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sábado, 22 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27452: Os nossos seres, saberes e lazeres (710): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (231): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 3 (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Há uma nota curiosa de visita de amigos estrangeiros, tudo quanto se passa em Lisboa trazem completamente listado, desde o elétrico 28, os comes e bebes, os passeios pela Baixa Chiado e Bairro Alto, os miradouros. Uns vêm com o Michelin, outros trazem livros focados na arte, uns querem ver os azulejos, em visita anterior houve alguém que me pediu para ver algo que até então nunca ninguém pedira, a Basílica da Estrela, e não foi por causa dos presépios do Machado Castro. Desta feita, o casal alemão, que não é a 1.ª nem a 2.ª vez que visita Portugal, falou explicitamente em Tomar, Óbidos e Alcobaça. Procurei satisfazer os seus intentos, aqui fica uma síntese desse dia, esta itinerância continuará, pedem-me para no dia seguinte irmos visitar o Museu Nacional dos Coches, custa-lhes a acreditar que Portugal tenha o maior património de viaturas de aparato, como é que é possível um país tão periférico da Europa? Viram e confirmaram, não escondiam o entusiasmo.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (231):
Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente – 3


Mário Beja Santos

Passeios inusitados ou programados a Tomar, Óbidos e Alcobaça, para mostrar belezas a amigos estrangeiros que me vieram visitar, deram-se a agradável oportunidade de captar imagens com forte apelo cultural, até pretextos houve para tirar fotografias a estes amigos, que depois as colocam nas redes sociais. Vejamos o que resta de três passeios, todos eles me encheram a alma, volto lá se necessário for, há para ali, na arquitetura, na escultura e na pintura dedadas da nossa identidade, ali se exibem as nossas maneiras de ser, tratando carinhosamente algum património, desdenhando de outro.

Vamos começar por uma peça magnífica que nunca foi concluída, a Casa do Capítulo de Tomar, onde, no primeiro andar e no terraço subsequente se aclamou Filipe II de Espanha como Filipe I de Portugal. É obra de João de Castilho, um mestre de obras e arquiteto hispano-português, homem com formação gótica que irá ter um papel determinante no estilo renascentista em Portugal e nos seus últimos anos de vida pendeu para o classicismo sob a forma maneirista. Ele encontra-se ligado a cinco monumentos históricos classificados pela UNESCO como Património Mundial: o Mosteiro dos Jerónimos, o Convento de Cristo, o Mosteiro de Alcobaça e a construção da Fortaleza de Mazagão. Trabalhou duas vezes em Tomar (provavelmente entre 1516 e 1530) e um segundo período que decorre na década de 1930, em que trabalhou no Claustro Grande, vários claustros interiores, como o da Hospedaria, Corvos e Micha, concedeu esta Casa Capitular em mistério a desvendar as razões que impediram a sua conclusão.

O que o leitor vê são as paredes robustas, a fotografia que foi tirada da zona do arco triunfal e do altar, vê-se a antecâmera por onde entravam os frades. Caiu completamente o piso que separava a sala dos frades da sala dos cavaleiros. Aquela porta que se vê na torre dos cavaleiros estava prevista para ser a porta de acesso a esses cavaleiros; ao fundo vemos o topo da Charola e uma nesga da Igreja.

