segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21482: Notas de leitura (1317): “Para o bem da Nação: usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa (1949-1961)”, um artigo de Victor Andrade de Melo na Revista Análise Social de 2017 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a uma curta viagem sobre a prática desportiva na Guiné-Bissau, com um apontamento da importância que o PAIGC conferia, no período da luta armada, à ginástica e ao desporto em geral. A guerra, a descolonização e o isolamento do colonialismo português alteraram em profundidade a política de desporto ancorada por Sarmento Rodrigues, um crente no luso-tropicalismo e um impulsionador do bom relacionamento com os territórios limítrofes. A chegada de contingentes militares metropolitanos aumentou o número de técnicos desportivos mas os grupos guineenses decaíram devido à gradual instabilidade política. É esse histórico que aqui fica registado.

Um abraço do
Mário


Usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa e no PAIGC (2)

Beja Santos

Em texto anterior, retirado da revista Análise Social n.º 225, de 2017, sumularam-se as apreciações do investigador Victor Andrade de Melo sobre as manifestações desportivas na Guiné Portuguesa desde a era de Sarmento Rodrigues até 1961, o ano que precede o início das ações subversivas do PAIGC. No artigo do mesmo autor intitulado “A nação em jogo: esporte e guerra colonial na Guiné Portuguesa (1961-1974)”, publicado na revista Antíteses, da Universidade Estadual de Londrina, Brasil, aflora-se o impacto da guerrilha do PAIGC, mas é importante dar atenção ao prelúdio desses acontecimentos. Os clubes mantiveram a sua atividade até ao início da guerra, enfrentado os mesmíssimos problemas que se tinham registado nos anos 1950, com relevo para as dificuldades financeiras e deficiências organizativas graves. Isto para dizer que a política do desporto na Guiné tinha uma dependência crucial no incentivo estatal. Um cronista observou que o Liceu Honório Barreto inaugurado em 1957 não possuía um espaço adequado para a prática do desporto, isto em 1961. A Mocidade Portuguesa tentava a implantação na Guiné, fazia uma inserção que ia desde a apresentação de danças indígenas até à educação física.
Entrada dos elementos da Mocidade Portuguesa no campo de futebol do Piche, 1971

A guerra trouxe modificações de montra e uma delas foi a participação de militares em diferentes modalidades desportivas. Equipas das Forças Armadas passaram a participar nos eventos desportivos. Em 1967, o Torneio da Páscoa contou com a presença da seleção nacional de militares, que um cronista saudou como uma forma de exaltação do império: “Foi este o último elo que ligou os desportistas da Guiné e a Mãe Pátria, nesta magnífica jornada que jamais se poderá apagar da mente deste povo modesto. Bem hajam, valentes soldados de Portugal, que a este cantinho trouxeram um pouco da recordação do nosso verdadeiro Lar". Os militares também passaram a ocupar funções de direção, caso do Capitão António Rodrigues Rebelo de Carvalho que em 1963 assumiu o Conselho Provincial de Educação Física, empossado diretamente pelo Governador da Guiné.

Em 1964, um dos mais tradicionais campeonatos disputados na Guiné, o Torneio Internacional da Páscoa, pela primeira vez não contou com equipas de fora da província. Escreveu-se em O Arauto: “Os tempos mudaram. O momento atual não permite que continuemos a manter relações desportivas com esses vizinhos”.

No ano seguinte, como já se escreveu no texto anterior, veio a Académica de Coimbra, que retornava à Guiné com o mesmo sucesso que obtivera nos anos 1950. Em Abril de 1962, desembarcaram em Bissau, para realizar jogos em várias cidades, as seleções portuguesas de vólei e andebol. O Arauto voltou a embandeirar em arco: “Em Bissau ou em Bafatá, em Farim ou em Bula, em Teixeira Pinto ou em Bissorã, irmanados do mesmo desejo e no mesmo brio – portugueses, pretos, mestiços e brancos – entregaram-se ao desenvolvimento desportivo local, alheios às contrariedades". Uma delegação do Sporting Clube de Portugal veio à Guiné em 1966, trouxe um presente da Câmara Municipal de Lisboa, livros para serem distribuídos por escolas e bibliotecas, houve jogos de futebol, andebol, futsal e basquetebol.

Para apurar qual das equipas participaria na Taça de Portugal, jogaram a UDIB e a Académica de Mindelo, ganhou a UDIB que veio a disputar a fase seguinte com o Olhanense, foi eliminada.

