Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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sexta-feira, 19 de dezembro de 2025
Guiné 61/74 - P27546: Parabéns a você (2444): Humberto Reis, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) e João Melo, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAV 8351/72 (Aldeia Formosa e Cumbijã, 1972/74)
Nota do editor
Último post da série de 15 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27530: Parabéns a você (2443): António Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873 (Xime e Mansambo, 1971/74)
domingo, 7 de dezembro de 2025
Guiné 61/74 - P27502: Op Abencerragem Candente, subsetor do Xime, L1, 25 e 26 de novembro de 1970 - Parte I: Agrupamento A, CART 2714: itinerário Mansambo - Chacali-Taibatá-Xime

Guiné- Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > 1996 < Monumento erigido pela CART 2714 ("Bravos e Leais"), pertencente ao BART 2917 (Bambadinca, 1970/1972). Era o único que restava de pé em 1996, quando o Humberto Reis lá passou.
Não temos nenhum representante desta subunidade, no nosso blogue. Há muitos anos (em 2009) escreveu-nos de França, onde estava emigrado, o nosso camarada Guilherme Augusto Sousa, ex-sold cond auto, à procura de camarada da companhia. Deixou-nos os seus contactos: Guilherme Sousa. França: telef. 0033386951938 ou 0033670611957.
Foto (e legenda): © Humberto Reis (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Na Op Abencerragem Candente, que envolveu 3 destacamentos (CART 2714 / Mansambo, CART 2715/Xime e CCÇ 12/Bambadinca), num total de 8 grupos de combate (c. 250 homens), a CART 2715 e a CCAÇ 12 apanharam uma das mais sangrentas emboscadas na história do subsetor do Xime (e até do setor L1), com 6 mortos e 9 feridos graves. (*)
Em virtude do aquartelamento de Mansambo ter sido atacado pelo IN pelas 6,50 horas, só foi possível a saída dos 2 Grupos de Combate da CART 2714 às 11,00 horas.
A norte de Mampará, e no trilho para Chicamael, sensivelmente no ponto de coordenadas [XIME 5E4-95] foi encontrado um trilho de passagem recente.
Da exploração deste trilho detectou-se que o mesmo se encontrava orientado na direcção do Rio Buruntoni-Moricanhe.
Continuou-se a progredir na direcção de Chicamael que foi atingida cerca das 17,45 horas. [3 km em linha reta].
Em Chicamael, foi avistado um trilho bastante batido na direcção de Madina.
Feito um alto para pernoitar, os 2 Grupos de Combate instalaram-se de forma a montar emboscadas nocturnas ao longo desse trilho e no trilho de Chicamael- Mampará.
26.de novembro de 1970
Pelas 5,45 horas começou-se a progredir na direcção W procurando encontrar as nascentes do Rio Canhala.
Às 8,00 horas atingiu-se Taibatá [4 km em linha reta] onde foram pedidos 2 guias que pudessem levar o Agrupamento até Gidemo.
Às 8,15 horas saiu-se de Taibatá a caminho de Chacali onde pelas 9,00 horas foi ouvido grande tiroteio e rebentamentos na direcção do Xime.
Continuando a progressão até Gidemo, detectaram-se trilhos batidos junto do ponto de Cota 24 que se orientavam para Sul (Rio Gundagué).
Dado que os guias não afiançavam a passagem do Rio Gundagué em Lantar [4 km em linha reta] , foi resolvido retirar novamente para Chacali e daqui par Taliuára.
No trilho Chacali - Taliuára foi detectado terreno batido recentemente no ponto de coordenadas [XIME 6A5-49], se dirigia para direcção do alto de Ponta Coli.
Continuando a progressão até Taliuára [ 5 km em linha reta], este ponto foi atingido às 13,00 horas, com evidente cansaço de todo o pessoal.
Dado conhecimento a Bambadinca da localização do Agrupamento A, foi o mesmo mandado avançar para o Xime, onde chegou cerca das 13,00 horas [ 1,5 km em linha reta].
(*) Vd. poste de 27 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27468: Efemérides (378): foi há 55 anos a Op Abencerragem Candente (25 e 26 de novembro de 1970, subsetor do Xime), com meia dúzia de mortos de um lado e do outro
sábado, 1 de novembro de 2025
Guiné 61/74 - P27374: O segredo de... (52): Luís Graça & Humberto Reis (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, mai 69 /mar 71): Op Noite das Facas Longas, em que nem o pobre do "Chichas", a nossa mascote, escapou do tiro na nuca...