Casa Capitular a requerer com urgência trabalhos de conservação e restauro.
Sempre que acompanho amigos a Óbidos, falo-lhes de uma extremosa pintora de origem espanhola e filha de um artista que deixou obra em Portugal, Josefa de Óbidos, ela tem obra num altar lateral da Igreja Matriz e está também representada no Museu Municipal de Óbidos. Noto que os visitantes vão ali também admirar um túmulo e o impressionante forro azulejar da igreja, a mim cativa-me aquele Santo António bonacheirão e o Menino de braços abertos, gosto particularmente daquele teto pintado com tanta simplicidade, é como o emaranhado de uma renda que faz suspender Nossa Senhora guardada pelos anjos.
Este é um pormenor da pintura do teto do nártex da igreja.
Eram as últimas horas de sol, consultados os visitantes, houve acordo em visitar a igreja do Mosteiro de Alcobaça, deixamos para a próxima visita o precioso Museu. Mesmo habituados a este gigantismo das paredes do gótico-alemão que se pode encontrar desde o mar Báltico até perto de França, o casal alemão estava boquiaberto com a sobriedade da igreja, a solução dos pilares estarem reforçados por botaréus, tomaram nota que as riquezas vieram depois. D. Pedro I tomou esta igreja como seu mausoléu, tratou de igual maneira a sua apaixonada, Inês de Castro, túmulos de uma enorme beleza, marcados pelo vandalismo das invasões francesas.
No altar-mor atraiu-me prontamente esta Virgem de manto barroquizado, parece que pedala, tem umas linhas muito elegantes, gabo-lhe a Majestade e o panejamento em movimento.
Com as limitações da minha câmara foi esta a imagem que consegui da dimensão entre o nártex e o altar-mor.
Túmulo de Dona Inês de Castro, deste lado os danos são menos evidentes.
Conjunto escultórico que dá pelo nome Retábulo da Morte de São Bernardo, é todo em terracota policromada, obra de monges barristas do mosteiro, finais do século XVII.
Túmulo de D. Pedro, aqui o vandalismo é mais do que evidente.
Trata-se do sarcófago de Dona Urraca, mulher de D. Afonso II, está depositado no Panteão Régio, obra concluída em 1782 e atribuída ao engenheiro William Elsden, foi a primeira obra neogótica em Portugal. O panteão primitivo localizava-se na galilé que existiu à entrada da igreja. Posteriormente os túmulos foram transferidos para o transepto sul onde permaneceram até ao final do século XVIII.

Aqui se dá por terminada esta itinerância, segue-se outra que nos fará viajar até ao Museu Nacional dos Coches.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 15 de Novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27423: Os nossos seres, saberes e lazeres (709): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (230): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 2 (Mário Beja Santos)

sábado, 16 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27124: Os nossos seres, saberes e lazeres (696): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (217): Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Junho 2025:

Queridos amigos,
Bem vistas as coisas, este museu organizado no que foi o Palácio Alvor tem um impressionante património que justificaria um conjunto de visitas e dezenas de textos e ilustrações em conformidade com a vastidão das coleções. Tudo começou com a extinção dos conventos, juntaram-se as peças provenientes do espólio da rainha Carlota Joaquina vendido em hasta pública, como consequência da derrota miguelista, há as peças adquiridas com as verbas oferecidas pelos reis D. Fernando II e D. Luís, também as peças adquiridas pela Academia de Belas-Artes, peças adquiridas em leilões, peças provenientes de vários legados; depois da implantação da República, uma nova leva de peças provenientes dos palácios reais, bem como das sés e palácio episcoais, peças depositadas (caso das 1500 esculturas da coleção Vilhena), doações relevantes como as feitas por Calouste Gulbenkian. É impressionante o acervo de arte religiosa, da pintura portuguesa, recorde-se Frei Carlos, os mestres flamengos, Hans Holbein, Lucas Cranach, Dürer, Bosch, Velásquez... E grande escultura, desde o Torso de Apolo, a peça mais antiga do museu, passando por Rodin, alfaias religiosas, a Custódia de Belém, a Baixela Germain, mobiliário ímpar, como o hindoportuguês, os trabalhos escultóricos de Benim, loiça Ming, os biombos Namban. Enfim, comprometo-me a voltar.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (217):
Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 2