Spínola não descurou o fenómeno desportivo, e na entrega da Taça da Guiné de 1969 referiu que o seu intuito era atingir a “grande massa do povo guineense que pretendemos valorizar física, intelectual e moralmente no quadro da consecução de uma vida melhor”.
Mas os conflitos e o estado de sobressalto permanente tinham posto as coletividades a viver com inúmeras dificuldades. Em 1968, o Torneio de Páscoa, que já não era internacional, foi cancelado, no ano seguinte quem veio jogar na Taça de Portugal com o Sporting foi a UDIB. A despeito dos sobressaltos, ainda se fez um rali Bissau-Mansoa. Mas os dias do desporto colonial tinham os dias contados.
Victor Andrade de Melo dedica depois a sua atenção ao desporto nas zonas de conflito. Na escola-piloto de Conacri a educação física era uma matéria obrigatória. Os dias de aula iniciavam-se com sessões de ginástica e prática desportiva. Para os líderes do PAIGC, tratava-se de garantir o que consideravam um direito: os cuidados com a saúde e a higiene, bem como o acesso a uma faceta da cultura. A ginástica era ministrada no Lar dos Combatentes que acolhia os que deixavam a Guiné e iam para Conacri preparar-se para participar na luta armada. O Programa para a Preparação de Soldados das FARP lançado, em 1968, pela Escola de Formação de Combatentes, que tinha como um dos seus objetivos “preparar os nossos combatentes fisicamente, de forma a que possam levar a cabo as ações militares e as marchas com êxito […] Para conseguir este objetivo deve treinar-se o pessoal em ginástica, campos de obstáculos e em combates de corpo a corpo". Há mesmo uma carta de Nino Vieira para Luís Cabral a pedir materiais para a prática desportiva, pede explicitamente uma bola de futebol. Na Fundação Mário Soares guardam-se diferentes documentos de líderes revolucionários pedindo equipamentos desportivos, nessa mesma fundação encontram-se fotos de jogos de futebol disputados entre prisioneiros portugueses e membros do PAIGC. Em jeito de conclusão, o autor refere que “é possível inferir que os dois grupos, Forças Armadas de Portugal e do PAIGC lograram algum sucesso na mobilização pelo desporto. De um lado, era uma forma de ajudar a suportar a dura vida da guerra, uma diversão quotidiana com a qual se envolvia mais intensamente os que já a apreciaram. Do outro lado, juntamente com a ginástica, era concebido como ferramenta para a preparação do combate, para desenvolver espírito de grupo, aptidão física, controlo e disciplina."
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Notas do editor

Poste anterior de 19 de outubro de 2020 > Guiné 671/74 - P21465: Notas de leitura (1315): “Para o bem da Nação: usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa (1949-1961)”, um artigo de Victor Andrade de Melo na Revista Análise Social de 2017 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 20 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21469: Notas de leitura (1316): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - V (e última) parte (Luís Graça): Em Brá, no final da comissão, tem como companheiro de quarto o furriel mil 'comando' Vassalo Miranda, uma 'figura ímpar', grande autor de banda desenhada da nossa guerra

3 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

A CArt 3567 participou na segurança ao rally juntamente com outras companhias, numa rede de emboscadas para protecção a estrada e dos carros que passavam.
A prova decorreu entre Bissau e o K3 (Farim), em estrada asfaltada.~
Embora não estivesse ainda na companhia, tenho ideia de que foi ganha pelo Cap. Cmd Miquelina Simões ao volante de um Cortina vermelho.

Um Ab.
António J. P. Costa

Valdemar Silva disse...

Como diria o outro 'há coisas que têm de ser ditas'
Viva o glorioso SLB Sport Lisboa e Bolama !!!

Valdemar Queiroz

António J. P. Costa disse...

Karago!
Biba masé os "Balantas de Mansoa que até vieram jogar a Lisboa!
Tudo antes de 1961.
'Bora discutir futebol?
Podemos aproveitar a boleia do post,como já acontecido. Sai o tema, começa-se a falar e depois paulatinamente vai-se mudando de assunto e está-se a falar de outra coisa diferente...
O tema era: Para o bem da Nação: usos políticos do desporto na Guiné Portuguesa (1949-1961)”, mas podemos discutir futebol. Eu sou sempre contra o Benfica, nem que seja num jogo contra o "Caçadores das Taipas", os Dragões Sandinenses" ou os "Dragões Valboenses". E já tive grandes alegrias como aquela do Celta de Vigo... Aquilo é foi uma joga!
Se o jogo durasse mais uma horita ainda ganhavam "aquilo". Era só dar uma palavrinha ao refree.

Um Ab.
António J. P. Costa