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sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24586: Fotos à procura de... uma legenda (177): Foto do Abílio Duarte, tirada talvez pelo Cândido Cunha, em Fasse, Paunca: (i) "Furriel com um bebé ao colo"; (ii) "O capitão pode ser o chefão disto tudo, mas é o furriel que me dá a pica cá no sitio"; (iii) "Os furríeis podem ser os mais garbosos, mas quem me trazia as sobras eram os da ferrugem", etc. (Valdemar Queiroz / Chernmo Baldé / Carlos Vinhal / Eduardo Estrela / Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > "Eu, dentro do possível, fazendo psico"...


Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Seleção de comentários a propósito da foto acima, inserida no poste P24579 (*). Oportunidade para os nossos leitores acrescentarem algo mais â(s) legenda(s) possível(eis) (**):


(i) Valdemar Queiroz:

Como lisboetas, eu nem tanto, mas nem se notava os vincos da escorregadela na tábua, e o Duarte andávamos muitas vezes juntos, e grande parte das fotografias a ele próprio são tiradas por mim. Julgo que a da messe é uma delas.

Há muito poucas fotos tiradas em operações, ninguém se lembraria de levar ou nem sequer haver máquina.

Lembro-me daquela foto tirada no mato, o meu Pelotão também foi naquela Operação e eu estou numa imagem na distribuição de rações de combate.

Havia a moda dos slides com belas fotografias que ficaram por ser reveladas para papel. O Duarte tinha um slide extraordinário dum fim de tarde quente e poeirento em Canquelifá, ao vê-lo só falta ouvir algumas palavras em panjadinca que com este calor de agora até isso estamos a sentir.

Uma rectificação, uma das máquinas de fotografias existentes era do 1º. Cabo Pais de transmissões, já falecido, e não fur mil Pais de Sousa, mecânico.

Na bela fotografia do Duarte com uma criança ao colo, parece ser una menina (brincos e roncos) nas nossas acções de psico 'por uma Guiné melhor', talvez na pequena tabanca de Fasse (Paunca).

Esta menina devia ter sido uma bonita bajuda e agora mais de cinquenta anos deve ser uma bela avó que está numa fotografia ao colo de um tuga nos tempos da guerra.

Saúde da boa (,,,)

23 de agosto de 2023 às 14:50


(ii) Cherno Baldé:

Se algum dia tivesse que falar ou escrever sobre uma determinada tipologia ou classe do soldado português que nós admirávamos, essa seria a dos Furrieis, não porque os tivesse conhecido ou convivido de perto, mas porque, no ambiente que conhecemos, na altura, no seio de uma companhia de quadrícula, eles se destacavam por certas características (juventude, empatia, boa disposição, garbo militar, sobriedade, entre outros) que os faziam parecer distintos e, certamente, mais simpáticos que o resto da Malta, era como se tivessem sido especialmente escolhidos a dedo.

É verdade que não se pode generalizar, mas era a impressão com que, na altura, nós ficávamos e, assim como no futebol todos queriam ser o Eusébio e do Benfica, também o Furriel era o nosso modelo preferencial nos momentos das brincadeiras a imitar os adultos.

Em contrapartida, ninguém queria fazer o papel do velho e "rabugento" Sargento da companhia, cuja figura se situava nas antípodas dos Furríeis. Se calhar era o resultado dos conflitos próprios inerentes às suas funções no seio das corporações que fazia com que não fosse muito apreciado dos restantes soldados da companhia.

No entanto, ainda me lembro da parte de uma canção que as bajudas da minha terra, mais discretas e criativas, inventaram para fazer eco destas imagens recriadas a partir das observações sobre os soldados metropolitanos, mostrando o quão a nossa comunidade apreciava os nossos jovens e irrequietos soldados portugueses durante a guerra na Guiné (traduzido da língua fula):

"O Capitão bem que pode ser o chefão cá do sítio, mas é o Furriel que me dá a picadela (injecção) no sitio".

Confesso que, ainda hoje, não consigo vislumbrar o significado desta estrofe da canção, mas nunca mais desapareceram do meu espírito as vozes ritmadas das meninas a cantar nas nascentes e lagoas, enquanto batiam com toda a sua força os pesados camuflados nas pedras de lavar a roupa, tendo como fundo o espaço verde e límpido da nossa bolanha no rio Suncujuma, em Fajonquito.

Mas, colocando à parte o imaginário infantil que nos habitava, na altura, os meus verdadeiros amigos eram os condutores e mecânicos auto entre os quais fiz amizades que perduraram no tempo. Infelizmente, pela lei da vida, estão a partir pouco a pouco para a outra dimensão. No ano passado partiu o Elsa (Oliveira) que, pela primeira vez na vida me entregou o volante do seu Unimog para uma experiência única inesquecível.

Assim, também, apetece dizer que "os Furríeis podem ser os mais garbosos, mas quem me trazia as sobras eram os da Ferrugem".

23 de agosto de 2023 às 20:24


(iii) Carlos Vinhal:

Caro amigo Cherno, o "furriel" Vinhal agradece a tua apreciação sobre a sua classe.

Dizes muito bem, os nossos homens da "ferrugem" eram diferentes para melhor. Lembro-me de o pequeno Salifo, cuja mãe tinha sido morta num golpe de mão a uma tabanca "inimiga", ter sido trazido para o quartel e ficar ao cuidado dos nossos mecânicos. 

Dormia nas suas instalações e eram eles que também lhe proporcionavam roupa e comida, além de lhe ensinarem português em troca de ele ensinar crioulo. Era muito pequenino, teria uns 5 anos.

Às vezes era nosso convidado na messe, onde lhe dávamos-lhe lições de "etiqueta", ensinando-o a comer com talheres, o que para ele era muito difícil. De vez em quando, fazíamos de conta, olhávamos para o lado para ele comer como lhe dava mais jeito, com as suas mãozitas.

Um dia o avô, que vivia na tabanca, exigiu o menino de volta,  o que foi para nós um desgosto. Mas compreendemos.

Pessoalmente, não convivi muito com a população de Mansabá, apesar dos 22 meses de quadrícula: primeiro por me sentir um "invasor" e me achar porventura mal recebido; segundo porque tinha muito trabalho no quartel, além da actividade operacional;  e terceiro ser pouco sociável, fruto talvez do facto de ser filho único e estar habituado a estar só e a não sentir necessidade de conversar.

No entanto, nos momentos de contacto social, fui sempre cortês e respeitador para com aquelas pessoas que eram diferentes de mim porque eram diferentes os seus usos e costumes. Não sendo os africanos, nem mais nem menos do que nós europeus, porque carga de água haviam de ser "convertidos" ao cristianismo? (...)

23 de agosto de 2023 às 22:13

(iv) Valdemar Queiroz:

Tens razão, Cherno Baldé, os Furriéis milicianos eram uns bacanas. Poderia haver um ou outro palerma mais a maioria eram uns gajos porreiros.

Repara como o ex-Furriel miliciano Abílio Duarte pega ao colo a criança-bebé, repara no seu braço esquerdo que a envolve, a segura com todo o cuidado para não cair e aconchegando ao mesmo tempo para não chorar com um "chiu" sorridente para não a assustar.

Esta fotografia é uma obra d'arte, repare-se no braço que segura a menina.
Como não sabemos a patente do militar fotografado,  podemos catalogá-la : "Furriel com um bebé ao colo".

Julgo que a fotografia foi tirada pelo furriel mil Càndido Cunha que era do Pelotão do Abílio Duarte.

Saúde da boa (...)
 