Mário Beja Santos

Que o leitor me desculpe, finda uma pausa lancei-me ao trabalho, voltei à escadaria principal, gosto muito destas linhas dinâmicas que nos levam até à escultura religiosa, é a partir daqui que vou a deambular sem preocupações de roteiro quanto às escolas europeias, nada de catalogar cronologicamente o que vai do pré-românico ao oitocentismo, ainda tive o impulso de parar diante dos painéis de São Vicente que há quem garanta a pés juntos que foram pintados por Nuno Gonçalves, embora não haja nenhuma certeza documental.
O meu amigo José Luís Porfírio, que dirigiu esta casa e que dela foi conservador dedicadíssimo, escreveu com a chancela da Editorial Verbo, em 1977, no belo livro dedicado a este museu nacional:
“Se quiséssemos ser polémicos, poderíamos dizer que a pintura portuguesa começa e acaba aqui, nestas seis tábuas com cerca de 60 figuras, num tipo de expressão que, salvo duas ou três aproximações com tábuas da mesma época, desapareceu da pintura feita em Portugal sem deixar grandes vestígios, assim como pouco se conhece em Portugal ou no resto da Europa que possa servir de preparação ou de introdução a esta pintura. Não, evidentemente que se não se possa estabelecer analogias com o Sul da Espanha, ou com a composição das tapeçarias borgonhesas; não, também, que na pintura portuguesa do século seguinte se não possa detetar uma linha de atenção ao concreto, muito especialmente no retrato, que possa aqui ter origem. No entanto, esta pintura, se acaba alguma coisa, não sabemos o que acaba, e não foi, certamente, o princípio de coisa nenhuma; trata-se, antes de mais, de uma das numerosas sendas perdidas na arte europeia do século XV, experiência sem seguimento, ainda que cheia de possibilidades, tal como aconteceu noutros centros marginais ou marginalizados da cultura europeia da época. Descobertas em 1882, cerca de quatro séculos depois de pintadas e quase outro tanto de esquecidas, estas seis tábuas viriam a transformar-se no caso, ou na questão, da história da arte portuguesa. Têm estas seis tábuas praticamente mais literatura escrita sobre elas do que toda a restante pintura portuguesa junta”.
Vou passar adiante deste mistério dos painéis de São Vicente, vamos então ver outras obras de inquestionável valor.


A imponente escadaria da entrada principal que permite ao visitante ir direto à escultura medieval, tendo à esquerda uma pintura icónica, o Ecce Homo.
Fonte bicéfala, em calcário, 1510-1525, oficina ativa em Lisboa
Biombos Namban, produzido entre 1570 e 1616. Os biombos eram utilizados para dividir espaços, e normalmente eram realizados de dois em dois. O tema mais recorrente no século XVI eram as cenas do cotidiano. Nos biombos do museu vê-se a chegada festiva dos portugueses no barco negro, ao que os japoneses chamavam de a chegada dos namban jin, ou bárbaros do Sul, isto é, os Portugueses e, mais tarde, os Espanhóis. Os namban eram homens de grandes narizes, de olhos negros e estranhos, usando uma indumentária singular onde se evidenciavam as calças tufadas e os chapéus de copa redonda. É assim que os nossos capitães e marinheiros surgem retratados nos biombos, executados sempre aos pares e reportando-se a cenas de aportagem e desembarque da nau de comércio e há o desfile pelas povoações.
Pormenor da chegada dos portugueses ao Japão nos biombos Namban
Arte muçulmana vinda de Damasco, o esplendor do azulejo
Continuação do esplendor do azulejo muçulmano
Paisagem de inverno (Neve), por Gustave Courbet, 1868
Santo Agostinho, Piero della Francesca, c. 1465. Um santo, um bispo, impõe a sua figura contra uma balaustrada e o céu azul, segura um báculo com cabo de cristal e enverga uma capa que narra a história de Cristo. Aqui, nesta narração, em cada uma das suas cenas, está um dos grandes motivos de interesse desta pintura, não só porque são réplicas de pinturas, conhecida uma, outras perdidas, da oficina do pintor, mas também pela conceção espacial que propõem.
Danaide (A Fonte), por Auguste Rodin e Pierre, o seu ajudante, 1893. Esta deusa aquática, de uma tradição literária e figurativa que remonta à própria Grécia, ao mesmo tempo emerge e regressa ao seu reino do incerto e da mudança constante, reino que também é o da relatividade e não o da certeza sacral. Com Rodin está acabando um grande ciclo da escultura. Este regresso ao material anuncia de certo modo os monólitos do século XX.
Interior de taberna, autor não identificado, 1664 (?)
Homem cozinhando, Jan Steen, c. 1650 (?)
Obras de misericórdia, Bruegel, o Moço, depois de 1564/65-1637/38. A família Bruegel criou uma firma de reputação europeia. Bruegel, o Moço, imitador do seu pai, e também conhecido como especialista de infernos, numa tradição boschiana, produzidos em série para um público numeroso e não muito exigente. Este quadro Obras de Misericórdia é uma curiosa descrição da vida e da miséria da Flandres, aponta para um novo tipo de pintura que o século XVII vai desenvolver e cultivar: a pintura de género, ou seja, a representação de cenas da vida quotidiana, burguesa e popular, de grande divulgação e permanente consumo até ao nosso tempo.
Pormenor do tríptico das Tentações de Santo Antão, Jheronimus Bosch, c. 1500. É, porventura, o mais procurado quadro de autor não português (neste caso, um tríptico) tanto por visitantes nacionais como estrangeiros. Toda a pintura de Bosch foi produzida numa obscura cidadezinha da Flandres, acaba por se apresentar como o último grande inventário da Idade Média. Inventário de conhecimentos, de imagens, de espetáculos, de espetáculos e procissões de rua, inventário de medos passeando-se, reunindo-se, dispersando-se como as ideias confusas do espírito, no espaço poderosamente unificado das três tábuas. Mesmo que os contemplemos até à exaustão, fica-nos uma inquietante certeza: o sonho, a imaginação, o inconsciente, são também uma realidade.
Anjo da Anunciação (fragmento), autor flamengo desconhecido, c. 1500
Rei Mago Baltasar, século XVIII, oficina de Joaquim Machado de Castro
Presépio Kamenesky, século XVIII, c. 1783, por Faustino José Rodrigues
Milagre de Santo Eusébio de Cremona, por Rafael Sanzio, 1502-1503