Falta aqui o major de artilharia, oficial de operações/ informações, e adjuntdo do comando do BART 2917, Jorge Vieira Barros e Bastos, de que não temos nenhuma foto. (Temos da esposa, na festa de Natal de 1970, imaginem!)
Em termos de créditos fotográficos, a primeira, é do Humberto Reis. As duas seguintes, do Arlindo T. Roda.
1. É um segredo de polichinelo...Uma das primeiras histórias a ser aqui contadas no nosso blogue, logo nos primeiros tempos. Mas a autoria, moral e material, do "crime" (ou a participação na operação, a que chamámos a Op Noite das Facas Longas em meados de 1970, em Bambadinca, zona leste, região de Bafafá, Comando Territorial Independente da Guiné) tem de ficar aqui devidamente registada.
O Humberto Reis já há muito "confessou" que foi o "executante", logo o autor material do "crime"...Também era, tecnicamente falando, o mais bem preparado de nós todos. Era "ranger", de Lamego. Foi ele que, de pistola "Walther em punho, abateu friamente, um a um, todos os cães "turras" de Bambadinca. Nem o nosso pobre do "Chicas" escapou à mortandade, por suspeita de colaboração com o "IN". E, se bem recordamos, havia também um segundo animal de estimação, o Boby, que também foi executado.
O major Bê Bê conduzia o jipe. E, por ser o mais graduado, terá sido o "autor moral do crime"... O Luís Graça e o Luciano Severo de Almeida iam no banco de trás... Foram "cúmplices". O Luís Graça dizia que não gostava de cães, mas era contra a pena de morte. O Luciano era o mais maluco dos quatro, queria era ação.
Hoje não sabemos qual seria a "moldura penal"... Na época havia um vazio legal: ainda não eram reconhecidos os "direitos dos animais" e nem mesmo os "direitos humanos" eram respeitados por todas as partes envolvidas na nossa "guerra a petróleo", como ainda hoje gosta de dizer o cor art ref António J. Pereira da Costa...
Hoje, cinquenta e cinco anos depois, teríamos o Ministério Público à pega, a Sociedade Protetora dos Animais, mais o Partido dos Animais e Natureza, e por aí fora. De qualquer modo, uff!, "o crime já prescreveu"...
Não sei se algum dos quatro se foi confessar ao capelão, que era açoriano, o Puim. O Bê Bê não gostava dele, e os outros já não iam à missa desde a 1ª comunhão. Se fossem ao Puim, haveriam logo de levar a rabecada: "Ó minha gente, mas o cão também é criatura de Deus!"...
Mas... porquê "segredo de polichinelo", pergunta o leitor ? É o oposto do segredo "bem guardado". A origem da expressão está ligada à personagem Polichinelo, um tipo cómico e astucioso do teatro de marionetes. A expressão sugere que o "segredo" é tão óbvio, que caiu na praça pública, só o personagem principal (o Polichinelo) é quem não o sabe. É como na história do "marido enganado", o último a saber.- primeiro, os cães eram muitos, famélicos, vira-latas, tinhosos, barulhentos, um perigo para a saúde pública e sobretudo para a segurança da população e das NT;
- segundo, e mais grave, muitos deles teriam vindo das chamadas zonas libertadas do PAIGC com a secreta missão de sabotarem o nosso esforço de guerra, não deixando nomeadamente dormir os operacionais de Bambadinca;
- um terceira explicação (propaganda dos "tugas"...) é que os cães vinham às sobras do rancho de Bambadinca porque rapavam fome nas suas tabancas de origem;
- em quarto e último lugar, o posto administrativo de Bambadinca (que pertencia à circunscrição de Bafatá) não tinha... "canil" e muito menos veterinário.
Ouçamos dois dos "protagonistas" desta história, que quiseram partilhar este seu "segredo" que muita gente da Tabanca Grande ainda não conhecia (**):
(i) Luís Graça
Todas as terras por onde passámos têm pequenas/grandes histórias para nos contar. Sabemos pouco de cada uma, é verdade, afinal o nosso tempo às vezes foi só de escassas semanas ou de um a dois meses...