23 de agosto de 2023 às 23:56

(v) Eduardo Estrela:

Subscrevo por inteiro os vossos comentários mas retenho o do Carlos que diz...." Aquelas pessoas que eram diferentes de mim por serem diferentes os seus usos e costumes ".

Em suma, a sua cultura que era tão ou mais valiosa do que a nossa.

Os furriéis milicianos tinham que gramar com os seus superiores e ouvir e conciliar os seus subordinados.

Para além de que, duma forma menos direta, contribuíram para que o 25
de Abril fosse em 1974 e não em data posterior.

Abraço fraterno. (...)

24 de agosto de 2023 às 13:16

(vi) Luís Graça:

Querem história mais linda do que a do nosso camarada e amigo Manuel Joaquim, ex-fur mil armas pesadas inf da CCAÇ 1419 (Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), hoje professor do ensino básico reformado, que trouxe para a sua casa e educou, como padrinho, o "nosso minino Adilan", o Zé Manel, o José Manuel Sarrico Cunté...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2015/12/guine-6374-p15500-decaras-26-os-homens.html

Mais do que ser furriel, sargento, alferes ou capitão, miliciano ou do quadro, é(era) a formação humana e moral de cada um de nós que conta(va)... no trato com a população da Guiné... E, claro, a liderança, a orientação superior, o exemplo que vem de cima...

Eu posso dizer que, no geral, tive orgulho nos camaradas que me couberam em sorte (praças, graduados, especialistas, europeus e africanos). Claro, como em todos os rebanhos, há sempre uma "ovelha ranhosa"...

24 de agosto de 2023 às 15:15

__________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24579: Por onde andam os nossos fotógrafos ? - Parte IIB: Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479 / CART 11, “Os Lacraus” (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24321: Facebook...ando (28): Convívio anual da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) em que apareceu, pela primeira vez, o Pechincha, que já não via desde 1969 (Abílio Duarte)


CART 2479 / CART 11, "Os Lacraus", 1969/70 > Convívio > Moita, Praia do Rosário > 13 de maio de 2023 > Um grupo de resistentes... O primeiro da esquerda para a direita, na primeira fila (sentados): eu, Abílio Duarte, o Pais de Sousa, o Manuel Macias, o Alf Martins e um camarada condutor, que agora não recordo o seu nome. De pé, e também da esquerda para a direita: o Pechincha, o Silva, o Reina, o Saraiva, o Artur Dias e o Cândido Cunha.

Foto (e legenda): © Abílio Duarte (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Foto e mensagem do Abílio Duarte, postadas na página do Facebook da Tabanca Grande, em 16 do corrente, 17h09:

[Foto à direita: Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479 (que em janeiro de 1970 deu origem à CART 11, Os Lacraus, que por sua vez em junho de 1972 passou a designar-se CCAÇ 11), Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70]

Continuando a recordar. Foto do último almoço-convívio, dos veteranos da CArt 2479  (CArt / CCaç 11), Guiné 1969/70. 

Encontrei o Pechincha, que já não via desde 1969, quando se desenfiou para Bissau. Cá vamos resistindo. 

Nesta foto, temos pessoal que nos acompanhou, desde Penafiel  à Guiné, como o Manuel Macias, o Cândido Cunha, o Pechincha, o Pais de Sousa (Fur Mecânico), o Silva (Fur Transmissões), o Reina,  o Alf Martins, meu Comandante de Pelotão, e outros soldados e cabos, como o Dias e o Saraiva. Tudo em forma. Abraço a todos. Abílio Duarte.

2. Comentário do editor LG:

Abílio, obrigado, pela fotos e pela legenda, agora mais completa. Finalmente, "apanhamos" o Pechincha, que era há muito procurado, "vivo ou morto"... O Macias também é nosso tabanqueiro... O Valdemar, infelizmente, não foi ao vosso convívio, por razões de saúde (conhecidas de todos), nem é "facebook...eiro", embora seja um ativo comentador do nosso blogue. O Cândido Cunha gostava de o ver aqui, mais vezes, a "dar a cara",  passando a integrar a Tabanca Grande. O convite que lhe fiz há muito, continua válido... Um alfabravo para esses  todos "lacraus", que estiveram comigo em Contuboel... em junho/julho de 1969... 


Espinho > Silvalde > Fevereiro de 1969 >  CART 2479 / CART 11 >   IAO, Instrução de Aperfeiçoamento Operacional > Uma "foto histórica" um "ninho" de lacraus, designação do pessoal da futura CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche, Paunca, 1969/70)

CART 2479 constituiu-se no RAL 5 em Penafiel, no ano de 1968, como subunidade do BART 2866, desmembrando-se desta unidade em fevereiro de 1969, e embarcando com destino à Guiné no dia 18, aonde chegou a 25 do mesmo mês

O  percurso operacional da CART 2479 na zona leste, foi longo, fixando a sua sede em Nova Lamego, no Quartel de Baixo em setembro de 1969; passou por Bissau, Contuboel, Nova Lamego,  Piche; o comandante era o cap mil art Analido Aniceto Pinto (1934- 2014) (trabalhou na Galp Energia, com o nosso Tony Levezinho, da CCAÇ 12); foi extinta em 18 de janeiro de 1970, passando a companhia a designar-se CART 11; em maio de 1972 a CART 11 passou a designar-se CCAÇ 11. No CIM de Contuboel, no 1º e 2º trimestre de 1969l formaram-se, entre outras, as futuras CART 11 / CCAÇ 11 e CCAÇ 12.

Na foto, e graças aos contributos do Valdemar Queiroz  e do Abílio Duarte, podemos identificar os seguintes 1ºs cabos milicianos (futuros furriéis milicianos. "Lacraus" da CART 2479 / CART 11), da esquerda para a direita:

(i) na primeira fila, Manuel Macias (8), Pechincha (que era de operações especiais) (7), Abílio Duarte (5) e Aurélio Duarte (, de Coimbra, falecido em 2015);

(ii) na segunda fila, Canatário (que era apontador de armas pesadas) (9); o Ferreira (
vaguemestre) (10);  o Cândido Cunha (3)") (**) ; e o Abílio Pinto (11);

(iii) na terceira fila,  o Vera Cruz ("este rapaz era um tratado a jogar à lerpa, bons momentos, muito stressado, mas com saída com as miúdas na Guiné"(13); e o Renato Monteiro (já falecido, em 2021) (2):

(iv) na última fila, o Bento (14), o Sousa (já falecido (4), (14) e o "indomável Valdemar Queiroz da Silva, grande contador de histórias" (1).

"Todos duma excecional colheita de "bioxene", garante o Valdemar.  Na foto faltam os restantes da colheita, os ex-fur.mil. Pais de Sousa (Mecânico), Silva (Transmissões) e Edmond (Enfermeiro).

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine.]
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Nota do editor:

quarta-feira, 16 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23084: Passatempos de verão (28): Nova Lamego, CART 2479/CART 11 (1969/70), escola de cabos: duas fotos, sete diferenças (Valdemar Queiroz)


Foto nº 1 > Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > Escola de cabos

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.] (*)


Foto nº 2 > "Escolarização nas imediações de um aquartelamento, Guiné-Bissau: um graduado do Exército português ensina Matemática, numa escola improvisada a africanos radicadis naquela colónia"

In: Renato Monteiro e Luís Farinha > "Guerra Colonial: Fotobiografia". Lisboa, Publicações Dom Quixote e Círculo de Leitores, 1990, pág 166.



