Mostrar mensagens com a etiqueta Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 13 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20729: Notas de leitura (1272): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (49) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
O bardo despede-se da guerra, seguir-se-ão duas alusões sentimentais, é um dedilhar da guitarra com acordes de saudade, recorda a Mãe e canta o fado do regresso.
Impossível não se comentar aqui o que de mais relevante aconteceu no teatro de operações neste último ano da comissão do BCAV 490. Coisa curiosa, é manuseando estes diferentes volumes que a "Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África", dedicados à Guiné, que se atina na verdadeira dimensão da atividade operacional, nas melhorias instaladas no campo das infraestruturas, no apoio às populações. Há muito caminho ainda a desbravar para que fique convenientemente iluminado todo este contexto em que germinou e se desenvolveu a guerra da Guiné, nestes anos correspondentes à presença do BCAV 490, de 1963 a 1965, trabalho de investigação em arquivos onde jazem papéis decisivos para a compreensão da atuação tanto do Brigadeiro Louro de Sousa como do General Arnaldo Schulz. Para acabar de vez com a crítica infundamentada de que estes dois oficiais-generais não foram altamente competentes, resolutos e determinados, e que não estiveram à altura da situação crítica que viveram, houvera que depositar todas as esperanças num salvador que chegou à Guiné em maio de 1968.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (49)

Beja Santos

“Fui à Guiné, fiquei maravilhado
ao ver os batuques a tocar
com os africanos a dançar,
eu fiquei entusiasmado.
Voltava-me para qualquer lado
via grupos dançando contentes,
diversas raças patentes
rolavam uns baixos outros de pé.
Vi na Província da Guiné
coisas bárbaras, transcendentes.

Outros costumes, outras gentes
nesta Província vim ver.
Fiquei também a conhecer
o que foi pisado pelos antecedentes.
Tivemos homens valentes
que deixaram nome gravado.
Actualmente no mato cerrado
ainda se distinguem muitos companheiros
contra o grupo de bandoleiros
do povo negro esturrado.

Vi homens de cornos armados
a imitarem bois guerreando
e outros com caraças também imitando
diversas feras e veados.
Alguns de flechas formados
mantinham-se muito prudentes.
Estavam equipados como os combatentes
de há séculos atrasados
de quando se faziam bravados
a desafiar espaços, continentes.

Vi mulheres nuas, peitos pendentes
e coisas de diversos aspectos.
Vi os filhos dos insurrectos
rasgados, descalços e inocentes.
Aqueles homens divergentes
se nos tornam endiabrados
por eles somos espiados
a qualquer hora do dia.
Mas só têm cobardia
os rebeldes famintos, esfarrapados.

O tempo está acabado,
vou fechar as poesias.
Despeço-me de todas as Companhias
que eu tenho aqui publicado.
Este tempo foi passado
com grande descontracção.
No resumo do Batalhão
passaram-se muitas amarguras
e houve muitas aventuras,
amigos do coração”.

********************

Confesso que me toca muito este derradeiro abraço em que o bardo envolve os seus camaradas. Estamos em 1965, impõe-se apresentar algumas notas sobre o pano de fundo daquela guerra, e o que se previa para o ano vindouro. Consta na “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, 6.º volume, Aspectos da Actividade Operacional, Tomo II, Guiné”, 2014, que o ano de 1965 foi dominado por uma evolução da organização das FARP – Forças Armadas Revolucionárias Populares, o movimento das unidades das forças portuguesas foi enorme. Em 12 de agosto, partiu o BCAV 490 com as CCAV 487, 488 e 489, além do BCAÇ 512 e 513, dias depois regressava também à metrópole o BCAÇ 600. Iluda-se quem continue a supor que este período da governação de Arnaldo Schulz teve quebras na dinâmica ofensiva e esclerosamento na quadrícula. Estão descritas operações em Bula, Mansoa, Farim, Tite, Buba, Catió, por toda a colónia, e com grande regularidade. O PAIGC ripostava, sobretudo no Sul e no Centro-Norte. Na época ainda havia operações que levavam à destruição de várias tabancas em pontos dados de acesso extremamente difícil, caso das tabancas de Chinchim Dari, Salancaur Fula, Salancaur Jate e outras próximas. Sucedem-se as Diretivas do Comandante-Chefe, mostra-se polarizado por desarticular o inimigo na região do Oio (quadrilátero Mansoa-Bissorã-Olossato-Mansabá), havia indícios no seu reforço nos últimos tempos; sabia-se claramente que a região da margem direita do Corubal, situada entre Ponta do Inglês e a povoação do Xitole, continuava a ser peça fundamental da linha de comunicações. Havia a pretensão de dificultar a utilização da região de Ponta do Inglês – Xitole como base intermediária da linha de comunicações do inimigo, foram previstas várias operações, ia-se às bases, destruíam-se acampamentos, eles iriam ressurgir ali bem perto. Centrou-se igualmente a atenção na região entre o rio Canjambari e a estrada de Banjara – Mansabá, sabia-se que era uma passagem obrigatória da guerrilha. Tomaram-se medidas para um melhor controlo e defesa de Bissau. Propuseram-se novas medidas de ação psicológica. No final do ano, através da sua Directiva n.º 26/C, Schulz dá conta da situação da guerra, escreve obviamente para que o governo em Lisboa tire as suas elações, a pretexto de a Directiva ser canalizada para os três ramos das Forças Armadas na Guiné.

É uma narrativa sem ilusões, seria impossível não tirar dela conclusões merecedoras de grande preocupação:
“Apesar dos golpes sofridos no decurso dos últimos anos, a virulência político-militar do inimigo não tem diminuído. O inimigo conta com o apoio decidido dos países do bloco comunista, da generalidade dos países da OUA e de alguns países ‘não alinhados’. Um factor novo relativamente recente – o aparecimento de brancos, em especial cubanos, como instrutores, conselheiros ou especialistas – vem demonstrar a extensão deste apoio.
No aspecto exterior, as facilidades cada vez maiores que vêm sempre concedidas pelo Senegal ao PAIGC, as quais foram objecto de acordo formal entre o Governo Senegalês e aquele agrupamento subversivo e estão-se traduzindo, designadamente, no estabelecimento progressivo de grupos armados ao longo de toda a fronteira norte da Província, na organização de bases fronteiriças de certo valor, em liberdade condicionada de trânsito de pessoal, armamento e abastecimentos”.

Volumes da “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África” referentes à atividade operacional da Guiné.

O documento enfatiza o aperfeiçoamento da propaganda do PAIGC, a melhoria dos seus quadros políticos, técnicos e militares, o aperfeiçoamento da organização e apetrechamento de militares quanto a equipamento, transmissões, fardamento e apoio sanitário; era dado como seguro que melhorara substancialmente o controlo do PAIGC sobre os núcleos populacionais, com destaque no Sul. E detalha-se igualmente os termos como se estava a processar a expansão do PAIGC pelo Interior. Considerava-se que a partir de setembro de 1965 o PAIGC progredia para a região dos Manjacos; havia uma notória acumulação de meios inimigos ao longo da fronteira do Senegal, desde Saré Bacar até Susana, por enquanto não havia motivo de séria preocupação, mas não se excluía, a prazo, a tentativa de reforçar os meios existentes no interior da Província com a finalidade de envolver Bissau. E escreve: “Atribuo uma grande importância à possibilidade de ataque súbito e maciço a algumas das nossas posições fronteiriças que pode ter lugar em prazos muito curtos que dificultem grandemente o ocorrer, em tempo oportuno, das nossas reservas”.