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 9 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27103: Os nossos seres, saberes e lazeres (695): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (216): Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 1 (Mário Beja Santos)

domingo, 16 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26501: Manuscrito(s) (Luís Graça) (265): Que o Nhinte-Camatchol, o Grande Irã, te proteja, Guiné-Bissau!




Lisboa > Museu Nacional de Etnologia > Peça de santuário e toucado de dança, "A-Tshol". Baga Nalu, Guiné-Bissau. MNE, AO.335. (Patente na Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" )(*)


Que o Nhinte-Camatchol te proteja, Guiné-Bissau, Tabanca Grande

por Luís Graça


Quem disse que a Guiné-Bissau não tem futuro ?
Não fui eu, que pouco valho,
não foi o dari,
que não tem seguro de acidentes de trabalho.
Nem de saúde.

Quem disse que o futuro não passa por aqui, amiúde ?
Não, não foi o macaco fantango,
que trabalha sem rede,
e não tem protecção no desemprego.
Nem o desgraçado do macaco-cão
que vai à mesa do rico e do pobre
como se fora leitão da Bairrada.
Nem o mandinga, bom negro,
tocador de cora,
que se foi embora,
em busca de outro chão,
livre do som da Kalash.

Quem disse que Deus, Alá e os bons irãs
não montaram morança nesta terra ?
Não foi o muntu,
não foi o tucurtacar pangolim,
não foi a rapaziada do Bairro do Quelélé,
não foi o fula nem o nalu,
não foram as aves do Cantanhez,
não foram os homens grandes do Gabu.
não foi o tuga, nem foste tu nem fui eu.

Ah!, como está ainda bem longe, Cabral, o ideal
 por que lutaste e morreste, uma vez,
tantas vezes,
tu e tantos outros combatentes da liberdade da pátria.
Nada que tu não saibas,
lá no Olimpo dos deuses e dos heróis,
ou não soubesses já, cá na terra dos homens,
que a História é fértil em exemplos de efeitos perversos,
de revoluções que devoram os seus filhos...

Tudo isto, para te dizer
que eu ouvi os jovens do teu país cantar o teu hino,
no antigo acampamento, a "barraca" Osvaldo Vieira,
nas matas do Cantanhez,
com o mesmo fervor do que quaisquer outros jovens
noutras partes do mundo,
em Portugal, em Cuba, na China,
na América, no Brasil ou em Angola ...
Pelo menos os teus sabiam a letra,
a tua letra, e até a música que foi composta pelo Sr. Xiao He,
um obscuro chinês, do tempo do maoísmo.

Quem disse, afinal, que a Guiné não tem futuro ?
Se não o foi macaco fidalgo,
foram os teus inimigos,
os de fora e os de dentro,
os teus filhos bastardos
e os filhos bastardos de outras nações.
Os que dizem mal de ti,
que te querem comprar
a preço de saldo,
e que te arrastam pela lama do tarrafo.
E que dizem que és um narco-Estado,
e que vives da caridade internacional.
e que já não tens fé, nem caridade, nem esperança,
nem voz, nem lágrimas para chorar.
Que já não tens alma nem salvação nem pudor.
E que Cabral morreu e está enterrado,
na antiga fortaleza colonial da Amura.

