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quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23852: Notas de leitura (1529): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte IV: Os cafés de estudantes e a crise académica de 1962 em Lisboa (Luís Graça)

 


Capa do livro de José  Pardete  Ferreira - O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971. Lisboa : Prefácio, D.L. 2004. 169 p., [12] p. il. : il. ; 24 cm. (História militar. Memórias de guerra). ISBN 972-8816-27-8.

1. O ex-alf mil médico José Pardete Ferreira (1941-2021), membro da nossa Tabanca Grande,  que, infelizmente,  nos deixou há quase dois anos (em janeiro de 2021),  é o autor de "O paparratos", um livro que pode ser classificado  como um misto de narrativa histórica e de autobiografia,  em que a realidade e a ficção se misturam. Já fizemos, no passado,  três notas de leitura do livro (*),

A obra, a que o autor chama "romance", tem como subtítulo "novas crónicas da Guiné, 1969/71". Mas o arco temporal da acção   é maior, abarcando, no essencial, a década de sessenta e de setenta (até ao 25 de Abril), com dois acontecimentos marcantes de que o autor foi, ele próprio, protagonista: (i)  a crise académica de 1962; e (ii)  e a sua mobilização, em fevereiro de 1969, para o teatro de operações da Guiné, como alferes mil médico.

 Uma das personagens da narrativa é o João Pekoff (um "alter ego" do autor, José Pardete), apresentado como estudante activista da crise académica de 1962, em Lisboa, ligado à JUC - Juventude Universitária Carólica,  e depois médico no CAOP, em Teixeira Pinto  (de fevereiro a junho de 1969) e no HM 241, em Bissau (até ao princípio de 1971).

Lisboeta, nascido em 1941, filho único, morava, com os pais, no Bairro das Colónias, frequentando, desde cedo, o Café Colonial (que ainda hoje existe, na Av Almirante Reis, aos Anjos; inaugurado em 1934, foi tertúlia e café de estudantes, transformado entretanto em pastelaria, em 1978, hoje Café Pastelaria Colonial).

João Peckoff / José Pardete passou pela Mocidade Portuguesa e a JEC (Juventude Estudantil Católica), enquanto estudante de liceu, e depois pela Acção Católica, a JUC e a Pax Romana - Movimento Internacional de Estudantes Católicos, enquanto estudante de medicina.  Praticou desporto de alta competição na CDUL e no Sporting (onde foi, nomeadamente, guarda-redes nas equipas de andebol)...Além de cirurgião, especializou-se mais tarde em medicina desportiva...

Participou também na organização da assembleia mundial do Movimento Internacional de Estudantes Católicos — Pax Romana, que se realizou em Lisboa, 1960 (vd. cap 16º, "A Pax Romana", pp. 111), ao lado de outros católicos portugueses, como Antero Silva Guerra / António Sousa Franco (?),   Márcia Luisa Piriquita / Maria de Lurdes Pintassilgo, Telma Santana Guera / Teresa Santa Clara Gomes... e outros/as (que não conseguimos identificar). 

2. Interessa-nos dar a conhecer, melhor, aos nossos leitores, essa época da Lisboa dos anos 60, e nomeadamente da crise académica de 1962, vista pelos olhos de João Pekoff, sobre o qual, aliás, o autor diz que  "não tinha grande formação política" (p. 47), o que não o impede ser um dos  "atores" que pisaram o "campus universitário" desse ano histórico (e sobretudo  sua testemunha privilegiada e, ao mesmo tempo,  um crítico da liderança estudantil em Lisboa)... 

Delicioso, como já o dissemos,  é o retrato que ele faz faz de alguns dos históricos dirigentes  do movimento estudantil dessa época: não é difícil descobrir por detrás do pseudónimo Ernesto Figueira, estudante de medicina, a  figura do futuro psiquiatra Eurico Figueiredo (n. 1939, em Vila Real), ou do João Santos, estudante de direito, o futuro presidente da República, Jorge Sampaio. Ambos frequentavam, tal como o João Pekoff, o Café Roma, junto à Praça de Londres, na Av de Roma (pp.  23 e ss). 

Também achámos, na altura, interessante "a ronda dos cafés" (pp. 81 e ss.), uma reconstituição do roteiro histórico dos cafés de estudantes e tertúlias da Lisboa dos anos 50, 60 e 70 (até ao 25 de Abril). Tínhamos prometido falar deste roteiro. Surge agora a oportunidade.(**)

Mal ou bem, os cafés das Avenidas Novas (Roma, Vá-Vá, Monte Carlo...) estão associados, nos anos 50/60/70, à boémia estudantil, animação cultural e sobretudo uma certa atmosfera de "contestação e conspiração" dos jovens que frequentavam a universidade naquele tempo em Lisboa (nomeadamente a Universidade Clássica de Lisboa: letras, direito, filosofia, história...;  mas  também a Universidade Técnica de Lisboa (UTL), frequentada igualmente pelos alunos da Academia Militar que cursavam as engenharias, sem esquecer, na 7ª colina, no Quelhas, o Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF), hoje ISEG. (Desde os anos 30 que estava integrado na UTL.) 

Ainda não havia em 1962, o ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa (criado em 1972, no Campo Grande e depois com instalações modernas (que eu fui inaugurar) na Av das Forças Armadas. A sua criação está associada ao nome de outro "católico progressista", o Adérito Sedas Nunes.

Já existia, isso, sim, o Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU), designação criada em 1962, para o antigo Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (ISEU), herdeiro da Escola Superior Colonial (fundada em 1906)... Mas em 1962 era rapaziada ordeira, "situacionista", que tinha emprego garantido no Utramar português, como admistradores coloniais, antropólogos, assistentes sociais, etc. O que não impediu que a contestação estudantil de 1969 lá chegasse, e forte, sobretudo entre a malta de economia... E, claro, também ainda não havia a Universidade Nova de Lisboa, criada no fim do marcelismo, em 11 de agosto de 1973...

Fiquemo-nos pela "cidade universitária", circunscrita ao Campo Grande/Saldanha, ou seja, afinal, à Universidade Clássica de Lisboa.... Dizia-se que o Salazar, provinciano e coimbrão, sempre quis, em Lisboa, os diferentes estabelecimentos de ensino superior universitário, "higienicamente" separados no espaço... Ele lá tinha as suas razões.

O maior destaque é dado ao Café Roma... Mas havia outros cafés frequentados por estudantes, escritores, intelectuais, jornalistas, homens e mulheres do cinema e do teatro,  e demais figuras da vida cultural da cidade no início dos anos 60:

(...) Continuando a ronda alargada dos cafés lisboetas que acolhiam estudantes, é de lembrar o Café Minabela, na Amadora,  não esquecer o Café Monte Carlo, onde pontuava o imponente Pena Peres  [não descortinamos quem fosse o personagem por detrás deste pseudónimo]. , nem a Leitaria próxima, na Duque d'Ávila, que tinha sofrido uma carga a cavalo da GNR (...). 

Não se olvida , do mesmo modo, o Monumental, nem o D. Rodrigo, na Avenida D. Rodrigo da Cunha, aquela via larga que liga a Avenida Gago Coutinho às traseiras da Igreja de São João de Brito, em Alvalade. No D. Rodrigo um castiço trauteava, quase em permanência, as canções de Jacques Brel, muito em voga naquele período, tais como "Le Diable"  e "Les Flamandes" (...).

Provavelmente o mais famoso e icónicos dos cafés desta época é o Monte Carlo, a par do Vá-Vá, duas referências obrigatórias dos roteiros históricos dos cafés lisboetas da época ... Mas, ainda de acordo com o autor que temos vindo a citar:

(...) A Pastelaria Biarritz e a Casa dos Caracóis (...) mantêm-se de pedra e cal. Já o mesmo não se pode dizer do celebérrimo Monte Carlo que deu lugar a uma loja de uma cadeia espanhola de venda de vestuário  [Zara].  Tão pouco o Monumental cumpriu as promessas de antanho. (...). (pág,  81).

(...) É um risco calculado não se citar  com deferência o Vává, o Londres, a Mexicana, e tantos, tantos, tantos mais que, embora omissos, bem por sombras estão esquecidos. Neles, não eram só os estudantes que faziam pulsar a cidade e que viviam 'nessa Lisboa que eu amo', como diz a marcha (...).

Como em Lisboa não havia a típica república da Academia de Coimbra, cada estudante  vvivia com uma família, que por vezes coincidia com a sua, em quarto alugado, ou em algunas das poucas casas próprias para estudantes (...) (pág. 82).

Pardete Ferreira descreve muito bem o que era "o Café, naquete tempo",  enquanto local de sociabilidade (pág. 85):

(...) Era um local onde nasciam e eram alimentadas amizades que perduaravam ao longo de uma vida inteira. Tal como no mato.  Aquela instituição substituia, com naturalidade, aquela grande árvore do largo da igreja lá da aldeia, em torno da qual as gentes se sentavam para cavaquear, cultivando assim a camaradagem e a amizade. (...) Hoje,  o Café está ultrapassado e a maioria das pessoas já não o usa como tertúlia, nem os estidantes o utilizam  como local de estudo institucionalizado".