A sul do Geba e a oeste do Corubal, a organização político-militar do inimigo estendia-se um pouco por toda a parte e mostrava-se particularmente evoluída nas regiões de Quitafine, Cantanhez e Como. A ligação técnica, política e económica entre as diversas zonas controladas pelo inimigo faz-se com relativa facilidade. “Considera-se, no entanto, que os principais núcleos inimigos não têm possibilidade de evitar uma desorganização sensível das suas estruturas, se atacados sistematicamente e com decisão com meios de fogos terrestres, navais e aéreos e sujeitos com frequência a acções terrestres, anfíbias ou aerotransportadas de objecto limitado. É admissível que Schulz apelava para uma continuação da guerra subversiva em moldes mais ofensivos, a que o governo de Lisboa multiplicasse efetivos e recursos de toda a ordem, era impossível fechar o corredor de Guileje, a riqueza agrícola do Sul garantia a subsistência dos efetivos do PAIGC na região, aliás, previa-se uma maior agressividade das forças do PAIGC nos nossos aquartelamentos e sobre a zona do Forreá. E advertia: “Admito que o inimigo poderá tentar uma ou mais acções de surpresa lançadas a partir de território estrangeiro, do Cantanhez ou de Quitafine, sobre algumas das nossas posições mais expostas, em especial Guileje, Gadamael, Cacoca e Cameconde”.

Imagem retirada do Arquivo do Correio da Manhã, com a devida vénia.

O Leste continuava a resistir à subversão, houvera que evacuar populações de certas zonas transfronteiriças, mas no Boé intensificara-se a presença do PAIGC.

É prematuro, até porque não está estudado o acervo documental entre o Comandante-Chefe e os Ministérios da Defesa Nacional e do Ultramar, dizer abertamente que Schulz, chegado em maio de 1964 à Guiné, e que a encontrou em perfeito tumulto, porque era completamente incerto por onde o PAIGC procurava consolidar-se e irradiar, havendo milhares de guineenses em fuga para as regiões fronteiriças do Senegal e da República da Guiné, povoações queimadas, inúmeras populações sujeitos a duplo controlo, com o esforço de guerra centrado em apagar fogos e espalhar os efetivos militares, e tudo o mais que se sabe, atribuir-lhe responsabilidades na condução da ofensiva contra a luta armada. Naquele período, o PAIGC consolidara-se, expandira-se, posicionara-se estrategicamente em pontos de dificílima acessibilidade, gozava progressivamente de apoio internacional, o seu armamento, inicialmente tão precário e antiquado, melhorara substancialmente.

Schulz obtivera a garantia de apoios, iniciara a africanização da guerra, instituíam-se aldeamentos, os bombardeamentos eram incessantes, as lanchas da Marinha patrulhavam os cursos de água; recebeu algum dinheiro para fazer infraestruturas, melhorou bairros, deu-se ênfase à educação e às infraestruturas de saúde. Proteger as populações, procurar subtraí-las ao duplo controlo, significava derramar os efetivos militares em destacamentos, com todos os riscos inerentes e as exigências de patrulhamentos, com a realização de operações que demoravam escassos dias, queimar um acampamento de guerrilha, capturar população e trazer material tinha que se fazer em curtíssimo espaço de tempo, o inimigo estava já preparado para reagir, emboscando nos pontos mais imprevistos.

Amílcar Cabral com o lendário comandante “Manecas” dos Santos, algures na Guiné, enquadrados pela Segurança que os acompanhava pela Guiné, imagem retirada do blogue Notícias da Guerra, com a devida vénia.

Em 1965, Amílcar Cabral é já um líder altamente cotado na esfera internacional, é o ideólogo de proa das colónias africanas de língua portuguesa; a colaboração cubana ainda é ténue, será muito maior quanto Fidel Castro lhe der um impulso, no ano seguinte; os quadros combatentes, como Nino, Osvaldo Vieira, Domingos Ramos, Rui Djassi, e muitos mais, revelam motivação, conhecimento do terreno, são de uma enorme fidelidade ao líder fundador.

O quadro de fundo antevisto por Schulz para o ano de 1966 conhecerá mudanças sensíveis com o apoio externo, com o desenvolvimento da propaganda do PAIGC. Nota curiosa, basta ler a “Resenha Histórico-Militar” referente a esse ano, 1966 salda-se num tempo de equilíbrio precário, o PAIGC irá acomodar-se a uma toada ofensiva marcada pelas forças especiais, é ano de contenção, de compasso de espera.

(continua)
____________

Nota do editor

Poste anterior de 6 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20707: Notas de leitura (1270): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (48) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20716: Notas de leitura (1271): “Bacomé Sambu”, por Afonso Correia; edição de autor, Lisboa, 1931 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 6 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20707: Notas de leitura (1270): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (48) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
O bardo já está em jeito de despedida, recapitula coisas que todos nós vivemos, como a chegada do correio, as obras nos destacamentos, a pulsão sexual e a chegada daqueles meninos que hoje são gente crescida e procuram o pai.
É o momento azado para pegar na "Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África" e enquadrar a estratégia militar, a atividade operacional, a ação psicossocial, a formação de tropas nativas, entre outros aspetos. Recordo-me de quando cheguei em finais de julho de 1968, vivia-se a euforia dos novos tempos, criticava-se asperamente o passado, agora é que era, íamos ter guerra a sério, os oficiais incompetentes já estavam a ser recambiados, o homem providencial visitava ao amanhecer os aquartelamentos, inteirava-se das dificuldades e exigia mudanças. Saberemos mais tarde que exarou um lote de instruções, introduzia mudanças. O homem providencial, como é de todos sabido, foi valeroso, mediático, avergou imensa esperança, isto enquanto o PAIGC era confrontado com os novos instrumentos da "Guiné melhor" e com aquela incómoda referência até aí esbatida, da existência de uma raiva surda entre guineenses e cabo-verdianos. E ao longo destas décadas tem sido possível, por múltiplos fatores, deixar no limbo, apoucar, denegrir, culpabilizar Louro de Sousa e Schulz pelo estado em que Spínola encontrou a Guiné quando aqui chegou, em maio de 1968.
Felizmente que as fontes falam, são papéis que precisam de ser lidos com equidistância. E ainda estamos no princípio de se chegar a uma outra visão prismática de como foi conduzida a guerra de 1963 a 1968. Recordo que ainda estão por consultar os arquivos do Ministério do Ultramar e do Ministério da Defesa Nacional. É bem possível que outro galo venha a cantar.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (48)

Beja Santos

“Para a avioneta aterrar
trabalhava-se com resignação.
Quando o correio se esperava,
às vezes não vinha avião.

Enquanto estivemos aquartelados,
nos arredores de Farim,
passou-se o bom e o ruim
mas hoje estamos descansados.
Houve o regresso de uns refugiados
e o chefe dos CTT se deixou apanhar.
Depois de muito se lutar,
Canjambari se ocupou
e uma pista se arranjou
para a avioneta aterrar.