Os teus jovens,
os teus músicos,
o Furkuntunda,
o Anastácio di Djens,
grande senhor,
os teus poetas,
os teus artistas,
os teus artesãos,
as tuas televisões comunitárias,
as tuas rádios locais,
o teu novo Lamparam,
o teu Bombolom digital,
e até os centros de saúde no mato,
são a prova da tua grande vitalidade,
engenho, imaginação, talento,
alegria, nobreza,
criatividade, espontaneidade,
afabilidade, hospitalidade,
vontade de vencer o círculo vicioso da pobreza.
Do teu povo, Guiné,
de Norte a sul,
dos Bijagós às Colinas do Boé,
de Iemberém ao Quelélé.

Eu acredito em ti, país-irmão.
Eu quero acreditar em ti, Guiné,
eu quero remar contra a maré do cinismo
inimigo tão mortal
como o mosquito do paludismo.

Eu acredito nas tuas mulheres,
empreendedoras e corajosas,
que montam fabriquetas de descasque de arroz,
ou que, em casa, fazem o seu óleo de palma
e o seu chabéu, e o seu sabão.
E ainda têm tempo para ir à pesca e ao mercado
e para cuidar dos teus meninos.

Eu acredito, no talento dos teus jovens, criativos,
como o Grupo de Teatro Os Fidalgos.
Eu acredito ainda na força telúrica
e na generosidade dos homens (e mulheres)
que lutaram, por ti,
no Como,
em Cassaca,
em Cadique,
em Madina do Boé,
no Morés,
em Gandembel,
em Guileje,
em Guidaje,
no Fiofioli,
na Ponta do Inglês,
no Choquemone,
em Sinchã Jobel.
Com as armas na mão
e com as ideias e os valores na cabeça.
Para que tu fosses livre e independente,
e fosses justa e fraterna.

Enfim, uma Tabanca Grande,
grande como a bolanha de Bambadinca,
outrora verde e prenhe de arroz,
e aonde iam apascentar os búfalos.
Uma Tabanca Grande
onde cabe o Muntu e o Nalu,
os homens grandes e as mulheres grandes
e as meninas que um dia não precisarão da faca da fanateca.
Onde cabem os teus frondosos poilões
e as vaidosas cabaceiras.
Para que os teus filhos, Guiné,
tenham a merecida paz,
todos os dias do ano,
a liberdade, a justiça,
o milho, o arroz e a mandioca,
o mafé e o chabéu
com que se mata a fome e se sonha e se dança.
Enfim, a dignidade
a que os teus filhos têm direito
no seio da Mãe África
e do resto do mundo globalizado.

Ah!, a paz, a tão frágil paz
que leva tanto tempo a consolidar,
e o tão suspirado progresso que não chega,
ou que é tão lento, desesperadamente lento,
ou só chega para uma meia dúzia de privilegiados,
a nomenclatura do poder e do dinheiro...

Mas para isso, terás que fazer a ponte com o passado.
Mas para isso não poderás ignorar
nem escamotear os marcos
(de sinal mais e de sinal menos)
do passado,
bem como as raízes das lianas
e dos poilões da tua guineidade.

Como te imploram os teus filhos,
não queiras chorar mais, Guiné!
N ka misti tchora mas!
Faz das tuas lágrimas
a força do macaréu da tua revolta e do teu ânimo
que te ajudarão a abrir a Picada do Futuro,
a construir o Novo Corredor do Povo,
a Nova Estrada da Liberdade.
Que eu só desejo que seja
tão grande, larga e fecunda
como os teus rios míticos,
do Cacheu ao Cumbijã, do Geba ao Cacine.
Ou tão límpidos e belos e selvagens como o Corubal.

E que o Nhinte-Camatchol,
o grande irã, te proteja,
Guiné, Tabanca Grande.


