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sexta-feira, 14 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24476: Notas de leitura (1597): Histórias dos “Boinas Negras”, por Jorge Martins Barbosa; Fronteira do Caos Editores, 2018 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Julho de 2023:

Queridos amigos,
É o itinerário do costume, cerca de meio século depois um alferes recebe a incumbência de juntar os elementos soltos, os testemunhos de outros participantes daquela guerra, não fica esquecido o jornal "O Boina Negra", um mensário, pasme-se, ficamos com uma ideia clara de como evoluiu a guerra nesta área do Quínara, Jabadá, Enxudé, Tite, Fulacunda, Nova Sintra, ali participou e teve o seu maior desastre um grupo de combate da 15.ª companhia de Comandos, fez-se obra, conta-se a verdade, olhando para aquele mapa e na sequência das operações, a população afeta ao PAIGC produzia alimento e os guerrilheiros não estavam inativos. Motivo maior de satisfação terá sido o regresso voluntário de população dispersa no setor. Coube a Jorge Martins Barbosa dar forma de livro, ele que tivera tanta responsabilidade no jornal, foi cuidadoso dirigindo-se primeiro a leigos e depois mais diretamente aos "Boinas Negras". Iniciativa tão tocante que teve sequência noutra obra que em breve iremos falar.

Um abraço do
Mário



Histórias dos “Boinas Negras”, a CCAV 2482, 1969-70

Mário Beja Santos

Compete a Jorge Martins Barbosa, alferes do 4.º pelotão da CCAV 2482 explicar ao leitor o essencial do percurso dos “Boinas Negras”, entre fevereiro de 1969 e dezembro de 1970, nessa altura ainda o autor não sabia a repercussão que a obra ia ter junto da rapaziada de outras companhias, isto para alertar que temos outras histórias para vos noticiar. Estas são da autoria de Jorge Martins Barbosa, Fronteira do Caos Editores, 2018. Teve a preocupação de explicar a leigos a localização, dimensão e ambiente da Guiné-Bissau onde os “Boinas Negras” combateram, dá-nos conta da mobilização e a preparação da companhia, integrada no BCAV 2867 (lema: Somos Como Somos – Audácia, Coragem, Decisão, Firmeza); dá conta de pormenores dessa mesma mobilização e sua partida para a Guiné em 23 de fevereiro de 1969. O comandante de companhia (hoje coronel reformado) era o Capitão Henrique de Carvalho Morais.

Ficamos a saber que o batalhão tinha um jornal, o “Boina Negra”, e dá-se a seguinte informação: “Quando – a partir de 31 de julho de 1961 – o Exército Português começou a utilizar a boina como parte do seu fardamento, a mesma era de cor preta, por bastantes em stock. Todavia, ao fim de algum tempo a boina negra foi reservada para a Arma de Cavalaria, assim como a verde para Paraquedistas, a vermelha para Comandos, etc. Visando uma maior uniformização, e procurando evitar eventuais rivalidades entre as diferentes Armas, cedo foi obrigatória a utilização exclusiva da boina castanha para todas as unidades do Exército português". Por despacho do General Spínola, de 28 de maio de 1970, os “Boinas Negras” foram autorizados a utilizar a boina negra no teatro de operações da Guiné. A sede do batalhão era Tite e as unidades espalhavam-se por Fulacunda, Nova Sintra e Jabadá. Os “Boinas Negras” embarcam em 4 de março rumo ao porto de Enxudé. Na manhã de 8 ocorre a primeira calamidade. Pedro Graça, padeiro na vida civil, de Abitureiras, Santarém, apresentado como homem são de eterno sorriso, pisa uma mina antipessoal na carreira de tiro de Tite, a perna direita fica reduzida a um coto. O PAIGC irá praxá-los com flagelações. Começa a vida dos operacionais a visitar as tabancas vizinhas do aquartelamento.

