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quarta-feira, 20 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23182: Humor de caserna (51): O anedotário da Spinolândia (I): "Sabes o que é um lapso, rapaz?" (Rogério Ferreira, ex-fur mil at inf, MA, Teixeira Pinto, Bachile, Nhamate, Galomaro, Nova Lamego, Pirada, Paiama, Paunca, Sinchã Abdulai e Mareue, 1970/71)

1.  Não é só do "Gasparinho", "nickname", do cap e depois major art José Joaquim Vilares Gaspar (1935 - 1977) que se alimenta o anedotário da Spinolândia... 

O próprio Com-Chefe e Governador-Geral  do CTIG, António Spínola, brigadeiro e depois general, entre 1968 e 1973, alimentou o bom e o mau hunor das nossas casernas...

Caco Baldé  ou simplesmente Caco era alcunha mais popular do Gen Spínola. Mas também  era tratado por Homem Grande de Bissau,  O Velho. O Bispo... 

Origem da alcunha: vem de caco, monóculo, mais  Baldé, apelido frequente entre os fulas. O historiador Luís Nuno Rodrigues escreveu a sua biografia (Lisboa, A Esfera dos Livros, 2010; a foto ao lado é retirada da capa do livro, com a devida vénia...)

Recorde-se que o monóculo é um tipo de lente corretiva utilizada para corrigir a visão em apenas um olho, sendo constituída por uma lente circular, geralmente com um fio ao redor da circunferência do anel que pode ser associado a uma corda; a  outra extremidade da corda é então ligada ao vestuário em uso para evitar a perda do monóculo. Origem da palavra: do grego: mónos, único e do latim, oculu, olho (Fonte: Wikipedia)..

Andam por aí muitas histórias deliciosas (anedotas ou não) do militar mais carismático do nosso tempo de Guiné.  Vamos tentar compilar algumas, inéditas ou já publicadas. Elas também falam o nosso quotidiano, os nossos camaradas e os nossos chefes.  Na série "Humor de caserna" cabe toda a gente.

Só se contam anedotas de quem a gente gosta, aprecia, valoriza, respeita, teme, e às vezes ama e odeia ao mesmo tempo... E o Gen Spínola foi tudo isto, durante a guerra colonial e depois do 25 de Abril (e até chegou a Marechal, que a democracia é como o sol   quando nasce é para todos, e tem uma esponja grande para limpar as nódos do camuflado)....


2. Havia, por parte da maioria da malta do nosso tempo, do Zé Soldado, mas também dos milicianos, um sentimento algo ambivalente em relação ao Caco Baldé... Não sei se ele era verdadeiramente adorado, como ele gostava de o ser (ou de ter sido), por todos os seus subordinados, os metropolitanos e os do recrutamemto local, a par dos seus queridos "guinéus", do Cacheu ao Cacine.

De um modo geral, as praças respeitavam-no e admiravam a sua maneira de ser e de estar, de comandar, de aparecer onde menos se esperava, a sua coragem física, o seu paternalismo autoritário, o seu populismo ("avant la lettre"), o seu carisma,  a sua "mise em scène", o seu perfil prussiano, o monóculo, o pingalim, enfim, a sua demagogia também, a sua voz de "ventríloquo"...  Era uma figura militar a quem ninguém podia ficar indiferente.

O Caco Baldé, como todos os grandes chefes militares, era  amado  por muito boa gente, mas também  temido, sobretudo  por muitos oficiais superiores,  nomeadamente a nível de batalhão (desde que não fossem da mesma arma do general, que era a cavalaria, diziam as más línguas).  

Dizia-se também que os fulas e os manjacos (as duas etnias mais "leais" às autoridades  portuguesas) o tratavam, com respeito e deferência,  como o "homem grande de Bissau". Penso até que o admiravam muito, nomeadamente as hierarquias daquelas duas comunidades étnicas.  

Não havia sondagens naquele tempo, nem nunca foi feito nenhum plebiscito. Em suma, era difícil de avaliar a popularidade de Spínola com números na mão. Tudo o que se possa escrever é baseado na percepção e observação daqueles de nós que estivemos no TO da Guiné no seu tempo. Mas quem, de nós, pode dizer verdadeiramente que o conheceu? Teríamos que  ter o testemunho daqueles.

O anedotário da spinolândia é muito maior que os  textos que já aqui publicámos sobre o humor de caserna... No meu tempo (1969/71), tenho a ideia que toda a gente contava anedotas do Spínola... Mas, passados todos estes anos, parece que até as anedotas do Homem Grande de Bissau  ou do Caco Baldé se nos varreram da memória...