Estamos de resto a falar de uma época, os primeiros anos da década de 60, em que a população universitária lisboeta seria ainda da ordem dos  escassos milhares (c. 12 mil - 15 mil), oriundos da classe média e classe média alta, com apenas uma irrisória representação (da ordem dos 6-7%) das classes trabalhadoras, segundo um estudo do sociólogo Sedas Nunes.

E conclui o autor de "O Paparratos":

(...) Poderá parecer que se tenta dizer que o Portugal de hoje nasceu à volta da mesa de um Café, algures em Lisboa, provavelmente no Roma, saboreando um bica que ia arrefecendo, fumando um cigarro (...). Pensa-se não ser questionável que muitos dos estudantes de 1962 e seguintes, tornados oficiais milicianos, nados e criados tal e qual como o Paparratos, em qualquer aldeia anónima deste país ou em urbe mais ampla, também tenham sido o fermento de um modo de pensar (...) que, uma vez consolidado, permitiu que a sociedade portuguesa acolhesse com tanto entusiasmo os acontecimentos de 1974 (...) (pág. 84.)


3. O Pardete Ferreira dedica o capítulo II, de "O Paparratos",  ao café Roma (pp. 23-28), que descreve nestes termos:

(...) Em Lisboa, junto à Praça de Londres, na Avenida de Roma,  havia um café com cerca de duzentos metros quadrados que dava pelo nome de Roma.  Era um lugar preferencialmente frequentado por estudantes que, a troco de uma simples bica e de um copo de água, nele faziam biblioteca, com livros, sebentas,  cadernos, papéis e outros objectos  ligados à vida escolar pejando as mesas e cadeiras" (pág. 23).

Dois dos conhecidos líderes da crise estudantil de 1962 frequentavam o Roma: o José Santos (pseudónimo de Jorge Sampaio), já licenciado  em direito (em 1961), e Ernesto Figueira (pseudónimo de Eurico Figueiredo, n. 1939, em Vila Real), estudante de medicina, futuro pisquiatra.

Jorge Sampaio (1939-2021) foi presidente da Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1959-1960 e em 1960-1961, e secretário-geral da Reunião Inter-Associações Académicas (RIA), em 1961-1962.

João Santos /Jorge Sampaio é descrito, em "O Paparratos", nestes termos, de fino recorte literário:

(...) Numa das mesas do fundo, no lado essquerdo de quem entrava,  não muito longe do balcão, tinha foral um rapaz de vinte e tal anos, discretamente sobre o ruivo, testa alta, olhos não muito exressivos, por vezes parecendo duros, metálicos, de tom azulado, transportando óculos grossos. Possuía tez clara, era algo magro e tinha uma estatura ligeiramente superior à média. Vestia preferencialmente fato  azul, não muito escuro, sendo a gravata quase sempre a condizer com este último, repousando sobre leito de camisa branca. Interrompia frequentemente o estudo  e passava grande parte das suas tardes a ler Camus ou o último Libération que comprara nas bancas" (...) (pág. 23).

(...) Filho de boas famílias, educado no estrangeiro (...), o José Santos tinha sobretudo a estrutura de um ideólogo. Paradoxalmente, não tinha ainda ideais muito claras e, mesmo desprovido de um carisma marcado de líder, impunha-se pela cordialidade de um discurso escorreito e pela conversa erudita, apoiada em citações de Camus, não descurando Nietzsche, Kant, Engels, Marx e Lenine, à mistura de Baudelaire e Jean-Jacques Rousseau ou, ocasionalmente Voltaire" (pág. 25).

Além disso, "confessava-se agnóstico. Com frequência, era o centro de atenções, juntando à sua volta uma meia dúzia de interlocutores, a  quem por vezes se via obrigado a pagar a despesa (...). Cursava direito e não  escondia uma certa ambição" (...).

João Santos e Ernesto Figueira encontravam-se com frequência no Café Roma, mesmo pejado de informadores da "Pevide" (PIDE), a começar pelos empregados de mesa.  Enquanto o primeiro era "uma  espécie de ideólogo" , o segundo era o "comandante operacional do movimento estudantil" (pág. 35).  

Também se encontravam na Cantina Universitária. Os estudantes também frequentavam o bar do Estádio Universitário onde "por mais cinco ou dez tostões", se comia "francamente melhor" do que na Cantina. "O bitoque, o pão, a imperial e a bica, por doze escudos e cinquenta centavos  [equivalente, a preços de hoje, a 6 euros].

A crise académica de 1962, em Lisboa, é desencadeada quando, a 24 de março,  o Governo de Salazar proíbe, estupidamente,  as comemorações tradicionais do Dia do Estudante, tendo a  Polícia de Choque invadido a Cidade Universitária, e carregado sobre centenas de jovens, rapazes e raparigas.  

Passados dois dias, os estudantes de  todas as escolas superiores de Lisboa declaram "luto académico" (na prática, greve geral às aulas, usando uma forma de luta que era proibida pelo regime). Mês e meio depois, a 9 de maio, há uma escalada do conflito, com a adoção, num plenário de estudantes,  de uma nova forma de protesto: uma greve de fome coletiva, na cantina. 

A medida, arriscada,  for proposta por Eurico Figueiredo e seguida por centenas de estudantes como António Correia de Campos, que eu vou encontrar mais tarde como colega na Escola Nacional de Saúde Pública.

A 11 de maio, a cantina foi cercada pela polícia de choque e os estudantes foram detidos (cerca de 800, segundo a versão da PSP ou cerca de 1200 segundo as associações de estudantes). Terá sido a maior operação policial realizada pelo Estado Novo.

Seguiu-se uma enorme onda de indignação, tendo todos os estudantes detidos sido libertados  libertados a 14 de maioEntretanto, um mês depois, em 14 de junho, um plenário realizado no Instituto Superior Técnico ditou o levantamento da greve.

Um despacho ministerial em final de junho  veio punir 21 grevistas com uma pena de expulsão, durante 30 meses, de todas as escolas de Lisboa.

Mas "poucos foram efetivamente convocados para a primeira incorporação militar que se seguiu ao Luto Académico" (...) "A grande maioria voltou progreessivamente  à sua vida habitual" (...) (pág. 39). Afinal, ninguém queria perder o ano, e isso explica que o fim do "Luto Académico" (eufemismo para não se dizer greve...) foi recebido com alívio... Mas a verddae é que nada ficou como dantes...

Jorge Sampaio, Eurico Figueiredo, Medeiros Ferreira e outros dirigentes estiveram detidos.

A crise académica de 1962 foi um acontecimento de grande significado político e sociológico. Hoje, passados 60 anos, alguns dos seus protagonistas recordam a resposta do movimento estudantil à repressão salazarista.  Caso de António Correia de Campos, antigo ministro da saúde, e conhecido dirigente socialista, em entrevista à Lusa, em 22/3/2022, e citado pelo "Observador":  (..) " enumera três 'dirigentes de grande envergadura', cujo papel foi determinante na gestão da crise: Jorge Sampaio, no centro ideológico — sociais democratas, mais socialistas, Eurico Figueiredo, então militante do PCP, e Vítor Wengorovius, o católico progressista." 

Mais houve mais dirigentes estudantis, a merecer destaque: Alberto Torres da Silva, Afonso de Barros, Manuel Lucena e José Medeiros Ferreira (que viria a suceder a Jorge Sampaio como secretário-geral da Reunião Inter-Associações,  a RIA). Poucos mas corajosos foram os professores que se solidariezra,m com os estudantes, como Lindley Cintra ou Pereira de Moura, por exemplo.

Octávio Quintela, em "Algumas considerações a propósito da crise académica de 1962" (Ler História, 62, 2012, pp. 187/192) escreveu:

(...) A greve de 1962, na sequência da proibição do Dia do Estudante, foi o resultado da luta de milhares de jovens católicos, sem partido, mas muito também da ação dos comunistas. Em cada Faculdade de Lisboa é possível destacar três ou quatro ativistas de um vasto conjunto:

(i) Em Direito, Jorge Sampaio, Vítor Wengorvius, Correia de Campos, J. Felismino, Macaísta Malheiros, Pedro Ramos de Almeida. 

(ii) Em Letras, Medeiros Ferreira, Mário S. M. Cardia, João Paulo Monteiro, Alberto Teixeira Ribeiro, Maria Assunção Franco, Maria João Gerardo e eu próprio;

(iii) Em Ciências, António Ribeiro e Ernani Pinto Basto;

(iv) Em Medicina, Isabel do Carmo, Rui de Oliveira, Eurico Figueiredo, Alexandre Ribeiro, Dante Marques;

(v) No Técnico, João Cravinho, Crisóstomo Teixeira e José Bernardino." (...)