A primeira operação a nível do batalhão irá levá-los até Bissássema, passam por tabancas abandonadas, contornam bolanhas e lalas, Spínola aparecerá na manhã seguinte. Aqui e acolá Jorge Martins Barbosa socorre-se de trabalhos de Rogado Quintino para nos apresentar os povos da Guiné. Já estamos em abril, prosseguem os patrulhamentos e emboscadas, há recontos com o PAIGC, nova mina antipessoal estropiou um pé ao 1.º Cabo Agripino Cascalho. Em finais de abril, o Comando-Chefe impõe nova operação, envolve tropas do batalhão, meios navais e aéreos, vão em direção à região de Gampará, dão com campos agrícolas cultivados, há flagelações, dia e noite. Na manhã seguinte está toda a tropa junta, a operação demorara 5 dias, regressam com as fardas sujas e rasgadas, foi descoberto e capturado muito arroz e fardamento.

Martins Barbosa vai apresentando as etnias guineenses e eis que chegou a ordem da companhia partir para Fulacunda, houvera uma curta estadia na região do Gabu, em Canjadude, faz-se uma larga descrição do apoio ali dado. Voltam para Fulacunda, prossegue a vida operacional e dá-nos o relato do pior desaire da 15.ª Companhia de Comandos que sofreu 7 mortos, quando iam a caminho do porto, para reembarcar para Bissau. Haverá depoimento de Luciano Garcia Lopes, que era o Comandante de Companhia, e é hoje Major-General reformado (foi meu instrutor em Mafra, em 1967), é um relato merecedor de leitura para nos apercebermos das vicissitudes a que pode estar sujeita mesmo um contingente militar que tem o apelativo de tropa de elite. Se aquele mês de agosto de 1969 não correra bem, setembro começou mal, António Cardoso pisa uma mina antipessoal. Sucedem-se os patrulhamentos, as operações a nível do batalhão, caso da operação “Sexto Desforço” na região de Gã Formoso. Os “Boinas Negras” recebem o reforço de dois obuses. Em novembro, quando um pelotão “Boina Negra” seguiu para Nova Sintra, uma Mercedes acionou uma mina anticarro provocando mortes e feridos graves. Em janeiro, o jornal “O Boina Negra” publica o seu n.º 6, Spínola agradece o exemplar recebido.

E assim se passam uns meses, em março, quando a companhia já completara um ano sobre a data da sua chegada à Guiné, o ativo operacional merecia distinção. Mas o PAIGC também não dava descanso, flagelações sob o quartel e a tabanca. Nesse mesmo mês, os “Boinas Negras” vão até à região de Cufada (operação “Cabeça Negra”), trarão no regresso população e gado. Haverá obras de beneficiação em Fulacunda, novo fontanário, construção de uma escola, funcionará uma classe de ginástica. Em agosto, as chuvas aumentaram de intensidade, mesmo assim os “Boinas Negras” montaram emboscadas e efetuaram patrulhamentos. O autor observa que o PAIGC aumentou de atividade, flagelando mais vezes o aquartelamento do setor e conseguindo que as populações dessem menos informações às nossas tropas. No mês de setembro sai do 19.º jornal “O Boina Negra”, terá ainda um 20.º com a publicação das fotografias de todos os “Boinas Negras”. Há informações que se encontrava em Injassane, a leste de Fulacunda um grupo de foguetões, mas o mês decorreu sem foguetório. A comissão caminha para o fim, regressam no Uíge em 22 de dezembro de 1970, no Cais da Rocha do Conde de Óbidos aguardam-nos os familiares e o Pedro Graça, vítima de uma mina antipessoal em 8 de março de 1969.

A obra inclui depoimentos, como o do Major-General Luciano Garcia Lopes, o testemunho do Alferes Miliciano Médico Rustom Framrose Bilimória, do Alferes Ilídio Vaz Saleiro Maranhão, dos Furriéis Carlos de Jesus Gouveia Rodrigues, Daniel Resende de Oliveira, Domingos Robalo, do 1.º Cabo Júlio Gago de Almeida, do Soldado Patrício Manuel dos Santos, Fernando Agostinho de Sousa Duarte, Jorge Ferreira Damásio dos Santos, Carlos Alcântara da Conceição Domingues, do 1.º Cabo António dos Santos Craveiro e Susana Duque, filha do Furriel José Alberto Sequeira Duque. Segue-se um álbum de imagens da comissão e a lista completa dos “Boinas Negras”.

A obra permite estudar a evolução da guerra nesta região do Quínara entre 1969 e 1970.