Na piscina de Farim se ia nadar
e ia-se dançar na Morocunda e Nema
e de vez em quando se via cinema
e a Kadi se ia visitar.
Bichas se chegaram a formar
e uma teve um filho do Batalhão.
Ficou-nos de recordação
os bons e maus tempos passados
no mato contra os malvados
trabalhava-se com resignação.

O pão em Jumbembem era jogado
a qualquer hora do dia
e muitas vezes caía
fora do sítio marcado.
O correio também era lançado
e às mãos dos rapazes chegava.
Uma vez um saco se desatava
e o correio se espalhou,
e muita desilusão se passou
quando o correio se esperava.

Uma vez fomos visitados
pela RTP e Emissora Nacional,
vieram de Portugal Continental
para sermos entrevistados.
Contámos-lhes os factos passados,
durante esta missão.
Passámos muita preocupação
com coisas de diligência,
e esperando sempre correspondência,
às vezes não vinha avião.”

********************

O bardo recapitula nestes versos episódios que se tornarão recorrentes para outras unidades militares, seja qual for o teatro de operações nas três colónias em guerra: a espera ansiosa do correio, a reocupação de tabancas que irão ficar em autodefesa ou conjugadas com destacamentos; a vida sexual espúria, de que irão resultar aqueles filhos que continuam à procura do seu pai; as emissões radiofónicas e televisivas que culminavam, tantas vezes, com uma frase que ficou icónica: “adeus, até ao meu regresso”.

Impõe-se consultar a “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África”, procurar escavar e apurar alguns dados elementares da evolução do conflito. Seria redundante, meramente repetitivo, matraquear o leitor com a caraterização do território, o surto da luta nacionalista, como se afirmou o PAIGC e foi anulando toda e qualquer forma de concorrência. Igualmente o leitor já possui um enquadramento dos efetivos e qual o dispositivo das nossas tropas até ao início de 1963. Fizeram bem os organizadores desta Resenha em referir o que se sabia e como se procurava agir a partir de Lisboa para sustar as ondas de guerrilha. Os efetivos foram crescendo até 1963, em março desse ano é estatuída a Carta de Comando para o Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, o Sul já está em polvorosa, e no terreno não se faz a menor ideia como será possível ir dispondo o dispositivo, responde-se à bolina, praticamente em cima dos acontecimentos, chegam as informações em catadupa das populações em fuga, de incêndios, de toda a sorte de destruições. O PAIGC procura instalar-se no Quitafine e no Cantanhez. Regista-se nesta atividade operacional que em fevereiro de 1963 já se patrulha entre o Poindom e Ponta Varela, houve uma batida de Enxalé ao Saltinho, população Fula acompanhou o destacamento militar. Há ocorrências ao norte de Cacheu, o aquartelamento de Bigene é atacado em maio, a região do Xime está manifestamente em pé de guerra em meados desse ano, atacam-se embarcações no Corubal.

Brigadeiro Louro de Sousa
O que os documentos revelam é que o Comandante-Chefe reage em cima dos acontecimentos, produz Directivas a partir de abril que são verdadeiramente concomitantes com os focos de sublevação, impossível que o teor destas Directivas, aliás comunicadas para o Ministro da Defesa, não correspondessem a um acompanhamento da evolução da guerra. No segundo semestre de 1963, a guerrilha está presente no Norte, em Fajonquito, mas também no Oio e no Morés, de que resta uma fotografia do Brigadeiro Louro de Sousa com o Comandante e militares do BCAV 490, no Morés, a bandeira portuguesa está hasteada. Em outubro, o Ministro da Defesa, o General Gomes de Araújo, visitou a Guiné, o mau tempo impede certas deslocações, revela-se devidamente informado e pelo menos não ficou registado ter havido quaisquer discordâncias quanto ao seguimento das atividades operacionais. No final do ano, a Diretiva N.º 7 do Comandante-Chefe não ilude o que se está a passar: o PAIGC alcançou o controlo efetivo de regiões preponderantes do Sul, criou insegurança no Centro e já mantinha o controlo das duas margens do rio Corubal; o aliciamento de uma parte da população parecia inevitável; havia críticas à condução da guerra, como ficou escrito:
“A maioria dos órgãos de Comando não faz um planeamento cuidado das operações e não lhes dão continuidade lógica. Verifica-se que a execução das operações depara sempre com dificuldades várias e que o impulso inicial se vai perdendo. (…) A missão tem que ser cumprida até ao fim e, por isso, permitir que as tropas desistam durante a acção conduz ao abandono e à desmoralização”.

A informação que seguiu também para Lisboa clamava por mais efetivos, e falando do futuro apareciam como missões fundamentais a preocupação de evitar e impedir infiltrações em todas as fronteiras, a necessidade de atuar sobre as linhas inimigas do reabastecimento, procurar isolar o inimigo da parte não subvertida da população, intensificar a vigilância dos rios, entre outras. Nesse mesmo mês de dezembro, a Defesa Nacional comunica a necessidade de efetuar uma operação de limpeza e ocupação do Como, assim nasceu a “Tridente”, que já fora prevista em agosto por Louro de Sousa. Nas vésperas de Natal, a Diretiva N.º 8 esboça detalhadamente aquela que será a maior operação conjugada dos três ramos das Forças Armadas no decurso da guerra.


Quando certos autores apoucam as medidas de política seguidas por estes comandantes que antecederam Spínola, acusando-os mesmo de não terem uma visão nítida para a ação psicossocial, seguramente que não consultaram os documentos que começaram a ser emanados a partir de setembro de 1963. São de inegável importância para se entender a lógica que se pretendia imprimir para a autodefesa das populações e quais as etnias com que se podia contar.

A Resenha dá conta da nova organização militar do PAIGC, à luz das decisões tomadas no Congresso de Cassacá. O PAIGC incrementou a sua atividade, havia cada vez mais material bélico, cresciam os eixos de infiltração. O efetivo das nossas tropas aproximava-se no início de 1964 dos dez mil militares, em meados do ano formavam-se Companhias de Milícias e iniciou-se o primeiro curso de Comandos, dele saíram os grupos de Comandos “Os Camaleões”, “Os Panteras”, e “Os Fantasmas”. No vasto elenco da atividade operacional, encontramos ações do PAIGC e operações das nossas tropas, logo a partir do início de janeiro. Rafael Barbosa que fugira com Constantino Teixeira e outros quadros do PAIGC em 9 de janeiro, foi capturado no dia 12. Nos bairros de Bissau sucedem-se as rusgas. Mas é a Operação Tridente que vai ter a fatia de leão na documentação carreada. Em fevereiro desse ano, o Ministro da Defesa Nacional envia uma Instrução Pessoal e Secreta destinada ao Comandante-Chefe, não há ilusões sobre o aumento da capacidade ofensiva do PAIGC, a tentativa de extensão da guerrilha, toma-se a sua presença na região de Xime - Ponta do Inglês como perigosa, pois facilitaria a ligação entre as guerrilhas que atuam no Sul e no Oio. Envia o Ministro as suas prioridades e adverte que a Metrópole não pode aumentar indefinidamente os efetivos e outros meios, são feitas sugestões para a remodelação do dispositivo.