Bolama, Contuboel, Cumeré, Fá Mandinga, Mansabá, etc., sítios onde havia Centros de Instrução Militar (CIM), ou aonde se fazia a IAO, ou eram simplesmente locais de aboletamentento ou passagem.
Eu e o o Humberto Reis estivemos em Contuboel, pouco mais de mês e meio: literalmente de bivaque, acampados, não havia instalações fixas para os 60 graduados e especialistas metropolitanos da CCAÇ 2590. Queixas havia muitas: insolação, cobras, lagartos, etc., mas não me lembro de haver cães vira-latas, barulhentos, famintos, tinhosos e, mais grave, "feitos com o IN,"
O resto da comissão, cerca de 20 meses (de meados de julho de 1969 a meados de março de 1971) foi passado depois em Bambadinca, sede do sector L1, região de Bafatá.
Estivemos, é uma maneira de dizer: nem sempre dormíamos lá. A CCAÇ 2590/CCAÇ 12 era uma subunidade de intervenção, constituída por praças do recrutamento local (=100) e graduados especialistas de origem metropolitana (=60). Estivemos às ordens de dois batalhões: BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72).
As instalações eram boas. Recém-construídas pela engenharia militar. A messe era boa, Mas, lamentavelmente, havia muitos refugiados, em Bambadinca. E com eles, muitos cães, famélicos e vadios, doentes, ruidosos... Não nos deixavam dormir, os cães vira-latas...
Um dia, às tantas da noite, depois de muitas noites de insónias e pesadelos, pegámos num jipe, nas pistolas Walther, com balas derrubantes de 9 mm, e matámo-los todos... Em correria loucas pela parada.. Ainda hoje essa cena me incomoda... Chamei_lhe Op Noite das Facas Longas...Evoquei-a ou tentei exorcizá-la num dos meus poemas, Esquecer a Guiné:
(,...) Esquecer a Guiné... por uma noite!
As bombas de napalm
Carbonizando cada centímetro quadrado de vida,
Lá longe, em Sinchã Jobel,
Na ZI do Com-Chefe.
As insónias às três da manhã,
A hora mortal da madrugada.
Os famélicos cães vadios
Que um dia abatemos a tiro,
Um a um,
Depois de loucas correrias de jipe
À volta da parada.
No manicómio de Bambadinca.
Um a um,
Às tantas da madrugada,
Com tiros de pistola Walther na cabeça.
Sem dó nem piedade.
Pela simples razão
De que... não nos deixavam dormir.
A mim, a ti, ao major.
A todos nós, almas penadas...
Chamei-lhe a Operação
Noite das Facas Longas. (...)
(ii) Humberto Reis:
Já confessei, há vinte anos atrás, a autoria material do "crime" (*). Nessa noite nem o pobre do Chichas, que era a nossa mascote, a mascote da messe de sargentos, escapou da morte anunciada.
Segundo esclarecimento que aqui deu, em 2005, ao meu camarada Luís Graça, e meu companheiro de quarto em Bambadinca, com a rudeza, franqueza e a frontalidade que ele me conhece de há muito:
"O cão, que dormia à porta do nosso quarto, era o Chichas, alcunha vinda do 2º sargento corneteiro do BCAÇ 2852, que também era o Chichas.
"O condutor do jipe nessa Noite das Facas Longas era o major de operações do BART 2917 (o tal que mandou ir para lá a mulher quando se casou) e o assassino... fui eu".
Acrescente-se que quem ia atrás no jipe era o Luís Graça e o o Luciano Severo de Almeia (morreria, já depois da peluda, em circunstâncias trágicas, nunca esclarecidas)... Esse tal major era conhecido como o Bê Bê... Barros e Bastos:
(i) na altura, era o OfInfOp/Adj do BART 2917, maj art Jorge Vieira de Barros e Bastos;
(ii) dava-se relativamente bem com os "milicianos", os "nharros" da CCAÇ 12 (até por que precisava deles para lhe defenderem as costas);
(iii) as nossas relações esfriaram muito, depois da Op Abencerragem Candente (25-26 de novembro de 1970, subsetor do Xime);
(iv) nunca mais tive notícias dele: diz-me o Luís Graça que foi 2º comandante do BArt 6323/73, que esteve, em Angola, de maio de 74 a agosto de 1975, no subsetor de Zala, e depois em Malange; se for vivo (e esperemos bem que sim), deve ser cor art ref.; e, para ele vai, sem ressentimentos, um alfabravo.
