A notícia da queda do Fiat G-91, nº 5419, pilotado pelo ten cor pilav Almeida Brito, comandante do Grupo Operacional 1201, da BA 12, em Bissalanca, abatido por um míssil Strela, foi dada, surpreendentemente, pelo "Diário de Notícias", em caixa alta. (Não consta, por exemplo, do "Diário de Lisboa".)
Imagem: Cortesia do blogue do Victor Barata > Especialistas da BA12, Guiné 65/74 > Terça-feira, 31 de Julho de 2007 > Ten Cor Pilav Almeida Brito: Única vitíma mortal do Strela, por Arnaldo Sousa
O Comandante Almeida Brito tinha nascido em 1933 e concluído em 1953 o curso de aeronáutica militar na Escola do Exército (antecessora da Academia Militar). O seu desaparecimento (o corpo nunca chegriara a ser encontrado) causou profunda consternação na BA12 e em Bissau, onde era um militar muito conceituado e muito querido entre os seus subordinadas e amigos.
Guiné > Bissau > c. 1973 > instalações da UDIB onde havia um cinema cujo salão era utilizado para o Congresso do Povo. (O início da construção da nova sede da UDIB - União Desportiva e Internacional de Bissau data de fevereiro de 1969; a primeira pedra foi lançada pelo então brigadeiro António Spínola.)
O Comandante Almeida Brito tinha nascido em 1933 e concluído em 1953 o curso de aeronáutica militar na Escola do Exército (antecessora da Academia Militar). O seu desaparecimento (o corpo nunca chegriara a ser encontrado) causou profunda consternação na BA12 e em Bissau, onde era um militar muito conceituado e muito querido entre os seus subordinadas e amigos.
Guiné > Bissau > c. 1973 > instalações da UDIB onde havia um cinema cujo salão era utilizado para o Congresso do Povo. (O início da construção da nova sede da UDIB - União Desportiva e Internacional de Bissau data de fevereiro de 1969; a primeira pedra foi lançada pelo então brigadeiro António Spínola.)
1. Continuação da publicação da série do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves (*)
Recordações da Guiné de um Furriel Miliciano.
O Carlos Filipe Gonçalves (Kalu Nhô Roque, como consta na sua página no facebook):
Pouco depois da minha chegada a Bissau, a grande notícia foi o derrube de aviões Fiat ! A notícia não foi dada na rádio, mas circulava entre os militares. Dizia-se que um avião não voltou de uma missão, foi outro à procura para ver o que aconteceu, também foi abatido.
Quando os helicópteros passavam insistentemente, já se sabia, houve feridos em combate, estão a decorrer evacuações.
Naquele mês de Abril de 1973, houve uma reunião da Assembleia Legislativa , foi acontecimento badalado na rádio. Aqui, chama-se Congresso do Povo, reúne deputados locais, chefes tribais e régulos de diferentes etnias.
Pouco depois, foi a morte de um líder muçulmano em Nova Lamego, Gabú para os locais. Spínola ordenou um funeral com pompa e circunstância. Demba andava entusiasmado e quando os discursos eram em «fula», ele comentava nessa língua com o Issa e com o Claudino. No dia do funeral do tal imã, o Demba não compareceu no serviço. Dias depois, quando regressou, contou o que se tinha passado nas exéquias, falou do discurso de Spínola etc. etc.
(##) Manuel Santos, "Manecas", nascido em S. Vicente, Cabo Verde, 1943. Estudante de Engenharia em Lisboa, aderiu ao PAIGC em 1964. Foi ministro em vários Governos na Guiné-Bissau.
No extracto de hoje, o primeiro de grandes acontecimentos que a partir de agora iriam marcar o fim da guerra na Guiné… Hoje, sabemos, que foi assim… mas, no final de março de 1973, vivíamos normalmente o dia a dia no QG em Santa Luzia, eu, completava o meu primeiro mês de Comissão, ainda era um «periquito», ou seja, na gíria militar eu era um «novato» que ainda estava a adaptar-se ao ambiente de guerra e ao clima, como descrevi no post anterior.
Passados 51 anos, para além da descrição «naïf» de como um jovem de 23 anos viveu os acontecimentos, descrevo o ambiente de guerra que se vivia. Apresento também uma visão do outro lado (afinal sou jornalista), procuro, pois, dar aos nossos filhos e netos uma visão clara dos acontecimentos.
(i) nasceu em 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde;
(ii) foi fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74;
(iii) ficou em Bissau até 1975;
(iv) radialista, jornalista, historiógrafo da música da sua terra, escritor, vive na Praia;
(v) membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, nº 790;
(vi) tem 25 referências no nosso blogue.(*)
Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)
Parte VII: Os "turras" têm agora um míssil que abate aviões e helicópteros
Pouco depois da minha chegada a Bissau, a grande notícia foi o derrube de aviões Fiat ! A notícia não foi dada na rádio, mas circulava entre os militares. Dizia-se que um avião não voltou de uma missão, foi outro à procura para ver o que aconteceu, também foi abatido.
Os "turras", diziam os meu camaradas militares, têm agora um míssil que abate aviões e helicópteros. Na conversa sobre este este assunto na repartição o alferes explicou: o novo míssil procura uma fonte de calor e corre atrás!
Foi assim que fiquei a saber que os helicópteros tinham uma turbina, para os impelir para a frente e que a grande hélice horizontal apenas servia para os manter no ar.
Os helicópteros voam agora baixinho a rasar a copa das árvores e não podem deslocar-se a todos sítios! Anos mais tarde depois da guerra, vim a saber que se tratava de mísseis antiaéreos Strela, de fabrico soviético.