No interior da capela do quartel de Tite, imagem pertencente a Nicolau da Silva Esteves, ex-1º cabo radiotelegrafista do BCAÇ 1860, com a devida vénia
Bolanhas de Tite a caminho de Enxudé. Foto de José da Câmara, ex-furriel militar da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56
A placa afixada na parede pode ler-se, “Administração de Fulacunda”. Notar o traje do “antes da guerra”. (fotografado circa 1960). Adaptação de foto, cortesia do Instituto de Investigação Científica Tropical, Arquivo Histórico Ultramarino.
Imagem parcial do quartel de Fulacunda. Foto gentilmente enviada por, Carlos Silva, ex-furriel militar do BCAÇ 2879 / CCAÇ 2548; originária de Paulo Bastos, Pel Caç Ind 953
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24468: Notas de leitura (1596): "O Capitão Nemo e Eu, Crónica das Horas Aparentes", por Álvaro Guerra; Editorial Estampa, 1973 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21358: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (6): a evaporação das cervejas


Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > s/d > Largada de frescos e correio, de paraquedas... Foto do álbum de Herlânder Simões, ex-fur mil da companhia de "Os Duros de Nova Sintra", de rendição individual, tendo estado no TO da Guiné, em Nova Sintra e depois Guileje, entre maio de 1972 e janeiro e 1974.

Foto ( e legenda): © Herlânder Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Quínara > Mapa de São João (1955) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bolama, São João, Nova Sintra, Serra Leoa, Lala, Rio de Lala (afluemte do Rio Grande de Buba)


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


1. Mais uma pequena história do Carlos Barros, um de "Os Mais de Nova Sintra", 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974:


Cervejas evaporadas… 

por Carlos Barros


É o mês de reabastecimento em Nova Sintra e a coluna auto e os militares que prestavam segurança, iam a caminho de Lala, local de atracagem das LDG e LDM no rio de Lala, afluente do rio Grande Buba. 

Chegado ao local, esperavamos pela chegada das lanchas e, enquanto aguardavamos, uma criança africana que tinha sido transportada numa Berliet de Nova Sintra, pega num fio de electricidade, com um chumbo improvisado, um “joelho” de canalização enferrujado, um anzol com isco e lançou ao rio. 

Passados cinco minutos sente-se um grande puxão e o miúdo alou a “pesqueira” e pescou um grande peixe-serra que foi puxado para a margem e, com uma afiada faca do mato, foi morto e esquartejado , servindo mais tarde, de alimento para a tabanca. 

Um dos graduados do 3º grupo de combate levou uma granada ofensiva e lançou-a para um cardume de peixes que nadavam à superfície e, após da explosão, só se viam peixes “à tona” e só foi recolhê-los para uma caixa que serviram de jantar, na Messe para os graduados, e quase todos comeram, menos o sargento Rasteiro, para nós, “persona non grata”… 

Foi o regresso das viaturas e militares ao destacamento , sendo conferido todas as bebidas e materiais transportados e, como  era habitual, faltavam cervejas … 

Como desapareciam, todos nós sabíamos e o Rasteiro ficava “fulo” pela “evaporação” das cervejas que eram transportadas em caixas de cartão e em contacto com a água, no transporta para as viaturas, o cartão desfazia-se e as cervejas caiam para o rio mas podem acreditar que não ficavam lá… 

As viaturas “ marchavam” de regresso a passo de caracol para dar tempo aos soldados beberem as suas cervejas para arrelia do Rasteiro… 

Naturalmente que nós, graduados, sabíamos da marosca e eramos cúmplices.  A tropa manda(va) desenrascar… 


Carlos Barros, Nova Sintra 1974 (**)


[Carlos Barros, ex-fur mil. 2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), membro da Tabanca Grande  nº 815; vive em Esposende; é professor reformado]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de maio de  2007 > Guiné 63/74 - P1747: Tabanca Grande (8): Herlânder Simões, ex-Fur Mil, um dos Duros de Nova Sintra (1972/74)

domingo, 13 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21352: Em bom português nos entendemos (25): Quínara, Quinara ou Quinará?... Uma 'ciberdúvida'... (Luís Graça / Cherno Baldé)



Mapa da Guiné-Bissau: destaque, a vermelho, para a região de Quínara (, adotamos a grafia que era usada pela cartografia militar portuguesa). Fonte: adapt de Wikipedia, com a devida vénia...


