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sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23495: Notas de leitura (1471): "Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2022 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Joaquim Costa teve a amabilidade de me oferecer as suas memórias de Cumbijã, edição Lugar da Palavra Editora (telef 220994591/ telem 915416141), tocaram-me pela singularidade com que homenageia pais e irmãos, como faz a apologia da camaradagem sem precisar de bater as palmas e a discrição com que narra a criação de um quartel em terra de ninguém, tudo com o objetivo de procurar asfixiar a prazo a presença do PAIGC na região sul, designadamente naquelas reentrâncias da mata do Cantanhez. A epopeia dos homens ficou lavrada, mas em 1973, ali bem perto, no mês de maio, Guileje cedeu, nada ficaria como dantes, e a Operação Grande Empresa esmoreceu, o 25 de Abril foi a última gota. Foi bom que Joaquim Costa deixasse o seu testemunho, todo ele de emoção contida.

Um abraço do
Mário



Recordar Cumbijã, um dos pilares da Operação Grande Empresa

Mário Beja Santos

O livro de Joaquim Costa, largamente referenciado em textos do blogue, é credor da nossa elevada consideração, a diferentes níveis: a tocante homenagem que presta a pais e irmãos, se é certo que há testemunhos de arromba sobre estas memórias afetivas, inescapáveis, o que Joaquim Costa nos oferece é tocante como homenagem do seu coração. 

Não me recordo de tal texto ter aparecido no blogue, se não estou enganado, incito-o a dá-lo à estampa, a nossa assembleia merece; se é certo que ele nos vai dar um itinerário muito comum de recruta e especialidade, subidas e descidas por quartéis até à formação da unidade que irá partir para a Guiné, também aqui ficam uns pingos de camaradagem da melhor água, uma camaradagem que percorre transversalmente a sua narrativa; e para quem ainda não atendeu às diferentes facetas da Operação Grande Empresa, destinada a reocupar o Cantanhez, o testemunho de Joaquim Costa é vibrante quanto ao confronto com os grupos do PAIGC instalados na região, quase desde a primeira hora, Spínola intentava provocar um cerco a “lugares santos”, impedindo abastecimentos, circulação de pessoas, fuga de populações, foi uma operação de sangue, suor e lágrimas que não pôde completar-se devido aos acontecimentos que envolveram Guileje, Gadamael e Guidaje. O que se passou no Cumbijã foi uma pequena epopeia de que Joaquim Costa deixa um relato singelo.

Primeiro, a homenagem à família, ele é o sétimo filho de José e de Gracinda, um casal que viveu a miséria em tempos conturbados, o pai Zé trabalhou numa pedreira, abriu uma pequena mercearia/taberna, ele não esqueceu uma viagem que fez na sua companhia até Ermidas do Sado para ir visitar o irmão Manuel, que estivera na Guiné e regressara com uma grande pneumonia; a mãe Gracinda é a imagem da devoção maternal, levanta-se pela alva para preparar os comes, tudo sem um queixume. E fala-nos do mano mais velho, o Eduardo, da sua paixão pelos pombos, da Maria, a irmã mais velha, uma cúmplice deste furriel do Cumbijã. E deixo ao leitor a faculdade de saber mais sobre o Avelino, o Manuel, o João, a Noémia, o Joaquim, os sete manos vão aparecer em bela fotografia, há mesmo casacos e gravatas para se entender que o clã lutou pela vida para conhecer dias mais risonhos.

Segundo, a ficha curricular, com todas aquelas peripécias nos coube experimentar, no caso dele Caldas da Rainha, Tavira, é um sargento de armas pesadas que vai dar instrução a Chaves, segue-se Estremoz (que lhe deixou imensas saudades), já está delineada a CCAV 8351, os Tigres de Cumbijã, tendo como maestro Vasco Augusto Rodrigues da Gama, a quem tive a honra de dar instrução em Mafra e de descrever em sede própria que daria um competentíssimo comandante de companhia. 

Ainda há Portalegre pelo caminho, toma-se um avião, há uma curta passagem pelo Cumeré, segue-se a Aldeia Formosa depois de uma viagem até Buba. Festa de Natal com repasto de macaco-cão assado. Não são esquecidas as peripécias com lavadeiras e roupas dispersas.

Terceiro, cumprida a missão de proteger colunas para Buba e dar proteção ao grupo de Engenharia na construção da estrada Mampatá-Nhacobá, vamos ao âmago da história, toca a marchar para Cumbijã, o PAIGC não queria abrir mão de Nhacobá, não bastava a estrada a partir de Mampatá, havia que estender o cerco. Chega-se a Cumbijã e levantam-se cerca de 30 minas, assim vai começar o calvário dos estropiados e mortos, as imagens são eloquentes, faz-se um quartel de raiz, ele diz com simplicidade: 

“Ao mesmo tempo que avançava a construção para Nhacobá e os trabalhos da adaptação do Cumbijã para receber e unir definitivamente toda a família da CCAV 8351, ia-se criando, em cada um de nós, a sensação, agridoce, de que estávamos a construir a nossa modesta casinha, porventura no sítio menos aconselhável.” 