E o documento termina de forma eloquente, o Ministro recorda uma reunião havida em Bissau em 14 de janeiro de 1964:
“As guerras só se ganham com a eliminação física ou moral do inimigo. Ora se essa eliminação, mesmo com um inimigo que não fuja ao contacto, só se consegue pelo seu envolvimento, fruto da manobra, com mais forte razão esta é essencial na guerra do tipo da que fazemos, em que o inimigo evita o contacto”.
Gen Arnaldo Schulz
E deixa bem claro que a informação é pedra angular da manobra. As chamadas forças de reserva deviam ser entendidas como forças permanentemente em operações, fossem caçadores ou fuzileiros especiais, não deviam permanecer em Bissau à espera dos acontecimentos. Prosseguem as Directivas e as Ordens de Operações, em maio é reconhecido o alargamento da área das atividades do PAIGC, este avançava perigosamente em direção à povoação de Geba. É decidido ocupar Sangonhá, Cacoca e Cameconde, a fim de dar continuidade à progressão para sul e estabelecer ligação com Cacine. Nesta documentação fala-se explicitamente do BCAV 490, a quem cabe assegurar a ocupação territorial e controlo da sua área de responsabilidades, apoiado na população fiel do Leste, em ligação com o BCAÇ 506, segundo os eixos Cambajú - Sitató – Cuntima e Canhamina - Canjambari - Jumbembem; e posteriormente entre a linha Farim - Cuntima e o rio Cacheu. A última Directiva de Louro de Sousa data de 9 de maio, prende-se com a proteção de Bissau, é estabelecida a manobra. Em maio, mais adiante, chega Arnaldo Schulz. A atividade operacional do primeiro semestre espelha a extensão da guerra e não ilude as dificuldades postas às forças portuguesas para coordenar os diferentes Sectores, permanentemente sacudidos por intervenções da guerrilha.

O segundo semestre decorre já sobre a égide de Schulz, elencam-se operações na região de Bissau, Bula, Mansoa, o Oio e o Morés estavam ativíssimos, não obstante as nossas tropas iam destruindo acampamentos e casas; é uma atividade operacional que se estende a Farim, a Bafatá, Buba, Catió e Tite, parece imperar um novo fogo. Surgem novos documentos para a ação psicológica, dão-se instruções para a colaboração dos nativos nas operações militares, estabelecem-se normas para a atribuição de prémios pela captura de material ou inimigo. A Resenha dá-nos em final de 1964 a relação das unidades presentes na Guiné e como se posicionam. Neste momento, a Guiné dispõe de um total estimado superior a quinze mil militares.
Veremos agora o que nos reserva 1965.

(continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 28 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20691: Notas de leitura (1268): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (47) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20700: Notas de leitura (1269): “Autópsia de um Mar de Ruínas”, por João de Melo, 9.ª edição reescrita pelo autor; Publicações Dom Quixote, 2017 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17301: Notas de leitura (952): Guerra da Guiné: Os atores, a evolução político-militar do conflito, as revelações surpreendentes - Apresentação dos três volumes alusivos aos aspetos operacionais na Guiné, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Assim se põe termo à comunicação que apresentei, por convite do senhor Chefe do Estado-Maior do Exército, dos três volumes referentes a aspetos da atividade operacional da guerra da Guiné, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África.
Encontram-se aqui revelações surpreendentes, saliento que se possui finalmente referências oficiais ao que seria o plano de retração, decidido em 1973 e que Bethencourt Rodrigues iria executar ainda em 1974. Este Comandante-Chefe escreve alarmado em 20 de Abril a Costa Gomes, sente que o esgotamento de meios, a desmotivação das tropas e a capacidade ofensiva do PAIGC prenunciam momentos duríssimos.
É uma leitura bastante recomendável àquele conjunto de nostálgicos que ainda acreditam e professam que a guerra da Guiné era sustentável e estava muito longe de se considerar perdida.

Um abraço do
Mário


Mário Beja Santos durante a sua alocução


Guerra da Guiné: 
Os atores, a evolução político-militar do conflito, as revelações surpreendentes (3)

(Apresentação dos três volumes alusivos aos aspetos operacionais na Guiné, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), Academia Militar, 18 de Abril de 2017)

Mário Beja Santos

Em 15 de Maio de 1973, Spínola preside a uma reunião de Comandos, entrara-se numa nova fase da evolução da guerra. O Comandante-Chefe disserta um rol de preocupações: não pretende enfraquecer o apoio económico-social às populações, estas não entenderiam economia de meios, recorda que na conceção inicial, em 1968, desguarnecera-se áreas desabitadas em ordem a recuperar meios em proveito do esforço que se impunha realizar nas zonas Oeste e Leste para deter o alastramento da guerrilha; assistia-se agora ao crescente potencial do IN. Ponderadas as análises, setor a setor, considerava-se essencial satisfazer um conjunto de necessidades em mais Companhias, mais Comandos de Agrupamento e de Batalhões, Companhias de Engenharia, armas de maior alcance para contrabater os fogos inimigos (morteiros 120 mm, canhões sem recuo e lança-granadas foguete), pelotões de artilharia, etc. E diz expressamente:
“Se não forem concedidos os reforços solicitados e as armas que permitam enfrentar o inimigo atual, julga-se que será necessário remodelar o dispositivo. Mas neste caso, as missões atualmente dadas às nossas forças, em termos de proteção das populações e apoio ao esforço principal da manobra, teriam de ser revistas. Ficariam também altamente prejudicadas as missões de contrapenetração e de detenção do alastramento da subversão, comprometendo-se desta maneira a missão das forças armadas no teatro de operações”.

Na sequência desta reunião, o Secretariado-Geral da Defesa Nacional produziu em 28 de Maio um memorando onde se argumenta parecer estar-se numa altura em que uma revisão estratégica ter de ser feita na componente política, já que a componente militar, com os atuais meios, atingira um limite a partir do qual podia vir-se a não cumprir a missão. Não havia mais meios para oferecer à Guiné, mas não deixava de se propor medidas de caráter militar, a começar pela Força Aérea e nas medidas de política interna sugeria-se explicitamente contactos com os movimentos de guerrilha, à semelhança da operação “Madeira” (acordo com a UNITA). O Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, Costa Gomes, desloca-se a Bissau em Junho, entre os assuntos tratados, Spínola referiu que o inimigo podia estabelecer no Boé uma base territorial com concentração de poderosos meios, mas não estava muito convicto dessa possibilidade. É nessa reunião que Costa Gomes e Spínola se entendem numa manobra de retraimento do dispositivo, com as seguintes linhas: rio Cacheu – Farim – Fajonquito – Paunca – Nova Lamego – Aldeia Formosa – Catió. Este retraimento, insista-se, era o resultado da inexistência de meios, e trazia um preço elevadíssimo, o abandono de quartéis, a transferência dos efetivos para dentro destas linhas, a migração de populações em grande volume, dentro deste dispositivo, acreditava-se, seria possível resistir mais concentradamente ao PAIGC.