1. O Valdemar Queiroz mandou-nos, na passada quinta feira, dia 10, estas duas fotos que são parecidas, tiradas no mesmo local, mas são de fotógrafos diferentes... Ou de álbuns diferentes... Ele foi capaz de identificar sete diferenças entre uma e outra...

Ele é um excelente observador, está sozinho em casa, gerindo com estoicismo e inteligência emocional uma doença crónica, tramada, como é a DCOP - Doença Crónica Obstrutiva Pulmonar. A família mais próxima, a do seu filho, está na Holanda. Só vem à rua em caso de extrema necessidade, para abastecer a despensa, por exemplo, ou ir às urgências hospitalares. Muito menos pode abrir as janelas em dias como estes em que o céu de Portugal está estranhamente alaranjado por causa da tempestade de areia que vem do deserto do Saara.

Vamos colaborar com ele neste "passatempo"... Vamos ajudá-lo também a amenizar a sua dura jornada diária. Ele já nos confessou que o nosso blogue é, para ele, uma companhia diária imprescindível. E está grato a quem, de vez em quando, se lembra dele e lhe telefona.

Ainda não é verão (há de chegar, no seu devido tempo, haja saúde e paz!), mas vamos publicá-lo na nossa série "Passatempos de verão" (**).

Criada em 22/7/2012, a série chamava-se originalmente "Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor"... Continua a ativa e a fazer apelo à (cri)atividade do leitor. Curiosamente, foi lançada na véspera do "nosso querido mês de agosto", que já não sabemos o que é desde 2019. 

Na altura queríamos chegar, no final do mês de agosto, aos 4 (quatro) milhões de visualizações... e no final do ano  de 2012 aos 600 (seiscentos) grã-tabanqueiros (membros registados na Tabanca Grande). 

Neste momento (março de 2022)  já chegámos aos 13,4 milhões de visualizações e aos 858 membros da Tabanca Grande.

PASSATEMPO

"Bom Observador: Quais as sete diferenças entre as duas imagens?" (Foto nº 1 e foto nº 2)


Soluções num próximo poste.


Saúde da Boa,
Valdemar Queiroz

PS - Luís: quando publicares no blogue este meu Passatempo, se quiseres podes fazer referência à fotografia que aparece no livro "Guerra Colonial: Fotobiografia", mas essa foto [a nº 2] é do Cândido Cunha que a emprestou ao Renato Monteiro para o efeito.


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Notas do editor:

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22646: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte VIII: Contuboel , Fajonquito e Sonaco. Gravidez da Otília (Jan - ago 1966)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel > Rio Geba > 1969 > Uma belíssima foto de uma lavadeira, em contraluz. O Valdemar Queroz atribuiu os créditos fotográficos ao seu "irmão siamês" Cândido Cunha.

Foto (e legenda): © Cândido Cunha / Valdemar Queiroz (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da (re)publicação do "Diário de Guerra", do nosso camarada açoriano e escritor Cristóvão de Aguiar (1940-2021), que faleceu na passada dia 5, aos 81 anos (*).

Organização: José Martins; revisão e fixação de texto (para efeitos de publicação no nosso blogue): Virgínio Briote (,a partir da parte VI, Carlos Vinhal).

Estes excertos, que o autor cedeu amavalmente ao José Martins, para divulgação no blogue, fazem parte do seu livro "Relação de Bordo (1964-1988)" (Porto, Campo das Letras, 1999, 425 pp). (**)



Cristóvão de Aguiar.
Foto: Wook (com a devida vénia...)


Diário de Guerra


por Cristóvão de Aguiar


(Continuação)

Contuboel, 12 de Janeiro de 1966


Ontem o nosso batalhão, Sete de Espadas [,BCAV 757, Bafatá, 1965/67] , so­freu dez mortos numa emboscada [, em Sare Dicó, na estrada Fajinquito-Canjambari]  Tinha ficado com o meu pelotão na base, para montar a segurança e dar apoio logístico, quando, pouco depois de terem par­tido para uma operação no mato do Caresse, terra-de-ninguém e de muita pancada, se ou­viram grandes rebentamentos na direcção que tinham tomado. 

Uma hora e pouco mais tarde, chegou uma viatura com os mortos a trouxe-mouxe sobre o estrado da carroça­ria. Ti­nham morrido ali como tordos, de­pois de os guerrilheiros te­rem lançado algumas gra­na­das defensivas para o interior da GMC. 

Fiquei encar­regado de transportar aquela carne humana para Fa­jon­quito, sede de uma compa­nhia tam­bém pertencente ao nosso bata­lhão.



Guiné > Carta geral da província (1961) > Escala 1/599 mil > Posição relativa de Sare Dico, na estrada entre Fajonquito e Canjambari, ondee forma mortos em combatem no dia 11/1/1966, dez militares da CCS/BCAV 757 (Bafatá, 1965/67).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)


Fajonquito, 13 de Janeiro de 1966


Enquanto o capelão procedia às exéquias fú­nebres e rezava missa campal por alma dos dez mortos irreconhecíveis, safei-me, re­voltado, para um canto solitário, longe de toda aquela cruel comédia desumana. E pe­guei da esferográfica e do meu caderninho e fui escrevinhando:

O VISIONÁRIO

Rasguem-se as corti­nas do sacrário,
Onde ficou Jesus aprisionado
Tal como há dois mil anos no Cal­vário
Pregado num madeiro, ensanguentado...

Era Sua Pala­vra pão sagrado
E o gentio que escutava o Visionário
De tal arte ficou maravi­lhado
Que O elegeu seu re­volucionário...

Depois, o tirano, opressor do povo,
Julgando apagar esse Sol novo
Mandou matar o vate desordeiro...

Crucificaram-no então no Calvário:
- Está agora a ferros num sacrário,
Não vá Ele tornar-se guerrilheiro...


Bissau, 17 de Janeiro de 1966

Vim ao aeroporto de Bissalanca esperar a Otília, que vem passar uns meses comigo nesta guerra. Se calhar, foi uma loucura da mi­nha parte. Sem dúvida que foi. E egoísmo. Chame-se-lhe o que se quiser, mas, an­tes de morrer, gostava de deixar descendência. Ficámos instalados no Grande Hotel de Bis­sau, que só tem grandeza no nome.


Contuboel, 19 de Janeiro de 1966


Acabámos de chegar de Bissau, eu e minha Mulher. A nossa casa é um espaço vago, quarto e corredor, que me cedeu o Chefe de Posto e que fica contíguo ao edifício. Não há água nem electricidade. Alumiamo-nos a petro­max. A água virá todos os dias do quartel, que fica a meia dúzia de pas­sos, para um barril que coloquei na extremidade do corredor oposta à porta de en­trada, onde, com um reposteiro, fiz um pequeno compartimento que vai servir de cozinha.

Antes de minha Mulher chegar, arranjei o nosso quarto o melhor que pude: consegui uma cama de casal, pus cortinas nas janelas, cujo pano comprei no comércio do libanês e que um alfaiate indígena depois talhou, acertou e coseu, mandei fazer uma mesa de boa ma­deira africana. 

Este é que é verdadeiramente o chamado amor e uma ca­bana.


Contuboel, 14 de Fevereiro de 1966

A Otília está grávida, pelo menos tem to­dos os sintomas de uma mulher nesse estado: enjoos, vómitos. Se for mesmo ver­dade, isto significa que, se me for desta para melhor com um qualquer tiro desgo­vernado, já deixo rastro atrás de mim. Um filho engendrado na guerra!