Alimentação a rações de combate, flagelações constantes, fazer tijolos e erguer casas. Visita de Spínola, apresenta-se a lista de reclamações, o Comandante-Chefe responde positivamente. Passa a haver segurança e mesmo casernas com conforto básico. Chega a hora da operação “Balanço Final”, o assalto a Nhacobá, encontrou-se gente, documentação, muito arroz, há tiroteios, Spínola chega a fazer uma visita relâmpago a Nhacobá, visita rápida, já que o rebentamento de uma mina provocada por uma máquina de Engenharia projetou uma enorme quantidade de terra que atingiu ao de leve o general. 

Se Cumbijã já era um descampado, preparar o terreno em Nhacobá para novo quartel não foi pequena a odisseia. Estamos nisto quando se dão os acontecimentos do ataque a Guileje, que Joaquim Costa esmiúça. Vem de férias e no regresso a Bissau tem más notícias do que se passa em Cumbijã e arredores. O autor aproveita um texto do nosso confrade António Murta, repescado do nosso blogue para se voltar à operação “Balanço Final”.

Assim se chegou ao 25 de Abril, é o regresso a casa, as durezas da adaptação. E há os acasos da sorte, Joaquim tem o filho a trabalhar na Guiné na construção da Ponte S. Vicente, é o regresso, a vida continua, o Cumbijã não lhe sai da memória, vai trabalhar como professor, orientador pedagógico e dirigente escolar. 

E assim aconteceu, talvez fruto da pandemia, o Furriel Pequenina deu à costa com as suas memórias de guerra, teve a gentileza de me contactar para me oferecer o seu livro, li-o de um só fôlego, confessei-lhe a admiração pelo modo como trata pais e irmãos, como hasteia a bandeira da camaradagem e é sóbrio descrever os episódios do Cumbijã. E muito contente fiquei quando descobri que ele e eu éramos devotos admiradores daquele Vasco da Gama que em vez de ir à Índia esteve brioso a comandar o que a ele dizia respeito ali perto do rio Cumbijã naquela operação tão promissora mas que já não tinha força para reverter os ventos da História.

O destacamento de Cumbijã, região de Tombali, em 1973. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Tabanca de Nhacobá, região de Tombali, ocupada num “golpe de mão” pela CCAV 8351 no dia 17 de maio 1973 na operação Balanço Final (17 a 23 maio 1973). Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Região de Tombali > Construção da estrada Mampatá / Cumbijã, no fim de mais um dia de trabalho. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Região de Tombali, Cumbijã > O capitão da CCAV 8351 (Os Tígres de Cumbijã) e o Sargento Redondeiro. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23480: Notas de leitura (1470): Como nasceram as fronteiras da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22482: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIV: " Bora lá... para a nova casa, Nhacobá" (Op Balanço Final)


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Maio de 1973 > Foi com mágoa que vimos as máquinas a destruírem esta bela tabanca, com vistas privilegiadas para a magnífica bolanha. Foto de Joaquim Costa.


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Maio de 1973 > 
A grande bolanha de Nhacobá > Um importante celeiro da PAIGC > Foto A. Murta, com a devida vénia

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Joaquim Costa, ontem e hoje. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (*)


Parte XIV: " Bora lá... para a nova casa, Nhacobá"  
(Op Balanço Final)


Com a nossa entrada em Nhacobá, nos dias seguintes entraram também as máquinas de engenharia, vencendo paulatinamente todos os obstáculos colocados pela mata densa para atingir a tabanca, preparando o terreno para aqui nos instalarmos definitivamente.

Foi com inexplicável indiferença que, depois do assalto, recebemos a notícia, já esperada, que também nos cabia a nós consolidar a ocupação da tabanca, recomeçando tudo de novo (outra vez), depois de ocupar e construir a pulso Cumbijã.

Embora já previsto, que esta seria a nossa futura casa, não esperávamos que fosse nestas condições, tínhamos a ilusão que seria uma coisa estilo “chaves na mão”.

Passado uns dias (sétimo dia após o assalto – 23 Maio 1973), depois de uma noite bem dormida, dado o cansaço e o whisky, recebemos a notícia à muito anunciada: vamos ocupar definitivamente Nhacobá e deixar a casa que construimos, com “sangue suor e lágrimas”, e recomeçar tudo de novo.

Já estavam em marcha os preparativos com o transporte das tendas, anteriormente utilizadas no Cumbijã, em transito para Nhacobá. De manhã cedinho, com um nó na garganta por abandonarmos a nossa “linda”casinha” (que, para ser perfeita, só lhe faltava um S. José de Azulejo), lá arrancamos nós para uma nova e arriscada empreitada.

A azáfama era grande na preparação do terreno para montarmos as familiares tendas de lona, bem como construir uma frente de valas para garantir uma segurança mínima em caso de ataque, previsível, do IN.

Ao vermos as máquinas destruir parte da tabanca, estranhamente, muitos de nós sentiu uma ou outra lágrima correr-lhe o rosto.

Ocupados com estas atividades vimos com preocupação a chegada de altas patentes com semblantes carregados, não augurando nada de bom. Estas altas esferas conversavam entre si ignorando todo aquele frenesim.