Simpósio Internacional de Guileje
Iemberém, 1-2 de março de 2008 | Bissau, 2-7 de março de 2008
Lisboa, 30 de março e 2008 | Revisto, 16 de fevereiro de 2025

Luís Graça








Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém> Simpósio Internacional de Guileje > 1 de Março de 2008 > Grafito com o desenho nalú do irã protetor da tabanca, o Nhinte-Camatchol, e que fez parte do logótipo do Simpósio, organizado pela AD -Acção para o Desenvolvimento, o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesqusias, e UCB - Universidade Colinas do Boé. Foi impresso nas t-shirts e pintadfo numa parede das instalações da AD em Iemberém.

 O Pepito escolheu, e não foi por acaso, a escultura nalu do Nhinte-Camatchol como "mascote" do Simpósio Internacional de Guiledje (2008). Na altura escrevi este longo poema em que pedia a proteção do grande irã para os nossos amigos e irmãos da Guine-Bissau. Aqui vai, em versão revista (**).
 
O Pepito morreria quatro anos depois. O Nhinte-Camatchol  (no nosso Museu Nacional de Wtnologia chamam-lhe  o A-Tsgol...) não protegeu o Pepito, que sacrificou muito da sua saúde, segurança e "qualidade de vida" (suas e da sua família) pelo seu povo. 

Esperemos que Deus, Alá e os Grandes Irãs protejam aquela terra que continuamos a amar, e os nossos amigos que lá vivem. Eles merecem. E que o exemplo do Pepito continue a ser inspirador, para eles e para nós. Foi pelo Pepito (1949-2012) que voltei à Guiné, m 2008, vencendo traumas da guerra.

O Nhinhe Camatchol é uma escultura dos nalus do Cantanhez usada na festa do fanado. Representa uma cabeça de pássaro com rosto humano, sendo a mensagem aos participantes deste ritual de iniciação à vida adulta a seguinte: que todos eles passam a considerar-se como verdadeiros irmãos, mais verdadeiros que os próprios irmãos biológicos. O que deve ser entendido como a afirmação do interessse coletivo, comunitário, acima do interesse dos indivíduos e das famílias. Orginalmente esta máscara não poderia ser vista pelos não iniciados, sob pena de morte (Campredon, Pierre – Cantanhez, forêts sacrées de Guinée-Bissau. Bissau,Tiguena. 1997, pp. 32-33).

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]
______________

Notas do editor ÇG:

/*) Vd. poste de 15 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26499: Os 50 Anos do 25 de Abril (35): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte II


(**) Último poste da série > 30 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26326: Manuscrito(s) (Luías Graça) (264 ): Volta sempre, Irmão Sol

domingo, 10 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25257: Os nossos seres, saberes e lazeres (618): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (145): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Este Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida excedeu todas as expetativas, primorosamente requalificado foi o Palácio da Inquisição, as exposições são de primeiríssima água, tudo se percorre com gosto e apetece ter tempo para demorar. As casas pintadas são uma surpresa total, a exposição Fenda é inexcedível, um bem aplicado murro no estômago, e finalmente vejo desvendado aquela zona do Parque de Santa Gertrudes que conheço desde a antiquíssima Feira Popular da ciganita Dora, do autoshoot e do castelo fantasma, e depois os passeios nos jardins Gulbenkian, mas sempre ficava aquela sensação de mistério de ver a residência da família Eugénio de Almeida guardada em segredo, vejo finalmente como lá se vivia, e foi necessário regressar a Évora para perceber o que a cultura portuguesa e o património devem a esta prestimosa Fundação.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (145):
Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (5)