Contuboel, 16 de Março de 1966

Fomos hoje a Fajonquito, povoação a mais de vinte quilómetros de distância, onde também se encontra uma Companhia de Ca­çado­res. A Otília foi comigo, a fim de consultar o médico, meu companheiro da República Corsários das Ilhas, em Coimbra, e muito nosso amigo. 

A Otília queixa-se das pernas, parecem picadas de mosquitos, mas não são. O Ormonde de Aguiar, assim se chama o meu velho companheiro de Coimbra, disse que se tratava de uma qualquer doença de pele e deu-lhe uns medicamentos para o efeito.


Contuboel, 7 de Abril de 1966

Quando vou para o mato por dois ou três dias, a Otília não tem medo de ficar sozinha em casa. É mesmo uma mulher de armas! Fica bem guardada pelas sentinelas que os cipaios fazem dia e noite ao Posto Ad­ministra­tivo, além de ter o quartel à mão de semear. O medicamento que o Or­monde lhe recei­tou fez muito bom efeito: já não tem nada nas pernas.


Contuboel, 23 de Abril de 1966

Faz hoje um ano que desembarcámos em Bis­sau. Não me esqueci de des­carregar a cruz na casa do calendário. Esta é já a tricen­tésima, sexagésima sexta, se me não engano. Esta­mos já a dobrar o cabo tormentó­rio. A partir de agora, começa o tempo a de­s­cer. É a altura de se principiar a ter muito cuidado com a vida, que a morte gosta de pregar partidas nestas ocasiões lembra­das.

Sonaco, 30 de Julho de 1966

O meu pelotão foi finalmente destacado para aqui, que, no meio deste inferno, é um lugar sofrível. A Otília prefere aqui estar. Temos uma espécie de casa de paredes de adobes e coberta de colmo, mesmo ao lado do quartel, mais fresca do que a de Contuboel. Da porta de trás da casa, dou as minhas ordens ao pessoal da cozinha sobre a ementa do dia. Temos aqui uma pista térrea onde poisa uma Dornier com facilidade. É lá que treino a minha con­dução no jipe que per­tence ao destacamento.


Sonaco, 9 de Agosto de 1966

A Otília fez hoje anos e por isso houve rancho me­lhorado. Dormimos com as janelas das traseiras abertas por via do calor e do peso da humidade. Para evitar que os mosquitos e outra bicheza, aqui aos milhares, mordam a gente, mantemos aceso um repelente do qual se evola uns fuminhos cujo odor intenso os afugenta. 

O pior são os gatos que vêm ao cheiro da comida e fa­zem, por vezes, uma estreloiçada de me pôr maluco. Ando com os nervos em franja, por isso qualquer barulho, por mais pequeno que seja, põe-me transtornado. Uma noite destas fui acor­dado e apanhei tal susto que peguei logo da espingarda, encostada à parede, à ilharga da cama do meu lado, acordei a Otília, disse-lhe que ia disparar, que se não assustasse, poisei o cotovelo esquerdo na sua já proeminente barriga, apoiei o cano da arma na mão canhota meio em concha, encostei a coronha ao ombro direito, fiz pontaria e dis­parei, uma, duas vezes. 

Matei um gato e os ou­tros desape­garam-se. A Otília não me disse sequer uma palavra mais azeda e tinha toda a ra­zão para o fazer. Virou-se para o ou­tro lado e principiou logo a dormir.

(Continua)
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Notas  do editor:

(*) Vd. poste de 6 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22606: In Memoriam (410): Luís Cristóvão Dias de Aguiar (1940-2021), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 800 (Contuboel e Dunane, 1965/67), falecido no dia 5 de Outubro de 2021

(**) Último poste da série > 16 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22634: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte VII: Contuboel e Dunane (entre Piche e Canquelifá) (Out - dez 1965)

sábado, 10 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22360: In Memoriam (397): Renato Monteiro (Porto, 1946 - Lisboa, 2021), ex-fur mil, CART 2439 / CART 11 (Contuboel e Piche, 1969), e CART 2520 (Xime e Enxalé, 1969/70)... "Morreu o meu querido amigo, no passado dia 7... Escrevo a notícia a chorar" (Valdemar Queiroz)


Guiné > Zona Leste  > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 (futura CART 11)  > O Renato Monteiro à esquerda e o Cândido Cunha, à direita.

Foto: © Renato Monteiro (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Lisboa > 20 de junho de 2019 > Uma foto para a eternidade... O último convívio, num restaurante, para uma sardinhada, de quatro Lacraus... Da esquerda para a direita: Renato Monteiro  (1946-2021), Abílio Duarte, Valdemar Queiroz e Manuel Macias, todos ex-fur mil da CART 2479 / CART 11, "Os Lacraus" (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70). O Abílio já não estava com o Renato há mais de 30 anos... A pandemia de Covid-19 e os problemas de saúde (do Renato e do Valdemar) não permitiram que esta sardinhada se repetisse em 2020 e muito menos em 2021.

Foto (e legenda): © Abílio Duarte (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; tem mais de 120 referências no nosso blogue]:
 
Date: sábado, 10/07/2021 à(s) 16:25
Subject: Morreu o Renato Monteiro

Morreu o meu querido amigo Renato Monteiro.

Morreu mais um dos nossos queridos camaradas,  também passou as passas de Piche e do Xime. 

Só soube agora  pelo telefonema do seu grande amigo Cândido Cunha, morreu no passado dia 7 de Julho de 2021. 

Ele telefonou-me no dia 27 do mês passado, que estava mal e ia para o hospital, mas pareceu-me ser mais uma crise DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica), agora começo a pensar se não seria uma despedida. 

Morreu o Monteiro, nunca mais o ouviremos dizer:
 
Quando abrires
o teu armário,
das surpresas imprevistas
não desistas, não desistas.
E se encontrares dentro dele
roupas velhas
amachucadas
desbotadas
ouse  vires viscosa aranha
com peçonha no seu ventre
olha para ela de frente,
que ela passa sem tocar-te.
Não desistas, não desistas.

Os meus sentidos pêsames à sua esposa Guida,  a quem ele no dia 18 de Fevereiro de 1969 acenou com um lenço vermelho até deixarmos de ver Lisboa a caminho da guerra na Guiné.

Estou a chorar.

Anexo uma foto do Monteiro com o seu grande amigo Cândido Cunha.
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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22332: In Memoriam (397): Actor Carlos Miguel Bugalho Artur (1943-2021), ex-Fur Mil Amanuense do CMD AGR 1980 (Bafatá, 1967/68), falecido no dia 19 de Junho de 2021 (José Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5)

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22178: 17º aniversário do nosso blogue (6): homenagem às "nossas lavadeiras" (Valdemar Queiroz / Cândido Cunha)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel >  Rio Geba  > 1969 > Uma belíssima foto de uma lavadeira, em contraluz. O Valdemar Queroz atribuiu os créditos fotográficos ao seu "irmão siamês"  Cândido Cunha.

Foto (e legenda): © Cândido Cunha / Valdemar Queiroz (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Espinho > Silvalde > Fevereiro de 1969 > CART 2479 / CART 11 > IAO, Instrução de Aperfeiçoamento Operacional > Uma "foto histórica" um "ninho" de lacraus, designação do pessoal da futura CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche) > O Cândido Cunha é o nº 3... Os restantes (cujas cabeças são visíveis); o Ferreira (vaguemestre) (10), o Abílio Pinto (11), o Manuel Macias (6), Pechincha (que era de operações especiais) (7) e o Abílio Duarte (5).
 
Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]
 
Date: quinta, 6/05/2021 à(s) 15:41
Subject: Homenagem às "nossas lavadeiras"
 
Luís, como tens passado? Agora é aguentar até tratar do problema,  bem diferente do que seria numa comissão (#) em Bambadinca/Xime que serviu de tarimba para enfrentar dificuldades. 

