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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15702: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (16): Três referências a ações do PAIGC contra as NT em Nhala



Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07200.170.055
Título: Comunicado - Kundara
Assunto: Comunicado de Marga (Nino Vieira) sobre a emboscada do PAIGC em Nhala.
Data: Sábado, 29 de Março de 1969
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Diversos. Guias de Marcha. Relatórios. Cartas dactilografadas e manuscritas. 1960-1971.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Arquivo Amílcar Cabral > 05.Organização Militar > Comunicações > Mensagens


[Base de] Kundara

MG – [No] Dia 23, [o] inimigo, saindo [de] Nhala pelo  [para o] mato às oito horas [da] manhã para continuar [a] construção [da] estrada Buba - Mampatá, caíram [caiu] numa emboscada [do nosso exército. Stop. [O] Inimigo sofreu muita[s]  baixa [s] no decurso [do] combate [que] durou 20 minutos. Stop.  Dois helicópteros baixaram duas vezes cada, para evacuar feridos [e] mortos. Dirigiu [a] emboscada Gaue Na Ndani, Pana Djata e Belrutcan Batcha. Spot. Marga ['Nino' Vieira]

29/3/69

Pasta: 07200.170.078
Título: Comunicado - Sector Buba
Assunto: Comunicado de Iafai Camará dando conta  do bombardeamento do quartel de Nhala, no Sector de Buba.
Data: Terça, 28 de Janeiro de 1969
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Diversos.  Guias de Marcha. Relatórios. Cartas dactilografadas e manuscritas.  1960-1971.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Arquivo Amílcar Cabral > 05.Organização Militar > Comunicações > Mensagens


Setor [de] Buba:  dia 20 [de janeiro de 1969] foi bombardeado quartel [de] Nhala sob [o]  comando [de] Bsau Chamingasa,  Na Daiba [e] Poma Ndafa. Destruímos abrigos e [ficaram] queimadas algumas casas. [A] ação teve lugar às três da tarde. Stop. Iafai Camará.

28/1/1969

Pasta: 07200.170.037
Título: Comunicado - Kandjafara
Assunto: Comunica que uma coluna militar portuguesa caiu num campo de minas na estrada de Nhala-Quebo. Assina Gazela [Agostinho Cabral de Almada].
Data: Quarta, 21 de Julho de 1971
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Diversos. Guias de Marcha. Relatórios. Cartas dactilografadas e manuscritas. 1960-1971.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Arquivo Amílcar Cabral > 05.Organização Militar > Comunicações > Mensagens


MG – Dia vinte seis um comboio inimigo caiu [num] campo [de] minas 
[na] estrada  Nhala-Quebo, dois camiões [com] ocupantes [foram] completamente destruídos. Stop. Trabalho feito [pelos] sapadores dirigidos [por] Siu [?]  Naiabuia [?], apoiado [pela] infantaria [sob] comando [de] Nhacube Na Inola [?] . Stop. Gazela [Agostinho Cabral de Almada]. 31/7/71.

Transcrição e fixação de texto: LG. [Repare-se como o autor deste último documento - o conhecido comandante Gazela (nome de guerra de Agostinho Cabral de Almada, já falecido) - tem dúvidas sobre o nome do chefe dos sapadadores...].

Direitos: A publicação, total ou parcial, destes documentos exige prévia autorização da entidade detentora, a Fundação Mário Soares.


Nota do editor:

Reprodução feita aqui com a devida vénia, e para fins exclusivos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  A divulgação destes documentos não implica a validação da sua informação ou a sua aceitação, mas tão apenas o reconhecimento do seu eventual interesse documental para os nossos leitores (e para a historiografia da presença portuguesa em África).

Compulsados os elementos de que dispomos, para as datas em questão (20/1/1969, 23/3/1969 e 26/7/1971),   só encontramos um morto, das NT, em combate, em 20/1/1969: trata-se do sold at Alberto Gonçalves Pinto, natural de Semelhe, Braga, que pertencia à CART 1744, 20/7/1967 - 25/5/1969... Mas esta companhia esteve no norte, na região do Cacheu, em São Domingos, não no sul, em Nhala, ao que apurámos... (LG)

________________

Nota do editor:

Último poste da série > 2 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15434: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (15): A Rádio Libertação e a inconfundível voz da "Maria Turra", a locutora, angolana, de origem caboverdiana, Amélia Araújo, hoje com 81 anos e a viver em Cabo Verde

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14695: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte I): Op Jigajoga, 24 de junho de 1967, o meu dia de São João


Guiné > Zona leste >  Carta de Bambadinca (1955) > 1/50 mil > Posição relativa de Sinchã Jobel, no regulado de Massomine. Bambadinca ficava a sul, e Bafatá a leste.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)


I. Por sugestão do nosso grã-tabanqueiro nº 2 (em termos de antiguidade), Sousa de Castro,  e por empenho do nosso coeditor Carlos Vinhal, resolvemos republicar alguns postes do A. Marques Lopes, e nomeadamente sobre Sinchã Jobel, uma base ("barraca") do PAIGC, em pleno coração da Guiné, na zona leste, no regulado de Mansomine, a norte de Geba. São os postes nº 35, 36, 39, 40 e 45... Mais tarde, o A. Marques Lopes escreveu um outro, o nº 763, na sequência de uma das suas viagens de "viagem de saudade". Fizemos a revisão de texto (e atualizámos o texto de acordo com a ortografia em vigor). (*)

Como muito bem lembra o Sousa de Castro, "são postes publicados há 10 anos, numa altura em que o número de tabanqueiros era diminuto, o blogue [, I Série,] era visto por poucas pessoas", pelo que, em sua opinião, "deveriam voltar a ser reeditados, não só estes como muitos outros".

Pois aqui vai a nossa resposta ao repto do Sousa de Castro, Recorde-se, entretanto,  que o A. Marques Lopes, coronel inf, DFA, na situção de reforma, foi alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967/1968)  e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), era membro, em 2005,  da direção da delegação do norte da Associação 25 de Abril (A25A), e é em termos históricos, o nosso quarto grã-tabanqueiro mais antigo, depois de mim, do Sousa de Castro e do Humberto Reis.

Por outro lado, ele acaba de lançar o seu primeiro livro de memórias "Cabra-cega: do seminário à guerra colonial" (Lisboa, Chiado Editora, 2015),  (**) E as estórias/histórias de Sinchã Jobel não podiam deixar de lá entrar... (LG)



Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > Dois homens que combateram, um contra o outro, em 1967/68: nosso camarada A. Marques Lopes e o comandante do PAIGC Lúcio Soares. (***)

Foto: © Xico Allen (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


II. Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte I)


1. Na primeira metade de 1967, o PAIGC montou uma base de guerrilha em Sinchã Jobel (*). Sem querer, fui eu que dei com ela. O responsável militar dessa base era o comandante Lúcio Soares, que foi, depois da independência, ministro da Defesa. O responsável político era Cabral de Almada, conhecido como comandante Gazela, que foi depois vice-presidente da Assembleia Nacional Popular.
Quando estive na Guiné-Bissau, em 1998, pouco antes do golpe de Ansumane Mané, tive uma conversa muito interessante com o comandante Gazela: lembrámos muita coisa sobre Sinchã Jobel, falámos dos problemas do povo guineense, concordámos que era melhor não termos andado aos tiros uns aos outros (pediu-me desculpa por me ter mandado para o hospital, “mas teve de ser assim”...)... e demos um abraço de despedida.

O objetivo do que mando hoje é lembrar tudo aquilo que nenhum de nós pode esquecer. Para mim também pode ser a, tão vilipendiada, por alguns, catarse de mágoas e fantasmas, não tenho problemas em ter consciência daquilo que fui e daquilo que sou.

2. Operação Jigajoga. 24 de Junho de 1967:

"Situação particular:

"O IN tem-se revelado em operações realizadas no regulado de Mansomine, ataques a tabancas, a aquartelamentos e outras flagelações. Deve existir algum acampamento que lhe sirva de base para a execução de ações sobre as NT e populações que nos são fieis.

"Missão:

"Assegura a ocupação do Setor, tendo em atenção os regulados da faixa oeste e as linhas de infiltração que conduzam ao interior. Deteta, vigia ou captura elementos ou grupos suspeitos de subversão que se hajam infiltrado ou constituído no setor, impedindo que a subversão alastre. Captura ou aniquila os rebeldes que se venham a revelar, destruindo as suas instalações ou meios de vida e restabelece a autoridade e a ordem nas regiões afetadas.

"Força executante:

- 1 Gr Comb da CART 1690 reforçada 1 PEL MIL/CMIL 3 [Dest A]
- 1 PEL do EREC 1578  [Dest B]

"Desenrolar da acção:

"O PEL REC/ EREC 1578 saiu de Bafatá pelas 05h00, tendo-se-lhe reunido em Sare Geba o Gr Comb da CART 1690 e em Sare Gana o PEL MIL. Entretanto o Dest da CMIL 3 em Sare Madina efetuava a picagem do itinerário Sare Madina-Ponte Rio Gambiel.

"Em Sucuta (Madina Fali) o Dest A iniciou a progressão apeada em direção a Sinhã Jobel e o Dest B o patrulhamento do itinerário Cheuel-Ponte Rio Gambiel. Depois de atravessar a bolanha de Sucuta, o Dest A detectou pegadas bastantes recentes, deduzindo que se tratasse de una sentinela IN. Junto a Sinchã Jobel as NT foram emboscadas por um grupo IN numeroso, com mort. 82, LGF, MP e Armas Aut., tendo sofrido um ferido grave e 5 feridos ligeiros. Da reação das NT o IN sofreu 3 mortos confirmados e 3 prováveis.

"Em consequência do pequeno efetivo das NT, da manobra efetuada com pequenos grupos, do grande potencial de fogo IN e da mata bastante densa desapareceu o cmdt do Dest A,  Alferes Lopes, que havia saído de um grupo de manobra para ir a outro trazer um LGF. 

"Como o grupo já não se encontrasse no local previsto pelo Cmdt do Dest A, este viu-se sozinho e a ser alvejado pelo fogo IN pelo que se internou na mata. Pelo que em cada grupo se pensava que o cmdt estava no outro, não foi dado grande importância ao facto. Só depois de reunidos todos os grupos se verificou a falta do cmdt. O furriel, agora cmdt do grupo de combate, resolveu - porque sendo o seu efetivo reduzido, para o potencial de fogo IN, porque tendo 6 feridos, um dos quais grave e tendo ainda o LGF avariado - regressar a Sucuta para pedir reforços. 

"Em Sucuta, onde já se encontrava o Dest B ao corrente do sucedido por via rádio, foi resolvido pedir reforços ao comando do BCAÇ 1877.

"Comunicado ao comando do BCAÇ 1877, saiu imediatamente um Gr Comb / CCS constituído pelo PEL REC Inf e pelo PEL Sap. que juntamente com forças da CART 1690 efetuou uma batida na área de Sinchã Jobel até cerca das 21h30, sem resultado e sem contacto com o IN. 

As forças empenhadas na batida e o PEL EREC 1578, que estava a fazer a segurança às viaturas e o patrulhamento do itinerário Cheuel-Ponte Rio Gambiel regressaram a Geba e Bafatá cerca das 23h30.

"Pelas 09h30 do dia 25 de junho de 1967  saiu o Gr Comb CCS/BCAÇ 1877 que, juntamente com as forças da CART 1690, iriam novamente bater a zona de Sinchã Jobel. Ao chegar a Sare Geba foi-lhes comunicado que o alferes Lopes já tinha aparecido, tendo o Gr Comb CCS regressado a Bafatá.

"Resultados obtidos:

-A deteção de um grupo IN numeroso e bem armado na região;
-A morte confirmada de 3 elementos IN mortos e alguns feridos prováveis.»

3. Foi o meu dia de S. João,  em 1967. O alferes Lopes referido era eu. Fui o principal interveniente, mas não fui eu que fiz o relatório (foi feito antes de eu aparecer e enviado para Bissau logo que apareci, e eu fui dado como desaparecido em combate antes de aparecer).

O que sucedeu é que eu tive uma certa sensação de perigo (o subconsciente a funcionar?...) e deixei duas secções na clareira de Sinchã Jobel (onde havia essa aldeia, mas que estava destruída já) e avancei eu e um furriel com outra para atravessar a clareira. 

Talvez um dia, quando eu acabar de escrever a minha estória, se saiba tudo o que aconteceu. Não vale a pena referir todas as inverdades nele contidas - há gente ainda viva e culpas no cartório. Só uma: eu que estive lá e que passei lá toda a noite (e sobre isso escrevi o tecto "Na bolanha dá para pensar"...). Eu sei muito bem que não morreram nem ficaram feridos quaisquer elementos do IN!

E uma outra coisa: como podem ver pelo início do relatório ("Situação particular"), os burocratas já suspeitavam que podia haver ali uma base de guerrilha. MAS NÃO ME DISSERAM NADA! Eu e trinta mecos fomos carne para canhão!! Por alguma razão deram à operação o nome de Jigajoga: em qualquer dicionário de português, quer dizer jogo da cabra-cega, ou, em sentido figurado, ludíbrio, engano, coisa pouco firme... Foi assim que nos trataram.

Vou contando, depois, mais estórias de Sinchã Jobel.

_________________

Notas do editor:

(*) Vd, poste de 30 de maio de 2005 > Guiné 63/74 - P35: Uma estória de Sinchã Jobel ou a noite em que o Alferes Lopes dormiu na bolanha (1967)

(**) Vd. poste de 26 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14662: Agenda cultural (403): Lançamento do livro de memórias "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", Biblioteca Florbela Espanca, Matosinhos, 3 de junho, 15h30: convite do nosso camarada A. Marques Lopes, cor inf DFA, reformado

(***) Vd. poste de 16 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - P761: Do Porto a Bissau (16): Encontro com o IN (A. Marques Lopes)

(..) Desta vez, este encontro não meteu tiros, como sucedeu naquele dia 24 de Junho de 1967, durante a operação Jigajoga (...). Ao invés, tivemos que nos haver, em conjunto, com os belos pratos do restaurante Colete Encarnado, em Bissau, e isto sucedeu na noite do dia 21 de Abril de 2006, já eu e o Allen estávamos sozinhos (os restantes tinham regressado a Portugal no avião da tarde).

Através do nosso grande amigo Pepito, consegui o telefone do comandante Lúcio Soares, convidei-o para jantar e ele acedeu prontamente a estar comigo e com o Allen. Não tenham dúvidas que foi um encontro emocionante para mim, estar com o chefe guerrilheiro que montou a emboscada que me fez ficar uma noite na bolanha de Sinchã Jobel (...) e que, mais tarde, me mandou nove meses para o hospital (...).

Falámos sobre isso, e mostrou ser um homem calmo e comedido. Ele tem agora 64 anos e chegámos, pois, à conclusão que andámos aos tiros um ao outro, eu com 23 anos e ele com 25, eu mandado para lá sem quaisquer objectivos pessoais, a não ser sobreviver durante a missão que me foi imposta, e ele, como me disse, com o objectivo muito assumido de lutar pela independência da sua terra.

Concordámos que foi pena as coisas se terem passado como passaram, que era melhor ter encontrado outra forma menos dolorosa de resolver o conflito imposto.(...)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, com data de ontem, 25 de Novembro de 2008:

Amigão,

Aí vai estória! (*)

Embora seja preguiçoso,  não terei qualquer problema em escrever cinquenta ou mais.

A História da minha vida está recheada de estórias e as da Guiné constituem um Capítulo. Tenho sido sempre um contador de estórias e que o digam os alunos e principalmente as alunas. Estórias do Tribunal, estórias dos Clientes, estórias do Ensino, estórias da Guiné..!... 


Estórias... Aliás, a maior parte das que mandei para o Blogue, já as havia contado. Agora só as passo a escrito.

Lembro-me que, em 1995, o meu filho me obrigou a concorrer ao Concurso "Quem conta um conto..." da RTP 2, que ganhei e que para a prova de selecção enviei a triste estória de um regressado da Guiné.

Escrever para o Blogue implica porém um redobrado cuidado para não ferir susceptibilidades nem motivar estéreis polémicas... Muitos dos intervenientes das estórias que conto oralmente já morreram, alguns foram fuzilados e outros surgem aí, agora retratados como modelos de competência, sabedoria, bondade, integridade...


Por exemplo, o nosso Major Eléctrico, hoje um simpático velhinho... Se fosse possível perguntar aos meus soldados africanos a causa do acidente que sofreu, todos responderiam que foi um valente feitiço deitado pelo Nanque, após uma visita a Fá, na qual tratou muito mal o Alfero...

Claro que podia escrever sobre essa visita e a consequente sessão de "mau olhado", concorrida e muito aplaudida...

Mas valerá a pena? Até onde será permitido levar o meu corrosivo sentido de humor, sem ofender a memória dos mortos e a consideração dos vivos?

Desculpa o desabafo!

Como sempre um Grande, Grande Abraço, extensivo aos Amigos Co-Editores, Briote e Vinhal.

Jorge Cabral





Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > As voltinhas do Geba Estreito... tinham alguma analogia com o sono do Alfero...

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.


2. Estórias cabralianas (42) > As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa

Texto e foto (de cima): © Jorge Cabral (2008). Todos os direitos reservados.


Eram calmas as noites do Alfero? Deviam ser, pois assim que pôs os pés em Missirá, cessou imediatamente a actividade operacional dos seus vizinhos de Madina. Chegou-se a pensar que o Comandante Corca Só (**) entrara em greve, mas no Batalhão [, BART 2917,] acreditava-se num oculto mérito do Cabral. Aliás, estando ainda em Fá e esperando-se um ataque a Finete, o Magalhães Filipe [, ten cor, cmdt do BART 2917,] para aí o mandou, sozinho, reforçar o Pelotão de Milícias. Lá passou oito dias, dormindo na varanda do Bacari Soncó, que o alimentou a ovos cozidos...

Perante tal reforço, os Turras não se atreveram... Eram Amigos do Cabral ou temiam-no?

Em Bambadinca, as opiniões dividiam-se, correndo de boca em boca diversos episódios. Que perseguira os Turras pela Bolanha gritando "Não tenham medo, sou o Cabral”. Que lhes ofereceu arroz em troca de um porco. Que estivera com eles bebendo num Choro Balanta, em Mero...

Mentiras? Sei lá! Não faço História. Conto estórias...

Mas sendo Missirá agora um oásis de Paz, porque é que o Alfero dormia mal as noites e era obrigado a recuperar de dia, com prolongadas sestas? De uma dessas noites lembra-se bem o narrador,  até pelo inusitado desfecho...

O jantar fora pé de porco com esparguete, pois estavam reduzidos às conservas e, devido à avaria simultânea do Unimog e do Sintex, faltava quase tudo, até batatas.

O Alfero enjoara e só comia Pão. Pão com whisky, claro... A carência absoluta não tinha tirado a alegria e o serão decorrera animado. Só muito tarde recolheu ao abrigo – condomínio, onde morava, mais três famílias, com mulheres e crianças. Entrou, meteu-se debaixo do mosquiteiro e preparava-se para iniciar o sonho que programara – Santo António em Alfama.(Acreditem ou não o Alfero aprendera a programar os sonhos).

Porém ainda não passara a Sé e a noite prometia, batem à porta. É o Guilherme com uma Mensagem. Decifra? Não decifra? Mais de noventa por cento não interessavam nada... Resolve decifrar... "Info não sei quantos blá, blá, blá, Comandante Gazela... a norte rio, etc., etc.” Querem que eu saia?

Então, e o meu sonho? Não, não me mandam sair! Bissau informa o Agrupamento, este, o Batalhão que informa o Alfero, que se informa a si próprio...

Volta ao sonho, são quase duas horas e já cheira a sardinhas, mais uma vez alguém à porta. O Milícia Cherno vem pedir, calculem, um livro da terceira classe.

A esta hora? Lá o despacha e regressa a Alfama. Emborca o primeiro copo e, zás, ao fundo do abrigo começa a algazarra.
– Alfero! Alfero! - É a Binta que grita.

O soldado Daíro, seu marido, está a bater-lhe! E lá vai o Alfero:
– Não podias guardar para amanhã?

Acalmados os ânimos, pensa o Alfero poder saborear ao menos uma sardinha e continuar o sonho. Mas não, pouco tempo depois, assoma o Demba. Quer patacão. De Tombali chegou o seu Paizinho.

Desiste de sonhar! O sol está a nascer. O galo que aqui reside já cantou! E mais uma vez, batem à porta. Quem é?
–  Sou eu, ó meu Alferes – responde o cozinheiro.– É para saber o que faço para o almoço.
–  Faz piças fritas! Piças fritas, ouviste! E olha que as quero bem tostadas!

Atarantado, desapareceu num ápice o cozinheiro...

Descansem as almas mais sensíveis... O almoço foi... pé de porco, mas com arroz.

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Estórias cabralianas > 13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

"De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho.

"A noite de véspera do meu regresso foi lá passada. Que melhor despedida podia eu, então, ter programado?"(...).



(**) Vd. poste de 22 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2294: De Madina para Missirá... com amor: a mina da despedida (Luís Graça / Humberto Reis / Beja Santos)


(...) "Na véspera de sair do destacamento de Missirá, com os seus homens do Pel Caç Nat 52 – para ser colocado em Bambadinca, sede do BCAÇ 2852 (1968/70) – o Alf Mil Mário Beja Santos é vítima de uma mina anticarro, no percurso de regresso a casa, na estrada Finete-Missirá, perto de Canturé... Ele e mais duas secções...

"Não foi às cinco na tarde, como no trágico poema de Garcia Lorca (...), mas já ao anoitecer, no Cuor, a norte do Rio Geba, na Guiné, às 18h, do dia 16 de Outubro de 1969...

"Diz a lenda que a mina era para o Beja Santos e trazia um bilhete do Corco Só, o comandante da base do PAIGC em Madina/Belel... Nunca ninguém leu o alegado bilhete, pregado numa árvore e que se terá volatizado... Mas se o Corca Só fosse um verdadeiro cavalheiro e conhecesse os romances e/ou os filmes da série James Bond - o que era de todo improvável - teria escrito, ao melhor estilo da luta de libertação, o seguinte bilhete: De Madina para Missirá... com amor .(...)"