Fica aqui o apelo para refrescarmos as nossas memórias. O humor de caserna é um antídoto contra a crise, a depressão, o mau-estar, o azedume que a idade também traz consigo, bem as núvens negras que atingem nesta altura a Europa e o resto do Mundo...

Começamos por republicar aqui, uma história que nos foi enviada em  1 de outubro de 2008,  pelo Rogério Ferreira, natural de Santarém, ex-fur mil at inf,  Minas e Armadilhas,  CCAÇ 2658/BCAÇ 290
5 (Teixeira Pinto, Bachile, Nhamate, Galomaro, Nova Lamego, Pirada, Paiama, Paunca, Sinchã Abdulai e Mareue, 1970/71) (Foto à esquerda).


3. Anedotário da Spinolândia (1): 

Sabes o que é um lapso, rapaz ?

Quando da minha passagem por Paunca, estive num destacamento chamado Paiama [, na margem esquerda do Geba Estreito, a noroeste de Paunca,] e, alguns dias após o Natal de 70,  tivemos a visita do heli.

Mandados os soldados de piquete para a orla da mata a fazer segurança, o heli aterrou. Apareceu-nos então um sr. Capitão em passo de corrida, dizendo que era uma visita do nosso general (Caco Baldé), e que os soldados formassem como estavam nem que fosse em cuecas.

Logo instantes depois aparece o nosso General no seu camuflado de manga curta e seu monóculo. Olha em volta e, dando indícios de não conhecer o sítio, diz:
  Eu nunca aqui estive, isto quer dizer que não vos dei os votos de Boas Festas.

E virando-se para um dos nossos soldados, o J. J. 
 natural da Torre da Gadanha e cuja mãe lhe enviava umas ricas Boias, ou seja, pedaços de lombo de porco em banha numas latas tipo Cerélac, o qual hoje é carteiro na zona da Amadora  disse:
− Isto foi um lapso... Sabes o que é um lapso?
− Sei, sim, meu general, é uma coisa para escrever.

Grande risota geral, até do general.

Rogério Ferreira
______________

Notas do editor:


(**) Útimo poste da série > 18 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23177: Humor de caserna (50): "O meu pessoal só pode transitar em canoas balantas. E alguns não sabem nadar. Conclusão: Siga a Marinha!": um documento do "Gasparinho" que ainda hoje nos suscita um sorriso amargo (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

quarta-feira, 27 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11322: Memória dos lugares (228): O enigma de Sinchã Queuto, no setor de Paunca (Abílio Duarte, CART 2479/CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)



Guiné > Zona leste > Mapa de Paunca (1957) (Escala 1/50 mil) > Detalhes: posição relativa de Paunca, Paiama, Sinchã Abdulai e Guiro Iero Bocari, junto à fronteira co0m o Senegal. Há inúmeras tabancas começadas por Sinchã...mas não localiza Sinchã Queuto (LG).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné



1. Pergunta do editor ao  Abílio Duarte, ex-fur mil art da CART 2479 (mais tarde CART 11 e finalmente, já depois do regresso à Metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa companhia de “Os Lacraus de Paunca”) (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70). (*)

Tenho dúvidas sobre a localização de Sinchã Queuto. Tenho que confirmar com o António Baldé. Se bem me lembro, ele disse-me que era "a seguir a Paunca, não longe de Paima, em direção à fronteira com o Senegal"...

A única Sinchã Queuto que eu encontro, através dos mapas, é a norte de Bafatá e a sul de Contuboel, longe dos sítios por onde a CART 11 (Nova Lamego, Piche, Paunca)... Vou pedir ao Abílio Duarte para me esclarecer esta dúvida. E se chegou conhecer o alferes Matos, que é de Ovar. Esse Matos, da CART 11, esteve destacado em Sinchã Queuto com o António Baldé.

2. Resposta do Abílio Duarte, com data de ontem:

Em resposta ás tuas questões, tenho a informar o seguinte:

(i) Vim embora de Paunca em 20.12.70, e embarquei para Lisboa no Avião TAP em 22.12.70;

(ii) Até aquela data penso que nenhum alferes ainda tinha sido rendido; portanto não conheci o
Alf Matos,  que referes;

(iii) Não me recordo do António Baldé [, 1º cabo da CART 11, 1970/71];

(iv) Enquanto estive na Zona de Paunca, conforme confirmei na História da Companhia,  nunca estivemos naquela tabanca [, Sinchã Queuto];

(v) Estavamos em quadricula, e além de Paunca, estavamos também em Paiama, Guiro Iero Bocari e Sinchã Abdulai;

(vi) Naqueles tempos parece-me que as tabancas tinham mais de um nome e, pela situação que referes, ser a norte de Paunca penso,  que poderá ser Guiro Iero Bocari, que por acaso também não aparece no meu Mapa.