Mário Beja Santos

Estou agora no Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida, que já se chamou Fórum. Évora e o Alentejo em particular, e o país em geral, devem muito a esta fundação que têm um histórico de empresários que estiveram associados ao setor do tabaco e às transformação de produtos agrícolas, detentores de propriedades imensas, um património que não esqueceu a vitivinicultura, membros da família receberam títulos de Conde de Arge e de Conde de Vill’Alva, a fundação foi instituída em 1963 com a missão de promover o desenvolvimento cultural, educativo, social e espiritual da cidade de Évora e do Alentejo.
O Centro de Arte e Cultura possui uma dinâmica de exposições de referência, todo este património edificado impressiona, o visitante não sabe para onde se voltar, desceu até um amplo espaço denominado casas pintadas. O que se vai ler na legenda é complementado com o roteiro de Évora da Porto Editora, datado de 2016. Neste roteiro fala-se nas casas pintadas como a Casa dos Silveira-Henriques ou Casas Pintadas “de Vasco da Gama”, obra manuelina, posteriormente adaptada devido ao desmembramento do vizinho Paço dos Condes da Vidigueira. Em 1631, passou a ser morada dos inquisidores e incorpora o Palácio da Inquisição. No pátio, na galeria claustral existente encontra-se um notável conjunto de frescos nas paredes com temas profanos, o que é raro. Avulta em importância o conjunto de animais e plantas aqui figurados, inspirados em temas moralistas e em várias fábulas de Esopo. O que consta da legenda junto das Casas Pintadas é o seguinte: “Este espaço pertenceu a D. Francisco da Silveira, Coudel-mor dos Reis D. Manuel I e D. João III. As armas desta família podem ver-se nos fechos das abóbadas. Este facto desmente a lenda de que o proprietário da casa foi o famoso navegador português Vasco da Gama, cujas casas se situavam no lado sul da mesma rua. Em finais do século XVI, as Casas Pintadas foram anexadas ao Palácio da Inquisição. Realizados na década de 1520, os frescos são um exemplar único da pintura mural palaciana de caráter profano, da primeira metade do século XVI. Aqui encontramos cinco painéis decorados com animais comuns e seres fantásticos que, evocando o imaginário das fábulas e narrativas medievais, estão simbolicamente associados a características morais, virtudes e vícios próprios da natureza humana.”

Imagens das Casas Pintadas

Uma das exposições ali patentes intitula-se No tempo dos dias lentos – Casa e Parque de Santa Gertrudes, um conjunto de três séries fotográficas realizadas entre 2017 e 2019, após a morte de Maria Teresa Eugénia de Almeida, constituem-se como uma representação posterior à vivência deste espaço doméstico. Em aditamento, aparecem outros elementos que ajudam a contextualizar as muitas apropriações que este emblemático lugar teve ao longo dos séculos XIX e XX – desde a instalação do primeiro jardim zoológico de Lisboa, ao velódromo de Palhavã ou acolhimento da Feira Popular de Lisboa.
A Casa e o Jardim de Santa Gertrudes
A biblioteca da família

Temos agora outra exposição, intitula-se Fenda, interroga a relação da sociedade e da arte com a pobreza, em várias épocas, tem peças do passado que dialogam com linguagens contemporâneas, é de grande valor o número de obras apresentadas, desde Daniel Blaufuks, Domingos Sequeira, Júlio Pomar, Pedro Barateiro, Pieter Bruegel ou Vieira Portuense. Bem interessante é o texto do documento oferecido à entrada da exposição, da responsabilidade dos curadores: “A exposição aborda a clivagem social gerada pela desigualdade profunda na distribuição da riqueza e alguns aspetos da forma como a arte olhou (e olha) para essa desigualdade. Na conceção cristã que marcou a sociedade ocidental, a pobreza podia ser um valor que traduzia o desprendimento do mundo e nos aproximava da salvação, fosse pela sua condição, fosse pelo exercício da dádiva que nos aproximava dela. Mas no mundo pós-renascentista começou a instalar-se a consciência de que a profunda desigualdade era, antes de mais, um problema social e arte, sobretudo a pintura, traduziu muitas vezes um olhar profundamente crítico sobre a pobreza. Procurámos expor vários exemplos que materializam a simbologia da palavra FENDA como um lugar de corte, neste caso observando o sistema de desigualdades económicas. A existência de fendas na sociedade é, desde sempre, o ponto de partida para constatar um problema, mas é, também, o impulso para a vontade de mudança.”
São Martinho, autor desconhecido, séc. XVII, coleção do Museu Nacional de Arte Antiga
Beatriz Costa num programa de distribuição de esmolas a pobres, Rio de Janeiro, 1941
D. Luís e D. Maria Pia entregando esmola aos pobres do Porto, por Leonel Marques Pereira, 1872, coleção do Palácio Nacional da Ajuda
Cozinha de Alcântara, a confeção da sopa
Cozinha dos Anjos, 1959, aspeto do refeitório
As mães, por Júlio Pomar, 1951, coleção do Museu do Neo-Realismo, doação do artista
Aspetos do teto do Palácio da Inquisição

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 2 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25230: Os nossos seres, saberes e lazeres (617): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (144): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (4) (Mário Beja Santos)