Chegada a hora da verdade, com toda a gente que não é de cena a sair de cena, ficando só nós entregues à nossa sorte, reparamos que as altas patentes, mais o seu grupo de proteção, também ficou. O tempo foi passando, as conversas das altas patentes continuavam, perturbando o nosso descanso depois de um dia intenso.

Estávamos incrédulos, os homens do “pionés no mapa” na frente de combate, pernoitando neste inferno, com uma visita do IN garantida!

Eis que, inopinadamente, por volta das 21 horas, estava escuro como breu (como quando o Benfica apagou os lampiões no estádio da Luz quando o Porto foi aí campeão), chega a ordem para preparar todo o pessoal para arrancarmos até Cumbijã. Ficamos todos estupefactos, num misto de alívio e preocupação. Dando crédito ao que se falava entre dentes, estaria para chegar todo o grupo do prestigiado guerrilheiro Nino Vieira (mais tarde presidente da Guiné) para arrasar (estilo Jorge Jesus !) com Nhacobá.

Arrancamos, todos de mão dada (como no jardim de infância), para ninguém se perder no caminho. Lá fomos (Lá vamos cantando e rindo levados..,), novamente, para a nossa linda casinha. Já em Cumbijã (a horas não habituais do IN – 5 horas da manhã), ouvimos uma “trovoada” de explosões na zona de Nhacobá, ou talvez Guileje, diziam alguns. Provavelmente as duas coisas… se, em Nhacobá, desperdício de munições...uff!

Se me tivessem caído estrelas ou galões nos ombros (!),  jamais abandonaria o local naquelas condições. Uma emboscada ou apenas um disparo acidental criaria o pânico com consequências que poderiam ser dramáticas já que se não via um palmo à nossa frente. Foi para todos nós uma caminhada noturna com a tensão nos limites.

Nunca entendi a razão de abandonar o local, nem ninguém nos explicou, naquelas condições. O motivo mais plausível, presumo, foi dar entender ao IN que iamos ocupar definitivamente o seu antigo refúgio, obrigando-os a enviar forças para defesa deste importante corredor que estavam na eminencia de perder definitivamente. Assim se aliviava (de acordo com os rumores que já circulavam) o cerco que o IN tinha montado ao aquartelamento de Guileje e, saindo pela calada da noite,  evitávamos um confronto desigual numa altura em que todos estávamos exaustos (convenhamos que foi de retirada em retirada que Kutuzov venceu Napoleão...).

Depois desta possível “manobra de diversão” (e desta minha “comovente” dissertação sobre estratégia militar), no dia seguinte reocupamos novamente Nhacobá dando a entender ao IN que nunca o abandonámos. Contudo, com a confirmação de Guileje e Gadamael a ferro e fogo, a ocupação definitiva de Nhacobá deixou de ser prioridade.

Entretanto, acontece o impensável, Guileje, o aquartelamento mais bem fortificado da Guiné, e muito próximo de nós, foi abandonado, no dia anterior à nossa retirada de Nhacobá - 22 Maio 1973, pelas nossas tropas, (uma companhia que se formou ao mesmo tempo que nós em Estremoz, todos nossos amigos), em consequência do ataque em massa, com armas pesadas e durante vários dias consecutivos, causando várias vítimas entre militares e população.

Com o aparecimento, recente, dos misseis Strela,  de fabrico Soviética, tudo se altera no teatro de operações com a queda (atingidos por esta nova arma) de 3 aviões Fiat (caças bombardeiros), reduzindo drasticamente a sua atividade operacional  e ponde em causa o apoio determinante às forças no terreno.

O primeiro caça bombardeiro Fiat a ser abatido por esta nova arma, cuja aparecimento mudou definitivamente o rumo da guerra, em 25/03/73, pilotado pelo Ten PilAv Miguel Cassola Cardoso Pessoa.

Este acidente acabou por ter um final feliz, acabando mesmo em casamento do piloto Pessoa com uma das nossas “queridas enfermeiras paraquedistas” (como nós carinhosamente lhe chamavámos) que lhe prestou os primeiros socorros, e o acompanhou durante a evacuação (e não mais o abandonando até hoje!) para o Hospital de Bissau depois de ser resgatado do mato por um grupo de tropa especial (esta bonita história de amor em tempo de guerra era claramente digna de um filme – um “Dr. Jivago à Portuguesa” …).

Estas jovens militares e enfermeiras (#), postas em permanente perigo, voando de Heli, DO, ou Dacota, fazendo arriscadas evacuações e prestando os primeiros socorros nas zonas mais problemáticas, foram um exemplo maior de coragem, competência e solidariedade.

É neste ambiente de grande instabilidade que,  depois de todos os esforços, se desistiu de reocupar, de imediato, Nhacobá, continuando, contudo, a construção da estrada e o patrulhamento da zona.

(Continua)
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Nota do autor:

(#) Eram mesmo enfermeiras formadas nas escolas superiores de enfermagem – num universo de enfermeiros, formados em 3 meses, com diferentes formações na vida civil, de eletricistas a carpinteiros, salvo raras exceções, mas que cumpriram exemplarmente as suas funções e cuja presença nos dava um grande conforto
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sexta-feira, 30 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22417: Passatempos de verão (22): A fábula da cabra Joana de Nhacobá e do cão rafeiro Tigre do Cumbijã, obrigados a coexistir pacificamente até ao final da guerra


Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 > O encontro, não muito amistoso, da cabra “Joana” que trouxemos de Nhacobá no dia da operação Balanço Final, com o “rei” do destacamento do Cumbijã - o cão rafeiro “Tigre”... Com o tempo lá foram partilhando o protagonismo. Foto: cortesia do Carlos Machado.

Foto (e legenda): © JOaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. A foto da cabra Joana de Nhacobá e do cão rafeiro Tigre do Cumbijã, da autoria do Carlos Machado, é um espanto!... Um "instantâneo" muito feliz!...

Dá para os "miúdos da escola" (aqui ou na Guiné-Bissau) escreverem uma fábula sobre a "estupidez da guerra" ou qualquer coisa parecida... (O que é que será mais parecido com a "estupidez da guerra" ?  A guerra e a estupidez.).

Ou então dá, também, para os nossos leitores escreverem uma história para os seus  netos, partindo das suas memórias já muito esbatidas daquela terra, que era outrora era verde e vermelha, e estava a ferro e fogo... 

Leitores de Portugual, leitores da Guiné-Bissau, ou outros, que a "estupidez da guerra" é de todos os tempos e lugares... Fica aqui o desafio, retomando uma série, já antiga,  do nosso blogue, "Passatempos de Verão", ams inactiva desde 2017 (**).

A cabra Joana de Nhacobá foi apanhada pelo pessoal da CCAV 8351, justamente em Nhacobá, tabanca até então controlada  pelo  PAIGC,  no "corredor de Guileje", no decurso da Op Balanço Final (17-23 de maio de 1973). Nhacobá era um lugar de importância estratégica para ambos os contendores.

Foi levada, a Joana,  para Cumbijã, sendo obrigada a coexistir, pacificamente, com o cão rafeiro, o "Tigre de Cumbijã", mascote do pessoal. Não sabemos como esta história acabou, a pequena, insignificante, história destes dois animais domésticos. 

Enfim, mais uma pequena história que não cabe na grande História com H. Ou será que cabe (ou devia caber) ?... Talvez um dia os senhores historiadores se lembrem de juntar, aos homens, as cabras e os cães, que os acompanhavam na paz e na guerra. Tal como os vírus, bactérias, parasitas, protozoários, fungos e bacilos que os dizimavam, aos homens e aos seus animais domésticos.

O Valdemar Queiroz comentou (**): 

"A cabra Joana e o cão Tigre,,, Até dava uma fábula, 'tá bem, mas atenção que as crianças são curiosas e poderiam atirar com: a Joana ao ataque e o Tigre encolhido. Ou os habituais reparos: mais uma a deitar abaixo a nossa tropa (um tigre) a encolher-se a um ataque no IN (uma cabra)." (...)

O nosso editor Luís Graça, mauzinho, também deu a sua dica (**): 

"Aposto que a cabra Joana acabou no prato dos Tigres do Cumbijã. Chanfana, de cabra velha. Mesmo nascida depois da guerra,  no final, em 1974,  já devia ser dura que nem um corno. Se assim foi, e o Joaquim confirmará, a pobre Joana terá sido um dos últimos despojos do império. Como a malta não comia cão (a menos que houvesse algum macaense na CCav 8351), o resultado só pode ter sido Tigre 1, Joana 0. Mas pode haver outras narrativas"...

E são essas narrativas, de preferência sob a forma de "fábulas", 
bem humoradas, mais ou menos infantis, politicamente incorretas, que esperamos da parte dos/as nossos/as leitores/as... 

Para já o poste não tem numeração (, será o P00000, volante, de modo a aparecer todos os dias em destaque na página de rosto do blogue). Queremos assim dar oportunidade (e visibilidade) aos nossos leitores para que os seus  talentos literários (incluindo a sua imaginação e sentido de humor) se manifestem, este fim de semana, de preferência sem quaisquer entraves nem  censuras...

Toda a gente já leu ou ouviu uma fábula do grego Esopo ou do francês La Fontaine... Fábula (latim fabula, -ae, conversa, lenda, conto, narrativa) tem várias aceções ou significados. Por exemplo: 1. [Literatura] Composição literária, em verso ou em prosa, geralmente com personagens de animais, com características humanas, e em que se narra um facto cuja verdade moral se oculta sob o véu da ficção.

Fonte: "fábula", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/f%C3%A1bula [consultado em 29-07-2021].



Mandem os vossos textos (, curtos, dois ou três  parágrafos, meia página A4) para os endereços dos nossos editores que estão de serviço neste final de julho / princípio de agosto do ano da (des)graça de 2021:

(i) Luís Graça (Lourinhã):

luis.graca.prof@gmail.com

(ii) Carlos Vinhal (Leça da Palmeira / Matosinhos):

carlos.vinhal@gmail.com


2. Operação Balanço Final, Região de Tombali, Nhacobá, Sector S2, 17 a 23Mai1973


Com a finalidade de ocupar Nhacobá, S2, em que intervieram forças das CCaç 3399, 3ªC/BCaç 4513/72, CCaç 18, CArt 6250/72, CCav 8351/72, 2° Pel Art (10,5 cm), 14° PelArt (14 cm), e 1 Pel/ERec 3431, quando se deslocavam no itinerário Cumbijã-Nhacobá, tiveram 2 contactos com o inimigo de que resultaram 7 mortos para este e 1 morto, 5 feridos graves e 9 ligeiros para as NT. 

Foram apreendidas ao inimigo 1 esp autom "Simonov", 3 esp autom "Kalashnikov", 1 esp "Mauser", l LGFog "RPG-7" e 1 gran de LPFog  "RPG-7", além de material diverso.

Três dias depois pelas 09H50 as nossas forças foram emboscadas por um grupo IN na região próxima de Guileje. As NT sofreram 1 morto, 1 ferido grave e 2 ligeiros. O inimigo sofreu baixas prováveis.


Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2015), pág. 304

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22350: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XII: A primeira noite em Nhacobá (Op Balanço Final)


Foto nº 1  > Guiné > Região de Tombali >  Nhacobá > CCAV 8351 > O furriel Costa: depois do assalto,  a primeira noite na nova casa 

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 2  > Guiné > Região de Tombali >  Nhacobá >
 Dias depois do assalto > Foto A. Murta  / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné,  com a devida vénia



Foto nº 3  > Guiné > Região de Tombali >  Nhacobá > CCAV 8351 > Operação “Balanço Final” > Assalto e ocupação da base do PAIGC > A grande e bonita bolanha de Nhacobá

Foto de A. Murta com a devida vénia



Foto nº 4 > Guiné > Bissalanaca > BA 12 > Um caça Fiat G.91 R/4 dos “Tigres” da Guiné. Crédito: Paulo Alegria






Joaquim Costa, ontem e hoje. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.



Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)

Parte XII: A primeira noite em Nhacobá (Op Balanço Final) 



Consumado com sucesso o assalto a Nhacobá, tomámos posse definitiva da base do PAIGC pernoitando aqui, evitando a sua reocupação. Não era hora de questionar decisões superiores pelo que, conscientes que nos esperava uma visita do IN antes do anoitecer (belo filme tendo como cenário o parque do Prater em Viena de Áustria, onde o Porto, em 1987, foi muito feliz bem como a minha família quando o visitamos em 2011), lá metemos mãos à obra com cada um de nós a abrir um pequeno abrigo com o que tinha mais à mão, neste caso, a faca de mato. Pela primeira vez (e única) fiquei com bolhas nas mãos.

Com a certeza da visita do IN, como o da Páscoa ao domingo (ou vitória do Porto na Luz), lá nos enroscamos no pequeno buraco cavado com a nossa faca do mato, numa espera “stressante”, estranhamente desejando que as “coisas” começassem, já que não suportávamos mais esperas. Já estávamos por tudo. Falando baixinho (com receio de me considerarem já por irremediavelmente apanhado), dizia para com os meus poucos botões do camuflado: "Já que tem que ser,  vamos a isto", permitindo assim algum descanso até ao amanhecer. No momento, era mais violenta a espera do que o confronto com o IN.

A resposta do IN (felizmente?), chegou cedo e com tudo a que “tínhamos direito”: desde morteirada a RPG, através da outra margem do rio. Dada a distância,  “amochámos” assistindo impotentes ao espetáculo das explosões das granadas de RPG nas copas das árvores, com pedaços de árvore caindo sobre as nossas cabeças, fazendo-se dia com os contínuos clarões e os rebentamento das granadas de morteiro por todo o lado, pois as nossas armas dificilmente alcançariam a outra margem, deixando essa tarefa aos obuses do Cumbijã.

Entretanto acontece o impensável: ao pedirmos apoio da artilharia a Cumbijã as granadas dos nossos obuses começam a cair, também, em cima das nossa cabeças (o chamado fogo amigo), o rápido contacto rádio, já em desespero (… e a ajuda preciosa do amuleto/mapa do Machado?), fez com que a segunda leva de granadas, com grande alívio do grupo, já passassem por cima das nossas cabeças. Felizmente não teve consequências. 

Quando chegámos no dia seguinte ao Cumbijã,  o Alferes artilheiro (um engenheiro químico, meu amigo, da Póvoa do Varzim) pediu desculpa e chorou perante o grupo. Não fossem os buracos cavados com as facas de mato e por ventura esta narrativa seria bem mais dramática… ou simplesmente, não haveria narrativa!?

Foi uma noite muito difícil, com uma grande sensação de impotência, dada a quase impossibilidade de ripostarmos ao ataque pois que nem o pequeno morteiro nem a bazuca conseguiam intimidar o IN muito mais bem equipados que nós. Ao mesmo tempo respiramos de alívio já que o nosso receio (não medo?) era um confronto direto tendo em conta as nossas precárias condições de defesa. O IN também receou e atacou da outra margem do rio…

Não obstante o volume e intensidade do fogo IN, e o fogo amigo, não tivemos nem baixas nem feridos graves, apenas feridos ligeiros. Enfim, algum descanso até ao amanhecer, como era o meu desejo.