Como homenagem às "nossas lavadeiras" anexo uma fotografia, uma das extraordinárias fotografias do nosso blogue, duma lavadeira em plena laboração na "lavandaria do Geba", em Contuboel.

Esta bela fotografia que faz parte do meu álbum, julgo ser de autoria do Cândido Cunha, fur mil da minha CART 11, tirada à silhueta da bajuda em movimento, que com melhor máquina apanharia os pingos da roupa e poderia muito bem ser uma obra de arte fotográfica.

Tratava-se duma das primeiras visitas à "lavandaria" para ver as bajudas a lavar roupa, não seria propriamente só ver a lavar roupa, aproveitando para uns mirones  às  belas bajudas fulas em topless.

Ó  por cá (1969/70) ainda o topless na praia era proibido ou nem sequer pensado, só começando a aparecer nas praias do sudoeste alentejano com as belas loirinhas alemãs ou holandesas. Essas não se importavam de fotos dos embasbacados mirones católicos que até para não serem mal educadas vestiam uma t-shirt e pediam uma cópia como recordação. 

Tal como por cá acabaram negócios em pequenas localidades (p.ex. Vendas Novas, Mafra) devido aos Quarteis de preparação de tropa p'ra guerra, também  nas tabancas da Guiné acabou o negócio das lavadeiras.

Com ironia... como o vinho matar a fome a milhões de portugueses, é uma chatice acabar com o negócio da guerra. 

Abraço e força com isso
Valdemar Queiroz

(#) Também utilizado como 'comissão de serviço', mas fique bem claro não se tratar de percentagem cobrada sobre um serviço prestado.
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segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21218: Efemérides (332): Foi há 51 anos a emboscada noturna de Sinchã Lali, no subsetor de Piche, a um grupo IN que fora roubar a população... Participação, entre outros, do 3º Gr Comb da CART 11, "Os Lacraus", com os fur mil Abílio Duarte e Cândido Cunha (mais a sua cadela 'Judy'), o Pel Caç Nat 65, e uma secção da CART 2440 (Valdemar Queiroz)


Guiné > Região de Gabu > Piche > CART 11 > Agosto de 1969 >  O regresso das NT...  O fur mil Cândido Cunha, do 3º Gr Comb, é o primeiro do lado esquerdo. Ao fundo, os "djubis", os putos, da povoação, aclamando as tropas vitoriosas...

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Gabu > Mapa de Piche (1957) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Piche e das tabancas de Copiró e Sinchã Lali, bem como dos rios Perade e Caium, este delimitando a fronteira.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


1. Mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; tem mais de 110 referências no nosso blogue]

Date: domingo, 2/08/2020 à(s) 17:52
Subject: Emboscada feita pelas NT

Faz 51 anos este mês, que o 3º. Pelotão da CART 11, "Os Lacraus",  fez parte de uma emboscada ao IN, perto de Sinchã Lali,  na zona de Piche.(*)

Julgo serem muito raras as emboscadas feitas ao IN pelas NT e muito mais raras seriam as feitas de noite. Nunca se saía do Quartel para o mato durante a noite.

A nossa CART 11 estava em intervenção em toda a zona Leste e 3º. Pelotão dos ex-fur mil Cândido Cunha (**) e Abílio Duarte foi o escalado para esta acção de combate.

As NT, comandadas pelo Capitão Paquim, saiu do Quartel de Piche já de noite, tendo o grupo do IN entrado na zona de morte da emboscada  perto da meia-noite.

O Cunha contou um pormenor da nossa cadela Judy, que o acompanhou desde a viagem no Timor até ao fim da comissão, sem ninguém se aperceber também seguiu com eles e teria rosnado  quando a frente do grupo IN entrou na zona de morte precipitando/iniciando assim o nosso ataque.

O outro nosso ex-fur mil Abílio Duarte que também fez parte da emboscada,  foi atingido várias vezes na cara, sem gravidade, pelos cartuchos em brasa vindos das nossas armas. O Cunha e o Duarte poderão explicar tudo muito melhor, por terem tido parte activa nesta acção de combate.

Esta emboscada  ficou por nós baptizada com o pomposo 'A Batalha de Sinchã Lali'.

Anexo o texto, da nossa "História da Unidade", sobre a emboscada e uma fotografia do regresso da NT pela manhã a Piche em que aparece o Cunha (1º. no lado esq.).

A fotografia é uma das grandes fotografias do nosso blogue. O regresso dos nossos soldados e alegria habitual dos 'djubis'  a recebê-los, que merece ser comentado.

 Valdemar Queiroz
2. CART 11 > História da Unidade > Agosto de 1969 > A emboscada de Sinchã Lali

O 3º. Gr Comb [da CART 11], com o Pelotão de Caçadores Nativos 65 e uma secção da CART 2440, comandados pelo Snr Capitão Paquim da Costa, comandante da CART 2440, toma parte na montagem duma emboscada na região do Rio Perade (Piche), a fim de interceptar na retirada um grupo IN não estimado, que tinha sido referenciado por alguns elementos da população em Sinchã Lali, as quais informaram o Comando do Batalhão.

Aproximadamente às 24h00, parte do grupo IN entrou na zona de morte. Iniciado o fogo das nossas NT, o IN ripostou utilizando armas ligeiras, morteiros, lança-roquetes e metralhadora pesada, acabando por dispersar precipitadamente, deixando um morto no terreno e sinais de arrastamento de oito corpos com grande quantidade  de sangue. 

Abandonou o produto do roubo (vacas, galinhas, artigos de vestuário e domésticos, géneros alimentícios, etc.) efectuado em Sinchã Lali e Copiró.


As NT permaneceram emboscadas até ao amanhecer, executando então uma batida à região e recolhendo material diverso e documentos, tendo  regressado ao Aquartelamento às 08h30 sem registar qualquer baixa. O material apreendido foi uma espingarda Simonov 10 granadas de RPG  e várias munições de Kalashnikov.

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Notas do editor:


Sobre o Cândido Cunha [, o nº 3, nesta foto de grupo, em Silvalde, Espinho, em fevereiro de 1969], que ainda não é membro (registado) da Tabanca Grande, escreveu o Valdemar Queiroz o seguinte (em comentários a um poste de de 1 de julho de 2019);

(...) Ainda estou à espera de um relato dele sobre a Judy, a cadela setter que foi connosco para a Guiné e que ele cuidava amorosamente, principalmente o relato do que se passou na viagem no Timor e numa emboscada feita numa noite da zona de Piche em que a cadela também foi com a nossa tropa.

Já tenho alinhavado a "A 'Judy' também foi prá guerra" mas faltam estes importantes relatos.

Quanto ao resto o Cunha é uma pessoa extraordinária. Eu costumo dizer que ele teve comportamentos surrealistas/naïfs que não lembrou aos verdadeiros autores desses movimentos artísticos. (...)


(...) O  Cunha é meu 'irmão siamês' na tropa. Entramos os dois na parte da tarde do mesmo dia em Santarém, na  EPC, depois fomos para Vendas Novas, EPA, tirar a especialidade, depois fomos colocados na Figueira da Foz (RAP3) mas ele ficou na EPA a dar instrução, depois fomos para Silvalde, Espinho, e por fim para a Guiné. Sempre Juntos.

O Cunha era músico e tocava nas boîtes noturnas, durante vários anos perdi o contacto ele, há anos que nos juntamos nos Convívios anuais e sei que é já há muitos anos afinador de pianos, profissão que ainda desempenha.