Guiné > Região de Quínara > Carta de São João (1955) > Escala 1/50 mil > O topónimo QUÍNARA (GUÍNALA), tal como foi grafado perlos Serviços Cartográficos do Exército

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


1. Comentário do editor Luís Graça (*)

Um "ciberdúvida" para o nosso especialista em questões etnolinguísticas, o nosso irmãozinho Cherno Baldé, que mora em Bissau:

A palavra "Quinara":

(i) é esdrúxula (QUÍ-NA-RA) ?

(ii) é grave (QUI-NA-RA) ?

(iii) ou é aguda (QUI-NA-RÁ) ? 

Eu pronuncio-a sempre como se tivesse o acento tónico na antepenúltima sílaba... QUÍ-NA-RA. (Se  for erro,  é um erro sistemático que tenho aqui cometido, no blogue.)

O Gonçalo Inocentes escreve QUI-NHA-RÁ que, suponho, não existe... Ele devia  querer dizer QUI-NA-RÁ... (*)

Na nossa cartografia militar, parece ter sido  grafado o vocábulo QUÍ-NA-RA (palavra esdrúxula, acento tónico na antepenúltima sílaba): vd. por exemplo mapa de São João, de que se publica um excerto).

Mantenhas. Luís Graça

PS - Na Wikipedia pode ler-se; (...) " Quinara (também Quinará) é uma região da Guiné-Bissau, cuja capital é a cidade de Buba. Possui 60.777 habitantes (2009), correspondente a 4,19% da população do país" (...). [Compreende quatro setores: Buba, Empada, Fulacunda, Tite.]

2. Resposta do Cherno Balde_

Data: quinta, 10/09, 13:40 (há 2 dias)


Caro amigo Luis,

Ao que tudo indica, e confirmando uma regra geral no caso dos topónimos guineenses, a palavra (e a grafia) "Quínara" é portuguesa e resultou da corruptela da palavra "Guínala" que designava uma parte dos três principais reinos biafadas do séc. XIX, criados em consequência do deslocamento destes que, empurrados pelas guerras de conquista dos fulas em revolta contra o jugo mandinga/soninqué na segunda metade do séc. XIX, depois de mais de 6 séculos de submissão e escravidão na região oeste africana da Senegâmbia.

Assim, Quínara em português seria uma palavra esdrúxula como referes e corresponde mais a pronúncia fula do que os outros grupos étnicos, mas para a maioria dos outros grupos do mosaico guineense, na sua forma verbal, as três formas são aplicáveis sem que subsistam quaisquer contradições ou mal entendidos.

Aliás, devo dizer que no meio biafada a forma mais corrente é a forma aguda com acento na última sílaba [Quinará], que combina com a pronúncia da palavra de origem "Guínala" que na historiografia portuguesa não tem acento, mas deve-se pronunciar daquela forma. [Mas tem na carta de São João.]

Juntamente envio um extracto de um interessante texto de uma dissertação de mestrado de um portugués apresentado no nosso instituto (ISCTE-IUL) em 1991, para dar um cheirinho pitoresco da epopeia biafada e fula no surgimento do chão que passou a ser conhecido por Quinara ou Quinara [. Esse excerto será publicado oportunamento: o autor,   Manuel Portugal Almeida de Bivar Abrantes,a grafia Quinara, palavra grave.] (**)

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

3. Resposta de LG, em 10 set 2020, 21h10:

Obrigado, Cherno, és uma referência inestimável e insubstituível. O teu saber sobre a tua terra é uma prova de amor pátrio. Fico sempre muito sensibilizado pelo teu carinho pelos teus e por nós. Fica bem, meu irmãozinho. Luís

4. Nova nensagem do Cherno Baldé:

Caro Luís: esqueci-me de te dizer que, também, no extracto do texto do jovem investigador português escrito a partir de uma narrativa oral dos biafadas, podes encontrar a origem do nome do rio Geba e do regulado de Badora, descrito nos seguintes termos:

"(...) Andando, andando, andando, e a sede a apertar, os meninos e as mulheres a chorar. Mas lá em baixo, um rio. Levaram a água à boca - – “esta é doce! Bádjéba, a Geba dos brancos. Seguiram para Badora - cano de arma antiga e comprida dada pelo irã (cr.) aos biafadas para que os fulas não ousassem fazer a guerra".

Abraço,
Cherno Baldé 
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Notas do editor: