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segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27459: Efemérides (475): Mais de cem anos depois do Armistício de 11 de novembro de 1918, que encerrou a Primeira Guerra Mundial, é essencial registar o percurso de Portugal até esse conflito e os seus impactos (José Marcelino Marins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70)



Loures e Odivelas na Guerra
(Memória, Sacrifício e Monumentos)

José Marcelino Martins

Mais de cem anos depois do Armistício de 11 de novembro de 1918, que encerrou a Primeira Guerra Mundial, é essencial registar o percurso de Portugal até esse conflito e os seus impactos. Num período de grandes crises políticas, financeiras e económicas, Portugal conseguiu ainda defender a sua soberania e os territórios ultramarinos. Este artigo recupera a memória desta geração de Combatentes e o preço da guerra para a Nação.


Do mapa Cor-de-Rosa ao fim da Monarquia

Em 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro do ano seguinte, realizou-se em Berlim uma célebre conferência que reuniu catorze países com interesses em África. Portugal apresentou duas propostas: o denominado “Mapa Cor-de-Rosa”, que pretendia ligar Angola a Moçambique, e o direito de posse fundamentado na “descoberta ou achamento”. Ambas foram liminarmente rejeitadas. A partir daí, a ocupação efetiva dos territórios tornou-se condição essencial para o reconhecimento internacional da soberania legitimando, inclusive, anexações pela via militar.

Em 30 de janeiro de 1892, como resposta à grave situação das finanças públicas, o governo instituiu impostos extraordinários. Os rendimentos do trabalho (ordenados, soldos e pensões) estavam sujeitos a taxas entre 5% e 20%, enquanto os rendimentos prediais, de capitais e industriais podiam atingir 30%. Paralelamente, Portugal foi obrigado a renegociar a sua dívida externa.

Entre 1895 e 1910 intensificaram-se as chamadas Campanhas de Ocupação em África. Esta campanha era para “ocupar efetivamente” o território, mas provocaram forte resistência das populações locais, determinadas na defesa da sua autonomia sob a liderança de chefes regionais. A persistência dos combates deu origem às designadas Campanhas de Pacificação, realizadas com forças expedicionárias metropolitanas de cerca de 650 a 700 homens, compostas por infantaria, artilharia e cavalaria, serviços de saúde, engenharia e administração.

Perante a contínua asfixia financeira, o deputado José Bento Ferreira de Almeida (1847-1902), Capitão-de-Mar-e-Guerra e antigo ministro da Marinha e Ultramar, propôs, na sessão parlamentar de 12 de janeiro de 1902, uma medida extrema: a venda das colónias portuguesas, com exceção de Angola e São Tomé e Príncipe. O objetivo seria liquidar a dívida externa e utilizar o eventual excedente para dinamizar a economia nacional.

(Curiosamente, sessenta anos mais tarde, em 12 de janeiro de 1962, o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Alberto Franco Nogueira (1918-1993), entregou a António de Oliveira Salazar (1889 - 1970) um documento intitulado “Notas sobre a Política Externa Portuguesa”. Nele defendeu a entrega de Macau à China, de Timor à Indonésia e a abertura de conversas condutoras à independência da Guiné e de São Tomé e Príncipe. Propunha ainda que Portugal mantivesse apenas Angola, Moçambique e Cabo Verde. Ao receber o documento, Salazar anotou: “Começado a analisar com o ministro dos Negócios Estrangeiros numa das nossas conferências”) (Revista Expresso, 31 de agosto de 2002, p. 12).


A República e o caminho para a guerra

Quando a República foi proclamada, a 5 de outubro de 1910, uma das primeiras medidas de vulto foi a reorganização do Exército. O serviço militar tornou-se obrigatório para todos os jovens, que passavam inicialmente por uma escola de recrutas, com formação de 15 a 30 semanas. Nos dez anos seguintes foram chamados ainda em períodos regulares de instrução de duas semanas. Criaram-se também escolas de quadros para preparação de oficiais milicianos. Estava previsto um corpo permanente de 11.210 militares: 1.870 oficiais e 9.540 praças e sargentos.

Tal como aconteceu no regime monárquico, o governo republicano não esqueceu a prioridade das possessões ultramarinas. Pouco a pouco, as forças militares instaladas nas colónias foram colocadas sob a tutela do recém-criado Ministério das Colónias (3 de setembro de 1911), embora mantendo uma ligação operacional ao Ministério da Guerra. Esta dualidade prolongou-se até 1959, altura em que a reorganização do Ministério do Exército lhe devolveu a jurisdição plena sobre os territórios ultramarinos.

No plano interno, os primeiros tempos da República ficaram marcados pelas investidas monárquicas de Paiva Couceiro (1861-1944). Entre 1911 e 1912, as suas incursões mantiveram uma instabilidade no norte do país, com combates e escaramuças. Foram silenciadas definitivamente com a batalha de Chaves, em 8 de julho de 1912.  Se internamente a República se consolidasse, externamente enfrentaria ameaças graves: o alegado acordo secreto entre a Grã-Bretanha e a Alemanha. Confirmado por alguns e negado por outros, punha em risco a velha aliança anglo-portuguesa e, sobretudo, a continuidade da presença portuguesa em África. Portugal encontrou-se numa posição delicada: Angola partilhava fronteira com o Sudoeste Africano Alemão e Moçambique com a África Oriental Alemã.

Em 13 de agosto de 1913, foi assinado um novo protocolo que retomou o acordo de 1898, prevendo uma partilha ainda mais ampla das colónias portuguesas. A 20 de outubro desse ano, o entendimento foi rubricado e, semanas depois, reforçado no Reichstag, onde o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros proclamava o “êxito” das negociações. A França reagiu e, em fevereiro de 1914, o embaixador francês em Londres avisou que esta aproximação entre Londres e Berlim punha em causa o Acordo Cordial franco-inglês.

Em 3 de agosto de 1914, a Alemanha invadiu a Bélgica, violando o tratado de 1831, que consagrava a sua neutralidade perpétua. No dia seguinte, a Grã-Bretanha declarou guerra à Alemanha. A Europa estava em guerra e não demoraria para que Portugal fosse chamado a escolher um lado.

Quando o Congresso da República se reuniu extraordinariamente, em 7 de agosto de 1914, para aprovar um documento relativo à Grande Guerra - que tinha sido iniciada em 28 de julho desse ano, quando o Império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia - Portugal já enfrentava graves problemas políticos, económicos e coloniais. O conflito europeu viria assim apenas agravar uma conjuntura já marcada por instabilidade e incerteza.


África e a entrada antecipada na Grande Guerra

Em setembro de 1914, Lisboa enviava a 1.ª Expedição a Angola, com 1.526 militares, e no mesmo dia, uma outra com 1.539 militares para Moçambique. Pouco depois, em 11 de novembro, partiu o 1.º reforço de 2.803 soldados para Angola. A mobilização contínua em 1915: em janeiro, mais 4.318 homens foram enviados para reforço e, em setembro, a 2.ª Expedição para Angola, com 1.789 efetivos. Entretanto, para Moçambique, também foi destacada uma 2.ª Expedição com 1.558 militares.

As pressões cresceram quando, em fevereiro de 1916, o governo britânico pediu oficialmente a Portugal que, “em nome da aliança luso-britânica”, apreendesse todos os navios mercantes alemães que se encontrassem nos portos portugueses e ultramarinos. A missão, cumprida a 23 de fevereiro pelo capitão-de-fragata Jaime Daniel Leote do Rego (1867-1923), desencadeou protestos violentos em Berlim. Poucos dias depois, a 9 de março, o representante alemão, Rosen, entregou pessoalmente ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Luís Vieira Soares (1873-1954), em Lisboa, a declaração formal de guerra. Foram apenas quinze minutos de reunião - mas mudariam para sempre o destino de Portugal.

A 15 de junho de 1916, o governo britânico fez um convite formal a Portugal para que participasse nas operações militares ao lado dos Aliados. O Parlamento aceitou esta convocação a 7 de agosto, numa altura em que já decorriam as célebres “Manobras de Tancos”, que reuniram cerca de 30.000 militares provenientes de todas as divisões do país. Enquanto isso, foi organizada a 3.ª Expedição para Moçambique, composta por 4.386 militares, que embarcaram em vários navios entre maio e julho de 1916.


O Corpo Expedicionário Português Rumo a França

No início de 1917, deu-se a grande viragem: a 3 de janeiro ficou previsto que o Corpo Expedicionário Português (CEP) atuasse integrado na Força Expedicionária Britânica (BEF). Poucos dias depois, a 17 de janeiro, o Decreto-Lei n.º 2938 formalizou oficialmente a criação do CEP. A 30 de janeiro, o primeiro comboio de tropas partiu para França em navios britânicos. Até agosto de 1917, foram realizadas 50 viagens, transportando 55.165 militares portugueses para a frente europeia. Entre eles estavam soldados que já tinham sido combatentes em África. Enquanto isso, Moçambique continua a receber reforços: a 4.ª Expedição, entre julho e outubro de 1917, levou mais 5.267 homens, a que se juntou um reforço adicional de 4.509. Para Angola, seguiram dois pequenos contingentes: 566 militares em 1917 e 746 em 1918.

A 11 de novembro de 1918, às 11 horas, soava o armistício e o fim das hostilidades. Mas, para os militares portugueses, o regresso à casa não começou de imediato. O esforço de guerra prolongar-se-ia, marcando profundamente a vida nacional e a memória de uma geração.

Portugal combateu em diferentes frentes durante a Grande Guerra - tendo mobilizado aproximadamente 105.000 militares para África e Europa - morrendo 8.787 e ficando feridos entre 5.000 a 16.000.


Entre 1914 e 1918, Loures viu centenas de seus filhos irem para as frentes da Primeira Guerra Mundial e para África - alguns não regressaram, outros voltaram mudados para sempre. Este artigo regista os nomes, as histórias e o legado desses lourenses, bem como os monumentos que perpetuam a sua memória.

Loures, vila às portas de Lisboa, conquistou o título de “concelho” em 26 de julho de 1886, guarda na memória coletiva páginas de coragem e sacrifícios que ecoam até hoje. Durante a Primeira Guerra Mundial, muitos lourenses deixaram as suas terras para combater em Angola, Moçambique e França. O mais velho, nascido em 1879, partiu com 38 anos; o mais novo, nascido em 1898, tinha apenas 20. No total, cerca de 304 homens do concelho foram mobilizados para diferentes frentes. Oito deles, após servirem em África, integraram o Corpo Expedicionário Português e seguiram para a Europa, elevando para “aproximadamente” 312 o número de lourenses envolvidos neste capítulo marcante da história nacional.

A cada nova partida, crescia a ansiedade entre famílias e amigos, à medida que se formavam sucessivos contingentes: em 1914, três partiram para Angola e cinco para Moçambique; em 1915, nove para Angola, quatro para Moçambique e um para serviço marítimo; em 1916, dez para Moçambique, dois para a Madeira e um para o mar; em 1917, 257 para França e dez para Moçambique; e em 1918, cinco para França e um para Moçambique. Quatro casos permaneceram sem registo documental.

As notícias que chegavam eram muitas vezes vagas e sombrias, trazendo o peso das batalhas, da doença e da dureza do conflito. Entre 1916 e 1919 tombaram em campanha 19 lourenses: 1916 - um em Angola e três em Moçambique; 1917 - um em Angola e três em Moçambique, como no ano anterior; 1918 - seis em França e três em Moçambique; 1919 - já após o fim da Grande Guerra, um em França e outro em Moçambique. A ausência de um corpo para velório e luto tornava a dor ainda mais profunda, deixando famílias presas entre a dúvida e a esperança. Apesar disso, também houve regressos, embora num ritmo lento, fosse por conclusão de missão, doença, acidente ou licença. Entre 1915 e 1919, centenas regressaram vindos de vários teatros de guerra, numa dolorosa reconciliação com a vida e com o lar, marcada pelos sacrifícios e pela falta dos que não regressaram.

Em 1915 regressaram três de Angola e cinco de Moçambique; em 1916, seis de Angola e um de Moçambique; em 1917, um de Angola, seis de França, um da Madeira, um da Marinha e dois de Moçambique; em 1918, 68 de França, um da Marinha e sete de Moçambique; e em 1919, 179 de França, um da Madeira e quatro de Moçambique. Existem ainda sete casos sem dados sobre o ano de regresso.

O luto, mais pesado pela ausência do militar e do próprio corpo, deixou uma ferida aberta na comunidade. Faltava um espaço físico onde, nos momentos de maior saudade, se pudesse homenagear os que partiram, “conversando com eles” mesmo no silêncio. Esta necessidade era ainda mais sentida por órfãos, viúvas e principalmente por quem perdeu um filho, pois permanece até hoje o mistério - e a dor - de a língua portuguesa não ter uma palavra que define “pais que perderam um filho”. Uma saudade imensa, um luto sem fim, que apenas o tempo e a memória proporcionam entrelaçar e transmitir às próximas gerações.

As comunicações às famílias, baseadas nas informações prestadas pelas subunidades combatentes, eram muitas vezes vagas e lacónicas - e a ausência do corpo levantava uma dúvida: entre tantos soldados com nomes idênticos, não teria ocorrido engano? Não estaria aquele filho, afinal, ainda a caminho de casa?

A partida para os diferentes Teatros de Operações, sobretudo para França, fez-se ao longo de quase dez meses; para África, foram efetuadas duas a três viagens por ano. Os regressos davam-se por missão cumprida, incapacidade física, convalescença ou licença. Este retorno, contudo, foi quase sempre lento e marcado pela incerteza, sobretudo porque o repatriamento dos homens que serviram na frente francesa se prolongou por todo o ano de 1919. O luto, assim, mantinha-se - pesado, prolongado e sem corpo a velar, fator fundamental para o ritual da despedida. E continuou a faltar um local de homenagem, onde os mais fragilizados poderiam render tributo, conversando com os ausentes no silêncio das recordações. Esta “terapia silenciosa” ainda hoje conforta órfãos, viúvas e aqueles que perderam os filhos em quem depositaram sonhos e futuro. Na realidade, não foram apenas os familiares, amigos ou vizinhos que sentiram a ausência de “algo” que não regressou no final do conflito. Também a sociedade civil, no seu conjunto, partilhou essa sensação de perda e a necessidade de preservar a memória coletiva. Foi nesse contexto que, a 30 de julho de 1919, a Junta Patriótica do Norte lançou uma proposta para a criação de “padrões” que, através dos tempos, evocavam os que combateram na Grande Guerra e apresentavam uma devida homenagem.

A designação “monumentos”, teve origem numa decisão do governo da época, inspirada nos marcos e padrões deixados pelos portugueses nas suas viagens pelo mundo. O primeiro monumento erguido em Portugal foi inaugurado em 24 de setembro de 1919, por iniciativa de combatentes naturais da freguesia das Cortes, no concelho de Leiria. Com o apoio da população local foi construído no ponto mais alto da freguesia - símbolo de honra, sacrifício e memória.

Na sua tese de doutoramento “Políticas da Memória da I Guerra Mundial em Portugal (1918-1933) - Entre a Experiência e o Mito”, a doutora Sílvia Correia classifica os monumentos da Grande Guerra em quatro tipologias: “Vitorioso”, “Patriótico”, “Cívico” e “Funerário”. Ao Monumento de Loures é atribuída a dupla classificação “Patriótico/Funerário”, refletindo a sua simbologia de heroísmo e luto. De acordo com o Sistema de Informação para o Património Arquitectónico (SIPA), trata-se de um “monumento comemorativo da participação portuguesa na I Guerra Mundial, com um grupo escultórico representando uma cena de combate, com figuras de grande expressividade”.

Embora exista um processo administrativo contendo planta e alçados, não foi encontrada qualquer memória descritiva nem representação completa da escultura. Na ausência desses registos, a interpretação mais aceite é a de que a componente “patriótica” se manifesta na parte traseira do monumento, representando uma trincheira após uma incursão inimiga.
Frente do Monumento de Homenagem ao Combatente da Grande Guerra - Loures
Lateral direita do Monumento
Lateral esquerda do Monumento
Traseira do Monumento

A peça de artilharia de campanha de fabrico francês - calibre de 7,5 cm TR m/1904 fabricada pela Schneider Frères & Cie - operada por uma guarnição de seis militares:
comandante, apontadores e serventes, apresenta-se em posição de tiro horizontal, embora pareça bastante elevado devido à especificidade natural do terreno.  Na figurativa destacam-se duas esculturas humanas. Um dos militares, possivelmente um oficial tombado no terreno, segura na mão uma pistola de fabrico americano - provavelmente uma Savage 7,65 mm m/1915, fabricada pela Savage Arms Company, e distribuída como arma de defesa pessoal. Esta imagem simboliza o sacrifício máximo exigido a um combatente: “a entrega da vida pela Pátria”. O outro militar, em vigia junto da trincheira, empunha uma espingarda Lee-Enfield (SMLE) Mark III de 7,7 mm M/1917 de fabrico inglês. Essa representação evoca a firme determinação de cumprir a missão, mesmo ferido ou em perigo iminente, simbolizando a persistência em defender uma posição confiável. Toda a componente figurativa do monumento é realizada em betão armado.

Depois de se consultar as plantas conservadas no Arquivo Municipal de Loures, reforça-se a ideia de que o monumento foi concebido para representar a entrada simbólica de um espaço cenotáfio - um local construído em memória dos combatentes lourenses sepultados em vários cemitérios da Europa.
Vista Geral do monumento da Grande Guerra de Loures ladeado pelas lápides

O frontispício é formado por dois contrafortes dispostos em posição oblíqua às paredes laterais do monumento, que vão perdendo altura gradualmente, indicando uma descida abaixo do solo. Estes contrafortes de base retangular composta por grandes blocos graníticos, mantém a face interior vertical, terminando em forma quadrangular, com capitéis retos que sustentam, no topo, duas esferas armilares - símbolos universais da identidade portuguesa e da sua história.  Sob um arco de volta perfeito em mármore branco, destaca-se uma Cruz de Guerra, parcialmente suspensa ao centro, acompanhada da inscrição “Aos Mortos da Grande Guerra”. Este seria, originalmente, o acesso ao interior do monumento, que posteriormente seria fechado com pedras e sobreposta por uma moldura onde foram gravados os nomes dos militares naturais do concelho, de que se tinha conhecimento, que tombaram em combate.
Lápide Grande Guerra
Lápide Guerra Ultramar

Para a recolha dos nomes dos lourenses mortos na guerra, tanto em África como na Europa, foram oficiadas todas as juntas de freguesia do concelho através de uma circular datada de 6 de setembro de 1929, assinada pelo Capitão Francisco Marques Beato, combatente em França, então presidente da Câmara Municipal de Loures (32.º presidente, com mandato entre 12 de julho de 1926 e 6 de outubro de 1931).

Foi precisamente durante o seu mandato que se concretizou a inauguração do monumento. De acordo com o livro “In Memorian”, editado pela Câmara Municipal de Loures em novembro de 2016, na Parte II, assinado por Jorge Aniceto e Pedro Rocha, leia-se na página 94: “No dia 8 de Dezembro de 1929, dedicado a Nossa Senhora da Conceição (e às mães), foi finalmente inaugurado o Monumento aos Combatentes do Concelho de Loures mortos na Grande Guerra, o segundo a ser erigido no distrito de Lisboa. O autor do projeto foi Fernando Soares, um conhecido empresário da época. Embora simples, o monumento é expressivo.” 

No verso de um postal de época, editado pela própria Câmara Municipal de Loures e com fotografia do monumento, encontra-se o seguinte texto:
“O envolvimento português na Grande Guerra arregimentou quase 200 mil homens, oriundos de todo o território nacional, incluindo o concelho de Loures. Aqui, o recrutamento militar atingiu largas dezenas de jovens. Todos partiram, mas alguns não regressaram. Ao todo tombaram quase 10 mil no campo de batalha. O heroísmo destes homens foi alvo de uma sentida homenagem dos seus conterrâneos, abraçada por Francisco Marques Beato, presidente da autarquia, militar e combatente que, solicitando a colaboração das juntas de freguesia garantia a realização de uma angariação de fundos para a execução do projecto da autoria do construtor civil Fernando Soares e que estava orçamentado em 25 contos. Assim, a 8 de Dezembro de 1929, dia de Nossa Senhora da Conceição (correspondia, à época, ao dia da Mãe), numa cerimónia que contou com a presença de diversas entidades públicas, Oficiais do Exército, representantes dos combatentes de Arruda, Loures e Lisboa, e de muitos populares que fizeram questão de se associar a este tributo, inaugurou-se o Monumento aos Combatentes do Concelhio de Loures Mortos na Grande Guerra, localizando-se ainda hoje no centro da vila (elevada a cidade em 1990), em lugar de destaque no jardim da Praça da Liberdade, em frente aos Paços do Concelho.”


No dia 8 de dezembro de 1929, o vespertino “O Povo” destacou a inauguração do Monumento aos Combatentes de Loures na sua página 4. Nos dias seguintes, o acontecimento continuou a ser amplamente noticiado, com referências nos jornais “28 de Maio” (edição de 10 de dezembro, página 4), “ABC” (edição de 12 de dezembro, página 8) e “Notícias Ilustradas” (edição de 15 de dezembro, páginas 10 e 11), refletindo a importância nacional e o impacto local desta homenagem.

Durante o serviço militar, o reconhecimento pelos méritos e pelo sacrifício dos soldados chega, muitas vezes, em forma de medalhas e condecorações. Estas insígnias, distinguem atos de bravura, determinação e dedicação. Durante a Primeira Guerra Mundial, os militares de Loures, não foram esquecidos: cinco receberam a insígnia da “Ordem Militar da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito”, grau comendador; cinco foram distintos com a “Medalha Militar da Cruz de Guerra”, uma de terceira classe e quatro de quarta; um militar com a “Medalha Militar de Comportamento Exemplar” nos graus Cobre e Prata; 43 lourenses receberam “Medalhas militar Comemorativas das Campanhas”, com registo de serviço em Angola, Moçambique, França ou na Defesa do Campo Entrincheirado de Lisboa; A “Medalha Militar da Vitória” acordada pelos aliados após a vitória, foi igualmente entregue a 43 combatentes. Houve ainda espaço para distinções de um militar com a “Medalha de Dedicação da Cruz Vermelha Portuguesa, e dois com a Medalha de Conduta Distinta (Distinguished Conduct Medal) atribuída pelo Rei de Inglaterra, Eduardo VII, e ainda foram atribuídos mais vinte e um louvores individuais.

Em novembro de 1968, Loures voltou a ser palco de homenagem aos seus combatentes, no cinquentenário do Armistício da Primeira Guerra Mundial. Junto ao monumento, agora enriquecido com uma nova placa em bronze comemorativa dos 50 anos da paz, reuniram-se militares, autoridades e população, numa cerimónia presidida pelo autarca Joaquim Dias de Sousa Ribeiro. O gesto, público e simbólico, reforça o orgulho e o respeito da comunidade por aqueles que defendem a Pátria, assegurando que o legado dos que serviram permanece presente na vida cívica do concelho.

Décadas depois, este sentimento de memória e reconhecimento foi novamente colocado em destaque. Em 2014, sob a presidência de Bernardino Soares (mandatos de outubro de 2013 a outubro de 2021), o Município de Loures prestou homenagem aos seus combatentes da Grande Guerra. No dia 25 de julho, durante as comemorações do 128.º aniversário da elevação de Loures a concelho, foi anunciada a reabilitação do monumento, com destaque para a recuperação da escultura, limpeza de cantarias e detalhes em bronze, bem como a renovação da base, agora em mármore preto. Mais tarde, a 19 de outubro do mesmo ano, foi descerrada uma placa comemorativa do centenário da Grande Guerra, na presença de representantes da Câmara Municipal, da Direção Central da Liga dos Combatentes e do Regimento de Transportes. Esta homenagem foi acompanhada de investigação histórica detalhada, conduzida por uma equipa multidisciplinar, resultando na publicação da Parte III do livro “In Memoriam” e na identificação específica dos lourenses mobilizados para África e França.

O centenário do Armistício foi assinalado em 11 de novembro de 2018, com a inauguração de um Memorial desenvolvido para aqueles que, cem anos antes, tinham deixado tudo para trás e rumaram para os campos de batalha. A cerimónia decorreu sob chuva intensa, reunindo representantes das Forças Armadas, das Edilidades de Loures e Odivelas, além de combatentes inscritos no Núcleo de Loures da Liga dos Combatentes.

Reconhecendo o interesse da população neste símbolo de memória coletiva, a Câmara Municipal de Loures aprovou, em reunião de 31 de agosto de 2022, a classificação do Monumento aos Mortos da Grande Guerra como Monumento de Interesse Municipal, destacando o seu significado histórico e afetivo para o concelho.

Em 2023, o desejo de perpetuar novas memórias levou à proposta de criar uma lápide dedicada aos lourenses tombados na Guerra Colonial. A ideia foi acolhida pelo presidente do município Ricardo Leão (mandato desde outubro de 2021) e, a partir de outubro desse ano, técnicos e investigadores iniciaram o levantamento dos dados e a validação dos nomes dos militares que perderam a vida nas campanhas de Angola, Guiné e Moçambique, com apoio do Núcleo de Loures da Liga dos Combatentes e com consulta rigorosa aos registos oficiais. Assim, no dia 10 de outubro de 2024, foi inaugurado o Memorial aos Combatentes do Ultramar, dedicado aos lourenses que deram o melhor de si em África, frequentemente a custo da juventude e do futuro. A cerimónia reuniu familiares, entidades civis e militares, e incluiu o chamamento dos nomes dos tombados, deposição de flores e alocuções das entidades presentes.

Estas memórias foram mantidas e celebradas pelo Núcleo da Loures da Liga dos Combatentes, cuja presença se faz notar anualmente nomeadamente em datas marcantes como sejam nos dias 9 de abril e 11 de novembro, junto dos monumentos aos combatentes em Loures, e 2 de novembro, junto dos talhões de combatentes nos cemitérios de Caneças, Loures, Odivelas e Sacavém. Com o avanço dos anos e a chegada de novos conflitos, como a Segunda Guerra Mundial e o Ultramar, a tradição das homenagens continua integrando diferentes gerações de militares na mesma memória coletiva.

Com estes gestos, Loures reforça o seu compromisso com a preservação da memória e da História Militar portuguesa. O jardim central, com o Monumento e as lápides dedicadas aos seus combatentes, tornou-se um lugar de referência, perpetuando os nomes e o sacrifício dos lourenses que cumpriram, até ao último momento, o seu juramento à Pátria.

José da Silva Marcelino Martins
Combatente na Guiné (1968-1970)
Sócio Combatente n.º 80.393
Núcleo de Loures da Liga dos Combatentes

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Nota do editor

Último post da série de 22 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27451: Efemérides (474): Foi há 55 anos a Op Mar Verde, a invasão anfíbia de Conacri... Uma das vítimas colaterais foi Mamadou Barry, "Petit Barry" (n. 1934), colaborador próximo de Sékou Touré, encarcerado 7 anos em duas das mais sinistras prisões do regime

sábado, 22 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27452: Os nossos seres, saberes e lazeres (710): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (231): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 3 (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Há uma nota curiosa de visita de amigos estrangeiros, tudo quanto se passa em Lisboa trazem completamente listado, desde o elétrico 28, os comes e bebes, os passeios pela Baixa Chiado e Bairro Alto, os miradouros. Uns vêm com o Michelin, outros trazem livros focados na arte, uns querem ver os azulejos, em visita anterior houve alguém que me pediu para ver algo que até então nunca ninguém pedira, a Basílica da Estrela, e não foi por causa dos presépios do Machado Castro. Desta feita, o casal alemão, que não é a 1.ª nem a 2.ª vez que visita Portugal, falou explicitamente em Tomar, Óbidos e Alcobaça. Procurei satisfazer os seus intentos, aqui fica uma síntese desse dia, esta itinerância continuará, pedem-me para no dia seguinte irmos visitar o Museu Nacional dos Coches, custa-lhes a acreditar que Portugal tenha o maior património de viaturas de aparato, como é que é possível um país tão periférico da Europa? Viram e confirmaram, não escondiam o entusiasmo.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (231):
Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente – 3


Mário Beja Santos

Passeios inusitados ou programados a Tomar, Óbidos e Alcobaça, para mostrar belezas a amigos estrangeiros que me vieram visitar, deram-se a agradável oportunidade de captar imagens com forte apelo cultural, até pretextos houve para tirar fotografias a estes amigos, que depois as colocam nas redes sociais. Vejamos o que resta de três passeios, todos eles me encheram a alma, volto lá se necessário for, há para ali, na arquitetura, na escultura e na pintura dedadas da nossa identidade, ali se exibem as nossas maneiras de ser, tratando carinhosamente algum património, desdenhando de outro.

Vamos começar por uma peça magnífica que nunca foi concluída, a Casa do Capítulo de Tomar, onde, no primeiro andar e no terraço subsequente se aclamou Filipe II de Espanha como Filipe I de Portugal. É obra de João de Castilho, um mestre de obras e arquiteto hispano-português, homem com formação gótica que irá ter um papel determinante no estilo renascentista em Portugal e nos seus últimos anos de vida pendeu para o classicismo sob a forma maneirista. Ele encontra-se ligado a cinco monumentos históricos classificados pela UNESCO como Património Mundial: o Mosteiro dos Jerónimos, o Convento de Cristo, o Mosteiro de Alcobaça e a construção da Fortaleza de Mazagão. Trabalhou duas vezes em Tomar (provavelmente entre 1516 e 1530) e um segundo período que decorre na década de 1930, em que trabalhou no Claustro Grande, vários claustros interiores, como o da Hospedaria, Corvos e Micha, concedeu esta Casa Capitular em mistério a desvendar as razões que impediram a sua conclusão.

O que o leitor vê são as paredes robustas, a fotografia que foi tirada da zona do arco triunfal e do altar, vê-se a antecâmera por onde entravam os frades. Caiu completamente o piso que separava a sala dos frades da sala dos cavaleiros. Aquela porta que se vê na torre dos cavaleiros estava prevista para ser a porta de acesso a esses cavaleiros; ao fundo vemos o topo da Charola e uma nesga da Igreja.

Casa Capitular a requerer com urgência trabalhos de conservação e restauro.
Sempre que acompanho amigos a Óbidos, falo-lhes de uma extremosa pintora de origem espanhola e filha de um artista que deixou obra em Portugal, Josefa de Óbidos, ela tem obra num altar lateral da Igreja Matriz e está também representada no Museu Municipal de Óbidos. Noto que os visitantes vão ali também admirar um túmulo e o impressionante forro azulejar da igreja, a mim cativa-me aquele Santo António bonacheirão e o Menino de braços abertos, gosto particularmente daquele teto pintado com tanta simplicidade, é como o emaranhado de uma renda que faz suspender Nossa Senhora guardada pelos anjos.
Este é um pormenor da pintura do teto do nártex da igreja.
Eram as últimas horas de sol, consultados os visitantes, houve acordo em visitar a igreja do Mosteiro de Alcobaça, deixamos para a próxima visita o precioso Museu. Mesmo habituados a este gigantismo das paredes do gótico-alemão que se pode encontrar desde o mar Báltico até perto de França, o casal alemão estava boquiaberto com a sobriedade da igreja, a solução dos pilares estarem reforçados por botaréus, tomaram nota que as riquezas vieram depois. D. Pedro I tomou esta igreja como seu mausoléu, tratou de igual maneira a sua apaixonada, Inês de Castro, túmulos de uma enorme beleza, marcados pelo vandalismo das invasões francesas.
No altar-mor atraiu-me prontamente esta Virgem de manto barroquizado, parece que pedala, tem umas linhas muito elegantes, gabo-lhe a Majestade e o panejamento em movimento.
Com as limitações da minha câmara foi esta a imagem que consegui da dimensão entre o nártex e o altar-mor.
Túmulo de Dona Inês de Castro, deste lado os danos são menos evidentes.
Conjunto escultórico que dá pelo nome Retábulo da Morte de São Bernardo, é todo em terracota policromada, obra de monges barristas do mosteiro, finais do século XVII.
Túmulo de D. Pedro, aqui o vandalismo é mais do que evidente.
Trata-se do sarcófago de Dona Urraca, mulher de D. Afonso II, está depositado no Panteão Régio, obra concluída em 1782 e atribuída ao engenheiro William Elsden, foi a primeira obra neogótica em Portugal. O panteão primitivo localizava-se na galilé que existiu à entrada da igreja. Posteriormente os túmulos foram transferidos para o transepto sul onde permaneceram até ao final do século XVIII.

Aqui se dá por terminada esta itinerância, segue-se outra que nos fará viajar até ao Museu Nacional dos Coches.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 15 de Novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27423: Os nossos seres, saberes e lazeres (709): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (230): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 2 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27304: Notas de leitura (1849): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Só agora descobri este interessantíssimo livro editado pela Tinta-da-China em 2022, trata-se de um projeto coletivo envolvendo académicos, ativistas, museólogos, jornalistas que interrogam Lisboa através de um quadro sólido de instituições, entidades, espaços públicos, monumentos, infraestruturas e até nomes de ruas e que são ecos, e mesmo reminiscências, da nossa presença colonial. Dedica-se hoje atenção ao Arquivo Histórico Ultramarino, à Associação Comercial de Lisboa e ao Bairro das Colónias, o primeiro é um lugar fundamental de uma imensidade de estudos, para aqui convergiram documentos multisseculares, os arquivos do Ministério das Colónias, do Arsenal da Marinha, entre outros, deram-se muitas alterações, quando andei a pesquisar João Vicente Santana Barreto, tenente médico que esteve em Cabo Verde e prestou meritíssimos serviços na Guiné, pensei que o seu processo estivesse no Arquivo Geral do Exército, não senhor, o melhor que encontrei foi mesmo aqui; a Associação Comercial de Lisboa esteve ligada a nomes bem representativos de negócios africanos caso de Angola e São Tomé; e o Bairro das Colónias é assim tratado por toda a gente, só resiste a outro tratamento a antiga Praça do Ultramar, hoje Praça das Novas Nações, é um Bairro altamente miscigenado, tem a Farmácia Colonial e o Restaurante Sabores de Goa...

Um abraço do
Mário



Império e colonialismo: reverberações na Lisboa atual - 1

Mário Beja Santos

Ecos Coloniais resulta de um exercício coletivo de investigação sobre o património histórico e cultural, aqui se interrogam instituições, entidades, monumentos, obras de arte, palácios onde se interseccionam a história colonial e imperial portuguesa, do passado ao presente, edição ilustrada com fotografias de Pedro Medeiros e o acervo de textos tem a coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto, edição Tinta-da-China 2022. Logo na introdução, os organizadores referem que este levantamento é uma obra consciente e que há muito por investigar e por saber, importa evitar generalidades e simplismos mobilizadores para escapar aos engenheiros e empreendedores da “história” e da “memória”.

A viagem começa no Arquivo Histórico Ultramarino, instituição criada na década de 1930, pensado desde o início como o arquivo histórico do Império. O seu próprio nome é revelador da profunda ligação que este projeto manteve com uma visão histórica do Império Colonial. Era intento do Estado Novo moldar a memória colonial para se obter uma narrativa oficial sobre o passado de Portugal enquanto nação imperial. Os autores do artigo contam a história deste arquivo que está instalado no Palácio dos Condes da Ega, na Calçada da Boa Hora n.º 30, na Junqueira, lembram a convergência de outros arquivos para aqui, a grande preocupação era a do investimento ideológico no controlo da memória e do discurso histórico sobre o Império. Prevendo-se, após a II Guerra Mundial, o surto da descolonização rebatizou-se o Arquivo Histórico Colonial de Ultramarino.