Sempre à tua disposição, um grande abraço
Abílio Duarte
_________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 25 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11310: Memória dos lugares (227): Vistas aéreas da doce e tranquila Bafatá, princesa do Geba (Humberto Reis, ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71) (Parte II)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3476: Humor de caserna (6): Paiama, Paunca, Natal de 1970: o lapso do Caco Baldé (Rogério Ferreira)

1. Mensagem para o "amigo Vacas" e demais tertulianos... Enviada, em 1 de Outubro de 2008, pelo Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, e esperemos, em breve, novo membro da nossa Tabanca Grande (*):


Quando da minha passagem por Paunca, estive num destacamento chamado Paiama [, na margem esquerda do Geba Estreito, a noroeste de Paunca,] e alguns dias após o Natal de 70 tivemos a visita do heli..

Mandados os soldados de piquete para a orla da mata a fazer seguranço, o heli aterrou. Apareceu-nos então um sr. Capitão em passo de corrida, dizendo que era uma visita do nosso general (Caco Baldé), e que os soldados formassem como estavam nem que fosse em cuecas.

Logo instantes depois aparece o nosso General no seu camuflado de manga curta e seu monóculo. Olha em volta e, dando indícios de não conhecer o sítio, diz:
- Eu nunca aqui estive, isto quer dizer que não vos dei os votos de Boas Festas.

E virando-se para um dos nossos soldados, o José Jeremias - natural da torre da Gadanha e cuja mãe lhe enviava umas ricas Boias, ou seja, pedaços de lombo de porco em banha numas latas tipo Cerélac, o qual hoje é carteiro na zona da Amadora - disse:
- Isto foi um lapso... Sabes o que é um lapso?
- Sei sim, meu general, é uma coisa para escrever.

Grande risota geral, até do general.

Manga de mantenhas para todo o pessoal .

2. Comentário de L.G.:

Enquanto o Carlos Vinhal está a tratar da tua entrada para a nossa Tabanca Grande, eu aproveito para pôr em linha esta tua deliciosa história (**)... Vejo que tens sentido de humor e de observação. É um apontamento original sobre o nosso quotidiano, os nossos camaradas e sobre o nosso (meu e teu) Comandante-Chefe (***)... Só se contam anedotas de quem a gente gosta, aprecia, valoriza, respeita, teme, e às vezes ama e odeia ao mesmo tempo...

Havia, por parte da maior parte da malta do nosso tempo, do Zé Soldado, mas também dos milicianos, um sentimento algo ambivalente em relação ao Caco Baldé... Não sei se ele era adorado: mas respeitavam e admiravam a sua maneira de ser e de estar, de comandar, de aparecer onde menos se esperava, a sua coragem física, o seu paternalismo autoritário, o seu populismo, o seu carisma, o seu perfil prussiano, o monóculo, o pingalim, a sua demagogia... O Caco Baldé, como todos os grandes chefes militares, era secretamente amado por muita gente...

Espero, Rogério, que o teu exemplo seja seguido por outros camaradas. O anedotário da spinolândia é muito maior que os escassos textos que já aqui publicámos sobre o humor de caerna... No meu tempo, toda a gente contava anedotas do Spínola... Passados estes anos, parece que até as anedotas do Homem Grande de Bissau se nos varreram da memória...

O humor de caserna é um antídoto contra a crise, a depressão, o mau-estar, o azedume que a idade também traz consigo...

_________

Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 30 de Setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3255: O Nosso Livro de Visitas (31): Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf MA, CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, Guiné (1970/71)


(**) Vd. postes anteriores desta série:

26 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2986: Humor de caserna (5): Siga a Marinha para Nhamate, mais abarracamento que aquartelamento (António José Pereira da Costa)

9 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2337: Humor de caserna (4): Cancioneiro do Niassa: O Turra das Minas (Luís Graça)

1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2321: Humor de caserna (3): Hino de Gandembel: hino de guerra ou música pimba ? (Manuel Trindade)

26 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2304: Humor de caserna (2): Welcome to Mansambo, a melhor colónia de férias do ano de 1968 (Torcato Mendonça / Luís Graça)

23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2205: Humor de caserna (1): A sopa nossa de cada dia nos dai hoje (Luís Graça / António Lobo Antunes)

(***) Vd. postes de:

30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1132: Spínola e os seus 'Cães Grandes' na ponte do Rio Udunduma (Luís Graça)

4 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2239: Tugas - Quem é quem (2): António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe (1968/73)