Curiosamente não sabemos em que ponto ficou a situação militar destes jovens. Relatuvamente a Jorge Samapio, sabemos que ficou isento do serviço militar, pro razões de saúde.

Alguns terão ido parar á Guiné. É o caso de José Augusto Rocha (1938-2018), que foi alf mil, CCAÇ 557, (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65): director da Associação Académica de Coimbra, em 1962, foi expulso de todas as Escolas Nacionais, por dois anos, na sequência da crise académica de 62, esteve preso no Forte de Caxias; liberto sem culpa formada, ao fim de 4 meses, acabando por ser chamado para a tropa e mobilizado para o CTIG. (Só terminaria a licenciatura em direito, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, depois de ter regressado do TO da Guiné, em novembro de 1965.)

Um outro caso, mais conhecido dos leitores do nosso blogue, é o do açoriano José Medeiros Ferreira (1942-2014) (tem 7 referências): depois de se destacar na crise estudantil de 1962, foi chamado em 1967 a cunprir o serviço militar; mobilizado para a Guiné, não comparaceu ao embarque da sua companhia, a CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato)/ BCAÇ 2851 (Mansabá e Galomaro) (1968/70), no T/T/ Uíge, em 24 de julho de 1968.

È provavelmente o mais conhecido dos desertores da guerra colonial: viveu na Suiça, onde se licenciou em História, pela Universidade de Genebra (1972). Depois do 25 de abril, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte (1975), pelo Partido Socialista, e exerceu o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros do I Governo Constitucional (1976–1978), chefido por Mário Soares. Foi professor universitário (Faculdade de Ciências Sociais, Universidade NOVA de Lisboa).



Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > De pé e da esquerda para a direita, o Raul Albino, o Francisco Silva e o Medeiros Ferreira, aspirantes milicianos.  [Os dois primeiros são membros da nossa Tabanca Grande, e o Raul, infelizmente já falecido.]

O João Bonifácio, ex-furriel mil SAM, CCAÇ 2402 (Mansabá e Olossato, 1968/70) e que vive no Canadá, evocou aqui no poste P1592, o exemplo do Medeiros Ferreira que, como é publicamente sabido, não compareceu ao embarque, para a Guiné . Ele é, das nossas figuras públicas, talvez o mais conhecido dos desertores da guerra colonial.

Na foto acima, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Mário Soares (I Governo Constitucional, 1976/78), historiador e professor universitário (FSCH/NOVA), já falecido, José Medeiros Ferreira (Ponta Delgada, 1942 - Lisboa, 2014), aparece assinalado com um círculo a vermelho.  

Foto (e legenda) : © Raul Albino (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

__________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

15 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22008: Notas de leitura (1346): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte III: Rui Angel, aliás, Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano, o mais famoso prisioneiro da guerra colonial... Aqui tratado com humor desconcertante (e humanidade) (Luís Graça)

23 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21939: Notas de leitura (1343): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte II: os "mentideros' de Bissau (Biafra, 5ª Rep) e ainda e sempre a retirada de Madina do Boé (Luís Graça)

 
(**) Último poste da série > 5 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23848: Notas de leitura (1528): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 17 de março de 2021

Guiné 61/74: P22014: Memórias cruzadas: 18 de novembro de 1969: uma dia (a)normal no HM 241, Bissau, um dia na vida do cap cubano Pedro Rodriguez Peralta, ferido em combate e helievacuado [Jorge Narciso, ex-1º cabo esp, MMA, BA, 12 (Bissalanca, 1969/71) / Jorge Teixeira 'Portojo' (1945-2017), ex-fur mil, Pel Can s/r 2054 (Catió, 1968/70 ) / Manuela Gonçalves (Nela), esposa do ex-alf mil Nelson Gonçalves, cmdt Pel Caç Nat 60 (São Domingos, 1969)]



Guiné > Bissau > Bissalanca > BA 12 (1969/71) > Jorge Narciso, ex-1º cabo especialista MMA, junto a um helicóptero Alouette III.

Foto: © Jorge Narciso (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Guiné > Região do Cacheu > Pel Caç Nat 60 > Estrada São Domingos - Susana > 13 de novembro de 1969 > A primeira mina A/C detetada e levantada: na imagem o alf mil Nelson Gonçalves e o 1º cabo Manuel Seleiro.



Guiné > Região do Cacheu > Pel Caç Nat 60 > Estrada São Domingos - Susana > 13 de novembro de 1969 > O estado em que ficou a viatura, Unimog, em que ia o alf mil Nelson Gonçalves.


Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Onze anos depois, reproduz-se aqui um poste do Jorge Narciso (*) com um comentário ao poste P5741 (**) do nosso saudoso Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2107) (**)

O pretexto é a efeméride da captura, ferimento e helievacuação do cap cubana Pedro Rodriguez Peralta, no corredor de Guileje, em 18 de novembro de 1969 (***).

Foi numa terça-feira (, depois de ter lançada na sexta-feira anterior), andava a Apolo XII já em órbita lunar, com 3 astronautos a bordo (, como se pode ler no título de caixa alta da edição do  vespertino "Diário de Lisboa", desse dia...)


Lisboa > Semanário "Expresso" >Edição
de 15 de dezembro de 1973 >O capitão
cubano Peralta no Tribunal Militar
de 1º instância. Uma foto  que a censura
não deixou publicar.
Um dia de azar, esse dia 18 (e, ao mesmo tempo,  de sorte) para um cubano, apanhado em emboscada, montada para o 'Nino' Vieira, no corredor de Guileje (ou "corredor da morte"), pelos nosos camaradas do BCP 12... Ficou para a história como a Op Jove (16-18 de novembro de 1969). 

Apesar de ferido, com gravidade, o cubano 
foi salvo pelos seus captores e enviado, de helicóptero, para o HM 241, em Bissau, onde a equipa cirúrgica  (onde se incluia o camarada José Pardete Ferreira) fez o seu melhor para lhe salvar o seu braço direito. 

Há dois testemunhos sobre esse dia,
 que vale a  pena  "repescar", o do Jorge Narciso,  1º cabo especialista MMA, BA 12, 
Bissalanca  (1969/71) e o  do  Jorge (Teixeira, (Portojo,  ex-fur mil arm pes inf, 
Pelotão de Canhões S/R 2054  (Catió, 1968/70)  (foto abaixo). 


Jorge Teixeira (Portojo)
(1945-2017)
Mas uns dias antes, a 13, na quinta-feira anterior [na véspera da Apolo XII ser lançada], o alf mil Nelson Gonçalves, cmdt do Pel Caç Nat 60, é também ferido gravemente, em combate: o Unimog em que seguia, accionou uma mina A/C.  

Dias mais tarde, acorda,  sem um perna, num quartdo do HM 241, Bissau... Justamente  na cama ao lado,  está um estrangeiro, o cap cubano Peralta. 

O drama foi-nos contados pela sua esposa, a Manuela Gonçalves (Nela) , membro da nossa Tabanca Grande da primeira hora, em dois postes de  2006 (****).

Nessa altura, em novembro de 1969, a Nela era uma jovem estudante universitára, vivendo a guerra à distância, mas com a morte na alma, com o seu namorada, Nelson Gonçalves, a combater na Guinjé... Já casada, anos depois, desloca-se à Guiné-Bissau, com a família, para exorcizar os seus fantasmas... Da paixão à cooperação foi um passo... Por volta de 2005/2006, descobriu o nosso blogue, que passou a visitar regularmente-

Na altura em que tanto o Pedro Rodriguez Peralta como o Nelson Gonçalves foram parar ao HM 241, um dos cirurgiões que lá estava colocado, era o nosso camarada José Pardete Ferreira (1941-2021)... (E já lá estava, internado,  com problemas do foro respiratóriio, o Jorge Portojo: da varanda sua enfermeria, no 1º andar, tinha vista desafogada  para o heliporto.)

Recorde-se que, no seu livro "O Paparratos", o José Pardete Ferreira  conta-nos que, por razões de segurança, o enfermo (e prisioneiro) Peralta mudou de cama e de enfermaria, mas quem não gostou nada da troca foi "um pobre de um alferes miliciano", com uma perna amputada por um mina (não A/P mas A/C), que ficou no lugar do cubano... Lamentava-se ele [, sabemos agora quem era, o Nelson Gonçalves], e com razão: "Se os gajos [o PAIGC] cá vierem, quem lerpa sou eu"... (p. 145) (***).

Registe-se, para a história, o nome, já esquecido, da Maria Zulmira Pereira André (1931-2010), a nossa Maria Zulmira [, foto à direita],  tenente graduada enfermeira paraquedista: foi ela quem,  competente e denodamente, acompanhou a evacução Ypsilon do cap Peralta. Resta saber quem era o peilo do AL III.


2. Um dia nas nossas vidas...

por Jorge Narciso [, foto atual, à esquerda] (#)


De Jorge (Narciso)  para Jorge [, Teixeira, 'Portojo', infelizmente já falecido em 2017]

Caro: Ao passar hoje pelo blogue, de imediato me chamou a atenção a foto do heli aterrado no HM 2141, Bissau, contida no teu poste

E como a ti, também ela me suscitou um tal corropio de lembranças, que, acredita-me, quase me atordoam. Tentando alinhar ideias:

Como mecânico dos helis, foi exactamente 

Bissau > 1969 > O Heliporto do HM 241.
Foto de Jorge Teixeira (Portojo)
(2010)
no Hospital Militar que (excepção feita, naturalmente, à BA 12, em Bisslanac) mais vezes aterrei na Guiné. E também a mim as recordações que suscita, serão tudo menos agradáveis. Seja a da lembrança das condições (fisicas e ou psicológicas) infra-humanas de homens que para ali transportei, seja a indescritível visão da sala de horrores, chamada triagem, onde eles eram colocados; de cada vez que ali tinha que ir recuperar macas. São imagens que jamais se esquecem.

Mas outra lembrança conseguiste, com o teu poste, desenterrar do fundo do meu subconsciente, a da evacuação do Capitão Peralta, a qual passo a transmitir, a quente, tal como a memória me debita.

Antes porém e à falta de outros registos, resolvi ir ao Google e digitar: Capitão Peralta.

Resultados:

(i)  Ferido e capturado em 18 de novembro de  1969 durante a operação Jove, realizada pelos Páras [BCP 12] entre os dias 16 e 19, no corredor de Guileje;

(ii) A  base dessa operação, a partir de onde os Paras foram heli-transportados, foi Aldeia Formosa.

Vamos agora à minha memória, que espero não me esteja a atraiçoar, sequer a iludir, e na qual (apesar da evidente redução de neurónios) quero ainda confiar.

Coloco os resultados dessa pesquisa em dois planos:  das quase certeza (ou com menor grau de falibilidade) e o das incertezas associadas, que evidencio entre parêntesis.

Assim:

(1) Eu só não estava no voo em que viste o Capitão Peralta aterrar no HM 241, pelas condições extraordimárias em que decorreu essa evacuação, cujos contornos passo a descrever.

(2) Em operações como esta, em que, independemente da Tropa participante, a base se situava num aquatalamentos longe de Bissau, para aí se deslocavam normalmente: 5 helis + 1 helicanhão, transportando uma equipa de manutenção e uma enfermeira paraquedista.

Dali partiam, então, fazendo as viagens necessárias para, transportando 5 ou 6 militares por heli, os colocar, protegidos pelo canhão, na ZOPS..

Se a operação se resumia a um dia, permaneciam os helis nessa base em alerta, para: evacuações, eventuais transportes das Tropas para outras posições na mesma ZOPS e finalmente para a sua recuperação no final da Operação.

Nos casos em que a Operação fosse por mais de um dia, ficaria em todos os dias em que esse decorresse e na base da mesma, no minimo um heli de alerta (com Piloto, Mecânico e Enfermeira) para eventuais evacuações e o helicanhão para protecção destas e para intervenções de tiro, se solicitadas.

(3) Nesta operação em particular, a Op Jove, é seguro que estive presente, desde logo porque recordo perfeitamente o objectivo apontado para a mesma (nos helis e durante os voos, mesmo que não quiséssemos, ouvíamos muita informação dita classificada): captura do 'Nino'Vieira. .

(4) No dia 18 de novembro de 1969 (Precisei a data na citada consulta na Net), portanto no 3º dia da Operaçãp, voei (seguramemte de Aldeia Formosa) para essa ZOPS onde aterrei [, no corredor de Guileje], no helicóptero que fez a evacuação do Capitão Peralta, não continuando no voo para o HM de Bissau,

Porquê?

(5) Os Alouette III têm capacidade para transportar 6 passageiros, para além do piloto (este e mais dois à frente) e até 4 no banco traseiro.

Em evacuações com feridos em maca, essa capacidade ficava reduzida, pois para além dos 3 lugares à frente, normalmente ocupados pela tripulação (Piloto, Mecânico e Enfermeira, na maioria dos casos), apenas é possivel alojar 1 ou 2 macas na rectaguarda, que, por transportadas transversalemente, impedem (ou dificultam, algumas vezes me tocou vir meio sentado meio em pé, nas abas da maca) utilizar os lugares traseiros.

No caso desta evacuação (Cap Peralta), tendo sido determinado, no terreno, que o capturado devia ser acompanhado no voo por escolta armada, foi necessário ocupar, por quem a fez, um dos lugares destinados à tripulação.

Para resolver o problema e - repito - se a memória não me atraiçoa, registou-se um caso que me lembre único:

(6) O helicanhão, que fazia a protecção à evacuação, aterrou na ZOPS, nele tendo embarcado o mecânico (eu próprio) e voado (junto ao apontador) para Aldeia Formosa, donde posteriormente regressei a Bissau (outra nebulosa, é que não me recordo como - noutro heli ? de DO 27 ? ), pois no helicanhão não foi concerteza.

Como remate a estes factos, este voo no helicanhão foi para mim perturbante, pois que uns meses antes (Julho de 1969. o eu 3º mès de Guiné) estive também para voar (nesse caso por experiência passiva que, para sorte minha, não concretizei) no retorno duma outra Operação em Galomaro, voo esse com um fim trágico, traduzido no despenhmento do heli (a que assisti) ocorrido em Bafatá, com a morte do meu comandante, o maj pilav Rodrigues  e dum camarada de todos os dias, o Machadinho - como lhe chamávamos - , Mecânico de Armamento/Apontador.

Um dia destes tentarei fazer o relato que me for possivel desta outra dramática ocorrência.

Voltando ao poste e à tua solicitação ao Jorge Félix (tantos Jorges), quase seguramente ele ainda estava nessa data na Guiné.

Como atrás referi, não me lembro se terá sido inclusive participante nos factos, em qualquer caso terá certamente presente memórias relacionadas e, quem sabe, como tem a sorte (que a FAP me coartou) de ter os seus registos de voo, pode buscar nos mesmos confirmações.

[# Título, revisão e fixação de texto para efeitos de publicação neste poste P22014]

_______________

Notas do editor:



(**) Vd. poste de 1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5741: Blogoterapia (142): Aquela janela virada para o heliporto (Jorge Teixeira/Portojo)
 

HM 241 > Novembro de  1969 > O
Jorge Teixeira (Portojo)
à janela...


(...) Estava lá eu na tal janela virada... no primeiro quarto, do primeiro andar, frente, direito, do HM 241, em Bissau,  e ouvi chegar um Heli. Logo os habitantes vinham ver do que se tratava, pois além de ser um passatempo a contabilização dos que chegavam por este meio transportados, queríamos sempre saber de quem se tratava. Porque até poderia ser um dos nossos mais íntimos. 

Neste dia quem chegou foi um barbudo (fiz uma foto, que veio para os amigos da metrópole, mas como tantas outras, desapareceu).. Pensámos, pelo seu aspecto: "Olha um Fuza. Fodeu-se"... Mas não era, soube à noite quando fiz a ronda do costume para passar o tempo, estranhando ver Comandos de sentinela à porta, que era um cubano, de nome Peralta. Não me dizia nada. Depois disse. Por isso a tal foto para a rapaziada da metrópole... Mais tarde, anos depois, soube da sua libertação [em 15 de setembro de 1974]..

Mas a conclusão é: Será que o Jorge Félix  [, ex-alf mil pil, BA 12, Bissalanca, 1968/70] se recorda ou até terá dado a sua colaboração a esta operação?

Por casualidade, o José Manuel  Cancela também estava hospedado, na mesma altura, no mesmo Hotel Militar de Bissau. Mas no terceiro apartamento. Só o soubemos há dias quando entreguei esta foto - entre outras - para o Carmelita digitalizar e ele viu. Estórias de vida." (...) 

Vd. também poste de 1 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10747: Blogues da nossa blogosfera (60): Memórias de Outros Tempos - A Estadia no HM 241, no Blogue Coisas da Vida (Jorge Teixeira - Portojo)

(***) Vd. postes de:


15 ede março de  2021 > Guiné 61/74 - P22008: Notas de leitura (1346): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte III: Rui Angel, aliás, Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano, o mais famoso prisioneiro da guerra colonial... Aqui tratado com humor desconcertante (e humanidade) (Luís Graça)

(****) Vd. postes de: 

8 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P596: Dia Internacional da Mulher (1): Sara Martins, presente! (José Martins) e A Guerra no Feminino (Manuela Gonçalves)

(...) Que se passava? Um aerograma de um amigo, Alferes Baptista, no Q.G. em Bissau, deu – me a notícia: uma mina tinha rebentado com o Unimog, quando ele [, o Nelson Gonçalves,]e o seu pelotão, o Pel Caç Nat 60 (*****),  seguiam numa patrulha. Ele estava no HMP em Bissau, em coma. Era dia 13 de Novembro de 1969, 10:30 da manhã.

Restava-me esperar que o trouxessem para Lisboa e falar diariamente com um médico, amigo de uma tia, que prestava serviço no Hospital em Bissau. E de longe fui acompanhando o seu estado! Mais tarde um lacónico aerograma dele, muito parco em palavras, cheio de silêncios, confirmava-a.

Apesar de toda a dor e angústia sentidas, uma grande alegria: ele estava vivo. Os sonhos continuavam adiados, mas não jogados fora. Uma nova etapa nas nossas vidas havia começado! (...)

26 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P634: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)

 (...) O flagelo das minas continua e não sei mesmo se muitas delas não serão ainda daquelas que foram colocadas na guerra colonial. A coincidência transportou-me até  [13 de] Novembro de 69.

Foi naquela mesmo estrada - de São Domingos para Susana - numa operação de reconhecimento da via, que o Unimog em que o maridão seguia, pisou uma mina anti-carro. No Unimog, uma outra mina anti-carro, levantada cerca de 300 metros antes, era transportada atrás e, por mero acaso, não rebentou, o que teria sido catastrófico para todo o pelotão!

A mina tinha sido accionada pelo pneu do lado direito, pelo que o maridão foi atirado para fora, em estado crítico, não tendo o condutor sofrido senão pequenos ferimentos, apesar da força do embate!

Um helicópetro transportou-o para Bissau, tendo acordado uns dias mais tarde numa cama no Hospital Militar, sem uma perna e tendo por companheiro de quarto o capitão Peralta, cubano, cuja captura tão noticiada era nos media de então. (...)



(*****)  Sobre o Pel Caç Nat 60 e a mina que vitimou o alf mil Nelson Gonçalves: Vd. postse:

 Guiné: Pel Caç Nat 60 > 

Terça-feira, 7 de maio de 2019 > P185: Aniversário do Pel Caç Nat (60)

Quarta-feira, 4 de novembro de  2009  > P13: O Nhambalã

(i) Foi formado a 7 de Maio de 1968, em S. Domingos;

(ii) estve com a CCS/BCaç.1933, CCaç. 1790, CCaç. 1791, em São Domingos, de maio a fins de novembro de 1968;

(iii) seguiram para Ingoré, ficando adidos à CCaç 1801 de novembro de 1968 até agosto de 1969;

(iv) reegressaram a a S. Domingos, em agosto de 1969, fiacando adidos à CCav 2539.

(vi) ficaria aquartelado em S. Domingos /Susana, até ao ano de 1974;

(vii) o primeiro comandante  foi  o ex-alf mil  Luís Almeida, rendido pelo ex-alf mil Nélson Gonçalves 
(, ao tempo do BCAV 2876, São Domibgos, 1969/71);

(viii) a 13 de novembro, de 1969 a viatura em que seguia  o Nelsom Gonçalves, acionou uma mina anti-carro sendo este sido ferido com gravidade, e helievacuado para o HM 241 e depois para o HMP;

(ix )de vovembro de 1969 a janeiro de 1970, o pelotão foi comandado pelo ex-fur mil  Rocha.

(x) em janeiro de 1970 o ex-alf mil Hugo Guerra comandava o pelotão,  sendo ferido no dia 10 de Março,  quando o 1º cabo Manuel Seleiro desativava uma mina anti-pessoal.(...)

segunda-feira, 15 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22008: Notas de leitura (1346): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte III: Rui Angel, aliás, Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano, o mais famoso prisioneiro da guerra colonial... Aqui tratado com humor desconcertante (e humanidade) (Luís Graça)


Citação:
(1974), "Diário de Lisboa", nº 18563, Ano 54, Segunda, 16 de Setembro de 1974, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4810 (2021-3-15)


Capa do livro

FERREIRA, José Pardete - O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971. Lisboa : Prefácio, D.L. 2004. 169 p., [12] p. il. : il. ; 24 cm. (História militar. Memórias de guerra). ISBN 972-8816-27-8.

1. No romance (ou melhor, livro de memórias, ficcionado) "O Paparratos", J. Pardete Ferreira (*),  há  um capítulo, o XXI (pp. 141-146) dedicado a "O Cubano", o capitão Pedro Rodriguez Peralta, a quem o autor chama Rui Angel:

(...) Era pequeno de estatura, não ultrapassando o metro e sessenta e cinco, magro e seco, com a pele muiti branca e polvilhada de microscópicas sardas, ruivo de barba completa, rala e ausente nalguns locais" (p. 141)-

Não sabemos se a descrição fisionómica está inteiramente correta, mas é feita por um dos cirurgiões que o operou no HM 241, o autor (*), sendo o cirurgião principal o dr. Carlos Ferreira Ribeiro, já falecido (, no livro, o dr. Celso Rosa, ortopedista,  p. 143)

Recorde-se o que acontecera antes:   capitão do Exército Cubano, Pedro Rodriguez Peralta, de 32 anos (, nascido por volta de 1937), instrutor militar ao serviço do PAIGC, é gravemente ferido a 18 de Novembro de 1969, no corredor de Guileje, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, no decurso da Op Jove, conduzida por forças pára-quedistas do BCP 12 e destinada a capturar o próprio 'Nino' Vieira.


2. Demos aqui a palavra ao(s) autor(es) da página do Facebook, Paraquedistas não são arremachos, 18 de novembro de 2018:

(...) A "Operação Jove" tinha sido cuidadosamente planeada. Dias antes da partida para a operação, um avião da FAP levando a bordo o cmdt do BCP , Tenente Coronel Fausto Marques e o cmdt da Companhia [, CCP 122,] João de Bessa, observam a zona e o melhor local para a emboscada à coluna militar do PAIGC.

De forma a cumprir as ordens do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, às primeiras horas de 16 de Novembro de 1969, 40 militares da Companhia 122 , reforçados com 9 voluntários da 121, embarcam em 10 Alouette para o Corredor de Guileje, com a informação que a coluna inimiga traria 'Nino' Vieira, ao tempo, o mítico Comandante da Frente-Sul.

Os 50 paraquedistas levam rações de combate para três dias. Caminham a pé um dia e uma noite, evitando os trilhos para não serem detectados, e progridem debaixo de chuva por entre mata densa. Cerca das 10 horas da manhã de 18 de Novembro, os praquedistas chegam ao ponto da emboscada.

Ainda não completamente posicionados, apercebem-se de vozes ao longe. Um pequeno grupo composto pelo Capitão Bessa, Sargentos Neves Pereira, Mota e Valentim Gomes, 1ºs Cabos Ragageles, Carvalho e Rodrigues e Soldado Doce, aproximam-se da picada.

De repente foram ouvidas vozes de dois individuos, um negro e um branco que seguiam em direção à fronteira. O capitão Bessa dá sinal de fogo ao apontador da MG-42, 1º Cabo Ragageles. A primeira rajada abateu o guerrilheiro negro e feriu o branco. Iniciada a perseguição, com meia dúzia de páraquedistas, e tendo por base o rasto de sangue, é consumada a captura.

Encontram-no caído numa poça de sangue. Tem um braço quase arrancado, perdeu muito sangue, está entre a vida e a morte; o Sargento Vítor Francisco rápidamente trata-lhe dos ferimentos. Veio a saber-se que se chamava Pedro Rodriguez Peralta, Capitão do exército cubano. (...)

Enviado para o HM 241 (Bissau) e depois para Lisboa, foi devidamente tratado pelas autoridades portuguesas. Foi julgado em Tribunal Militar e condenado em 2 anos e 2 meses de prisão. 

Depois do 25 de Abril de 1974, o capitão Peralta foi libertado. Aliás, houve manifestações (do MRPP e outras organizações da chamada extrema revolucionária) a favor da sua libertação incondicional. Os americanos queriam trocá-lo por um alegado espião preso em Cuba...

Peralta, que fez amigos em Portugal, pode ser visto aqui numa reportagem da RTP, no aeroporto de Lisboa, em 15 de setembro de 1974, sempre sorridente e amável na presença entre outros do seu advogado, Manuel João da Palma Carlos (1915-2001), momentos antes de embarcar para Havana onde foi recebido como herói... 

Antes do 25 de Abril, era considerado um "preso político", o governo de então recusava-se a tratá-lo ocmo "prisioneiro de guerra", negando haver uma guerra na Guiné. Depois do 25 de Abril, mudou o seu estatuto: passaria a ser "prisioneiro de guerra", não ficando abrangido pela amnistia aos presos políticos... E só foi libertado, em 15 de setembro de 1974,  após a entrega, pelo PAIGC, dos "prisioneiros de guerra" portugueses, entre os quais o nosso saudoso António Batista, o "morto-vivo".

Sabe-se que, em 2008, com o posto de coronel reformado, pertencia ao Comité Central do Partido Comunista Cubano. Era seguramente o mais célebre dos 437 combatentes que, segundo o regime de Havana, terão combatido, no TO da Guiné, nas fileiras do PAIGC, entre 1966 e 1974 (Dos quais terão morrido 9 ou 17, conforme  as duas fontes cubanas oficiosas, já aqui citadas no nosso blogue).

3. Na recriação desta cena da captura do cap Peralta, o autor de "O Paparratos" diz que o "Rui Angel" [leia-se Pedro Peralta] estava com uma crise de paludismo (p. 142)  quando os homens da Companhia de Caçadores Paraquedistas nº 1221 [CCP 121 e 122], comandada  pelo cap pára "Braga"[leia-se: Bessa].

Não foi uma rajada de G3, mas de M42, "quase à queima-roupa, ia desfazendo o cotovelo direitodo branco, provocando-lhe também uma ferida no dorso, junto à omoplata"...Terá sido o cap Braga [Bessa] que lhe salvou o braço, em risco de ser amputado, gritando: "Se for para cortar, os médicos lá em Bissau que o façam. Liguem mas é para a Base e peçam uma Y", isto é uma helievacuação Ypsilon (p. 142). 

Assim aconteceu, a enfermeira parquedista que o assistiu até Bissau não foi a Margarida (, nome fictício) mas Zulmira André. Quando chegou ao hospital, a sua situação clínica era grave: "sangrara muito, a tensão arterial não conseguia ultrapassar os cinco milímetros de mercúrio, timha uma ferida no tórax e o antebraço direito estava quase amputado", segundo o relato do alf mil médico adjunto de cirurgião Domingos Lebre[, leia-se, Diamantino Lopes] (p. 143).

Entrado de imediato no Bloco operatório, o alferes mil médico João Pekoff "explorou a ferida torácica, constatando que, felizmente era superficial e apenas interessava as partes moles"... Uma vez que não havia necessidade de intervenção na cavidade, a atenção da equipa voltou-se para o membro esfacelado, "tendo o dr. Celso Rosa [Carlos Ribeiro] tomado o comando das operações, na sua condição de ortopedista" (p. 143)

O Carlos Ribeiro era um cirurgião experiente, em feridas com armas de fogo, tendo feito uma anterior comissão de serviço em Angola: "ortopedista conceituado, depressa equacionou o problema [do Peralat]. Entre a amputação, que se afigurava como natural, e a artrodese do cotovelo, originando para sempre  um ângulo de cerca de noventa graus, a decisão parecia não ser evidente. Sempre valia mais um braço aleijado mas efectivo funcionalmente, do que um coto que, muitas vezes, só serviria para atrapalhar. Os nervos, assim como a artéria e as veias principais sido tinham milagrosamente poupados.O capitão cubano ficaria com uma deficiência, era verdade,  mas manteria o uso do membro... com a condição de a ferida não infectar, possibilidade sempre imprevisível" (p. 144).

E tudo correu bem,com um tirada humorística final do ortopedista:

"Vamos lá ver se este gajo , ao menos, vai fciar com o cotovelo...quanto mais não seja  paar poder fazer um manguito para o cirurgião que o operou". (p. 144).

A crer no testemunho do nosso J. Pardete Ferreira (1941-2021), "ao recobrar da anestesia, o Rui Angel virou de imediato o olhar para o seu lado direito e, naquele misto de medo e de reconhecimento que certamente sentiu,  uma pequena lágrima fugiu lentamente pelo canto dum dos olhos, aliviando-lhe a ansiedade e o receio" (p. 144). Para quem, como ele, que tinha optado pela carreira militar, e que estava na força da vida, era reconfortante saber que lhe tinham salvo o braço...

4. Ainda mais dois ou três apontamentos deliciosos do nosso escritor (**), sobre a estadia do cap Peralta no HM 241:

(i) Por razões de segurança, o enfermo (e prisioneiro) mudou de cama e de enfermaria, mas quem não gostou nada da troca foi um pobre de um alferes miliciano,  com uma perna amputada por um mina A/P, que ficou no lugar do cubano... Lamentava-se ele, e com razão: "Se os gajos [PAIGC] cá vierem, quem lerpa sou eu"... (p. 145)

(ii) O hospital, por causa do prisioneiro famoso, passou a ser assediado pelo pessoal da "inteligência" militar, e simples curiosos que queriam espreitar a "avis rara"... Cabia ao dr. João Pekoff correr com os instrusos e mirones, fazendo cumprir ordens superiores... "Um dia, na conversa usual durante o penso, o João Pekoff pergunou ao Rui Angel como era o Che [Guevara. de resto morto na Bolívia em 1967, tendo sido ambos combatentes na Sierra Maestra]. A resposta não se fez esperar:  "Che, non era médico, era un hombre" (p. 145).

(iii) Entretanto, são recebidas ordens de Lisboa para transferir o Peralta para o HMP... Assim, pela manhã, num daqueles dois dias em que havia avião da TAP, "uma ambulância militar.  com um envergonhado Wolkswagen preto abrindo caminho, saiu do Hospital. O Carocha transportava o Director do Hospital Militar [, que era o dr. Moreira de Figueiro,  no livro, o tenente milciano Mário Falcão], com o alferes do Conselho Administrativo a  a desempenhar as funções de condutor!...

Na ambulância, além do condutor e de dois maqueiros, o Peralta levava como "ama seca"  um primeiro sargento enfermeiro [no livro, João Augusto]. Chegados ao aeroporto, "este pequeno comboio militar foi esconder-se no descampado que constituía o extremo poemte do aeroporto de Bissalanca".

Esta cena é hilariante: 

"Após a aterragem do avião, chegados os passageiros VIP ao hall da aerograre, de imediato disseram aos amigos e familiares aí presentes que, na Ilha do Sal,  timham recebido a indicação de que deveriam integrar a classe turística":... Justificação dada : "Em Bissau todos os lugares de primeira classe iriam ser ocupados por um  Capitão Cubanio, ferido e feito prisioneiro na Guiné"...

E, subitamente, ouve-se, através dos altifalanres,  uma voz feminina, a chamar pelo passageiro VIP: "Atenção, atenção, Pede-se ao passgeiro Rui Angel que se dirija aos Serviços de Saúde"... 

O diretor do HM 241, alarmado, apercebe-se do caricato da situação: toda a gente passava a saber que o avião viajava para Lisboa com um famoso e perigoso capitão cubano... 

À chegada à Lisboa, com a sua "ama seca", foi levado discreta e prontamente para o Hospital Militar da Estrela, sem que ninguém se tenha lembrado de "meter um batedor com girofaro e sirene, a abrir caminho, pelas avenidas e ruas de Lisnoa, da Portela até à Estrela" (p. 145.)

Na realidade, foi escoltado por um pelotão da Polícia Mlitar, comandada pelo alf mil cav Armando  Cerqueira, até à Trafaria (e mais tarde, para o hospital-prisão de Caxias).

Voltaria a Portugal,  creio que em 2009, tendo-se encontrado com os seus antigos "captores", em Lisboa,  em Belém, no Monumento aos Combatentes do Ultramar:  o sargento paraquedista Ragageles (ao tempo 1º Cabo), e o tenente coronel SG / PQ João de Bessa (ao tempo capitão). E ainda se juntaram, na Guiné-Bissau, o João Bessa, o 'Nino' Vieira e o Peralta para reconstituir, "in loco", a emboscada em que o cubano foi ferido e capturado pela tropa portuguesa.


(Continua) (***)

 ____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8481: Os nossos médicos (27): Com o Dr. Carlos Ferreira Ribeiro,fui um dos que operou o Cap Cubano Peralta; e com o Dr. João Carlos Azevedo Franco, fui um dos últimos a ver o corpo do malogrado Major Passos Ramos (J. Pardete Ferreira)

(...) Fui para Teixeira Pinto [, para o CAOP] , de DO 27, numa manhã dos primeiros dias de Fevereiro de 1969!

Fui requisitado para Bissau no final de Junho do mesmo ano... (...) O meu cartão [, emitido pelo QG Bissau, com data de 24 de Junho de 1969, ] está assinado pelo Director do HM241, Major Médico Felino de Almeida (falecido em Janeiro do corrente ano).

Com o Dr. Carlos Ferreira Ribeiro, Ortopedista, fui efectivamente eu que operou a ferida da parede torácica do Cap Peralta. (...)

(**) Vd. notas de leitura anteriores:


segunda-feira, 1 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21958: Fichas de unidades (16): a 16ª CCmds (1968/70), de que temos um único representante no blogue, o ex-fur mil op esp, José Ferraz de Carvalho, que vive hoje nos EUA, no Texas, em Austin




Capa do livro de José Pardete Ferreira - O Paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971. Lisboa : Prefácio, 2004, 169 p., [12] p. il. (História militar. Memórias de guerra). ISBN 972-8816-27-8.