Depois do 25 de abril, o arquivo conheceu várias tutelas até que em 2015 foi incorporado na Universidade de Lisboa, está integrado na Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas. Há vários discursos e narrativas estratégicas na vida deste arquivo e fala-se agora muito de que é um património arquivístico comum da lusofonia. Observam os autores:
“É fundamental que a inventariação da enorme massa documental do Arquivo seja acompanhada por uma sensibilidade crítica relativamente à sombra que esta genealogia continua a projetar sobre o Arquivo”, e advertem que “convém ter presente que os sistemas coloniais de classificação documental podem ocultar certos sujeitos ou certos temas tidos no passado por secundários ou, de algum modo, irrelevantes ou inconvenientes”.
Os autores também referem que também se está a proceder na atualidade a um levantamento dos fundos do Conselho Ultramarino.

Passamos agora para a Associação Comercial de Lisboa, edifício projetado pelo arquiteto Álvaro Augusto Machado, o mesmo da Sociedade Nacional de Belas Artes, aqui se alojou inicialmente um espaço de diversão noturna, o Club Palace, quando este fechou as portas, foi aqui que a Associação se estabeleceu. Esta Associação transferira-se em 1895 para o antigo Palácio Seiscentista dos Condes de Povolide, o Ateneu Comercial de Lisboa. No século XIX fora constituída a Associação Mercantil Lisbonense, muitos dos seus dirigentes estavam ligados a negócios coloniais. “Entre os seus fundadores, muito poucos vinham dos tempos anteriores à abertura dos portos do Brasil à navegação estrangeira, em 1808. A regularização das relações comerciais com o Brasil, sobre as quais a direção solicitava ao Rei providências urgentes, foi uma das suas primeiras preocupações. O mesmo sucedeu com a promoção do comércio com as colónias de África. Logo em 1835, o Conselho da Associação apreciou o memorando sobre a situação de Angola após a abolição do tráfico de escravos. Após ter mudado de denominação para Associação Comercial de Lisboa, em 1855, a Associação formou várias comissões especializadas, uma das quais dedicadas às questões ultramarinas.”

Refere o autor as ligações da Associação com o Banco Nacional Ultramarino, com donos de roças São Tomé e Príncipe e Angola, entre outras, e escreve:
“É impressionante a identificação, durante quase um século entre a direção da Associação e os interesses coloniais. E ainda hoje, passadas décadas sobre a descolonização, embora se concentre mais nas suas funções de Câmara de Comércio e Indústria, a memória dessa relação vive no percurso de vida do atual presidente. À frente da Associação desde 2005, Bruno Pinto Basto Bobone viveu quase toda a sua infância em Moçambique, de onde só regressou depois do 25 de abril.”
Conclui nestes termos:
“Investigar organizações como a Associação Comercial de Lisboa, o processo de recrutamento dos seus dirigentes e de formação das suas posições, enquanto instituições que representam, no plano político, os mesmos interesses económicos coletivos ao longo do tempo, mas sondá-las também como lugares de encontro de indivíduos e de grupos, contribui-se certamente para compreender como mesmo na sociedade de hoje, se seguem certos rumos e se tomam certas opções.”

Da rua das Portas de Santo Antão, passamos para o Bairro das Colónias. Mudou o nome da Praça do Ultramar para Praça das Novas Nações, o nome das ruas mantém-se, há mesmo uma placa de trânsito a indicar o Bairro das Ex-Colónias. Este local corresponde a uma etapa da urbanização da cidade, foi um dos últimos bairros construídos em torno da Avenida Almirante Reis, resultou de um projeto apresentado à Câmara Municipal para urbanizar o espaço que restava da Quinta da Mineira e da Quinta da Charca, era um terreno que se situava entre dois bairros recentes, o Bairro Andrade e o Bairro de Inglaterra. O Bairro das Colónias começou a ser construído na década de 1930.

“Uma das forças mais eficazes na normalização da nomenclatura do Bairro das Colónias é o negócio imobiliário. Se alguém consultar as principais empresas imobiliárias com a intenção de comprar ou arrendar uma casa não encontrará nenhuma oferta no Bairro das Novas Nações. Já no Bairro das Colónias as possibilidades são diversas.”

As transformações do Bairro, a avalanche de nossos compradores levou a alterar o perfil do comércio; é verdade que ainda existe a Farmácia Colonial, o restaurante central das Colónias, a oficina de automóveis Auto-Colonial ou a Pastelaria Nova Ultramarina, mas este imaginário tem vindo a dar lugar a negócios geridos por imigrantes, sobretudo os provenientes do Nepal, do Bangladesh, do Paquistão e da Índia, o Bairro dispõe de massagens tailandesas, de um café com serviços para imigrantes, ostentam-se nos prédios bandeiras da Guiné-Bissau, do Nepal, do Senegal e da Roménia. E para concluir diz o autor:
“Com mais de noventa anos de história, maioritariamente vividos em democracia, o Bairro das Colónias passou por mudanças significativas, mas o seu anacrónico nome permanece sem aparente contestação”.

O autor recorda que o Bairro Africano de Berlim conheceu um movimento de contestação nacional e internacional que propôs a renomeação das ruas do Bairro, que mantinham alusões às antigas colónias e a colonialistas de renome. A não existência em Lisboa de movimentos semelhantes aos de Berlim não deveria suster a ação urgente dos poderes autárquicos locais, começando eventualmente pelas placas de trânsito. Num processo que deveria conduzir à tão necessária mudança do Bairro, seria igualmente relevante considerar que as populações que lá viveram e alguns dos que ficaram, escapando à fúria dos imobiliários, associam este nome às suas geografias sentimentais. Bem explicada, a ideia de que não se deve celebrar um regime colonial e predador será certamente compreendida pela maioria.

Regressamos falando do Banco Nacional Ultramarino e de vários monumentos espalhados pela cidade.

Palácio da Ega, Arquivo Histórico Ultramarino
Associação Comercial de Lisboa - Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa
Rua de Angola, Bairro das Colónias, imagem de Jorge Ferreira, com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 7 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27293: Notas de leitura (1848): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte IV: "Até 1966 eram todos voluntários" (Luís Graça)

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26689: Recordações de um fulacundense (Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) - Parte I



Foto nº 1 e 1A > O hastear da bandeira, logo pela manhã... Reconhecemos o alf mil Jorge Loureiro Pinto, na ponta esquerda, em farda nº 2... Pensamos que o autor das fotos, o Armando Oliveira, é quem está a hastear a nossa bandeira...




Foto nº 2 e 2A > O autor junto ao obus 10.5 cm





Foto nº 3 e 3A  > Sentado no monumento erigido pela CCAV 2492, "Boinas Negras" (Fulacunda, 1968/70). Foto nº 3A: A foto do guião dos "Boinas Negras" é uma cortesia de Carlos Coutinho (2009)




Fotos nº 4 e 5 > Junto ao monumento da CCAÇ 1624, que teve dois mortos, o sold Saliu Djassi (13-1-67) e o  sold Guilherme Moreira (21-1-68). A CCAÇ 1624 (1966/68) esteve em Fulacunda, Catió, Fulacunda, Bolama, Mejo, Porto Gole, Fulacunda, entre novembro de 1966 e agosto de 1968.


Foto nº  6 > Pose no jipe


Foto nº 7  > Junto à metralhadora pesada Breda, de que o Armando era o apontador,  montada no alto do fortim.
 

Foto nº 8 > Na LDG que levou os "Serrotes" a Fulacunda


Foto nº 9 > Montando segurança na foz do rio Fulacunda, afluente do rio Geba, a dois km do quartel e tabanca. 

Foto nº 10 >  Uma mascote (macaco-cão) numa  GMC, MG-04-82 (a famosa viatura do tempo da guerra da Coreia, dizia-se, que  "gastava 100 aos 100")...



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Fotos do álbum do Armandfo Oliveira, natural do Juncal, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses; vive no Porto.


Fotos (e legendas): © Armando Oliveira (2025). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complemerntar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  O Armando Oliveira, ex-1º cabo,  3ª C/BART 6520/72, "Os Serrotes" (Fulacunda, 1972/74), pertencia  ao 3º Pelotão, comandado pelo nosso amigo, camaradada e grão-tabanqueiro  Jorge Pinto, e passou há dias a sentar-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 901. 


A esta companhia também pertenceu o José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, tal como o ex-alf mil Fernando Carolino, de rendição individual.

É meu  conterrâneo,  da minha segunda terra, Marco de Canaveses, embora viva no Porto.  Trabalhou 37 anos, como civil,  no Hospital Militar Dom Pedro V, Porto.

Tem uma bela coleção de "slides" da Guiné, que mandou digitalizar. Uma parte dessas imagens já foram publicadas em postes do José Claudino da Silva, e nomeadamente na série "Ai, Dino, o que te fizeram"...

 Voltou  â Guiné-Bissau 4 vezes, tendo sempre passado por Fulacunda. Mandou-me pelo correio uma "pen"  com o seu espólio fotográfico, que só vou ver depois de regressar ao Sul, em passando a Páscoa. Estou "de férias em Candoz"...
 
As fotos que publico hoje são retiradas, com a devida vénia, da sua página do Facebook  (temos 24 amigos em comum).

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24867: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (31): Já estava com saudades de Farim e das canoas de transporte público...


Foto nº 1 >  A minha companhia para Farim, na canoa de transporte público


Foto nº 2 > Chegando ao cais de Farim


Foto nº 3  > Canoa de transporte de mercadorias


Foto nº 4 > Canoa de tipo "Uber" ...


Foto nº 5 >  Rio Farim: canoas de transporte público


Foto nº 6 > O nosso almoço em Farim

Foto nº 7 > Farim: monumento do tempo colonial, comemorativo do 5.º centenário da morte do Infante D. Henrique (1460-1960): ainda dá para perceber a estrofe de Camões. "Por mares nunca dantes navegados"... As letras e os algarismos, em metal, foram retirados (muito provavelmente roubados). De qualquer nodo, o monumento  resistiu ao "camartelo paigecista"... Já estava assim em 25 de abril de 2020. (*)


Foto nº 8 > Cais de Farim


Foto nº 9 > A minh canoa, no regresso

Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 18 de novembro de 2023 

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem (e fotos) que nos foi enviada pelo  Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem mais de 130 referências no blogue; autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau"):


 Data - domingo, 19/11/2023, 13:57 

Assunto - Bom dia desde Bissau: as canoas de Farim 

Bom dia, desde Bissau (**)...  Os meus passeios... No dia 18/11/23, fiz uma pequena volta até Farim, estava com saudades das canoas de transporte público. 

Saída de Bissau às 7h, passagem na ponte João Landim, percorri os buracos no pó vermelho até Bula, depois alcatrão até Bissorã e segui na estrada com pó para Mansoa. Dali para a frente, há boa estrada de alcatrão até a rampa sul do rio de Farim.
A viagem demorou 4 horas.
Na rampa do rio, lá encontrei diversas pirogas, algumas muito bonitas, algumas a remos e outras trabalham com um pequeno motor a gasolina, destinadas ao transporte público (Fotos nºs 1, 2, 3, 4, 5, e 9). Lá “cambarmos” dentro de uma, onde vão 12 pessoas, para a outra margem, onde está a cidade de Farim.

Encontrámos tudo na mesma (Fotos nºs 7 e 8)… Fizemos lá nosso trabalho, para pôr a funcionar o Banco de Sangue do Hospital.

Almoçámos o que havia (Foto nº 6)... No caminho de regresso, parar em algumas tabancas para afinar alguns equipamentos, do fornecimento de água nos fontanários, à população, assim como ver os sistemas de água das hortas das mulheres, agora é muito necessária, a chuva só volta dentro de 7 meses.

Visitámos também o projeto, de área protegida de Djalicunda, Mansabá,  onde se pode descansar e dormir (na Zona de K3 / Saliquinhedim).

Passado 13 horas, estávamos em Bissau prontos para outros passeios.

Abraço. Patricio Ribeiro
IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Guine Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com
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Notas do editor:

 (*) Vd. poste de 26 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20907: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (14): O 25 de Abril passado em Farim, com crocodilos à mistura no rio Cacheu..., mas levando o luxo (!) da água e da luz ao hospital local... E, hoje, almocei ostras na grelha!