Em Agosto de 1973, Spínola regressa definitivamente a Lisboa, é substituído pelo General Bethencourt Rodrigues, um reconhecido cabo-de-guerra. A Resenha documenta o que se passou em 1974, antes e depois do 25 de Abril. A situação militar era agora diferente: o PAIGC fazia prego maciço de meios de fogo sobre objetivos mais vulneráveis, parecia dominar regras do jogo, escolhia à carta onde atacar, concretamente no Norte e no Sul, no Cubucaré. Conduziu fortes flagelações a Nordeste da província sobre as guarnições de Canquelifá, Buruntuma e Copá e no Sul, sobre o itinerário Cadique – Jemberém. Escreve-se na resenha:  
“Em Abril, dado o esgotamento das reservas do Comando-Chefe, previa-se o relançamento da ofensiva inimiga na região do Nordeste com incidência em Canquelifá e Buruntuma, o que, a concretizar-se com êxito, daria ao inimigo a possibilidade de ligar essa área com duas outras situadas a Sul, sobre as quais exercia já um controlo efetivo, o corredor de Guileje e a vasta área a Norte desta, o Boé, desocupado desde 1969. No Sul do território, a atividade inimiga provocou claro desequilíbrio nalgumas guarnições das nossas tropas, particularmente em Bedanda e em Jemberém e, nalguns casos, as nossas guarnições sofreram forte depressão, com ataques que duraram dias consecutivos. O inimigo reforçou os seus efetivos e passou a instalar bases de fogo com observadores avançados, que faziam a regulação do tiro, assim melhorando de forma significativa a eficiências das suas ações de fogo. Face a esta ameaça sobre as posições do nosso dispositivo implantado no terreno próximo das fronteiras, o Comando-Chefe estava ciente de que o governo de Lisboa não dispunha de meios para reforçar o dispositivo atempadamente e suficientemente para uma oposição eficaz às intenções inimigas. Por isso, tinha previsto a retração do dispositivo das nossas tropas, passando a linha geral mais avançada a ser definida pelos seguintes pontos: rio Cacheu – Farim – Fajonquito – Paunca – Nova Lamego – Aldeia Formosa – Catió”.

Tudo se complicava. Em 20 de Abril, Bethencourt Rodrigues envia a Costa Gomes uma nota em que confessava:  
“ […] são motivo de grande preocupação para este Comando-Chefe, cumprindo-lhe assinalar as consequências que podem resultar da possível evolução do potencial de combate do PAIGC ou do seu eventual reforço com novos meios das forças armadas da Guiné, quer quanto à capacidade de resistência das guarnições militares porventura sejam atacadas, quer quanto às capacidades de intervenção com meios à disposição do Comandante-Chefe, em especial meios aéreos”.

E assim chegamos ao 25 de Abril, o que a seguir se passou é história bem conhecida. A Resenha aborda pormenorizadamente este período pós-25 de Abril e os seus múltiplos intervenientes, o comando militar fez deslocar cerca de 23.800 militares portugueses da Guiné para Lisboa e desmobilizar cerca de 15.100 militares e milícias guineenses. A obra destaca as decisões do Comandante-Chefe bem como a atividade operacional durante estes meses de 1974.

Na Mesa, da esquerda para a direita: Dr. Mário Beja Santos; Chefe do Estado-Maior do Exército, General Rovisco Duarte  e o Coronel Cav Henrique de Sousa.


Senhor Chefe do Estado-Maior do Exército,
Distintíssimos Oficiais,
Minhas senhoras e meus senhores,

Compete agora aos historiadores considerar a documentação existente e pesquisar a dispersa. Esta Resenha tem o seu valor insubstituível, foi aqui várias vezes referido a sequência cronológica que até agora não se fizera da guerra, desmonta as falácias de que durante os períodos de Louro de Sousa e Arnaldo Schulz não se usara, à luz dos meios existentes, nenhum esforço de guerra suficientemente dissuasor e de apoio às populações. Lembro que ainda hoje não existe um inventário do que foi a deslocação de populações, por perseguições, por terror, por opção, os primeiros dois comandantes-chefes procuraram apagar os fogos e dispuseram no terreno os efetivos segundo critérios discutíveis, é certo, numa tentativa de travar o alastramento de influência e dando confiança às populações; leem-se as diretivas, o rol de operações, e ficamos cientes de que não se fez uma guerra a medo, o inimigo ia-se qualificando, dotando de armamento mais qualificado, até que um dia passou a possuir o poder de decidir de e como atacar. Com morteiro 120 mm, foguetões, entrando no território com viaturas, dificultando o apoio aéreo graças ao Strela, do lado português não se encontrava a correspondente contrapartida. Não havia solução política, do lado português. A Guiné-Bissau fora reconhecida como país independente por um número elevadíssimo de Estados, a Organização da Unidade Africana propunha a organização de um exército que pusesse termo à presença colonizadora. Marcello Caetano dispunha de todas estas informações, agiu de modo dúplice: tinha um discurso interno de que se iria resistir a todo o transe e entretanto dera luz verde à realização de negociações secretas com o PAIGC, o governo britânico foi intermediário, o diplomata José Manuel Villas-Boas encontrou-se com uma delegação do PAICG em Londres. No seu primeiro livro escrito no exílio brasileiro, o ex-primeiro-ministro alude à reunião havida no Conselho Superior de Defesa Nacional onde o assunto da Guiné foi frontalmente abordado e escreveu que pôs a hipótese de retirar e deixar um general em Bissau, caso a Guiné não fosse comprovadamente defensável.

É neste cenário que os militares agiram, era bem clara a perspetiva de um descalabro militar, o espectro da Índia pairava no ar. A Guiné estava militarmente perdida. Faz bem a Resenha em destacar o admirável esforço dos militares no apoio à população da sua defesa, educação, saúde, construção de aldeamentos e vias de comunicação e prestar homenagem aos oficiais, sargentos e praças que combateram com a inexcedível dignidade e valor as suas missões.

Bem haja o Estado-Maior do Exército por dar meios a estas investigações, só espero que a partir de agora a Comissão para o Estudo das Campanhas de África se venha a abrir a um trabalho cooperativo com as instâncias universitárias e os investigadores independentes, para bem da verdade histórica e do melhor conhecimento deste período da nossa vida contemporânea que alterou o rumo da História de Portugal.

A todos, muito obrigado.
(Mário Beja Santos)



Mário Beja Santos em conversa com Oficiais Generais

Aspecto da assistência

O Coronel Carlos Matos Gomes entre a assistência

O nosso confrade Carlos Silva e a esposa Germana.