1. O soldado 'comando' Gabriel, aliás, "Paparratos", é uma criação literária do nosso saudoso camarada J. Pardete Ferreira. A sua fonte de inspiração foi seguramente algum bravo soldado da 16ª CCmds, na altura  em que o médico  esteve afecto ao CAOP, em Teixeira Pinto, entre fevereiro e  junho de 1969, antes de ir para o HM 241, em Bissau. 

 Temos escassas referências a esta companhia de comandos, que serviu no CTIG entre agosto de 1968 e junho de 1970. Apresenta-se a seguir a ficha da unidade. (*)

E o único representante da 16ª CCmds na Tabanca Grande é José Marçal Wang de Ferraz de Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp,  que  foi depois colocado na CART 1746 (Xime, 1968/69), a companhia que veio de Bissorã, comandada pelo nosso querido amigo  e saudoso capitão mil António Vaz (1939-2015). 

O José Ferraz de Carvalho tem 18 referências no nosso blogue.Vive hoje em Austin, Texas, EUA. [Foto à direita.] (**)



Ficha de unidade: 16ª Companhia de Comandos


Identificação 16ª CCmsds

Unidade Mob: CIOE - Lamego

Cmdt: Cap Inf Cmd Jorge Duarte de Almeida

Partida: Embarque em 11Ag068; desembarque em 16Ag068

Regresso: Embarque em 24Jun70


Síntese da Actividade Operacional


Após efectuar o treino operacional nas regiões de Bula, Binar e Có, em coordenação com o BCav 1915, desde 6Set68 até 26Set68, ficou instalada em Brá (Bissau), como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe.

Em 30Set68, foi deslocada para Binar, a fim de tomar parte em patrulhamentos e emboscadas na região de Binar-Bula, em reforço do BCav 1915, até 180ut68.

Em 270ut68, foi atribuída ao BCaç 1932, deslocando-se para Farim, a fim de tomar parte na operação "Boas Vindas", na região de Bricama, após o que se instalou, a partir de 2Nov68, em Jumbembém, com vista a actuar nas acções de contrapenetração no corredor de Lamel e recolhendo a Bissau em 12Dez68.

De 1 a 12Jan69, tomou parte em operações realizadas pelo BCP 12 na região de Fulacunda, sendo depois atribuída ao CAOP, com vista à realização de operações na região de Jol, Bachile, Pijame e Có, de 4Fev69 a 31Mai69, ficando então instalada em Teixeira Pinto.

De 4 a 27Jun69, acompanhou o Pel Cav do CAOP, deslocando-se para Aldeia Formosa, para intervenção na operação "Grande Salto", após o que se deslocou, a partir de 2Ju169, para Bula, com vista à realização de operações nas regiões de Churo e Caboiana e à segurança e protecção dos trabalhos da estrada Bula-S. Vicente, estes em reforço do BCav 2868.

A partir de 2Ag069, regressando a Teixeira Pinto e à dependência do CAOP, efectuou diversas operações nas regiões do rio Costa/Pelundo, de 1 a 300ut69; de Burné-Bijope, de 200ut69 a 09Nov69, de 1 a 21Dez69 e de 10Jan70 a 3Mar70; e de Jolmete, em 16 e 17Nov69.

Voltou a reforçar o BCav 2868, em acções no sector de Bula nos períodos de 3Mar69 a 7Abr69 e de 29Abr69 a  1Jun70, tendo ainda ministrado instrução de aperfeiçoamento operacional à 26ª  CCmds, de 7 a 29Abr70.

Em 2Jul70, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa 0.° 118 - 2.a Div/4." Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pág. 532

___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 10 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21881: Fichas de Unidades (15): CAOP, CAOP Oeste, CAOP1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1968/74)

(*) 14 de novembro de  2011 > Guiné 63/74 - P9043: Camaradas da diáspora (7): José Marçal Wang de Ferraz de Carvalho, Fur Mil Op Esp, da 16ª CCmds e da CART 1746 (Xime, 1968/69): vive hoje em Austin, Texas, EUA

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21939: Notas de leitura (1343): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte II: os "mentideros' de Bissau (Biafra, 5ª Rep) e ainda e sempre a retirada de Madina do Boé (Luís Graça)


Guiné > Região do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68) > 1967 > Madina do Boé: vista aérea, tirada de DO 27, c. 1967. As tão faladas colinas do Boé... "O resto era deserto", diz o fotógrafo..

Foto (e legenda): © Manuel Caldeira Coelho (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro

FERREIRA, José Pardete - O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971. Lisboa : Prefácio, D.L. 2004. 169 p., [12] p. il. : il. ; 24 cm. (História militar. Memórias de guerra). ISBN 972-8816-27-8.


1. Continuação da nota de leitura (*):

Este livro, "O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971", publicada sob a chancela editorial da Prefácio,  surge numa coleção , "História Militar" que tem quatro séries: "Batalhas e campanhas"; "Armas de Portugal"; "Memórias de guerra"; e "Estudos e documentos".

A coleção, que se reclama de um "conceito inovador". pretende conciliar a investigação historiográfica com a produção literária e memorialística, como é o caso deste livro do nosso saudoso camarada José Pardete Ferreira, que foi alf médico. no CAOP. Teixeira Pinto (1969) e no HM 241 (1969/71).

O alferes miliciano médico João Pekoff (heterónimo criado pelo José Pardete Ferreira, ou se não mesmo o seu "alter ego") chega a Teixeira Pinto, ao CAOP,  em meados de fevereiro de 1969 (pág. 30). Em Bissau, onde o seu batalhão de origem (, que apostamos ter sido o BCAÇ 2861,) desembarcou em 11/2/1969,  deve ter estado alguns escassos dias, em trânsito, antes de apanhar uma DO-27 que o levou até à capital do chão manjaco , de qualquer modo o tempo suficiente para começar a conhecer alguns dos pontos obrigatórios do roteiro dos cafés e restaurantes da tropa...

Alguns eram obrigatórios como o café Bento, mais conhecido por 5ª Rep, junto à fortaleza da Amura onde estava  instalado o  QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné], com as suas 4 Rep[artições]. 

Era o grande "mentidero" de Bissau, onde os "apanhados do clima", vindos do mato, "desenfiados" ou em trânsito, partilhavam notícias e histórias com a malta do "ar condicionado"... Chegados a Bissau, os "periquitos" apanhavam logo ali os "primeiros cagaços", histórias tenebrosas de Madina do Boé, de Gandembel, de Guileje, etc., aquartelamentos no mato, felizmente, longe, muito longe de Bissau e do seu "bem-bom"...

Pardete Ferreira, de cultura francófona,  descreve assim a 5ª Rep, com inegável bom humor, para não dizer sarcasmo, comparanda-a com a situação de um aquartelamento do mato, Tite, na região de Quínara, perto de Bissau em linha recta, pelo que, quando era atacado ou flagelado, toda a gente ficava a saber e até a ver (pp. 54/55):

"(...)  Toda a Guiné Portuguesa tinha esta classificação de zona cem por cento de risco. Naquele território, era indiferente passar calmamente uma soirée [sic] na 5ª Rep ou no aquartelamento de Tite. 

"Na 5º Rep, a arma era  um copo de  uma beberagem qualquer, que ia aquecendo na mão e  que ia sendo municiada periodicamente. O único risco era constituído pelos perdigotos, por vezes sólidos estilhaços de mancarra, que o companheiro de conversa lançava, aproveitando o estar longe do interface do corpo a corpo.

"Em Tite, que se situa mesmo em frente da 5ª Rep, do outro lado do Geba [, na margem esquerda], apenas a alguns quilómetrps à vol d'oiseau [sic], a arma que se tinha na mão era das verdadeiras, daquelas que matam.

"Aquela cómoda sala do QG [Quartel General], no teatro operacional, dava lugar a um abrigo onde o combate mordia. No QG, pelo barulho podia adivinhar-se que Tite estava seguramente a embrulhar, podendo ver-se  as cores das balas tracejantes e ter uma ideia  da intensidade do assalto,pela quantidade e duração do fogo de artifício.

"Na 5ª Rep, assistindo-se ao espetáculo, beberricando um whisky ou despejando rapidamente uma mulher grande [, basuca ?], quase sem tempo para descascar a mancarra acompanhante, estava-se exactamente dentro  dos limites do mesmo Teatro Operacional da Guerra. Todo o pedaço daquela terra era território de guerra. O risco tinha uma graduação muito  relativa, embora fosse sempre uma probabilidade.

"Não se fizeram operações de black out [sic] como treino para a remotíssima hipótese de um ataque dos MiGs da Guiné-Conacry ? Houve quem  dissesse que afirmar isto era um verdadeiro disparate, na medida em que  os MiGs de Conacry eram de um modelo tão antigo que. se atacassem Bissau,  teriam que pedir o favor de ser reabastecidos em combustível no aeroporto de Bissalanca, a fim de poderem regressar à sua base de partida" (...).


