turbina a gás a ser certificado para voo.
Diâmetro do rótor principal: 10,20m
Potência: 530 CV
Velocidade máx: 185 km/h
Tecto máximo: 2300m
Capacidade de transporte: Piloto e co-piloto, e cinco passageiros ou peso equivalente de carga; ou então duas macas e assistente.


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O Alouette III veio substituir o II por ser mais rápido, mais ampla cabine de pilotagem e com capacidade para mais pessoas no interior; os feridos eram transportados no seu interior. O Alouette III tinha também uma mais ampla capacidade de voo, mais veloz e mais teto.
É um desenvolvimento do Alouette II, tendo um tamanho maior e uma maior capacidade de carga. O Alouette III era reconhecido pelas suas capacidades de operação em grandes altitudes, sendo o ideal para o salvamento em áreas montanhosas, o que na Guiné não era o caso.
Em Novembro de 1965 ocorreu o primeiro voo de Alouette III na Guiné, sendo colocados na BA 12 - Bissalanca.
Estes helicópteros foram introduzidos em Portugal em 1963, primeiro em Angola e depois na Guiné. Portugal terá sido o primeiro país que os usou em combate, em missões diversas, desde transporte de feridos ou por evacuação, mormente por insolação, até ao apoio no combate ou até escolta.
O Alouette III evacuou 3 feridos da CCAÇ 816 e outros evacuados por desidratação e ainda na envolvência de transportes de armamento militar capturado ao inimigo na célebre operação “Castor” em 20 de Fevereiro de 1966. Aqui foram 6 helicópteros a atuar, pela celeridade da operação, e num vai-e-vem constante. Mais tarde, aquando de nova operação a Iracunda, em 7 de maio 1966, transportou 1 ferido grave, o saudoso Tiago Manso, que viria a falecer uns dias mais tarde no Hospital Militar de Bissau. (RIP Tiago).
Tripulação: piloto e co-piloto + 5 passageiros
Diâmetro do rotor horizontal: 11,02m
Velocidade máxima: 220 km/h
Potência: 870 CV
Teto máx.: 3200 m


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Avião caça-bombardeiro, com motor turbo jato, monomotor e monoplano.
Foram fornecidos aos aliados dos EUA, nomeadamente Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Noruega, Portugal, Turquia e Republica da China (Taiwan) e a países não alinhados como o Irão, Tailândia, e Jugoslávia. Portugal seria o último país a abater os seus F-84G ao serviço operacional da sua força aérea, em 1976, depois de os utilizar de forma intensa na guerra de independência das suas colónias em África, em particular em Angola, onde equipou a esquadra 93.
Este caça terá atuado fugazmente na Guiné
Velocidade máxima: 1020 km/h
Teto de serviço: 12350 m
Taxa de subida: 19,1 m/s


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Avião caça transónico, com motor turbojato, monomotor, monoplano.
Primeiros caças na Guiné como aviões de reconhecimento antes da guerra eclodir.
Quando aquela começou estes caças transformaram-se em bombardeiros e equiparam-se com seis metralhadoras Browning Colt TM3, calibre 12,7 mm, e podiam transportar vários tipos de armamento, como os foguetes de 2,75”, bombas GP de 50 e 250 kg e tanques de napalm de 350 L.
Os Sabre foram, ainda em 1963, substituídos pelos T6 Havard que nós tão bem viemos a conhecer e a tê-los em companhia em diversas operações.
Tripulação: 1 piloto
Envergadura de 11,31m
Veloc. máx.: 995 km/h
Teto de serviço: 14600 metros


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O Lockeed PV2 Harpoon era um bombardeiro médio, bimotor. Transportava bombas no compartimento central e nas asas, podendo ser instaladas até oito metralhadoras 12,7 mm na proa.
Utilizado na Guiné também como se fosse um caça-bombardeiro.
Atingia a velocidade de 450km/h