Actuação da Banda Sinfónica do Exército
____________

Nota do editor

Postes anteriores de:

24 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17277: Notas de leitura (950): Guerra da Guiné: Os atores, a evolução político-militar do conflito, as revelações surpreendentes - Apresentação dos três volumes alusivos aos aspetos operacionais na Guiné, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974 (1) (Mário Beja Santos)
e
28 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17293: Notas de leitura (951): Guerra da Guiné: Os atores, a evolução político-militar do conflito, as revelações surpreendentes - Apresentação dos três volumes alusivos aos aspetos operacionais na Guiné, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17293: Notas de leitura (951): Guerra da Guiné: Os atores, a evolução político-militar do conflito, as revelações surpreendentes - Apresentação dos três volumes alusivos aos aspetos operacionais na Guiné, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Não hesito em considerar esta Resenha uma peça indispensável para futuras investigações sobre a guerra da Guiné, comporta documentação fundamental e trata numa sequência cronológica toda a atividade operacional, é também nessa perspetiva uma ferramenta de trabalho inédita. Tem o dom de contribuir para a desmontagem de alguns mitos e releva, em paralelo com a atividade operacional das nossas tropas o que se passa no interior do PAIGC. Os investigadores têm ao seu dispor milhares de documentos para consultar e o que desapareceu quanto ao CTIG e Comando-Chefe das Forças Armadas tem que vir a ser procurado noutras fontes, caso não tenham sido destruídas, nos então Ministérios do Ultramar e Defesa Nacional, sobretudo. Os responsáveis da Resenha recordam que, por exemplo, ainda estão desaparecidas as diretivas do General Bettencourt Rodrigues. Isto para sublinhar que há muitíssimos dados históricos ainda por conhecer.

Um abraço do
Mário


Guerra da Guiné:
Os atores, a evolução político-militar do conflito, as revelações surpreendentes (2)

(Apresentação dos três volumes alusivos aos aspetos operacionais na Guiné, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), Academia Militar, 18 de Abril de 2017)

Mário Beja Santos

O segundo volume da Resenha tem como balizas 1967 a 1970. Começa por carrear informação sobre diretivas do Comandante-Chefe em que é bem claro a importância ofensiva que se reconhece em procurar dissuadir a presença inimiga no Oio, como também na região de Sara-Sarauol; impunha-se vigiar velhos e novos corredores, no caso da região Oeste patrulhar intensivamente Canja e Sitató, bem como proteger o Chão Manjaco e impedir a presença do PAIGC no Boé. Mas nos relatórios não se ilude o estado de espírito das populações: podia considerar-se bom em todo o interior da zona Leste, a Norte do rio Corubal, na ilha de Bissau; no Oeste, verificara-se um aumento das aéreas afetadas pela subversão. Mas é notória a dificuldade sentida em manter as populações num estado de confiança e de proteção, por isso segue-se o caminho da escalada intimidatória com bombardeamentos, operações em que se conjugavam forças especiais e tropas da quadrícula, intensificou-se o esforço da autodefesa das populações em tabanca, melhorou-se a assistência sanitária e o programa escolar.

Estamos em 1968, a Resenha esclarece que o material utilizado pelo PAIGC é cada vez mais aperfeiçoado, entraram em cena mais canhões sem recuo e morteiros de 120 mm. Escreve-se: “O ano em apreço constitui um salto qualitativo apreciável na eficiência do inimigo porquanto, para além da centralização da direção da luta, da ligação rádio entre os escalões de comando, do reforço dos materiais e meios de combate e do apoio de serviços, adotou uma postura de iniciativa de flagelações aos aquartelamentos das nossas tropas, aperfeiçoou o seu sistema de informações. As nossas tropas capturaram ao IN esboços e até fotografias dos nossos aquartelamentos, demonstrativos de tal aperfeiçoamento”. Um acontecimento espúrio abala quem julga que Bissau é inexpugnável: um pequeno grupo do PAIGC lança alguns mísseis sobre Bissalanca, provoca estragos no aeroporto.

Em Maio, Spínola substitui Schulz. Chega a Bissau e pretende revolucionar o dispositivo, a manobra, a africanização da guerra, tem ideias concretas sobre o desenvolvimento social e económico que pretende imprimir à região. Aceitou o cargo de Governador e Comandante-Chefe com uma série de condições, desde um maior número de efetivos, passando pela escolha dos seus colaboradores diretos até à chegada de bastante dinheiro para os projetos de desenvolvimento. Quer concentrar recursos, subtrair população ao PAIGC, redobrar esforços para impedir a circulação nos corredores de Sambuiá, Sitató, Canja e Guileje, manda retirar tropas de quartéis que são abandonados, anuncia uma política de reordenamento das populações, pretende revitalizar a ação psicológica, estabelece um novo esquema para a autodefesa das populações, garante que virão mais efetivos, mais equipamentos. Tudo isto conjugado com um novo estilo de atuação, visitas permanentes aos aquartelamentos, descidas imprevistas de helicóptero onde se desenvolvem operações, dá uma imagem de permanente preocupação com as condições de vida dos soldados, tem manifestações de rispidez com os oficiais que considera incompetentes e incapazes. Passa a aparecer regularmente na televisão em Portugal, recebe jornalistas estrangeiros. Temos, além disso um novo figurino político-militar sob a consigna “Por uma Guiné melhor” em que o refrão permanente é a Guiné para os guinéus, um sinal claro em consonância com um dado estrutural da mentalidade guineense que é a desconfiança e mesmo o rancor do autóctone face ao cabo-verdiano, é um lema que vai envenenar o postulado da unidade Guiné-Cabo Verde que Amílcar Cabral pôs no altar dos dogmas (quem é contra deve abandonar o PAIGC).

Marcello Caetano, com quem Spínola mantém então um ótimo relacionamento, visita Bissau em Abril de 1969. A resenha mostra o documento da reunião extraordinária, é um excelente ponto de situação sobre a evolução da guerra, no Sul, no Oeste e no Norte. Spínola explica aos políticos presentes um princípio que terá efeitos de bumerangue depois dos gravíssimos acontecimentos de Maio de 1973, o da concentração de recursos e abandono de aquartelamentos. Conclui a sua exposição dizendo que a situação militar na Guiné continua manifestamente crítica. E diz: “Não contesto que temos obtido alguns êxitos militares locais, suscetíveis de influenciar um público deficientemente esclarecido. Mas esses êxitos projetam-se no campo do episódico e do transitório, não tendo qualquer significado no quadro da manobra estratégica do teatro de operações, quadro onde o inimigo continua a manter a iniciativa num desenvolvimento sistemático da sua manobra de largo envolvimento e cerco à ilha de Bissau – seu objetivo militar e psicológico final”.

Passamos agora para o terceiro volume da Resenha que compreende o período de 1971 a 1974, culmina com a retirada das nossas forças da Guiné. Ocorrera uma operação de desembarque em Conacri em Novembro de 1970, teve alguns aspetos positivos mas os negativos iriam marcar o futuro, logo o mais profundo isolamento internacional de Portugal e a presença de barcos de guerra soviéticos nas águas da República da Guiné-Conacri, o que sobressaltou a NATO. Passou a pairar no ar o espectro de uma represália da República da Guiné. Spínola na sua Diretiva n.º 7/71, de 30 de Março, dá instruções para o emprego da Corveta “Jacinto Cândido”, alegando os incidentes de 22 de Novembro em Conacri e a possibilidade da República da Guiné passar a ter meios aéreos de bombardeamento, referindo mesmo um raide aéreo de reconhecimento de Bissau por dois MIG 17 tripulados por pilotos argelinos. A Corveta deveria então pesquisar alvos aéreos, tendo especial atenção os corredores aéreos que do Sul e Sueste convergem em Bissau, vigiar os canais que permitam a aproximação de unidades de pequeno porte, do estuário do Geba e dos Bijagós e impedir infiltrações por via marítima de elementos inimigos transportados em embarcações tripuladas que do Cubisseco, do Tombali, da ilha do Como ou do Quitafine se dirijam para o arquipélago dos Bijagós. E como iniciativa de reviravolta para levar o PAIGC à dispersão de esforços é lançada uma operação de nome “Grande Empresa”, no essencial a reocupação do Cantanhez.