Exaustos, sujos, desidratados e mal alimentados (não confundir com: feios, porcos e maus), fomos rendidos ao amanhecer (belo filme…).

Ao ver chegar os nossos camaradas que nos vinham render, depois de um longo dia de canseiras, tivemos de refrear um pouco o nosso entusiasmo pois o nosso desejo era atirarmo-nos aos braços destes “anjos” que chegavam e beijá-los.  Fo
i aquela sensação, tão agradável, do regresso a casa do lavrador, depois de um dia intenso de trabalho no campo! 

Esperava-nos um banho de água com gasóleo, umas “bejecas” fresquinhas, um arroz com estilhaços (do qual já tínhamos saudades) e, depois do jantar, um jogo de cartas (King) com um whisky Johnnie Walker, em amena cavaqueira sobre tudo (como ouvir as lições de política do Furriel Aleixo ) menos guerra.

Entretanto! Mais uma visita do “paizinho” General Spínola.

Não nos podemos queixar de sermos ignorados pelo Homem Grande da Guiné: Boas vindas no Cumeré; visita a Aldeia Formosa onde lhe prestei guarda de honra (com a minha farda “acabadinha” de ser lavada pela minha simpática lavadeira); visita a Cumbijã e agora visita relâmpago a Nhacobá

O homem sempre fez questão de mostrar que estava na linha da frente com os seus homens visitando zonas onde ocorreram sucessos militares com alguma complexidade. Foi neste contexto que, consolidado o assalto, fez uma visita relâmpago a Nhacobá sem antes mandar na sua frente dois aviões Fiat para bater a zona em frente na outra margem do rio de onde éramos atacados. 

Esta foi uma visita “de médico” já que uma mina rebentou acionada por uma máquina, felizmente sem consequências a não ser a projeção de terra para o impecável camuflado do General. Sendo de facto um militar destemido não deixou de sacudir a terra e dizer para os seus ajudantes de campo: "Vamos, vamos embora daqui!...

Foi a primeira vez que assisti (de camarote VIP), à atuação dos nossos Fiat (caças bombardeiros), fazendo voo picado sobre o objetivo largando as bombas e disparando as metralhadoras colocadas nas asas. Se não fosse a situação periclitante em que estávamos, e as bombas fossem de carnaval, teria batido palmas como se estivesse numa das espetaculares exibições dos “Asas de Portugal” (Li em algum lado, ou sonhei, que o Piloto “strelado” Miguel Pessoa chegou a fazer parte dos Asas de Portugal – Faz sentido!)


Continua...
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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de junho de  2021 > Guiné 61/74 - P22308: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XI: Op Balanço Final: Assalto a Nhacobá ou o dia mais longo

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22308: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XI: Op Balanço Final: Assalto a Nhacobá ou o dia mais longo



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali >  Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIGC pela CCav 8351 (Os Tigres do Cumbijã) 


Foto nº 2 >  Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIGC. Furriéis da CCav 8351,  Azambuja Martins e Costa



 Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIGC pela CCav 8351 (Os Tigres de Cumbijã) > No lado direito alguns dos recipientes com arroz. Foto de António Murta (vd. poste P14844).

Foto: A. Murta / Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, com a devida vénia



Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIG pela CCav 8351 (Os Tigres do Cumbijâ) > Abrigos subterrâneos do PAIGC > Toto de A. Murta, com a devida vénia


Fot0 nº 5 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Operação “Balanço Final” > Assalto e ocupação da base do PAIGC pela CCav 8351 (Os Tigres do Cumbijã)> Sarar as feridas depois do assalto a Nhacobá

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa  (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XI (*)

Operação Balanço Final: Assalto a Nhacobá ou o  dia mais longo


Com o aproximar da estrada a Nhacobá, estava chegada a hora de fazer a ocupação desta base do PAIGC (“retribuindo” as duas visitas ao Cumbijã). Embora sem grandes informações, era de prever que Nhacobá fosse um local de grande importância estratégica e logística para o PAIGC já que ficava no corredor de Guilege, também conhecido por “corredor da morte” (corredor de circulação de homens e material para o interior da Guiné)(#).




Fito nº 6 > Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Guileje > Mapa de Guileje (1956) > Escala 1/50 mil > Alguns dos topónimos míticos por onde passava o "corredor de Guileje" ou o "corredor da morte", triangulando entre Guileje, Gandembel / Balana e Nhacobá. Ver também posição relativa de Cumbijã e Colibuía, a sudoeste de Aldeia Formosa.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)



Embora nada nos fosse transmitido (como sempre - ao que parece nem o próprio capitão foi informado), fomos surpreendidos com a chegada ao destacamento de um grupo de comandos africanos, armados até aos dentes com todo o tipo de armas capturadas ao IN (muito mais eficazes e fiáveis que as nossas), que segundo rumores teriam como missão fazer o reconhecimento a Nhacobá antes do assalto final. 

Nada nos foi dito mas constava-se que nada encontraram de relevante. Todo aquele aparato (não disfarçando algum exibicionismo) nos pareceu estranho,  para não dizer caricato. Contudo, depois de uma reunião dos “senhores da guerra”  em Aldeia Formosa, foi lançada a operação de assalto a Nhacobá, de seu nome de código: “Balanço Final” (17-23 de maio de 1973).