Por várias vezes tenho lhe pedido para ele escrever para o nosso Blogue, mas ele não gosta de exibições. Ainda estou à espera. (...)

(...) Coronel Miliciano Lukas Titio, assim é que era. Temos que concordar que era uma alcumha surrealista. 'Cor Mil' [, coronel miliciano,]nnão lembra ao diabo. 

Uma das máximas do Cunha e bem surrealista passou-se na EPA - Vendas Novas, quando ele lá ficou a dar Instrução depois de acabar a Especialidade.

Foi numa reunião da Bateria de Instrução com todos Aspirantes, Furriéis e Cabos Milicianos que tratavam sobre as tarefas do dia, que o Cunha mandou um VRRRRRRR!!!!,  assustando os presentes. 'Mas o que se passa,  Cunha?',  perguntou um dos Aspirantes. 'Como estou a desenhar este novo modelo Lukas Titio, experimentei os motores', respondeu o Cunha, apontando para os desenhos de carros que estava a fazer enquanto decorria a reunião. (...)

(...) Mas com todo o seu [ar] surrealista não deixou de ser um grande exigente nas várias acções de combate na Guiné, incluindo ter feito parte da célebre emboscada de Sinchã Lali feita ao IN na região de Piche. (...)

sábado, 16 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20978: FAP (120): Ainda o trágico acidente com o T6 - 1795. em Canquelifá, de que resultou a morte do fur mil pil Moutinho (Valdemar Queiroz / Abílio Duarte / Cândido Cunha, CART 2479 / CART 11, 1969/70)


Guiné > Região de Gabu > Canquelifá > Dezembro 9169 >  O Abílio Duarte examinando os restos do T6

Foto (e legenda): © Ab+ilio Duarte  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao poste P20973 (*):

Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]

É interessante verificar como se pode 'arranjar um abatido em combate', até parecia uma informação do PAIGC.

Eu, com o meu 4.º Pelotão cheguei a Canquelifá em 14 ou 15/12/1969. Fomo-nos juntar a outro Pelotão da nossa CART 11 reforçando a CART 2439 na defesa de Canquelifá que tinha sido fortemente atacada na semana anterior.

Quando lá cheguei já tinha acontecido [, em 4/12/1969,]  o desastre com o T6 que resultou a morte do piloto Moutinho. Não me recordo de nenhuma conversa sobre o que aconteceu.

Recordo-me muitas vezes de Canquelifá por causa do meu amigo, já falecido, ex-fur.mil. Aurélio Duarte e da bonita tabanca com uma placa à entrada desejando 'Bem-Vindo às Termas de Canquelifá,  com o desenho do repuxo e tudo.


Abílio Duarte, foto abaixo: ex-fur mil, CART 2479, mais tarde CART 11 e, finalmente, já depois do regresso à metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa Companhia de “Os Lacraus de Paunca” (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70); está reformado como bancário do BNU - Banco Nacional Ultramarino]

Como já referi anteriormente, conheci este malogrado camarada, no dia do seu último aniversário e véspera do acidente.

Esteve connosco na nossa Messe, em Nova Lamego (Quartel de Baixo), onde o meu camarada Furriel Mecânico Pais de Sousa, era seu amigo.

Em relação aos comentários de agora, tenho a dizer o seguinte. Ele estava aquartelado no edifício do Batalhão, uns quarteirões mais acima, do nosso local. Não me apercebi que ele estivesse alcoolizado. Não acredito.

Os T-6, tinham ficado em Nova Lamego, toda a noite, e saiu no dia seguinte para Canquelifà, reabasteceu e voltou a levantar voo, tendo tido uma avaria, tentou regressar à pista e o avião despenhou-se, tendo ficado todo calcinado.

A outra versão que leio agora, estranho muito, pois estive em Canquelifá, por vários períodos (15 dias) em reforço da guarnição, e nunca ouvi comentar, que ele tenha sido atingido pelo inimigo.

Portanto, e até provas em contrário, para mim ele teve um problema no avião e não conseguiu aterrar em condições. Em anexo mostro uma foto onde eu estou vendo o T-6 destruído, e por lá ficou por muito tempo.


Espinho > Silvalde > Fevereiro de 1969 > CART 2479 / CART 11 > IAO, Instrução de Aperfeiçoamento Operacional > Uma "foto histórica" um "ninho" de lacraus, designação do pessoal da futura CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche) > O Cândido Cunha é o nº 3... Os restantes (cujas cabeças são visíveis); o Ferreira (vaguemestre) (10), o Abílio Pinto (11), o Manuel Macias (6), Pechincha (que era de operações especiais) (7) e o Abílio Duarte (5).

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine.]


Cândido Cunha [, vd. foto acima]

O último voo do "T-6 1795" em Canquelifá

A causa da queda do T-6 em 4/12/1969, foi que, ao levantar voo ainda a baixa altitude, o nosso querido e malogrado piloto Alberto Moutinho, ao notar uma pequena falha e perda de potência no motor da aeronave, ao invés de tentar ganhar velocidade mantendo a altitude que já de si era perigosamente baixa, puxou para si o manche e, logo a aeronave caiu como uma pedra sobre uma tabanca, tendo uma velhota, que dela tinha saído, escapado por escassos metros.

Fomos dos primeiros a chegar ao avião envolto em chamas e vimos vários camaradas tentando partir a carlinga tentando retirar o querido e malogrado piloto. Entre eles o cozinheiro da 2439.

Copos, anti-aéreas e outras divagações, não. Por favor!

Abílio Duarte

Desconfiava que naquela altura havia lá gente da nossa Companhia, mas não tinha a certeza, se tu assististe à tragédia, é porque eu ainda não andava contigo e estava no 1º Pelotão, pois como sabes acabamos o nosso degredo no 3.º Pelotão.

Eu ainda hoje não consegui descobrir, porque é que passei do 1.º para o 3.º. Uma vez perguntei ao nosso falecido Capitão o porquê, e ele muito alentejano me disse "é a guerra Duarte... é a guerra".

Abraço, velho Lacrau. Por onde nós andamos... e ainda vamos por aí, depois de caganeiras, paludismos e toda a merda que havia, estamos agora em casa de prevenção. As voltas que a vida dá.

PS - Meu Caro Coronel Miliciano Lukas Titio, gostei que aparecesses aqui neste nosso blogue. Como diz o Valdemar, tu estiveste lá, nos piores dias da nossa CART 11, em Canquelifá. Bem hajas, abraço.


2. Segundo António Martins Matos [, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74[, "na zona de Canquelifá nunca houve AAA. Houve Strelas, mas isso já foi em 1974."

O António J. Pererira da Costa, por seu turno, confirma:

"Concordo com a afirmação do António Martins Matos. Nessa altura, o PAIGC dispunha de ZSU-23-4, mas só no Quitafine (próximo de Cacine). Creio que já não seriam muitas. A FAP tinha-as destruído uma a uma (cap pilav Jesus Vasquez e outros)." (*)
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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 14 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20972: FAP (119): O último voo do "T-6 1795" e a morte do Fur Mil Pil Alberto Soares Moutinho, em 4/12/1969. O acidente dever-se-á a pouco depois da descolagem o avião ter embatido com a ponta da asa numa árvore, despenhando-se de seguida (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12)

Vd. também poste de 13 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20968: FAP (118): O último voo do «T-6 1795» em Canquelifá, e a morte do fur mil pil Alberto Soares Moutinho, em 4/12/1969 (Jorge Araújo)

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19937: 15 anos a blogar desde 23/4/2004 (10): o misterioso homem da piroga, afinal um rapaz do nosso tempo, o Renato Monteiro, que fez a "fotobiografia" da nossa guerra... Foi "lacrau", da CART 2479 / CART 11, andou por Contuboel e Piche, levou uma porrada, foi parar à CART 2520, ao Xime, ao Udunduma e ao Enxalé...