_______________(*) Vd. poste de 17 de junho de 2005 > Guiné 63/74 - P62: Op Noite das Facas Longas (Humberto Reis)
(**) Último poste da série > 15 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27121: O segredo de... (51): Virgínio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAQÇ 1933 (Nova Lamego e Sáo Domingos, 1967/69), economista, consultor, gestorempresário: como perdi dois mil contos, em 1985 (c. de 46,5 mil euros, a preços de hoje), com o projeto
sexta-feira, 24 de outubro de 2025
Guiné 61/74 - P27347: A nossa guerra em números (43): afinal, a nossa ração diária de vinho era de 0,5 litros... O melhor assistente de IA, em matéria dos nossos comes & bebes, é o nosso vagomestre... Aníbal Silva (ex-fur mil SAM, CCAV 2483 / BCAV 2867, Nova Sintra e Tite, 1969/70)
1. O melhor assistente de IA para sabermos coisas sobre os nossos comes & bebes na Guiné ? São os nossos "intendentes" e os nossos "vagomestres", pois claro.
Infelizmente são poucos, os que integram a Tabanca Grande e estão ainda vivos. Mas felizmente que temos o nosso Aníbal Silva (ou Aníbal José da Silva, como está registado na Tabanca Grande) que tem sido inexcedível na sua vontade em partilhar informação (oral e escrita) sobre estas matérias, que já estão tão esquecidas da maior parte da malta... Além disso, ele é o autor da notável série "Vivências em Nova Sintra", de que se publicaram 16 postes, desde 4/3/2025 até 17/6/2025.
Perguntei a alguns de nós se se lembravam do "per diem", a verba para a nossa alimentação diária... Já ninguém se lembrava da quantia em escudos (24$50), que o gen António Spínola, no relatório do comando relativo à situação em 1971, propunha que passasse para 33$00 (um aumento de mais de 1/3), face ao agravamento do custo de #géneros de 1ª necessidade" bem como dos "transportes da Metrópole para a Província". (Não sabemos se até ao final da guerra houve alteração da verba para a alimentação diária no CTIG.)
Era com esses 24$50 que o vagomestre tinha de nos alimentar diariamente (3 refeições).
Além de informador privilegiado como vagomestre e como gestor da cantina de Nova Sintra, ao tempo em que esteve com a sua companhia, CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), o Aníbal Silva é um excelente e afável contador de histórias e lembra-se de coisas do arco da velha.
O Aníbal (que fez a Escola Comercial e foi técnico de seguros) tem especiais competências em matéria de literacia e numeracia: só podia, pois, ser o homem certo no lugar certo. E ainda hoje guarda (o que é incrível!) documentação daquela época, rekatcionadas com a alimentação e atigos de cantina, e que faz questão de partilhar com o nosso blogue.
Mensagem recente, de 22/10/2025, 09:10Bom dia, caríssimo Luís
Depois da nossa conversa telefónica de ontem, que muito me honrou, procurei e encontrei o livro sobre a alimentação, o "missal" dos vagomestres, que tem umas dezenas de páginas e do qual envio em anexo meia dúzia dessas páginas, digitalizadas.
Caso pretendas, para os teus estudos e análises, posso enviar-te pelo correio os dois "documentos". Na afirmativa, fico a aguardar que me facultes o teu endereço. (...)
De acordo com as ementas nºs 5 e 6. a ração diária de vinho, dos militares, nos anos da guerra do ultramar, era de 0,5 l (0,2 l ao almoço, e 0,3 l ao jantar).
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Aníbal Silva, ex-fur mil SAM, CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70) |
2. O que transcrevo a seguir é um apanhado das conversas que vou tendo com ele ao telemóvel (ele vive em Arcozelo, se não erro, freguesia de Vila Nova de Gaia, já prometemos encontrarmo-nos quando eu for à Madalena).
2.1. São João, frente a Bolama, era abastecido diretamente por Bissau. Tite também. E Fulacunda. E Bambadinca. E, claro, Nova Sintra,
A via fluvial ainda era a mais rápida, económica e relativamente segura (rio Cacheu, na zona Oeste; rio Geba, na zona Leste; canal do Geba e de Bolama, para a região de Quínara; o rio Cumbijã e o rio Cumbijã e o rio Cacine, para a região de Tombali).