2. Na 5ª Rep ou no "Biafra", a messe de oficiais dos Adidos,  o nosso médico terá ouvido logo, ao chegar,  os ecos,  ainda muito frescos,  da tragédia ocorrida no dia 6 desse mês de fevereiro de 1969, no rio Corubal, em Cheche, na sequência da retirada do quartel de Madina do Boé (e que ele vai reconstituir, de maneira superficial e algo fantasiosa, no capítulo XVII, pp. 117-121 de "O Paparratos").

A comoção que "o desastre do Cheche" provocou nas NT prolongou-se por todo esse 1º semestre de 1969, pelo menos, ao ponto de eu ouvir diferentes relatos dos trágicos acontecimentos quando cheguei a Contuboel, em princípios de junho,  para dar instrução aos futuros soldados guineenses da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, e depois, já em na segunda metade de julho de 1969, quando fomos colocados em Bambadinca, às ordens do BCAC 2852 (1968/70). 

A ideia com que os "periquitos", de olhos e ouvidos bem abertos,  ficavam, das conversas até às tantas da noite, regadas com cerveja ou uísque, era que Madina do Boé bem poderia ter sido o Dien Bien Phu português, o que, sabemo-lo hoje, era manifestamente exagerado. 

De qualquer o quartel fora evacuado com o (falso) argumento de que o sítio não tinha qualquer interesse estratégico para as NT. A "inteligência" spinolista não conseguir prever os efeitos perversos desta decisão: a retirada de Madina do Boé veio fragilizar o flanco sul e sudeste do "chão fula" e sobretudo será bem explorada pela propaganda e diplomacia de Amílcar Cabral.(**)

Pardete Ferreira não viveu, diretamente, esse desastre, não participou da Op Mabecos Bravios, mas ouviu também relatos, alguns apocalípticos ou fantasiosos, como eu,  mas ter-se-á documentado minimamente para escrever o "Paparratos". O mito e a realidade andam, muitas vezes,  de mãos dadas, o que numa obra de ficção é perfeitamente aceitável; como o próprio o diz, este não é um  trabalho historiográfico, é um "romance"... 

Podiam, entretanto,  apontar-se alguns exemplos de "factos" criados pelo narrador, que passamos a destacar em subtítulo.


(i) A 1221º Companhia de Paraquedistas foi  "a última a evacuar Madina do Boé" (pág. 117) [, referência à 121ª CCP / BCP 12, comandada pelo cap prqd Terras Marques, que no livro é o tenente paraquedista  Teixeira Martins]

Os paraquedistas não participaram na Op Mabecos Bravios, pelo que não fazia sentido a presença ali do [José Manuel] Terras Marques. Creio que o autor quis fazer uma homenagem a um militar que ele admirava, com quem acamaradou e inclusive fez amizade, no CAOP, e depois em Bissau, enquanto esteve, ano e meio, no HM 241.  E inclusive terá mantido essas relações de amizade na vida civil.  

Sabe-se que o Teixeira Martins [, ou melhor, o Terras Marques] fez duas comissões no TO da Guiné.  E pelo que corre nas redes socais, dos testemunhos de paraquedistas que foram por ele comandados, era um oficial com grande carisma, conhecido pelo "Tigre". E o próprio criador do Paparratos e do João Pekoff não o desmente, ao traçar o seu perfil;

(...) "O Pára Teixeira Martins tinha uma pontaria de exceção. Treinava sempre os seus homens com bala real".  (...). Ah!, e muito importante: dava sempre o exemplo!.

"Como capitão, tinha como guarda-costas o 118. (...) Na sua segunda comissão consecutiva, era um militar experiente, Muito calmo, parecendo dormir, saltava repentinamente e iniciava o tiro, sem que os mais novos tivessem dado por isso. Malditos periquitos. (...)  (pág. 120).

Ora este 118, o guarda-costas do capitão pára  seria nada mais nada menos do que o Cabo 80, que tem, no nosso blogue, alguns referências como sendo outra figura mítica do BCP 12. Foram-lhe atribuídas duas cruzes de guerra por feitos valorosos no CTIG.  Na vida civil, o seu nome completo era o  Jaime Manuel Duarte de Almeida, "Dois senhores da guerra", chamou-lhes o nosso Jorge Félix (***).

Há aqui um outro tenente, cuja identifidade não conseguimos decifrar. No livro "O Paparratos" e no capítulo respeitante a Madina do Boé, surge como o tenente pára Lemos Neves.. Quem seria este oficial  L...N... ? 

Escreve o autor:

(...) "Fez questão de ser o último homem a sair  dessa terra, que mais tarde vai ser a primeira Capital da República da Guiné-Bissau, dita Independente". (...) Nascido na Guiné (...), não vira ele  seus pais e sua irmã serem chacinados pelos turras ? Iniciando o serviço militar como miliciano, acabou por fazer em seguida a Academia Militar e logo após, em Tancos,  obteve o Brevet de Paraquedista ao qual juntou a Boina Verde, pouco tempo depois" (...).

Assim, de repente, só nos lembramos de um paraquedista guineense, pertencente ao BCP 12, o hoje cor ref  e empresário, Chauki Danif, nascido em Bafatá há mais e setenta anos,  e que eu conheci pessoalmente no lançamento do livro do cor prqd ref Moura Calheiros, "A Últma Missão", na Academia Militar, em 29 de novembro de 2010. Tanto quanto sei, ninguém da sua família   morreu, na Guiné, no início da guerra, por acções terroristas.


(ii) "Havia pelo mnos um Batalhão para evacuar" (pág. 118)

A unidade de quadrícula de Madina do Boé era a CCAÇ 1790, comandada pelo cap inf José Aparício. Béli já fora  retirada, em 15 de julho de 1968, em plena época das chuvas. Era um destacamento onde havia um pelotão da CCAÇ 1790.  

Como é largamente sabido, as vítimas do desastre do Cheche foram forças da CCAÇ 2790 e da CCAÇ 2405 (, esta pertencente ao BCAÇ 2852, sediado em Bambadinca),  que atrevessavam o rio, de jangada,  na última viagem. 


(iii) Havia "alguns abrigos reforçados" (...), "construídos à pressa" e que, segundo se dizia, eram "à prova de morteiro 120" (pág. 118)


Não nos é possível confirmar ou infirmar esta afirmação. Não sabemos se o BENG 447 teve tempo ou condições para construir alguns "bunkers" em Madina do Boé.  De resto, havia questões logísticas complexas a resolver (, transporte de materiais de contrução, etc.) e já em junho de 1968 parecia estar tomada a decisão de evacuar Madina do Boé, tal como Beli. 

Como escreveu Hélio Felgas, a companhia de Madina estava ali apenas a defender-se a si própria, quando era precisa noutros pontos do território.


(iv) "Aquela de meter um aquartelamento no vale aconchegado entre os únicos terrenos elevados [colinas] de todo o território guineense parecia não lembrar a minguém" (pág. 118)

Também não sabemos. ao certo, desde quando passou a haver tropa na antiga tabanca de Madina do Boé. O subsector de Madina do Boé (tal como o Buruntuma) foi criado ao tempo do BCAÇ 512, em 23 de maio de  1965.

Segundo o nosso colaborador permanente, José Martins, a primeira unidade a instalar-se em Madina do Boé, foi a CCAV 702 / BCAV 705. Permanceu lá de maio de 1965 a abril de 1966, quando terminou a sua comissão de serviço. A última, como se sabe, foi a CCAÇ 1790, que retira do local em 6 de fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios).

É possível que o PAIGC tenha utilizado, do outro lado da fronteira, o novo e temível morteiro 120, que se estreou no TO da Guiné, em setembro de 1968, contra Gandembel (****).

Em suma, sobre a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche, o autor não traz (em 2004), nada de novo. E resume a narrativa do acidente a um ou dois parágrafos,  E comenta do seguinte modo: apesar do "bom planeamento" (pouco habitual mum país que gosta de "magníficos improvisos",os quais , de um modo geral, até "costumam correr bem"), tudo vai correr mal no fim, como sabemos (pág. 119).  

O tema vai ser depois debatido no nosso blogue quase até à exaustão, levando ao confronto de diferentes versões. 

(Continua)

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(**) Vd. poste de 10  de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21531: Casos: a verdade sobre... (14): as razões da retirada de Madina do Boé em 6 de fevereiro de 1969... Já oito meses antes, em 8 de junho de 1968, havia saído uma Directiva do Comando-Chefe da Guiné para a transferência da unidade ali estacionada, a CCAÇ 1790, comandada pelo cap inf José Aparício

(***) Vd. poste de 28 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5552: FAP (42): Dois senhores da guerra: O Cabo 80 e o Cap Pára Terras Marques (Jorge Félix)