Guiné > Região de Bafatá  > Contuboel > Centro de Instrução Militar de Contuboel > Junho de 1969 >  A dolce vita dos dois primeiros meses de comissão...  Em primeiro plano, Luís Graça (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) e Renato Monteiro (CART 2479 / CART 11), em passeio pelo Rio Geba. Ao fundo, a velha ponte e açude, de madeira, sobre o rio Geba Estreito, onde o Renato Monteiro, um dia, esteve prestes a morrer afogado, à minha frente!...

Como legenda a esta foto, do meu álbum, eu escrevi o seguinte em 2005:

"Nunca mais encontrei o meu amigo Monteiro que, segundo creio, é o coautor de um livro que li e apreciei muito sobre a guerra colonial (Renato Monteiro e Luís Farinha - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: D. Quixote, 1990, 307 pp)"... 

Acabei pro receber, passados uns tempos, em 4 de julho de 2005, a seguinte mensagem, assinada pelo Renato Monteiro:

 "Amigo Luís: Muito surpreendido por me rever numa piroga no rio Geba. Na verdade, não me lembrava desse episódio. Não menos espantado por rever a picada do Xime e outros locais que, passado tanto tempo, ainda se encontram bem presentes na minha memória... Lamento, ao contrário, não ter reconhecido ninguém nas fotos nem, sequer, te referenciar. Não sei a explicação. Sou, na realidade, coautor do livro que referes. Fico ao teu dispor para o caso de quereres comunicar, e feliz pela Internet ter possibilitado este reencontro. Um abraço, Renato Monteiro".

Foto (e legenda): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Este texto esteve guardado, durante quase um ano, até ser publicado em 23 de junho de 2006 (*)... Não o fiz por respeito à vontade (tácita) do seu autor, que eu conheço de Contuboel, do Centro de Instrução Militar de Contuboel, dos brevíssimos meses de junho e julho de 1969, e de quem perdi depois, completamente, o rasto (mas não o rosto)... O rosto vim a reconhecê-lo na contracapa de um livro (Renato Monteiro e Luís Farinha - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: D. Quixote, 1990, 307 pp)... Enfim, uma estória singela de encontros e desencontros já aqui evocada no nosso blogue, em 23 de junho de 2006 (**)...

"O misterioso homem da piroga", que me conduzia, rio Geba Estreito abaixo, havia embarcado para a Guiné em 18 de fevereiro de 1969, três meses antes de mim. Fazia parte da CART 2479 / BART 2866 (***)... Passou por Contuboel (Junho/Julho de 1969) e depois por Piche, acabando por mudar de companhia, por motivos disciplinares...

A porrada (, dez dias de detenção,) valeu ao Renato a mudança de companhia: foi colocado no Xime e depois no Enxalé, na CART 2520 (1968/70)... Por pouco tempo, já que o paludismo apressou-lhe o fim da comissão: evacuado do Hospital 241 foi transferido para o HMP, em Lisboa, em 4 de Setembro de 1969.

Tudo para justificar a quebra de um compromisso e dar a conhecer, aos restantes camaradas e amigos da Guiné, uma camarada da Guiné, com uma história de vida e uma sensibilidade singulares, um homem "desalinhado" como alguns de nós, e sobretudo que sabe pôr em palavras muito daquilo que sentimos e vivenciámos na tropa e na guerra, ou não fosse ele um poeta, um artista, um fotógrafo.

O Renato há  muito que me perdoou eu ter-lhe retirado um pouco do seu mistério... (LG)


2. Diga se me ouve, escuto!

por Renato Monteiro

[ex-fur mil,  CART 2439 /, CART 11, Contuboel e Piche, 1969/ CART 2520, Xime e Enxalé, 1969/70);  licenciado em história pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi professor do ensino secundário; tornou-se um notável fotógrafo do quotidiano, com obra feita (vários álbuns publicados desde 1998; e tem pelo menos 20  blogues de fotografia). Nasceu em 1946, no Porto, vive em Lisboa]


Amigo Luís:

Apesar dos inúmeros apagões (alguns intencionais) sobre o capítulo da minha história (desde o embarque ao regresso), tenho a ideia de, nesse tempo, ser sempre dos últimos a chegar à formatura. A falta de pontualidade acabava sempre por constituir motivo sério de repreensão (inúmeras vezes repetida) pelo Comandante da Companhia [, cap mil art Analido Aniceto Pinto (1934- 2014), foi funcionário da Galp Energia):
- Ó Monteiro, um dia destes, dou-lhe uma porrada!

É bem provável que te recordes do sujeito: um tipo excessivamente baixinho, que nunca foi capaz de fazer uma meia volta - volver sem criar a impressão de mover-se numa matéria adesiva, impedindo a rotatividade livre dos calcanhares. Era também conhecido  por filtrar as sílabas e as vogais através do cornetim nasal, em vez do uso comum das cordas vocais quando comunicava com o pessoal...
comandante:

Não vale a pena adicionar, a estas, outras características inerentes ao sujeito para perceber como, a partir de certa altura, o regime, com um número cada vez mais insuficiente de quadros permanentes, não teve outro remédio senão mandar para as urtigas os manuais de selecção de pessoal para as três frentes... Em determinada fase do campeonato, os recursos humanos deixaram de se preocupar com a questão dos perfis: servia qualquer um.

Como não alterei, em nada, esta inclinação espontânea para o desalinho, acabei por propiciar o cumprimento da promessa nasalada do capitão, cedo demais, em Piche, para onde fôramos transferidos.

Após 10 diz de detenção domiciliária, em situação de incomunicável, acabei por ser recambiado para o Xime, com um grande sentimento de luto, sobretudo em relação aos africanos do meu pelotão (com quem trocava imensas estórias) para além de me ver afastado do companheirismo de um ou outro camarada, especialmente do furriel Cunha (mais conhecido por Canininhas) que, tendo sensivelmente a mesma estatura da do capitão, não era tão baixinho quanto aquele!

Natural do Barreiro e filho de um palhaço, herdara do pai um grande humor (que muito ajudou a contrariar a propensão para uma revolta amarga que me deixava a falar sozinho), sendo, ainda, dotado de uma aptidão fora de série para tocar qualquer instrumento. (Hoje não faz outra coisa do que andar pelo país fora, a concertar órgãos e pianos gripados...).

Desde a aterragem no Aeroporto da Portela (1969),  vi-o apenas três vezes: uma com o propósito de me facultar o diário da companhia [, a história da unidade,]  (a CART 2479); outra para me ceder algumas fotos tiradas por si na Guiné (algumas das quais figuram no livro Guerra Colonial: Fotobiografia, 1990); e uma outra a pretexto de beber um copo...

Seguramente que a personalidade do Canininhas, vertida para a literatura, não careceria de muita elaboração ficcional, bastando quase só transcrevê-lo... E, pergunto-me se não terá sido ele o autor da foto da Piroga do Geba, já que uma das suas fixações era, para além de perfilhar uma gazela (!), adquirir uma câmara fotográfica...

Como tu, é difícil recordar o terceiro camarada que se encontrava connosco e a quem , afinal, se fica a dever este inesperado reencontro entre nós e, com uma certa memória de mim próprio...