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O C-54 Skymaster é um avião movido a hélice de quatro motores, desenvolvido pela Douglas Aircraft Company. Operou durante a Segunda Guerra Mundial e no transporte aéreo em Berlim. A partir de 1945, muitas companhias aéreas civis operavam com esta aeronave em todo o mundo.
Úteis em tarefas de transporte, lançamento de paraquedistas, como avião-hospital, etc.
O C-54 Skymaster foi usado na Guerra Colonial inclusivamente na Guiné
Envergadura: 35,8 m
Potência: 1450 CV
Velocidade máxima: 442 km/h
Teto máximo: 6800 m


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O avião Douglas Invader B-26 foi um avião bimotor desenvolvido pelos Estados Unidos como uma aeronave de ataque e bombardeiro leve durante a Segunda Guerra Mundial,
O trem de aterragem era triciclo, com comando da roda de proa a partir do “cockpit”.
3 tripulantes (piloto, mecânico de voo e operador de rádio)
Equipava metralhadoras, foguetes e bombas.
Envergadura: 21,34 m
Potência (por motor): 2000 CV
Velocidade máxima: 570 km/h
Teto máximo: 6700m


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Avioneta de fabrico francês utilizada em reconhecimento, transporte ligeiro, evacuação, etc. Avioneta parecida com a Auster e a Dornier, já acima referidas e que passou fugazmente pela Guiné.
Os franceses utilizaram os Broussard na luta contra os guerrilheiros argelinos, utilizando um canhão móvel que disparava através da porta traseira, situada no lado esquerdo.


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Aeronave bimotor terrestre de trem de aterragem convencional retrátil, monoplano de asa baixa, duplo estabilizador vertical, revestimento metálico, cabina integrada na fuselagem, destinado a transporte ligeiro, patrulhamento, reconhecimento e instrução de navegação.
Envergadura: 14,5 m
Velocidade máxima: 352 km/h
Teto de serviço: 5548 m
Tripulação: piloto e co-piloto


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Em 1970, (já passados 3 anos do regresso da CCAÇ 816) a Força Aérea Portuguesa adquiriu 13 helicópteros Puma, devido à necessidade de maior capacidade de transporte durante a Guerra do Ultramar.
Com uma tripulação de 2 pilotos e podendo transportar 18/20 homens com o seu equipamento habitual (paraquedistas), um número bastante superior aos 5 passageiros possíveis com os Alouette III, o que aumentou significativamente a mobilidade do Exército Português.
Considerado um helicóptero médio com capacidade para voar com todo o tempo. Estava equipado com 2 turbinas “Turbomeca” com 1900 CV de potência, tinha um peso máximo à descolagem de 3770 kg e uma velocidade máxima de 258 km/hora, possuindo uma autonomia de 5 horas. Podia ser equipado com armamento: 1 canhão de 20 mm, 2 metralhadoras coaxiais de 7,62 mm ou mísseis.
Também possuía um guincho para recolha de pessoas a partir do chão ou do mar, radar e piloto automático que lhe permitia fazer estacionário automaticamente.


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Foram 2 destes aviões que vieram a substituir os Dakota DC-6 que desde 1961 vinham mantendo a ligação da metrópole com Angola, Guiné e Moçambique.
O Boeing 707 é um avião comercial a jato quadrimotor de porte médio e fuselagem estreita desenvolvido e produzido pela Boeing entre os anos de 1958 e 1979.
Foram os aviões quadrireactores que passaram a transportar as tropas entre a Metrópole e as 3 colónias em guerra, substituindo os navios.
No nosso tempo a pista do aeroporto de Bissau não reunia condições para estes aviões a jato nem sequer estes existiam na frota portuguesa da TAP.
Tripulação: piloto, co-piloto e engenheiro de bordo
Capacidade para 202 passageiros
Envergadura 44,42m
Velocidade (de cruzeiro) 815 km/h

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Avião monomotor de asas fixas e baixas com um piloto e até 6 passageiros.
Avioneta com caraterísticas semelhantes às “Dornier”.
Possuía uma envergadura de 10 metros e uma potencia de 300CV, com uma velocidade máxima 280 km/h e com um teto de serviço de 4950m.


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O P2V5 Neptuno, equipados com meios sofisticados electrónicos principalmente para a detecção e o combate a submarinos.
A Força Aérea fez deslocar rapidamente vários meios aéreos para os chamados territórios ultramarinos e os P2V-5 passam também a ser usados nas colónias portuguesas em missões de natureza diversa.
O P2V5 Neptuno é um avião bimotor, asa média, de trem de pouso retráctil,
Aeronave de patrulha marítima e anti-submarina, com motores radiais a pistão e motor turbojato, bimotor monoplano, para uso civil e militar
Velocidade máxima: 515 km/h
Envergadura: 30,48m
Estavam equipados com oito suportes de rockets em cada asa


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quarta-feira, 31 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17413: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXII Parte: Cap XIII - No início do ano de 1966, o Movimento Nacional Feminino (MNF) visita Cufar e premeia os "Lassas"... Mamadu baixa ao hospital



Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/67) > Início de 1966 > Dª. Cecília Supico Pinto,  presidente do MNF,  de visita a Cufar.

Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.


Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XXII Parte > Cap XIII  (pp- 77-80)

por Mário Vicente


Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...

(xviii) Op Tesoura: dezembro de 1965, tomada de assalto a tabanca de Cadique, cujas moranças são depois destruídas com granadas incendiárias.

(xix) Cecília Supico Pinto e outras senhoras do MNF visitam Cufar no início do ano de 1966 e Mamadu é internado no HM 241 (Bissau).




Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXII Parte: Cap XIII: Mamadu de férias no Hospital Militar (pp. 77-80)


Natal de 1965, Natal de Guerra em descanso. Hoje é dia de tréguas.

Passagem de Ano de 1965/1966. Novas tréguas, mas os nossos obuses flagelam Cabolol, Cobumba e Caboxanque, para desejo de bom ano. Será mais manobra de diversão do que outra coisa. Pressente-se que algo está para acontecer. Há uma semana que o P2V5 sobrevoa o Cantanhez e descarrega toneladas de bombas. É um festival pirotécnico extraordinário. O nosso avião lança balões iluminantes e as antiaéreas do PAIGC, com balas tracejantes ajudam a abrilhantar a festa. Em Cufar o pessoal assiste aos rebentamentos que, apesar da distância, estremecem os abrigos. Deve ser cada ameixa! Vamos ver os efeitos? E fomos mesmo!... Mal pensávamos nós que aquilo sobrava para os Lassas e muitos outros.

A três de Janeiro do ano da graça de Deus de 1966, é lançada uma ofensiva sobre o Cantanhez. Dois destacamentos de fuzileiros, uma companhia de pára-quedistas e quatro compa­nhias do exército. A CCAÇ, como não podia deixar de ser, lá estava incluída no rol da [op] Safari. Objectivo: dar combate ao inimigo na região de Darsalame e Cafal onde se encontra a base principal do PAIGC, na zona Sul.

Frente a Darsalame, a CCAÇ desembarca debaixo de fogo. Os grupos de combate progridem pela bolanha contornando a mata na tentativa da sua abordagem pelo lado Norte. Entretanto o fogo IN é intensíssimo. Enterrados na lama da bolanha, junto ao tarrafo, vamos progredindo aos poucos, mas com a forte resistência que é feita com armas ligeiras apoiadas por metralha­doras pesadas, morteiros 82 e RPGs. 


A CCAÇ fica detida a Norte na bolanha, entre a mata e o tarrafo. Não se vê possibilidades nenhumas de progressão e começa a haver problemas com o sol escaldante de meio do dia. Falta a água. Aparecem os primeiros casos de desmaio derivados a insolação. Estamos bloqueados e os helicópteros não conseguem chegar junto de nós para evacua­ções e reabastecimento de água. Caímos numa ratoeira. Com a ajuda dos T6, há dois pilotos aventureiros dos helis que arris­cam. Deixam-nos uns bidões de água e levam alguns soldados, já com sintomas de desidratação. 

Mamadu sente fortes picadas no baixo ventre. Não era a primeira vez que sentia aquilo, quando tinha de andar enterrado na lama, mas nunca ligara. Manda Cigarra tomar conta da secção e informa Almeida de que vai ao furriel enfermeiro para este lhe injectar qualquer coisa. Arrasta-se até ao posto de comando, agora já com grandes dores. Juvelino manda Mamadu baixar as calças e cuecas e, rapida­mente, verifica que o furriel tinha dois papos, como ovos de galinha, junto às virilhas. Sem dizer nada ao companheiro, pela rádio transmite com Paolo, do Comando:
-O Furriel Mamadu tem de ser evacuado pois tem duas hérnias inguinais que, ao mínimo esforço, podem obstruir ou mesmo estrangular!

Mamadu ouve a conversa, e objecta:
-Evacuado eu? Estás maluco! É pá vai levar no olho, e mete lá também a merda das tuas injecções pois eu passo bem sem elas. Eu não vou deixar a minha secção aqui sem mim. Diz ao Paolo, a Carlos, a quem tu quiseres, que eu não saio daqui! 
Juvelino manda o Casal Ventoso preparar uma injecção, para adormecer as dores de Mamadu, e transmite com Paolo:
-O Mamadu está maluco, picou-lhe a mosca, não quer sair daqui, é melhor suspender a evacuação.

Virando-se para o colega furriel, o enfermeiro diz-lhe na sua linguagem vernácula de madeirense:
-És maluco? Então vai-te foder! Se essa merda es­trangula, vais mais depressa para a tua terra. Mas deixa lá, dão­-te uma cruz de guerra. Só tenho pena é da viúva ficar sem consolo durante a noite. Se eu lá estivesse, consolava-a.
-Vai mas é tu levar no cu, tarado de merda!
-Tarado, eu? É tão bom Mamadu! Se calhar não gos­tas?!... Não me digas que a Miriam é só para te lavar os tomates?!

Era mesmo tarado, o Juvelino. Enquanto se passava este diálogo, o Casal Ventoso tinha preparado a injecção. Juvelino, com ar mais gozão agora, volta à carga provocando o colega:
-Bem, agora prepara lá o traseiro porque, pelo menos, vais levar uma pica na bundinha pois temos que aliviar as dores.
-Está bem, mas não me chateies mais os cornos!

E aí temos Mamadu, de cu para o ar deitado na lama da bola­nha. Mal tinha acabado de ser injectado e já uma nuvem de água e lama se abatia sobre os três militares. Uma granada de mortei­ro tinha rebentado a quinze metros. Sorte do caraças. Um pouco mais ao lado, e Mamadu tinha sido apanhado, mesmo com as calças na mão.


O furriel arrastou-se novamente para junto dos seus soldados. A morfina começou a fazer o seu efeito e as dores aliviaram mais. Ao anoitecer, a CCAÇ retirou para o cais de Darsalame onde devia pernoitar. Derivado ao estado de saúde e de esgotamento físico, foram evacuados de lancha para Catió vários militares, entre eles o furriel Ma­madu.

Em Catió, o furriel foi visto pelo médico do batalhão, que mandou dar-lhe mais uma injecção e,  no dia seguinte de manhã, Mamadu partia de avioneta para o Hospital Militar de Bissau. 

No hospital, o cirurgião observa, manda tirar análises com urgência e marca a operação para o dia seguinte de manhã. Mamadu entra em preparativos. Na manhã seguinte, após tomar um calmante, vai para a sala de operações. Sentado na marquesa, para anestesia, é-lhe dada uma injecção epidural. Esticado na marquesa aos poucos vai deixando de sentir as pernas. O cirurgião, com uma pinça, dá-lhe um beliscão na barriga, e Mamadu grita. A anestesia ainda não fizera o efeito total. Mais uns minutos, um novo beliscão e agora o furriel já não reage. Pelo espelho do suporte da lâmpada que ilumina o seu corpo, Mamadu vê o médico fazer uma incisão e aparece um veio de sangue. Pede água, pois sente sede, mas só ouve muito ao longe alguém dizer:
-Se te dou água começas para aí a vomi­tar.

Adormeceu. Os Lassas, soube-o depois, reembarcaram no dia seguinte, sem problemas de maior.

Como reconhecimento do seu trabalho, os Lassas recebem dias depois a visita da Sra. Presidente do Movimento Nacional Feminino,  Dª. Cecília Supico Pinto, acompanhada da Presidente da delegação de Bissau daquele movimento. Deixaram uma máquina de projectar filmes de 8 mm, uma viola e mais uns pacotes de cigarros. Soube também que o seu companheiro de luta contra o mosquito, o tenente Obstetra, tinha regressado ao seu Batalhão em Tite. O Comandante e 2º. Comandante do BCAÇ 619, teriam ido a Cufar fazer as despedidas, pois tinham terminado a sua comissão, a substituição seria feita pelo BCAÇ 1858.

No Hospital Militar, ao princípio da tarde Mamadu acordou. O primeiro movimento foi levar a mão direita aos testículos. Estavam lá. Não queria ficar eunuco. Aos poucos, ainda sem dores, foi tomando noção onde estava. O pessoal de enfermagem, um colega furriel de cor e etnia Papel e o cabo Porto, tripeiro de gema, eram porreiros. Como companheiros de enfermaria tinha o furriel Mário com uma ferida na coxa, feita por um estilhaço, e que não havia maneira de sarar deitando litros de pus sangui­nolento; na outra ponta, o sargento Carvalhais, de cu pró ar, aguentando uma perfuração na rechonchuda nádega, causada por um tiro numa emboscada em Gandembel.

Ao segundo dia já havia confraternização, e fala-se da merda da guerra.. Eu estou aqui, eu acolá ele lá. Ao terceiro dia Mamadu e Carvalhais foram levantados e começaram a poder movimen­tar-se. Nesse dia, ao fazer o tratamento, o cabo Porto informa o furriel Mário que, se aquilo continuar assim, o médico vai operá-lo. Porto,  experiente,  diz que tem de haver qualquer coisa dentro da perna para esta não sarar. A operação era uma porra. Cortar o músculo, é sempre um risco e não se sabe no que vai dar. Num repente o cabo vira-se para o furriel e diz-lhe:
-Oh Márinho, aguentas os cavais, carago? Tentamos? É capaz de valer a pena!

Mário a medo responde:

-Bem... vamos lá, mas... devagarinho!

O Porto vira a perna furada para o lado, começa a apalpar com suavidade e toma uma resolução:
-Enrola o lençol, e põe-o na boca! Se doer grita à vontade!

Deve ser horrível. O cabo carrega uma, duas, três vezes na perna do desgraçado Mário que dava urros como um urso e uivava como um lobo. O esforçado Porto sua em bica e do buraco, só sai pus e sangue. Mais um espremão, e da ferida sai uma coisa negra parecendo sangue pisado. Com uma pinça, agora com uma delicadeza extrema, o cabo pega nessa coisa negra. Mário chora de dores como criança e o Porto ri como desmiolado, olhando para o negro ferrado pela pinça. Nada menos nada mais que um pedaço de camuflado. O estilhaço tinha perfurado a perna, e ti­nha deixado dentro o pedaço da farda, razão da infecção e daquele sofrimento todo. 

Nessa tarde, ainda mal acordados da sesta, ouviram um heli descer à frente do Hospital. Coxos e torcidos correram para a varanda. Não se viram macas nem feridos. Apenas um caixote do bacalhau, tapado com um pano camuflado. Passados uns minutos já todo o hospital sabia que no caixote vinham três corpos. Como seria feita a divisão, pelos caixotes de madeira, que os levariam para a sua terra, pensou Mamadu? Ficou mais sossegado, por saber que não era nada dos lados de Cufar, mas voltou a pensar nos Antónios e Mães de Salzedas, na resolução da dicotomia da guerra, vida e morte! 