Foram mobilizados quase todos os recursos humanos disponíveis na região para o assalto final a Nhacobá, atirando por terra a ideia de que os comandos africanos não tinham encontrado nada de relevante.

Foram mobilizadas para a operação: 

(i) três companhias;

 (ii) uma equipa com duas chaimites (carros de combate anfíbios);

 (iii) dois grupos de combate de uma outra companhia de reserva no Cumbijã~;

(iv) e a artilharia de Cumbijã e Mampatã em alerta máxima. (##)

A minha companhia (CCav 8351 – Os Tigres do Cumbijã) estava incumbida de fazer o assalto (golpe de mão) com a proteção lateral de outras duas.


“De manhã cedinho, levanto do ninho e vou para … Nhacobá...”


Com todo aquele aparato de movimento de tropas em grande azáfama com alguns dos intervenientes, há última hora, a serem acometidos de doença súbita e desconhecida e com os “senhores da guerra” (sempre na retaguarda!) mandando os seus últimos “bitaites” sobre a estratégia a seguir (e a que ninguém ligava), lá avançamos nós, conduzidos por um guia, da nossa confiança e que conhecia muito bem o local. 

Como era habitual, nas operações de alto risco, quase todos os soldados beijavam, à saída, o seu amuleto da sorte: a foto da namorada ou dos pais, um santo devoto, uma folha da Penthouse (a famosa revista pornográfica norte-americana),  do Furriel Martins, e o Furriel Machado o seu inseparável mapa, que guardava num dos bolsos do camuflado, mais perto do coração.




Fot0 nº 7 > Guiné > Região de Tombali > Nhacobá > Operação Balanço Final > Assalto e ocupação da base do PAIGC pela CCav 8351 (Os Tigres do Cumbijã)> O “amuleto” que sempre acompanhava o Furriel Machado em operações no mato, o “Mapa de Operações Pontos de Artilharia”... 

Ao seu lado estávamos mais seguros. Nunca nos sentíamos perdidos na mata e a ajuda da artilharia em situação de emergência era mais precisa e eficaz. Este homem nunca deixava nada ao acaso. Tudo era feito de forma profissional, tal como a sua sofisticada hortinha que plantou em pleno teatro de guerra!



Conforme íamos avançando na direção do objetivo,  a adrenalina ia subindo na mesma proporção já que minguém melhor do que nós sabia o que nos esperava. Dada a nossa experiência feita de vivermos, diariamente, paredes meias com o IN, conhecendo melhor do que ninguém as suas “taras e manias”,   fazíamos tábua rasa das opiniões dos teóricos do “pionés no mapa” (cujo único risco era picarem-se no mesmo) para bem da nossa segurança e ao mesmo tempo para bem da eficácia na concretização do objetivo traçado.

O nosso guia mantinha um grande sangue frio e uma calma desarmante,   reparando nos mais pequenos pormenores que a todos nós escapava: um pequeno ramo de árvore cortado recentemente; pegadas no chão recentes; barulhos de população e de animais ao longe, que nenhum de nós ouvia, etc.

Era fácil medir a tensão do grupo quer através das feições do guia quer do “arrebitar” do bigode do camarada Machado!!!

Quatro grupos de combate em marcha na direção do objetivo em silêncio quase ensurdecedor, ouvindo-se apenas a nossa respiração, cada vez mais acelerada. Caminhavámos como em campo minado, pé ante pé, com concentração absoluta e sempre atentos às feições do guia (...e ao bigode do Machado!).

Pelo caminho já percorrido sabíamos que devíamos estar muito perto do objetivo, o que foi confirmado pelo guia. Uns metros mais à frente já todos nós ouvíamos sons de pessoas em conversas despreocupadas.

Mais uns metros e avistamos uma caçadeira (Simonov) encostada a uma árvore e, logo a seguir, um grupo de homens e alguns mulheres e crianças sentados em amena cavaqueira. Avançamos e surpreendemos todo o grupo, creio que um homem foge a gritar Comando, comando!... Não demos um único tiro, acalmamos as mulheres e as crianças, e montamos segurança.

Estávamos nós a tentar obter de alguns elementos do grupo, obviamente assustados, informações relevantes,  tendo em vista o prosseguimento da operação em segurança, quando irrompe um grande “fogachame” com armas ligeiras e RPG. Como estávamos já bem posicionados, ripostámos,   protegendo aos mesmo tempo os elemento da população.

Passados uns bons minutos, que pareceram uma eternidade, a situação acalmou, as metralhadoras calaram-se, permitindo assim o socorro aos feridos, alguns com alguma gravidade. 

Pela surpresa,  pensámos que o grupo de guerrilheiros de defesa da base do PAIGC, depois da forte reação, se tinham já posto em fuga. Contudo, passados uns 15 minutos,  fomos nós surpreendidos por nova investida, agora mais intensa e organizada,   sobre as nossas posições causando mais uns feridos, alguns com gravidade.