A africanização da guerra dá novos frutos: os Comandos Africanos, o progressivo aumento do Corpo das Milícias, mais tarde a formação de fuzileiros, as forças especiais africanas estão em franco desenvolvimento.

De 1971 para 1972, Amílcar Cabral induz o PAIGC a preparar-se para a independência unilateral, inicia-se uma espécie de recenseamento para eleger a futura Assembleia Nacional Popular e alguns órgãos do Estado. Escreve-se neste último livro que “no âmbito das operações militares, o inimigo provocou um significativo agravamento da situação, tendo conseguido um volumoso reforço de meios materiais e humanos que fez deslocar para as zonas de fronteira e para o interior do território, com os quais atacou dura e repetidamente algumas guarnições militares das nossas tropas, em particular as que se situavam nas zonas de fronteira”.

O cenário da guerra ganha complexidade: a despeito das flagelações e das emboscadas e colocação de minas por parte da guerrilha, a ofensiva das forças portuguesas não conhece quebra e há sinais nítidos de desenvolvimento: aldeamentos, escolas e postos sanitários; constroem-se estradas que exigem meios de proteção permanentes, caso de Aldeia Formosa – Mampatá – Buba, Catió – Cufar, Jugudul – Bambadinca, isto no exato momento em que se concluem as estradas Nova Lamego – Piche – Buruntuma, Mansoa – Bissorã – Olossato, em diferentes locais constroem-se pontes. Constatado de que há zonas na Guiné que carecem de operações especiais, criam-se zonas de intervenção exclusiva do Comando-Chefe, será o caso do Boé, do Morés, de Sara-Sarauol e na região Sul de Salancaur.

Spínola procura roubar iniciativa ao PAIGC lançando tropas em regiões que Amílcar Cabral anuncia como libertadas. É o que se passa no Cubisseco, com a construção da estrada Cufar – Catió, e a estrada Jugudul – Bambadinca. A “Força Africana” é apresentada com um dos elementos da adesão das populações À política de promoção socioeconómica, tem a consigna “Guiné Portuguesa defendida e administrada por guinéus”. É composta pelo Batalhão de Comandos da Guiné, Companhias de Caçadores Africanas e o Corpo de Milícias, com Companhias e Pelotões e Grupos Especiais que irão atuar como força de intervenção no regulado a que pertencem os componentes do grupo.

Está em curso a operação “Grande Empresa” e em Janeiro de 1973 é assassinado Amílcar Cabral. A resposta enérgica do PAIGC vem meses depois, logo em 22 de Março de 1973 é atingida uma aparelha de aviões Fiat G91 – os mísseis terra-ar faziam a sua entrada na guerra, segue-se o cerco a Guidage que exigiu a operação “Ametista Real”, para destruir ou desorganizar a respetiva organização militar do PAIGC, o bombardeamento e a retirada de Guileje e o inferno de Gadamael-Porto de que há testemunhos eloquentes como aquele que foi produzido pelo então Capitão Comando Manuel Ferreira da Silva que assumiu o comando do COP 5 em Gadamael em 31 de Maio de 1973.

Intervenção do Coronel Cav Henrique de Sousa, coautor da Resenha

Intervenção do Chefe do Estado-Maior do Exército General Rovisco Duarte

Intervenção do Embaixador da Guiné-Bissau

(Continua)
____________

Nota do editor

Poste anterior de 24 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17277: Notas de leitura (950): Guerra da Guiné: Os atores, a evolução político-militar do conflito, as revelações surpreendentes - Apresentação dos três volumes alusivos aos aspetos operacionais na Guiné, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17277: Notas de leitura (950): Guerra da Guiné: Os atores, a evolução político-militar do conflito, as revelações surpreendentes - Apresentação dos três volumes alusivos aos aspetos operacionais na Guiné, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Convidado para fazer a apresentação das 1500 páginas de uma resenha com trabalho muito sério, fiz bem aceitar a aprendi muito. Trata-se da primeira leitura cronologicamente sequencial que permite perceber que tanto Louro de Sousa como Arnaldo Schulz, confrontados com uma sublevação bem montada a partir da região Sul, que rapidamente atingiu a confluência do Geba com o Corubal e passou à região do Oio, reagiram com os meios disponíveis, mesmo sabendo que dispunham de efetivos à partida pouco motivados e desconhecedores das questões étnicas, como conduzir eficazmente à autodefesa das populações, restituir-lhes a possível tranquilidade, etc.
A partir de agora, abre-se um terreno promissor para que os investigadores desbravem caminho. Por exemplo, Louro de Sousa legou a esta comissão para o estudo das campanhas de África cerca de 3 mil documentos que estão por ler. E muito do espólio referente aos quatro anos da governação de Schulz ainda não está tratado. Isto para dizer que a guerra da Guiné continua por contar, do princípio ao fim.

Um abraço do
Mário

Mário Beja Santos durante a sua alocução


Guerra da Guiné:
Os atores, a evolução político-militar do conflito, as revelações surpreendentes

(Apresentação dos três volumes alusivos aos aspetos operacionais na Guiné, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974))

Mário Beja Santos

Excelentíssimo Sr. Chefe do Estado-Maior do Exército,
Excelentíssimo Sr. Embaixador da República da Guiné-Bissau,
Distintíssimos Oficiais,
Senhoras e senhores,

Começo por agradecer o honroso convite que o Chefe do Estado-Maior do Exército me dirigiu para comentar nesta sessão pública os três espessos volumes produzidos pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África. Os seus coordenadores, prudentemente, classificaram a sua laboriosa recolha falando em resenha e quanto aos acontecimentos marcadamente operacionais tiveram cuidado de os apresentar como “aspetos de atividade operacional”.

Para o leitor menos avisado, esta leitura poderá apresentar-se como entediante, redutora, de um desenho convencional de escrita em forma de relatório. Mas na verdade, esta recolha de elementos, resumos e estratos, soube contextualizar as atividades operacionais que os seus autores consideraram mais relevantes. Alertam para a perda de documentos e até para a incapacidade de análise de muitos outros documentos que estão depositados. Um incêndio destruiu o acervo da documentação elaborada e arquivada no Comando Territorial Independente da Guiné e no Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné. Haverá que repensar em que arquivos se poderão encontrar as possíveis cópias. Somos informados que há milhares de documentos oferecidos pelo General Loureiro de Sousa, Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné nos primeiros anos do conflito, notícia que deve chegar aos investigadores, de há muito perfilho que os dois primeiros Comandantes-Chefes precisam de ser estudados exaustivamente de modo a que a sequência cronológica de todo o conflito se torne mais inteligível.