Ao contrário da maior parte das pessoas que conheço (e crê, não me vanglorio desta particularidade) nunca mais cuidei em revisitar os antigos companheiros... Sequer os que integravam a Companhia sediada no Xime que incorporei [, a CART 2520].

Salvo os graduados, a maior parte [da CART 2520] era constituída por malta recrutada no Alentejo, tendo como comandante [, o cap mil António dos Santos Maltez,]  um homem com quem apenas troquei duas ou três brevíssimas conversas, uma das quais em torno de livros que líamos e autores que apreciávamos.... Igualmente miliciano, de formação católica, de quando em quando, procedia a uma breve cerimónia no centro da parada, junto a um padrão ou coisa do género, onde lia umas passagens da Bíblia a muito poucos (meia dúzia ?) de soldados que, voluntariamente, o acompanhavam...

Ao que julgo, era professor de Química e, apesar de não recordar o seu nome (imagina, como trabalhei para a evaporação destas memórias),  conservo dele a melhor das lembranças... Aceitava pacificamente a minha tendência para o desalinho (se é que dava por isso) e eu respeitava-o.

A partir do Xime, como sabes, a par das incursões que se faziam em direcção (por vezes mais aparentes do que efectivas) às bases ou acampamentos dos Turras (devidamente assinalados no mapa da tua página), mantínhamos um contacto regular com Bambadinca para o reabastecimento logístico.


Guiné > Região de Bafatá  > Setor L1 (Bambadinca) > Estrada Xime - Bambadinca >  CART 2530 (1969/70) > Destacamento da Ponte do Rio Udunduma >1969 > "Lembro-me de poucos momentos, desse tempo, a cores… Ponte do Rio Udunduma onde nos banhávamos e, à falta de um aparelho de pesca capaz, houvesse quem apanhasse peixe à granada… Vê-me, Luís, esse par de bidões, e diz-me se não são uma ternura!"...

Ponte do Rio Udunduma. A segurança desta ponte era vital para as NT. Ficava a 4 km de Bambadinca e a 7 do Xime. No célebre ataque a Bambadinca, em 28 de maio de 1969, a guerrilha tentara dinamitá-la. Desde junho de 1969 a ponte era defendida por 2 secções da CART 2520 (Xime) e, mais tarde, por um Gr Comb da CCAÇ 12 (a partir do final do ano de 1969), alterando com o Pel Caç Nat 52, comandado pelo alf mil  Beja Santos (transferido de Missirá para Bambadinca em Novembro de 1969, sendo substituído em Missirá pelo Pel Caç Nat 54, do alf mil  Correia). Havia apenas abrigos individuais, extremamente precários: bidões de areia com cobertura de chapa de zinco, e valas comunicando entre os abrigos individuais.

Foto (e legenda): © Renato Monteiro (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]-

A Ponte de Rundunduma, próximo daquela aldeia (e que se encontra igualmente ilustrada na tua página), foi ocupada inicialmente pela secção de que fazia parte. [Trata-se de Amedalai, LG...]

No dia em que lá chegamos, a preocupação prioritária foi a de cavar uma vala, vertiginosamente, operação deveras penosa mercê da dureza do terreno, e de no dia seguinte tratarmos de construir uns frágeis abrigos, com os usuais bidões, enchidos com pedra e areia cobertos por folhas de zinco.

Imaginarás como nos sentíamos tão vulneráveis, sobretudo à noite, face a uma hipotética investida do IN. A expectativa de sermos atacados, com os parcos dispositivos de defesa e o reduzido número de homens que dispúnhamos, causava-nos uma grande intranquilidade... Alturas houve em que apenas dormitava durante o dia, por temer a probabilidade de virem a incomodar-nos de noite, estando ainda por perceber a que razão de não nos terem visitado... Ora, para serem bem sucedidos, nem precisariam de grande ousadia!

À volta do rio, nos charcos, o insistente coaxar das rãs era-me tão insuportável que a custo simulava junto da Guida a irritação que me provocava o pitoresco e pacífico som daquelas sujeitas quando, mais tarde, as surpreendíamos nos lagos do nosso namoro!

Apesar de partilhar com os demais aquele sentimento permanente face à iminência das emboscadas e flagelações aos aquartelamentos (que acabaram episodicamente por suceder) onde me senti, apesar de tudo, menos desconfortável (se assim posso dizer) foi no Enxalé, para onde fui destacado.

Aí, tive a oportunidade de retomar o contacto com as comunidades africanas, balantas e mandingas, que coabitavam, paredes meias, com o destacamento. Através da leitura recente que fiz a registos dessa altura, soube (para minha surpresa) que cheguei a ter perto de cem alunos aos quais procurava ensinar a falar e a escrever a língua portuguesa,  utilizando como espaço lectivo um antigo armazém de um colono, que se pôs em fuga no início da Guerra... [Trata-se do Pereira do Enxalé, pai da nossa grã-tabanqueira Maria Helena Carvalho. ]

Mas o pior de tudo foi ter sido incumbido de gerir a logística e de me ver obrigado a aplicar as formas de camuflar o saldo negativo que ingenuamente (?) herdara do camarada anterior, enquanto aguardava, ansiosamente, pela nossa transferência para a ilha de Bissau, onde viria a ser internado no Hospital com uma infecção que me proporcionou o regresso, dois meses antes do previsto, a Lisboa.

Logo no início desta longa resenha falava-te da falta de pontualidade em chegar às formaturas. Amigo Luís, essa lacuna mantém-se até hoje. Não apenas em relação às coisas que se comparam com a seca das formaturas, mas também com as que envolvem prazer, como o simples acto de responder-te...

Em parte, este deixar para amanhã o que deve ser feito logo, prende-se com a falta de tempo ou, melhor dito, com a forma como o ocupo...

Disso te darei notícia, tão breve quanto possível, aproveitando para responder às tuas últimas palavras.

Um grande abraço,
Renato
Lumiar, 28 - 7- 05 (****)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de junho de 2006 > Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)

(**) Vd. poste de 23 de junho de 2006 > Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)

(****) Sobre a CART 2479 / CART 11, sabemos o seguinte:

(i) a CART 2479 [tem mais de meia centena de referências no nosso blogue) constituiu-se no RAL 5 em Penafiel, no ano de 1968, como subunidade do BART 2866, desmembrando-se desta unidade em fevereiro de 1969, e embarcando com destino à Guiné no dia 18, aonde chegou a 25 do mesmo mês;

(ii) o percurso operacional da CART 2479 na zona leste, foi longo, fixando a sua sede em Nova Lamego, no Quartel de Baixo em setembro de 1969;

(iii) passou por Bissau, Contuboel (Centro de Instrução Militar), Nova Lamego, Piche;

(iv) comandante: cap mil art Analido Aniceto Pinto (1/6/1934- 27/2/2014) (trabalhou na Galp Energia);

(v) foi extinta em 18 de janeiro de 1970, passando a companhia a designar-se CART 11 [, tem cerca mais de 90 referências no nosso blogue];

(vi) em maio de 1972 a CART 11 passou a designar-se CCAÇ 11 [tem cerca de 4 dezenas de referências].

(****) Último poste da série > 18 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19899: 15 anos a blogar desde 23/4/204 (9): o ataque a Sare Banda, destacamento da CART 1690 (Geba, 1967/69), em 8 de setembro de 1968: o alf mil Carlos Alberto Trindade Peixoto e o fur mil Raul Canadas Ferreira jogavam às cartas, à luz de petromax, foram mortos por uma roquetada (A. Marques Lopes)