O vinho era transportado de Bissau em barris de 100 litros (mais tarde bidões de 200 l, mas já não é do tempo do Aníbal Silva, nem do meu, somos de 69/71,.
2.2. Em Nova Sintra, era através de um afluente do rio Grande de Buba.
Como não tinham outro sítio para os guardar os barris de 100 litros, utilizava um antigo galinheiro, que estava vago; claro que era um sítio de fácil acesso aos "ladrões de vinho" (não havia "guarda á adega").
Uma vez aberto um barril, durava dois a très dias... E a opinião que a malta ainda hoje tem é que vinho que se bebia em Nova Sintra até era de boa qualidade, tinha bom paladar; e de resto toda a gente bebia vinho.
E interessante a informação de que um barril de 100 l dava só para 2 ou dias. Ou seja, não havia risco de oxidar.Utilizava-se um tubo de borracha para encher recipientes mais pequenos como garrafões. Também já não é do seu tempo o uso de garrafões de 10 l, empalhados, para o transporte de vinho (deve ter sido prática dos primeiros anos de guerra).
2.3. Claro que também aqui havia pequenos furtos: havia sempre ums "jeitosinhos" que, com uma broca manual, fazia um furinho na tampa, e com uma borrachinha ia lá encher o cantil.. "Pró petisco".
Tal como havia malta que, no dia de descascar batatas para o rancho levava as calças de camuflado para encher os bolsos..."pró petisco". Os iam de calções, que era o traje habitual...
Tal como havia malta que era capaz de, numa coluna logística ao porto fluvial, no reabastecimento mensal, e antes da chegada ao quartel,. , "desviar uma ou duas caixas de cerveja", gurdá-las no mato em sítio seguro e ir lá depois buscá-las, passadas 24 ou 48 horas.
2.4. Mas também havia a ração de aguardente. A meio da comissão, a Intendência mandou perguntar se a companhia tinha barris de aguardente. O Aníbal disse que não. Passados uns tempos, foi abrir um barril (que julgava ser de vinho) e viu que era aguardente. Havia 300 litros (3 barris) de aguardente, em "stock", intactos!... Bom, deu para o resto da comissão, enquanto a malta esteve em Nova Sintra antes de ir para Tite. Uma ração de aguardente passou a ser distribuída pelos abrigos.
2.5. O Aníbal, vagomestre, tirou a especialidade em Póvoa do Varzim, na antiga Escola Prática de Administração Militar (hoje Escola de Serviços do Exército) ficou também, em Nova Sintra, com a cantina, ao tempo do segundo capitão da companhia que detectou irregularidades na gestão anterior.
Havia um "buraco" nas contas que era preciso sanear... E que ele saneou... (Como "prémio", ficou, no fim, na "comissão liquidatária" da companhia e do batalhão, um "pincel" que ninguém queria, podendo atrasar o regresso a casa.)
Não havia máquinas de calcular, naquele tempo, as contas eram feitas à mão, uma, duas, três, quatro vezes, até baterem certas. E havia um lençol, o famigerado mapa modelo 1, que era um a quebra-cabeças para qualquer vagomestre.
2. Falando há dias com um antigo comandante de companhia, hoje cor art ref, o nosso grão-tabanqueiro Morais da Silva, disse ele que "nunca bebeu vinho em Gadamael" (onde comandou a CCAÇ 2796, entre jan 1971 e fev 1972). Nem ele nem os seus alferes e furriéis,. Bebiam cerveja. Aliás, deixou de beber vindo desde que veio de Angola. onde fez o curso de comandos.
Já não se lembrava do "per diem" nem da ração de vinho diária...Vai perguntar ao vagomestre que é hoje um quadro superior do BCP, reformado. Gaba-se de ter tido excelentes colaboradores em todos os setores de apoio, da saúde (onde teve um 1º cabo aux enf excecional, e de quem toda gente perdeu o rasto) às transmissões, da intendência ao material.
Tem ideia, sim, que a malta se queixava que a Intendência punha uns "pozinhos no vinho".