Quanto aos documentos que hoje se tornam públicos, dir-se-á antes de mais que é uma parte da investigação que mais tarde ou mais cedo irá confluir como muitíssimos outros trabalhos, só assim se criarão as condições propícias para a organização de um trabalho científico sobre a história da guerra da Guiné, derrubando mitologias, pondo termo a presunções e especulações e eliminando os aparatos ideológicos de que há uma história exclusivamente feita por “vencedores”. Acresce que é no conhecimento aprofundado da história da guerra da Guiné que se irá encontrar a germinação do Movimento das Forças Armadas, a partir do ano crítico de 1973, da declaração unilateral da independência, da disposição de meios armamentistas postos à disposição do PAIGC, esgotados os meios para lhes fazer face, restava, como estava decidido, fazer a retração do dispositivo, abandonando largas faixas de território e preparar os efetivos para um embate tremendo, talvez um compasso de espera para as derradeiras negociações e a retirada das forças portuguesas.

Dispõe esta resenha de um mérito próprio e único: pela primeira vez passamos a dispor de uma cronologia sequencial do pensamento e ação durante o período da guerra, na ótica dos mais altos executantes, e como se cumpriu, em todos os escalões do dispositivo, por via de operações e até à resistência às arremetidas do inimigo. Digo sem qualquer hesitação que esta resenha ilumina todo o período anterior a 1968, que tem estado praticamente na obscuridade. Dito de outro modo: está exaustivamente estudado todo o período correspondente ao Governador e Comandante-Chefe António de Spínola, continua por se produzir investigação rigorosa sobre os períodos de Vasco Rodrigues/Louro de Sousa e não há um só estudo, pasme-se, sobre o período crucial em que Arnaldo Schulz governou e comandou a Guiné, entre Maio de 1964 e Maio de 1968.

Lê-se a documentação produzida por esta resenha e fica claro que tanto Louro de Sousa como Arnaldo Schulz foram incansáveis, com os meios que lhes puseram à disposição, para conter a guerrilha, ocupar o território da Província. Tinham fragilidades imensas: não disponham de informação segura sobre a estratégica da guerrilha e havia um absoluto desconhecimento das motivações das populações, de que lado se posicionavam, etc. Esta documentação revela que os dois primeiros comandantes-chefes foram confrontados com uma arremetida espetacular de subversão que em meses instalou o caos e todo o tipo de desarticulação na região Sul, que progrediu para o rio Corubal, se instalou no Oio, cortando no continente as duas grandes vias de comunicação entre a ilha de Bissau e os pontos mais ermos da região Leste.

A resenha contextualiza os antecedentes da luta de libertação, dá-nos a relação dos efetivos e do dispositivo das nossas tropas desde as vésperas do conflito armado e períodos subsequentes. A partir de 1959, graças ao encontro de um ideólogo de gabarito, Amílcar Cabral, e um campeão da agitação clandestina, Rafael Barbosa, preparou-se uma estratégia, formaram-se combatentes e agentes da subversão, acertou-se na seleção do território para desencadear a guerrilha a intimidação, o Sul, o PAIGC recebeu apoios da população Balanta e Beafada, as populações entraram em pânico, refugiaram-se em povoações importantes como Aldeia Formosa, Catió, Buba ou Cufar ou então fugiram para a República da Guiné. Qualquer ideia de que Louro de Sousa baixou os braços ou teve indecisão para se confrontar com a guerrilha cai por terra quando se leem as suas diretivas e o modo como usou os efetivos e o equipamento disponível, conduziu a operações no Morés, tentou suster os ataques da guerrilha entre o Corubal e o Geba e no final do ano de 1963 elaborou os termos para a operação “Tridente”, que marcaria a reocupação do Como. É um comandante-chefe crítico, sabe que as forças que comanda dispõem de fraco espírito ofensivo e deixa claramente escrito que a maioria dos órgãos de comando não faziam previamente cuidado das operações e não lhes davam continuidade lógica. Quando se vê escrito que neste período, e até mesmo com Arnaldo Schulz, se negligenciou a ação psicossocial na guerra da Guiné, também esta resenha desmonta claramente o mito e mostra como se fez um esforço enorme para montar autodefesa das populações.

Enquanto decorre a operação “Tridente”, no Quitafine, num lugar chamado Cassacá, os líderes do PAIGC promoveram um congresso de onde saíram decisões determinantes sobre a sua nova organização político militar. A resenha, é outro lado meritório da excelente documentação publicada, revela como o PAIGC ia consolidando as suas posições e aumentando a sua visibilidade. De 1963 para 1964 duplicaram os efetivos em forças terrestres, houve um reforço das forças navais e em meios aéreos, apareceram vários grupos de Comandos. A partir de 14 de Janeiro a operação “Tridente” dominou as atenções, mas prosseguiu a perseguição da guerrilha nas áreas de Bula, Mansoa, tentou-se desalojar os grupos instalados entre o Geba e o Corubal, reocuparam-se territórios que tinham sido abandonados por populações em fuga, caso de Guileje, Binta e Guidage.

Atribui-se ao mau relacionamento entre o Governador Vasco Rodrigues e o Comandante-Chefe Louro de Sousa a decisão de Salazar na sua substituição por uma só pessoa, Arnaldo Schulz, que anuncia não dar tréguas a combate dos guerrilheiros e acabar a guerra em poucos meses. Schulz assistirá, no entanto, a uma nova escalada e a demonstrações de força do PAIGC nas regiões de Gabu e de Boé, Teixeira Pinto será atacada. A república do Senegal, sobretudo a partir de 1965, começará a autorizar a infiltração a partir das suas fronteiras. Schulz procura responder alargando extensamente a malha de aquartelamentos, reforçando a africanização da guerra com muito mais tropa nativa e mais milícias. A resenha elucida o pensamento de Schulz e as suas atividades operacionais. As bases são atacadas, a troca retira e os guerrilheiros e as populações afetas regressam – é o eterno jogo do rato e do gato.

Num relatório anual da ação psicológica, com a data do último dia do ano de 1965, diz-se que a população sobre controlo das autoridades excede os 65% e que a população fora de controlo das autoridades ultrapassa os 28%, havendo ainda mais de 5% da população sobre duplo controlo. Em 1 de Dezembro de 1966, na sua diretiva n.º 26/C, Schulz refere-se assim ao PAIGC: “Apesar dos golpes sofridos no decurso dos últimos dois anos, a virulência política-miliar do inimigo não tem diminuído”. Alude ao crescimento de apoios internacionais à guerrilha (caso de Cuba), às facilidades concedidas pelo Senegal, ao facto de o PAIGC ter sido reconhecido pela Organização da Unidade Africana como o único legitimo interlocutor.

Em suma, o primeiro volume da resenha abarca os antecedentes das lutas emancipalistas na Guiné, o início da subversão e os primeiros anos do conflito num arco temporal que finda no ano de 1966.

O Embaixador Hélder Vaz Lopes, novo embaixador da Guiné, a conversar com o Chefe do Estado-Maior do Exército, Frederico Rovisco Duarte.

Com óculos, o General Garcia dos Santos

Ao centro, o General Almeida Bruno

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17268: Notas de leitura (949): “As minhas aventuras no país dos sovietes”, por José Milhazes, Oficina do Livro, 2017 (Mário Beja Santos)