O grupo de guerrilheiros (supomos, em grande número), depois da segunda investida fugiu, uns em direção ao local onde deveriam estar as companhias que faziam a nossa proteção lateral e outros para a grande bolanha,  perto de um rio. Conseguimos ainda avistar vários elementos do grupo, desordenado e desorientado, em fuga através da grande bolanha.

Uma das situações que mais me perturbam, relembrando hoje o assalto a Nhacobá, é o facto de,  ao ver lá ao longe pequenos grupos de guerrilheiros em fuga,   apontar-lhes a minha arma. Não disparei, e alguém me dissr: "A G3 não alcança". 

Este episódio mostra como a guerra nos leva a tomar atitudes completamente irracionais. Contudo, para meu sossego, acredito (quero mesmo acreditar) que nunca teria coragem para disparar naquelas condições.

Terminado o tiroteio, nada aconteceu aos elementos da população e nós tivemos vários feridos, alguns com gravidade.

Pedimos que um dos grupos de combate estacionado em Cumbijã, viesse em apoio levar os elementos da população e os feridos para o destacamento, sendo os mais graves levados, para Aldeia Formosa onde um avião Nordatlas aguardava para eventual evacuação para o hospital de Bissau.

Depois de todas estas diligências e com todas as cautelas lá fomos explorar a zona. 

Acompanhado pelo amigo Martins, juntamente com outros elementos da companhia, avançamos, com cuidados redobrados, para o local de onde fomos atacados. Passada a zona onde encontramos os elementos da população,  ficamos boquiabertos com o que encontramos: muitas moranças, com indícios claros de habitadas até momentos antes com os seus animais a vaguearem ainda em sobressalto; vários silos de barro,  cheios de arroz (estavam ali toneladas de arroz ainda com casca); abrigos subterrâneos; muitos maços de tabaco e fósforos cubanos, bem como cadernos e livros escolares e muitos folhetos de propaganda. 

“Roncos” que muitos de nós guardaram como recordação (eu guardei um maço de tabaco e uma caixa de fósforos que deitei ao lixo, juntamente toda a roupa e tudo que me fizesse lembrar a Guiné num quartel em Lisboa, no regresso a casa).

Este era de facto um posto de “mala-posta", muito importante neste corredor de Guileje, onde os guerrilheiros descansavam e se alimentavam em trânsito para operações militares na região sul. Todo o arroz aqui apreendido dava para alimentar um exército durante vários dias.

O elevado número de moranças, os abrigos subterrâneos, bem camufladas na vegetação, a quantidade de arroz (as suas rações de combate), bem como a grande quantidade de tabaco e material de propaganda, era a confirmação de estarmos perante uma importante base do PAIGC no interior da Guiné. Esta ação foi em rude golpe na logística do PAIGC no abastecimento de parte da zona sul da região.

Estávamos nós já a “debicar” parte da ração de combate,  quando começamos a ouvir rajadas de armas ligeiras e mais tarde sons de HK - encontros de “3.º grau” dos guerrilheiros em fuga com as companhias de proteção lateral e do grupo de chaimites, sofrendo o IN, aqui, danos consideráveis.

A configuração da tabanca, a quantidade de abrigos subterrâneos (bem protegidos contra ataques aéreos e bem camuflados na mata), o volume e tempo de fogo configuram um destacamento do IN muito bem protegido, que só caiu sem grandes baixas do nosso lado pela surpresa e, ao mesmo tempo, presumo, julgarem estarem perante uma operação de grande envergadura com o apoio da aviação e tropa especial (por isso a sua fuga precipitada). 

Era suposto, da parte do IN, que a tropa sediada na zona não reunia as condições para tal assalto, daí os gritos do homem que fugiu a dizer Comandos, comandos!

Este foi um dia (… o mais longo) que me fez lembrar a guerra do Vietname, com todos os ingredientes presentes, nomeadamente: entrar no reduto do IN, desalojá-lo e passar junto dos seus mortos em combate, inexplicavelmente, com naturalidade e indiferença. Visão que hoje muito me perturba e desassossega!

(
Continua)
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Notas do autor:

(#) Este corredor com início na fronteira da Guiné Conacri, atravessando a zona de Guileje (Gandembel) e Nhacobá (Foto nº 6), tinha uma importância vital para o PAIGC, já que por aqui introduzia 70 a 80 % dos abastecimentos de armas, homens, munições e outros, para todo o território da Guiné. Neste corredor muitas vidas se perderam dum lado e do outro do conflito.

Assim se explica a luta sem tréguas dada pelo PAIGC na defesa deste importante corredor e particularmente da sua base em Nhacobá,

Situação semelhante teve lugar em Gandembel de quando a sua ocupação pelas nossas tropas no tempo do antigo governador (Arnaldo Schulz),  acabando por ser abandonado no tempo de Spínola, dado as elevadas perdas humanas. Daí a designação de “corredor da morte”.

(##) NT:  CCaç 3399, 3a/BCaç 4513/72, CCaç 18, CArt 6250/72, CCav 8351/72, 2° Pel Art (10,5 cm), 14° PelArt (14 cm), e 1 Pel/ERec 3431.
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 7 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22261: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte X: a segunda "visita dos vizinhos" (com novo ataque ao arame)