O Humberto Reis, ex.fur mil op esp /ranger, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) e colaborador permanente do nosso blogue também confirma que os nossos soldados, pro serem resarranchados, recebiam mais 750$00 por mês.
Quando o Gr Comb dele, o 2ª, ia para o destacamento do rio Undunduma, o pessoal metropolitano recebia o seu rancho, confeccionado em Bambadinca, mas a viatura também trazia os "tachos de arroz" que as mulheres dos nossos soldados cozinhavam para eles na tabanca... Cada um tinha um lenço da sua cor.... Em operações no mato, também levavam a sua "marmita" (arroz cozido embrulhado num lenço)...
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Nota do editor LG:
Último poste da série > 2 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27340: A nossa guerra em números (42): com um "per diem" (verba de alimentação diária) de 24$50 (hoje 4,10 euros) dava para fazer uma... ometela simples mas saborosa!sábado, 18 de outubro de 2025
Guiné 61/74 - P27327: O nosso blogue em números (106): É verdade, estamos a morrer, mas vamos morrendo dando alguma luta: de 2011 a 2025, em quinze anos, a média de "visitas" é de um milhão por ano... (Merecemos, ao menos, um "porto de honra", amigos e camaradas!)
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime ou Xitole> c. 1970 > 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12, deslocando-se numa lala, no tempo das chuvas, decurso de mais uma operação...
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-fur mil at inf, OE, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). É uma das fotos mais icónicas (e pirateadas) do nosso blogue.
1. Acabámos de atingir anteontem, quinta, 16 de outubro, a cifra dos 17 milhões de visualizações de páginas (e 108 mil comentários). Ainda nos faltam dois meses e meio para fazer o balanço da actividade bloguística do ano de 2025. Mas este número redondo, 17 milhões, merece ser sinalizado.
O nosso blogue, no final do último ano, tinha atingido cerca de 15,8 milhões de visualizações de páginas (grosso modo, de "visitas", o que não é exatamente igual a "visitantes")
Isso quer dizer que em 9 meses e meio (de 1 de janeiro a 16 de outubro) atingimos os 1,2 milhões (média mensal: mais de 125 mil). Nos últimos 6 meses atingimos os c. de 700 mil. É possível chegarmos ao fim do ano com 1,3 ou 1,4 milhões de visualizações, e chegando talvez aos 4,8 ou 4,9 mil comentários.
Considerando que em meados de 201o mudámos de contador, e que até entâo (de 2004 a 2010), contabilixámos 2 milhões de visualizações de págimas, podemos concluir que de 2011 a 2025, em quinze anos, temos conseguido manter uma média de um milhão!...
Para um blogue, já de idade "provecta" na Net (nasceu timidamente em 23/4/2004, e nesse ano só publicou 4 postes...), temos de reconhecer que é uma marca... que merece um "porto de honra".
É verdade estamos a morrer, mas vamos morrendo dando alguma luta... Somos os "últimos moicanos". Dos 908 inscritos formalmente na Tabanca Grande (e dificilmente atingiremos os mil em tempo de vida útil), 163 já morreram (fora os que não são do nosso conhecimento: é uma percentagem, c. 18%, que não corresponde à nossa estimativa dos antigos combatentes metropolitanos da guerra do ultramar que já devem ter morrido: cerca de 1/3 do total dos 530 mil, não incluindo os nossos antigos camaradas africanos, de Angola, Guiné e Mocambique, que juntos representavam o universo dos 800 mil combatentes).
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Nota do editor LG:
sexta-feira, 27 de junho de 2025
Guiné 61/74 - P26959: In Memoriam (552): Fernando de Carvalho Taco Calado (Ferreira do Alentejo, 1945 - Lisboa, 2025), ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968-1970): foi gestor de recursos humanos e docente universitário
Foto (e legendas): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]-
Esposende > Fão > 1994 > A primeira vez que a malta de Bambadinca (1968/71), camaradas da CCAÇ 12, e outras subunidades, como o Pel Caç Nat 52, adidas ao comando do BCAÇ 2852, se encontrou depois do regresso a casa... Este primeiro encontro foi organizado pelo António Carlão (Mirandela, 1947- Esposende, 2018)
Mostra-se aqui um pormenor da foto de grupo. Na primeira fila, da esquerda para a direita:
(i) fur mil MAR Joaquim Moreira Gomes, da CCAÇ 12 [, vivia no Porto, na altura ];
(ii) sold cond auto Dinis Giblot Dalot [empresário, vivia em Aljubarrota, Prazeres].
Na segunda fila de pé, da esquerda para a direita:
(iii) Fernando [Carvalho Taco] Calado (1945-2025), ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 [vivi em Lisboa];
(iv) ex-alf mil manutenção material, Ismael Quitério Augusto, CCS/BCAÇ 2852 [ vive em Lisboa];
(v) ex-fur mil at inf António Eugénio Silva Levezinho [, Tony para os amigos, reformado da Petrogal, vive em Martingal, Sagres, Vila do Bispo];
(vi) ex-capitão inf Carlos Alberto Machado Brito, cmdt da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 [cor inf ref, vivia em Braga, tendo passado pela GNR];
(vii) Pinto dos Santos, já falecido, ex-furriel mil de Operações e Informações, CCS / BCAÇ 2852, [vivia em Resende].
Foto (e legenda): © Fernando Calado (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá _ Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O alf mil trms Fernando Calado(1945-2025) , de braço ao peito, junto à parede, crivada de estilhaços de granada de morteiro, das instalações do comando, messe e dormitórios de oficiais e sargentos, na sequência do ataque de 28 de maio de 1969.
Esta era a parte exterior dos quartos dos oficiais que dava para as valas, o arame farpado e a bolanha, nas traseiras do edifício do comando... Era uma parte mais exposta, uma vez que o ataque partiu do lado da pista de aviação.
Pelo menos aqui, caíram duas morteiradas:
(i) uma das morteiradas atingiu o quarto onde dormia, com outros camaradas, o fur mil amanuense José Carlos Lopes; tinha acabado de sair; ainda hoje conserva um lençol crivado de estilhaços; e4stá vivo por uma fração de segundos (bancário reformado do BNU, vive em Linda a Velha e é membro da nossa Tabanca Grande.);
(ii) outra morteirada atingiu o quarto onde dormia o Fernando Calado e o Ismael Augusto ( o Fernando ainda apanhou o efeito de sopro, tendo sido menos lesto que o Ismael, a sair logo que rebentou a "trovoada")
Também podia ter "lerpado", como a gente dizia na época... Apesar de tudo, a sorte (ou a má pontaria dos artilheiros da força atacante, estimada em 100 homens, o que equivalente a 3 bigrupos) protegeu os nossos camaradas da CCS/BCAÇ 2852 e subunidades adidas (entre elas, o Pel Caç Nat 63 cujos soldados, guineenses, dormiam a essa hora, com as suas "bajudas", nas duas tabancas de Bambadinca, e que portanto estavam fora do arame farpado)...
Na foto acima , o Fernando Calado, membro da nossa Tabanca Grande (tal como o Ismael Augusto), trazia o braço ao peito, não por se ter ferido no ataque mas sim por o ter partido antes, num desafio de... futebol. Infelizmente temos poucas fotos dos efeitos (de resto, pouco visíveis) deste ataque.
Foto: © Fernando Calado (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Foi ontem cremado, no cemitério de Carnaxide, o corpo do nosso camarada e grão-tabanqueiro Fernando Calado. Morreu no passado dia 24, sem completar os 80 anos (ia fazê-los em 9 setembro).
A triste otícia chegou-nos â Lourinhã, transmitida pelo Humberto Reis e pelo Mário Beja Santos, seus contemporâneros de Bambadinca.
O Humberto e o António F. Marques, ex-fur mil da CCAÇ 12 (Bambadinca, mai 69/mar 71) e o Ismael Augusto, seu amigo do peito, representaram-nos a todos na sua despedida da Terra da Alegria.
O Fernando era muito estimado pela malta de Bambadinca desse tempo. Costumava aparecer, tal como o Ismael, nos nossos encontros anuais. A este último, em Ponte de Lima, faltou, embora inscrito: o coração pregou-lhe uma partida, esteve em estado de coma. Na quarta feira passado, chegou o seu dia. Deixa viúva a Rosa, e órfãos dois filhos, a Elsa e o Fernando bem como um neto, o Daniel.
Recordo-o, desde Bambadinca, como um homem afável e discreto, que adorava o seu Alentejo, o cante alentejano, a tertúlia, o convívio com os amigos.
Natural de Ferreira do Alentejo, vivia em Lisboa há muito; era casado com a dra. Rosa Calado, professora do ensino secundário, que integrou sucessivas direções da Casa do Alentejo, exercendo, com muita competência e empenhamento, o pelouro da cultura
O Fernando era um histórico do nosso blogue, tendo participado no nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-O-Novo (em 2006)... Tem 26 referências no nosso blogue. Foi alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70); trabalhou na Petrogal e na RTP; foi docente universitário; tinha página no Facebook
Para Rosa, filhos e neto vai a nossa solidariedade na dor. A memória do Fernando, essa, continua connosco, guardada e cultivada à sombra do poilão da Tabanca Grande.
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Nota do editor:
sexta-feira, 23 de maio de 2025
Guiné 61/74 - P26835: Humor de caserna (199): O meu grande "bubu" azul!... Que pena não mo terem deixado levar, vestido, no avião da TAP, de regresso a casa !... (Jorge Cabral, 1943-2021)
Legendas:
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-fur mil OE/ Ranger, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

por Jorge Cabral (1943-2021)
Cheguei à noite, sentindo logo a África, no calor, na cor, na humidade. A bordo subiram militares, e o putativo marido da senhora, cuja profissão nunca descobri.
− Pel Caç Nat 63.
Desembarcado, apanhei uma boleia num camião militar carregado de batatas, que me deixou no "Biafra", depósito de alferes em trânsito por Bissau.
Talvez para impressionarem o periquito, todos se mostraram totalmente apanhados. Quanto ao meu destino foram animadores…
− É, pá, vais para um pelotão de nharros. É só embrulhar. Estás lixado.
Apresentado no Quartel-General, ordenaram-me a partida para o Xime. Tinha que tomar um barco no dia seguinte, às tantas horas.
− Começa mal! Está a pedir uma porrada. As ordens são para cumprir. Desapareça da minha vista!
Desapareci, e o certo é que fui de avião para Bafatá.
Muitos dias, muitos meses, mais de dois anos passaram e eu continuei no mato. (As cunhas funcionavam na perfeição. Chegados a Bissau, em rendição individual, podiam ser encaixados, sem grande escândalo, em qualquer Repartição.)
Entretanto o meu Pelotão foi para a ponte do rio Undunduma e a Missirá voltou o Pel Caç Nat 52, tendo eu permanecido mais três semanas e entrado ainda numa operação, na qual morreram dois soldados africanos que, indo a fumar o mesmo cigarro, accionaram uma mina antipessoal reforçada.
Finalmente, e após uns dias em Bambadinca, embarquei no Xime com destino a Bissau. Recusara à chegada, mas afinal regressava de barco… e ao "Biafra". Agora eu era o velhinho e o apanhado.
No dia da partida, eu que cismara aparecer em Lisboa vestido com o bubu azul, bordado a ouro, que comprara a um djila senegalês em Missirá, resolvera mandar encurtar a vestimenta a um costureiro de rua. Enquanto esperava, passou por mim um furriel conhecido, que me alertou: o voo havia sido antecipado.
Chegado ao aeroporto enverguei o meu traje, causando o espanto e o riso dos passageiros, militares. Eis que sou cercado por um coronel e dois majores, os quais em coro me determinam:
– Não pode ir assim, é uma vergonha, lembre-se que é um oficial....E blá, blá, blá…
Tento contestar:
− Se um fula pode embarcar com um fato europeu, porque não posso eu ir vestido à fula?
Nada feito, se persistir não vou e levarei uma porrada. Obrigado a obedecer, lá entro no avião, no qual segue também o coronel, o que impediu de me fardar a bordo.
Teimoso, porém, mal chego a Lisboa, envergo o grand boubou e é com ele vestido que abraço a família.
Num destes dias vou de novo vestir o meu grand boubou. Pode ser que tenha conquistado o direito a um pouco de loucura. Talvez…
Último poste da série > 11 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26677: Humor de caserna (198): Carlos Fabião, um oficial duplamente superior, grandalhão e brincalhão (António Novais, ex-fur mil trms, Cmd Agr 2951, Cmd Agr 2952 e Combis, Mansoa e Bissau, 1968/70)





