Os companheiros de enfermaria retiraram-se e Mamadu apenas ficou com a companhia do também internado colega na enfermaria contígua, natural de Cabo Verde. E continuou a conversa. A determinada altura, Mamadu entrou em parafuso ao ouvir o seu colega sair-se com esta:
-O meu chefe e o teu estão errados!

Seria provocação? Ou seria tentação? Como já havia uma certa confiança entre os dois, ele também tinha tirado o CSM em Tavira e com família em Lisboa, Mamadu avançou:
-Talvez não queira entender o que disseste, meu amigo! Mas dou-te uma resposta provocatória. Já reparastes, que vós tendes atitudes mais racistas que nós, brancos?

Seguiu-se um silêncio de eternidade, até que Mamadu ouviu as seguintes palavras:
-Analisando em concreto, és capaz de ter razão.

A conversa acabou e cada um regressou à sua enfermaria.

Na tarde seguinte, apareceram umas senhoras simpáticas do MNF, a quem Mamadu informou gostar bastante de ler, e pe­diu se lhe arranjavam “A Besta Humana”,  do Émile Zola. Muitas desculpas mas não conheciam a obra, no entanto iam tratar do assunto. Até hoje não teria sido lido, se o próprio não o tivesse comprado.

Neste tempo todo desleixou um pouco a correspondên­cia. Fragilizado, como pedinte, apenas mandou um bate estradas (aerograma) a Tânia, muito simples e cauteloso, a solicitar se queria ser sua madrinha de guerra. Era uma forma hábil de contornar e chegar lá. Sem problemas, podia morrer mouro porque ao S.P.M. 2628 nada chegou, vindo de Terras do Lado do Norte. Madrinha não haveria. 

Arrependeu-se depois, no momento estava sem informação e não sabia a situação existente. Poderia ter levantado problemas. E começou a pensar seria­mente no assunto, embora fosse um problema psicologicamente sério. Maria de Deus talvez não deixasse de ter razão. Deveria seguir os seus conselhos. “Se Tânia gostasse de ti já tinha dado um sinal.” Talvez fosse verdade! Mas gostava dela, o que é que havia de fazer?!...

Pontos tirados e alta, menino Mamadu, pois, há mais clientes e toca a recuperar depressa, pois aqui não fazes falta nenhuma. Em Cufar é que falta gente.

Neste tempo de recuperação, ainda deu para estar com João Uva. O João continuava também imparável, com o espírito dos Locos. Tinha dado ao slide da sua CCAÇ e militava agora nos de Brá. Três vezes o ferro lhe queimou a carne. Se não fora o Santo Mártir, padroeiro da terra de seus pais, ter zelado por ele, tinha-se ficado no Cantanhez nos caminhos de Cabedu para o Cafal.

Em Santa Luzia, já em recuperação, teve um encontro que não calculava. Enquanto esperava pelo carro para o HM para mudar o penso, viu aproximar-se um tenente e dois alferes. Olhou! E não teve tempo de dizer algo, o tenente dirigiu-se para ele e abraçando-o, perguntou-lhe:
-Eh pá, o que estás aqui a fazer!
-Olá Jorge, eu já sabia que vinhas aqui parar, as tuas tias falaram com a minha mãe, não esperava era encontrar-te.

O furriel contou a sua história ao tenente, e este informou que a Companhia dele ia para Bissorã. Ainda deu para falar das aventuras conjuntas na aldeia da Planície.
-Se necessitares de algo. já sabes CART 1525.

Seguiu-se um forte abraço de despedida.

Encontrar um amigo e companheiro de infância, em terras da Guiné, é grande motivo de alegria!

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 e maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17325: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXI Parte: Cap XII - Op Tesoura, Cadique, dezembro de 1965: "Meu furriel, eu sou um criminoso, um assassino! Numa das casas, quando lancei a granada, estava um bebé a chorar lá dentro!" (1º cabo Cigarra)