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domingo, 9 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19874: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (7): o inferno de Bissá: a morte do balanta Abna Na Onça, capitão de 2ª linha (Abel Rei, ex-1.º cabo at, CART 1661, Fá, Enxalé, Bissá, Porto Gole, 1967/68)


Guiné > Carta de Fulacunda (1955) > Escala 1/50 mil > Pormenor: posição relativa  de Porto Gole e Bissá, e de outras povoações na margem direita do rio Geba, abandonadas com a guerra.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


Foto nº 1 > Estrada de Porto Gole para Bissá e Mansoa


Foto nº 2 > O António Rodrigues no porto fluvial de Bissá durante um reabastecimento


Foto nº 3 >  O António Rodrigues em Bissá, junto do monumento da CART 2411 [Enxalé, Porto Gole e Bissá, 1968/70), uma companhia da qual não tínhamos, até agora,  referências no nosso blogue


Foto nº 4 > O António Rodrigues em Bissá, junto do monumento da CART 2411. Inscrição: "Sangue, suor e lágrimas".

Guiné > Região do Oio > CCAÇ 2587 / BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969 / 1971) > Fotos do álbum de António Rordirgues, ex-1º Cabo Aux Enf, CCAÇ  2587, 3º  Gr Comb:

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Agradecemos a gentileza. Já em tempos o António Rodrigues [, foto atual à esquerda,] nos tinha mandado fotos do Enxalé e duas de Bissá, com a seguinte nota:

"Junto também duas fotos de Bissá, talvez um dos piores destacamentos que existiam na Guiné, principalmente nos períodos das chuvas. É um dos locais com poucas referências, em tudo o que tenho lido sobre a guerra na Guiné." (*)

Acompanha o nosso blogue desde longa data. Mora em Coimbra. É fundador,  administrdor e editor  do blogue Batalhão de Caçadores 2885 (Guiné, 69/71). que continua ativo desde fevereiro de 2009, com mais de centena e meia de postes. Por todas as razões e mais uma: é um rapaz do meu tempo e meu vizinho...O pessoal do BCAÇ 2885, incluinmdo a CCAÇ 2587, partiu para o CTIG, no T/T Niassa em 7 deemaio de 1969, e regressou a no T/T Uíge, em março de 1971, em 24 de fevereiro de 1971.  A minha CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, independente, embarcou para o CTIG 3 semanas depois, em 24/5/1969. Graduados e especialistas, metropolitanos, da priemria geração da CCAÇ 12, eram todos de rendição individual e regressámos no T/T Uìge em 17/3/1971. Fiz operações no subsetor da CCAÇ 2587...É possível que nos tenhamos encontrado. De qualquer é louvável o esforço que o António Rodrigues tem feito para manter ativo e produtivo o
blogue do BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71).


Abel Rei, Porto Gole,
c. 1967/68
15 anos a blogar  (**) > O Inferno de Bissá: a morte de Abna Na Onça, capitão de 2ª linha


1. Excertos das minhas notas de leituea (***)

Abel de Jesus Carreira Rei – Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968. Prefácio do ten gen Júlio Faria de Oliveira. Edição de autor. 2002. 171 pp. (Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002).


Um título enganador

O inferno? Seguramente, para o Abel e os seus camaradas, o inferno foi Porto Gole, Bissá, Enxalé, pela dureza das condições de vida, nos dias de paz e nos dias de guerra… Paraíso ? Não sei se o autor se refere à breve estadia, no início da comissão, em Fá Mandinga, onde a guerra só se antevia ou pressentia, ao longe… Há também momentos, de alguma felicidade, passados em Porto Gole e e no Emxalé, à beira rio, ajudando a esquecer as praias atlânticas da infância e da adolescência do autor (Praia da Vieira, São Pedro de Moel…).

Entre o inferno e o paraíso ?... Eu diria que o Abel conheceu algumas estações do inferno, como todos nós; e que também conheceu um pedacinho do paraíso; em todo o caso, é preciso entender o uso, que se fazia na época, destas duas metáforas, e que hoje não podem ter a mesma leitura. (...)

(...) Com menos de 3 meses de Guiné, o autor interroga-se se não estará já “apanhado pelo clima” (25/4/67, p. 75). Os fantasmas do álcool voltam a aparecer no seu diário: “ de há uns dias para cá, tem sido bebedeira certa; não sendo ninguém prejudicado com isso, talvez só eu!”…

A 30 de março de 1967, o Abel, nascido em 1945, em Maceira. Leiria, comemora, como devia ser, o seu 22º aniversário natalício:

“À noite, e depois de várias misturas, emborrachei-me” (…) (p. 59).

Porto Gole não tem ainda electricidade: em 4/4/67, o Abel passa a ficar encarregue da manutenção e reparação dos ‘petromaxes’ em serviço na tabanca e aquartelamento. Como se não bastasse já a ‘chatice’ de ser 1º cabo, passa também a desempenhar as funções de ‘vagomestre’ (competindo-lhe adquirir e distribuir os géneros no rancho) (12/4/67).

Não esconde a conflitualidade entre camaradas, em especial dentro da sua secção, com destaque para o relacionamento com o seu furriel: 

“Quem nos obriga a andar cá, não olha às ‘qualidades’ dos que comandam, e somos nós os que sofremos consequências. Esse meu registo, gostaria um dia passar uma ‘esponja’ sobre tudo isto!” (9/4/67, p. 65).

Em Bissá, as relações com o seu alferes, um antigo seminarista, também foram tensas: é obrigado a trabalhar de pá e pica, sob um sol escaldante (15/5/1967, Bissá, pp. 85/86). (...)


Abna Na Onça, c. abril de 1967.
 Foto de José António
Viegas (2017)
A morte do capitão de 2.ª linha, o balanta Abna Na Onça, em Bissá

Entretanto, alguns dias depois da ocupação de Bissá, em 7/4/67, que passou a ser um destacamento, guarnecido por um pelotão (-) da CART 1661 e uma companhia (-) da Polícia Administrativa de Porto Gole, o dia 15 de abril de 1967 seria um “dia trágico”: um ataque do PAIGC a Bissá, de duas horas, na noite de 14 para 15 de abril de 1967, fizera sete mortos e cinco feridos . Na sequência deste desastre, o destacamento foi (temporariamente) abandonado…

Pela primeira vez o autor não esconde que lhe vieram “as lágrimas aos olhos” (p. 69). A tragédia abatera-se sobre Bissá e Porto Gole:

“Houve choro de todos, com gritos e desmaios das mulheres, como que adivinhando o que aconteceu, entraram de rompante, dentro do destacamento, numa altura em que procedíamos à pesagem de peixe fresco, chegado do rio… Tinha morrido um capitão de 2ª linha, mais seis nativos, todos da Polícia Administrativa, e todos eles com as famílias cá na tabanca de Porto Gole. Morria o homem em quem se tinham fortes esperanças para acabar com a guerrilha inimiga na zona – o capitão Abna Na Onça por ser corajoso e respeitado por negros e brancos”.

E sobre a importância deste aliado, balanta, das autoridades portuguesas, acrescenta o Abel Rei:

“Um homem que, desde o início da guerra, vinha enfrentando, com máxima inteligência, aqueles que o fizeram sofrer, matando-lhe toda a família; perseguindo [o Inimigo], matando, capturando armas. Este foi o seu fim, só porque estava do nosso lado". (15/4/67, Porto Gole, pp. 69/70).

(Não temos maneira, por falta de outras fontes, independentes, de confirmar ou infirmar a tragédia que se terá abatido sobre a família de Abna Na Onça, e que explicaria a aliança com os 'tugas', aparentemente 'contra natura',  deste lendário chefe balanta. Jorge Rosales, que era seu amigo pessoal, disse-me que  o PAIGC havia cometido o erro fatal de matar duas das suas mulheres e roubar-lhe centenas de cabeças de gado, no início da guerra)

Em 20 de abril de 1967, uma força, comandada pelo próprio capitão da CART 1661, e composta pelo 1º Gr Comb e pelo Pel Caç Nat 54, partiram para Bissá, com a intenção de reocupar o destacamento, que na altura pertencia ao sector do BCAÇ 1888 (Bambadinca).


Capa do livro do Abel Rei (2002)
Bissá: lá ficaram as piores recordaçõs e… um pedaço de cada um

Em 13 de maio de 1967, o Abel (integrado no seu Gr Comb, o 3º) é destacado para Bissá (onde permanece 15 dias).

É “um destacamento composto por oito casernas-abrigos, vedado com arame farpado e iluminado com (…) petromaxes”(14/5/67, Bissá, p. 84)…

E acrescenta o autor:

“Está cercado por tabancas cujos habitantes são de raça balanta, das quais foram queimadas as mais próximas para melhor defesa do mesmo. Fica rodeado de bolanhas (terrenos planos cobertos de capim) a nascente, sul e poente, e matas pelo norte – o ponto mais perigoso, e pelo qual os turras têm possibilidades de nos atacar. Há imensas árvores, e de grande porte, que foram deixadas mesmo dentro do aquartelamento”…

A força ali destacada era composta por um grupo de combate da CART 1661 e duas secções de polícia administrativa, além de uma secção de sapadores [do BENG 447 ?]:

“Está cá uma secção de sapadores que, além de vedarem o destacamento e armadilharem os pontos mais estratégicos, fizeram um forno para cozer o pão, e estão a fazer um refeitório e cozinha” (pp. 84/85).

A fonte de abastecimento de água é um charco: 

“Pelas cinco horas, vou habitualmente tomar banho, a uma poça com água da cor de barro, acinzentada, mas que constitui a nossa única base para limpeza, e também onde vamos buscar água para beber” (17/5/67, Bissá, p. 87).

Há uma hostilidade passiva por parte da população local, agravada pela atitude de suspeição dos militares portugueses em relação aos balantas: 

(…) “Fui apanhar alguns mangos, e dar os bons dias a quatro bajudas (…) que andavam a carregar com feixes de palha à cabeça, mas que se limitaram a olhar-me com curiosidade, não respondendo nada!”… Comentário (ingénuo) do autor: “Não entendo como é que a nossa cultura, que há meio milhar de anos se espalhou por estas terras, nunca os ensinou a falar a nossa língua?!” (18/5/67, Bissá, p. 88).

No dia seguinte, numa coluna de duas viaturas a Porto Gole, para ir buscar o correio e levar um “soldado castigado” para a sede do comando da companhia, o Abel e os seus camaradas encontram treze bajudas e dois homens: 

“Estavam munidos de catanas e machados” (…) e “quando nos viram, largaram logo a fugir (sendo o mais natural que tivessem ido fazer algum ‘serviço’ aos turras). Fizemos um cerco, e apanhámos o ‘bom pessoal’ (termo usado em relação aos civis nativos, que jogam com os dois lados) – que disse andar à lenha!" (…).

Em setembro de 1967, o Abel voltou para Bissá com o seu Gr Comb. No dia 3 há um primeiro contacto com o IN que faz uma flagelação a um tabanca das proximidades, Funcor, em pleno dia, às 14h… Os de Bissá respondem com morteiro 81 mm; o PAIGC riposta com morteiro 60 mm (p. 105). 

A 6 de setembro, uma força da guerrilha (estimada, com evidente exagero, em 180 elementos, segundo a história da unidade, citada pelo Abel), entra na tabanca de Bissá e flagela o destacamento. Há uma baixa mortal, confirmada, entre os atacantes, sendo enterrado dentro do arame farpado:

“Foi a primeira vez que vi de perto, um turra fardado (embora morto!). Tratava-se de um homem forte e tipo da raça balanta” (6/9/67, Bissá, pp. 105/106). Estava equipado com uma espingarda semi-automática Simonov M21, devendo por isso ser um milícia popular do PAIGC e não propriamente um guerrilheiro das FARP (reorganizadas no final de 1967)… 

A 8 de setembro há uma nova flagelação a Bissá, com morteiro 82 e armas automáticas… Aumentam as dificuldades de abastecimento do destacamento, devido à chuva, às minas e às emboscadas…

Setembro e outubro de 1967 vão ser dois meses negros para a CART 1661. O primeiro morto da companhia,  devido a explosão de uma mina  anti-carro, ocorre a 16 de setembro de 1967, com oito meses de comissão, quando uma coluna auto seguia de Porto Gole para o cruzamento da estrada para Mansoa onde se iria encontrar com forças de Bissá, para entrega de géneros alimentícios.

“Balanço: quatro mortos, sendo dois brancos e dois pretos, e mais treze feridos graves; uma viatura em pedaços; e diversos materiais estragados!” (…) (16/5/67, Bissá, p. 110).

Os mortos, todos do Pel Caç Nat 54 (com excepção do condutor), foram o fur mil Álvaro Maria Valentim Antunes, casado, natural de Portalegre, comandante da coluna, e os soldados guineenses Mamadu Jamanca e Adulai Sissé. O condutor era o sold da CART 1661, Manuel Pinto de Castro.

Esta ocorrência é referida pelo José Brandão, no seu livro Cronologia da Guerra Colonial: Angola, Guiné, Miçambique, 1961-1974 (Lisboa: Prefácio, 2008, p. 165): 

"16/9/1967: Morrem em combate na Guiné 4 militares do Pelotão de Caçadores 54”.

No dia seguinte ao tentar recuperar a viatura sinistrada, as forças de Porto Gole sofrem um emboscada…

A 2 de outubro de 1967,  Bissá volta a ser atacada, durante três horas… Eram 9h30 quando rebentou a primeira roquetada… O Abel escrevia dentro da enfermaria, “onde durmo, e estava a ouvir rádio”…A história da unidade fala em 150 elementos IN, os quais raptaram seis elementos da população e destruíram várias moranças…

A 5 de outubro, uma viatura saída de Porto Gole em direcção a Bissá faz accionar outra mina A/C. Balanço: 1 morto e 26 feridos. 

A 6, uma nova mina (desta vez incendiária!) com emboscada (por um grupo calculado em 80 elementos), junto ao local do rebentamento da mina anterior, faz 10 mortos e mais de duas dezenas de feridos, “com queimaduras, todos evacuados para a Metrópole”…

Diz-nos o Abel, em nota de rodapé, que “para estas evacuações, foi preciso um avião especial de emergência que, ao chegar a Lisboa, fez correr a notícia de que Bissau tinha sido bombardeada, simultaneamente ‘boatado’ pelo inimigo)” (p. 114).

Nesse dia, Abel estava em Bissá, fazendo contas à vida de cabo vagomestre, sem comer para dar ao pessoal… mas no dia 8/10/67 fez o balanço desta “série negra” que fez de Bissá “o pior aquartelamento” (p. 166) da Guiné, nessa época.

“Tanto na mina como na emboscada, foi precisa imediata colaboração da aviação, que desta vez chegou de pronto, vindo dois bombardeiros que ajudaram os helicópteros a localizar o acidente” (8/10/67, Bissá, p. 115).

O José Brandão, na sua Cronologia da Guerra Colonial, limita-se a referir que no dia 5/10/1967 “morrem em combate na Guiné 2 militares da CART 1661”, o 1º cabo José Andrade Couto Pinto, natural de Santo André, Bustelo, cocnelho de Peanfiel, e o sold Manuel, natural de Lixa, Fornos, concelho de Castelo de Paiva. E que no dia seguinte morrem mais cinco: 1º cabo Abel Carvalho Martins (Montalegre), 1º cabo António Ribeiro Machado Sousa (Mato, Ataíde, Amarante), sold Artur Rodrigues Alves (Sabuzedo, Mourilhe, Montalegre), sold João Pimentel Fernandes (Boi Morto, Oriz, São Miguel), sold José Coelho do Nascimento (Cepelos, Amarante)…

O Abel Rei fala em 7 mortos. A história da unidade fala em 10 mortos, algumas das mortes tendo provavelmente ocorrido já no hospital… Até na contabilidade das nossas baixas mortais na guerra colonial, há critérios divergentes…

O rol de desgraças não se fica por aqui:
Abel Rei, Marinha Grande, c. 2002

“(…) em Bissá, se não temos mortos, os vivos não têm que comer. Há mais de oito dias que não temos vinho, cerveja ou outros líquidos que se bebam”… Por seu turno, “o comer acabou: estando-se a comer, ora carne de vaca, ora bacalhau com pão e… água!” (p. 115/116). 

A 1 de novembro de 1967, come-se peixe miúdo, “pescado nas poças da bolanha” (p. 117).

Em conclusão, Bissá “cá sabi”… A 11 de novembro, o Abel regressa a Porto Gole, sendo rendido o seu Gr Comb. “Lá ficaram as piores recordaçõs e… um pedaço de cada um” (p. 118).
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7722: Memória dos lugares (132): Fotos de Enxalé (Virgínio Briote/António Rodrigues)

(**) Último poste da série > 6 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19863: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (6): o inferno de Bissá: um homem apanhado à mão (Abel Rei, ex-1.º cabo at, CART 1661, Fá, Enxalé, Bissá, Porto Gole, 1967/68)

(***) Vd. postes de:

12 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4815: Notas de leitura (14): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte I) (Luís Graça)

14 de agosto de  2009 > Guiné 63/74 - P4820: Notas de leitura (15): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte II) (Luís Graça)

(****) Vd. postes de:

16 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18851: Recordações de Porto Gole, Enxalé e Missirá: fotos de Abna Na Onça e outros camaradas (João Crisóstomo, Nova Iorque; ex-alf mil, CCAÇ 1439,1965/67)