Manuel Amante explicou que, depois da entrada desta nova arma do PAIGC, “passou-se a utilizar muito mais o transporte terrestre e marítimo, eu sei disso, porque o meu pai tinha barcos nessa altura, que faziam o transporte de coisas… principalmente para Xime e Bambadinca. (…) A navegação no rio fazia-se, com alguma precaução principalmente de noite porque havia sempre ataques em Mato Cão. Aliás um dos navios de transporte do meu pai, foi atacado nessa altura a uns 20 minutos antes de chegar a Xime.”
Manecas Santos, comandante do PAIGC, em entrevista à rádio DW, comentou anos mais tarde esta situação:
“Em 1973, eu era o chefe de um grupo que foi treinado na União Soviética para manusear armas antiaéreas eficientes: foguetes. (…) A partir do momento que nós começámos a usar estas armas antiaéreas, o exército colonial português ficou completamente na defensiva.(…).” (##)
Depois da minha chegada a Bissau, aprendi com os veteranos a distinguir o som dos bombardeamentos/flagelações lá longe e se ouvia perfeitamente em Bissau. Aconteceu numa noite, estava eu no Café Império ao lado da Praça de mesmo nome (atualmente Praça dos Heróis Nacionais); depois de se ouvir bombardeamentos ao longe, disse-me um amigo, militar mais experiente:
“Quando se ouve «Buuum" depois de uma breve pausa, «Buuum» um pouco mais longe, são obuses da tropa, ou canhão dos «turras». Quando se ouve simplesmente «Buuum» e não há retorno, são mísseis dos «turras».”
Os veteranos colocavam a palma da mão no ouvido para orientar e diziam:
“Daquele lado é Bula… ou, Binar? Deste lado, é muito perto só pode ser Tite… Cumeré?”
Quando os helicópteros passavam insistentemente, já se sabia, houve feridos em combate, estão a decorrer evacuações.
Guiné > Bissau > 1974 > Café Império, já na antiga Praça do Império, ao cimo da Av da República, do lado direito de quem subia...
Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]
Sentado no Café Império em dias de folga, fui algumas vezes surpreendido pela passagem de cortejos militares fúnebres, a caminho do cais para o embarque de restos mortais para a metrópole. À frente, ia um jipe com soldados de luvas brancas, todos perfilados, atrás os camiões com as urnas, tudo em silêncio, devagar…. Então, levantávamos e ficávamos em sentido, aqueles que estavam fardados faziam continência.
Um dia, a propósito do ataque a uma localidade qualquer, o Demba contou a sua história. Antes, de vir para a ChefInt trabalhava numa enfermaria algures mato, num quartel como ajudante de enfermeiro. Teve azar, quando uma granada atingiu a enfermaria, explodiu um garrafão de álcool, o líquido incandescente atingiu-o! Com queimaduras graves, foi evacuado para Bissau, depois evacuado para o Hospital Militar em Lisboa. Esteve meses em coma! Felizmente – dizia – muitas pessoas lhe deram pedaços de pele que lhe foram sendo enxertados. E apontava para a cara:
“Estão a ver! Tenho pele de muitos brancos… e também de pretos! Deram pele e me ajudaram! Passei mais de dois anos no hospital em Lisboa. Graças a Alá, sobrevivi!”
Arregaçou as mangas para vermos os braços todos queimados, abriu a camisa e mostrou o peito, onde se viam manchas brancas entre a pele preta e múltiplas cicatrizes.
Fiquei impressionado, mas não comentei. Percebi, agora, porque tinha a cara desfeita! Começava a ter contacto com os horrores da guerra.
Naquele mês de Abril de 1973, houve uma reunião da Assembleia Legislativa , foi acontecimento badalado na rádio. Aqui, chama-se Congresso do Povo, reúne deputados locais, chefes tribais e régulos de diferentes etnias.
As sessões decorriam no salão do cinema da UDIB , um clube desportivo com belíssimas instalações sociais na avenida principal da cidade. Claudino tinha um radiozinho que ele colocava sobre a mesa, ouvíamos baixinho a ERG que fazia as reportagens em direto, ou transmitia discursos, uns em crioulo, outros em línguas das etnias, mas para mim, era tudo igual ao litro… não entendia nada.
Pouco depois, foi a morte de um líder muçulmano em Nova Lamego, Gabú para os locais. Spínola ordenou um funeral com pompa e circunstância. Demba andava entusiasmado e quando os discursos eram em «fula», ele comentava nessa língua com o Issa e com o Claudino. No dia do funeral do tal imã, o Demba não compareceu no serviço. Dias depois, quando regressou, contou o que se tinha passado nas exéquias, falou do discurso de Spínola etc. etc.
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Notas do autor:
(#) Um primeiro avião Fiat foi abatido em 25 de Março de 1973 por um míssil. O segundo avião do mesmo tipo foi abatido em 28 de Março de 1973 também por um míssil. Foram abatidos mais aviões deste tipo em 1 de Setembro de 1973, 4 de Outubro de 1973 e 31 de Janeiro de 1974.
Fonte: Blogue Luís Grça & Camaradas da Guiné > 21 de junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1867: Força Aérea Portuguesa: Seis Fiat G.91 abatidos pelo PAIGC entre 1968 e 1974 (Arnaldo Sousa)
Fonte: Blogue Luís Grça & Camaradas da Guiné > 21 de junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1867: Força Aérea Portuguesa: Seis Fiat G.91 abatidos pelo PAIGC entre 1968 e 1974 (Arnaldo Sousa)
(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)
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Nota do editor LG:
(*) Último poste da série > 1 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26871: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte VI: o pesadelo do tenente-coronel: as batatas e o frango congelado!...
Nota do editor LG:
(*) Último poste da série > 1 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26871: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte VI: o pesadelo do tenente-coronel: as batatas e o frango congelado!...