28 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17707: (De) Caras (96): O cap 2.ª linha Abna Na Onça, balanta, e o 1º srgt Arlindo Verdugo Alface, alentejano do Cano, concelho de Sousel, dois "irmãos de sangue", e dois "homens grandes" com quem tive o privilégio de conviver (Jorge Rosales, ex-al mil, 1ª Companhia Indígena, Porto Gole, 1964/66)

27 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17704: (De)Caras (95): Abna Na Onça, cap 2ª linha, comandante de uma companhia de polícia administrativa, regedor do posto do Enxalé, prémio "Governador da Guiné" (1966), morto em combate em Bissá, em 14/4/1967, agraciado a título póstumo com a Cruz de Guerra de 1ª Classe (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68)

(...) Ai vai uma foto do capitão de 2ª linha Abna na Onça, tirada poucos dias antes de ele morrer em Bissá, esse homem valente com quem o meu Pel Caç Nat 54 saiu várias vezes, com ele e a sua polícia administrativa.

Na primeira levada para se implantar o aquartelamento em Bissá, foi o Capitão Abna na Onça com os seus homens mais um pelotão da Cart 1661, ao 2º. ou 3º. dia, já não me recordo, foram atacados em força com canhão sem recuo e morteiro 82 , tendo o cap Abna na Onça sido atingido com estilhaço de granada de canhão sem recuo no peito, enquanto teve forças comandou os seus homens até ao fim. Houve dificuldade de comunicações e só quando chegaram mensageiros de Bissá se soube da tragédia.

Foram depois retirados os mortos e os feridos para Porto Gole a aguardar por ordem, o que foram 2 dias terriveis com o cheiro, tendo eu gasto pacotes de detergente para tentar amainar o cheiro. Ao segundo dia vieram ordens para enterrar os policias administrativos, o que o fiz junto ao monumento e o cap Abna na Onça viria uma LDP buscá-lo.

Vim a saber depois pelo cabo manobra dessa lancha que a viagem de Porto Gole a Bissau, foi horrível com o cheiro, tendo os marinheiros vomitado todo o caminho.

(...) Foi substituído no comando da Policia Administrativa pelo seu irmão Sagna Na Onça. (...)


(...) [O Jorge Rosales] diz-me que era muito amigo do mítico Capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”. O seu prestígio, a sua influência e e o seu carisma eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC).

Jovem (teria hoje 72/73 anos se fosse vivo), era um homem imponente, nos seus 120 kg. Schulz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços … Mais tarde, será morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias administrativos, todos eles residentes em Porto Gole… Nesse dia o destacamento é abandonado pelas NT: “ um dia trágico para quem estava no inferno de Bissá, como escreveu o Abel Rei no seu diário( Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné, 1967/68, editado em 2002, pp. 68/70) (...)

O Jorge Rosales pertencia à 1ª Companhia de Caçadores Indígena, com sede em Farim (Havia mais duas, uma Bedanda e outra em Nova Lamego, acrescenta ele). Ficou lá pouco tempo, em Farim, talvez uma semana. A companhia estava dispersa. Foi destacado para Porto Gole, com duas secções (da CCAÇ 556, do Enxalé) e outra secção, sua, de africanos. Tinha um guarda-costas bijagó. Parte dos soldados eram balantas. Possuíam apenas 1 morteiro (60) e 1 bazuca. A farda ainda era amarela. Ficou 18 meses em Porto Gole. Ia a Bambadinca jogar à bola com os de Fá. Foi uma vez a Bafatá, apanhar o NordAtlas. Lembra-se da piscina.

Enquanto lá esteve, em Porto Gole, havia um certo respeito mútuo, de parte a parte. A influência de Cabral era evidente, fazendo a distinção entre o povo (português) e o regime (colonialista). Podiam deslocar-se num raio de 10 km…. Mas a ligação com Mansoa já se perdera. O troço já não era seguro. Em Mansoa estavam os respeitados Águias Negras (BART 645, que dominavam o triângulo do Óio: Olossato, Bissorâ e Mansabá) .

Do lado do Geba, eram os fuzileiros que impunham a lei e o respeito. Lançavam uma bóia e fundeavam a LDG em frente a Porto Gole. Vinha quase tudo por rio: os frescos, a bianda, os cunhetes de munições… (excepto o correio, que era lançado do ar, de DO 27, e às vezes ir cair no tarrafo; em contrapartida, o correio expedido ia de LDG... Singuralidades de Porto Gole que não tinha uma simples pista de terra batida, para as aeronaves). Tem vários amigos fuzos, desse tempo, incluindo o comandante Castanho Pais. (...)