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terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26506: Historiografia da presença portuguesa em África (466): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte II ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 514, 27 de dezembro 1915, páqg. 806)

 

Foto nº 1 > Guiné > Bissau >  1915 > "Salva de artilharia dada na fortaleza da Amura. O edifício ao fundo é o do comando militar".



Foto nº 2 > Guiné > Bissau >  1915 >  "Os oficiais que fizeram parte da coluna. Da esquerda para a direita: os srs. segundo tenente da marinha Queimado de Sousa, capitão médico R. Augusto Regala, capitão de infantaria Teixeira Pinto, segundo tenente da marinha José Francisco Monteiro, tenente de infantaria Henrique de Sousa Guerra" (há um erro no nome do capitão médico, Francisco Augusto da Fonseca Regala)


Foto nº 3 > Guiné > s/l (Bissau ) > s/d  (c.1915) > "O tenente de segunda linha,  régulo Madoul-N'djou" (erro no nome, era mais conhecido por Abdul Injai ou Indjai, ou Abdoul Ndaiye, de etnia uolofe, nascido em Ziguinchor, hoje Senegal).


Foto nº 2 > Bissau > 1915 > "O senhor cpitão Teixeira Pinto que comandou a coluna de operações contra os papéis e  grumetes e mais revoltados da ilha de Bissau" (referência aos portugueses reunidos na Liga da Guiné, mas também comerciantes estrangeiros)

1. Notícia da "Ilustração Portuguesa", Lisboa,  27/12/1915:

A Campanha de Bissau

Foi um triunfo para as armas portuguesas a vitória alcançada na África contra os 'papéis0, que desde longa data vinham causando graves prejuízos à nossa soberania.

A lenda de que essa raça era invencível está, felizmente, posta de parte, sendo preciso agira fazer ver aos 'grumetes', almas danadas dos 'papéis0, que Portugal quer restabelecer ali a obediência às suas autoridades, o que fará, custe o que custar,



Diretor: J. J. da Silva Graça; Propriedade: J.J. da Silva Graça, Lda; Ed lit. José Joubert Chaves. 

(Cortesia de Hemeroteca Municipal / Càmara Municipal de Lisboa; é de reconhecer publicamente o extraordinário trabalho dã Hemeroteca Municipal de Lisboa, em termos de arquivo, tratamento, digitalização e divulgação destes periódicos centenários, cujo conteúdo merece ser conhecido pelos nossos leitores, antigos combatentes na Guiné, 1961/74).

 
(Seleção, revisão / fixação de texto, edição e legendagem das fotos: LG)



Guiné > Bissau > s/d  [c. 1960] > Monumento a Teixeira Pinto  no Alto do Crim < Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, nº 112. (Edição Foto Serra, C.P. 239,  Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL)... 

(Teixeira Pinto, o "capitão-diabo",. tem 90 referências no nosso blogue; esta estátua foi derrubada a seguir à independência e levada para o forte do Cacheu).

Colecção de postais ilustrados do nosso camarada Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria.Selecção dos postais,  digitalização, edição de imagem e legendagam: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)



2. Excerto de Carlos Bessa - Guiné. Das feitorias isoladas ao 'enclave' unificado. In: Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, ed. lit - Nova Históriaa Militar de Portugal. Vol. 3. S/l: Círculo de Leitores. 2004. 257-270.


(...) A Liga Guineense não parou de atacar Teixeira Pinto e o seu auxiliar Abdul Injai, mas o governador Oliveira Duque não lhe retirou o apoio. A 13 de maio de 1915 foi decretado o estado de sítio na ilha de Bissau e iniciou-se a campanha contra os papéis. 

Desta vez Teixeira Pinto aceitou a colaboração de um oficial, o tenente Sousa Guerra. Concentrou em Nhacra forte  coluna que entrou em Bissau a 1 de junho. Nesse dia, porém,  os irregulares foram atacados em Antim, fugindo aos milhares. Mas o ataque dos papéis e grumetes contra a cidade foi detido e evitou-se o massacre.

No dia dia 5, após violenta preparação de artilharia contra Bandim e Antim, Teixeira Pinto ocupou aquelas colinas, mas a 7 os papéis e grumetes refizeram-se e atacaram o acampamento.

Após nova preparação de artilharia, a coluna apoderou-se de Antula,a inexpugnável, sem resistência, a 10 de junho.

Com grandce perícia seguiu-se a  penetração nas aldeias, sendo Teixeira Pinto ferido e substituído por Sousa Guerra. As negociações de rendição com os papéis fracassaram e a conquista de Quinhanel abriu a pista para o Biombo no extremo da ilha, onde terminou a campanha após uma armadilha do régulo Cassande, que simulou uma rendição e disparou, mas veio a ser abatido e a prisão do régulo do Biombo  e a a rendição do de Tor.

Teixeira  Pinto mandou construir quatro postos militares: Bor, Bijemita, Safim e Biombo.

A Guiné estava pacificada e, mais do que isso, ficava unificado o "enclave" que os Franceses sempre esperaram vir um dia a pertencer-lhes, fomentando para isso a hostilidade dos guineenses, como vimos. 

A coluna foi dissolvida em 17 de agosto de 1915. Teixeira Pintio bem mereceu, portanto, a estátua  lhe foi erguida  numa das colinas de Bissau por ele conquistada. Tal só aconteceu pela sua energia excecional, determinação e raro conhecimento do modo de ser dos nativos, que permitiu dominá-los por vias apropriadas e pouco acessíveis  à guerra clássica" (Bessa, 2004, op cit, pp. 269/270),

(Seleção, revisão / fixação de texto, edição: LG)


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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26503: Historiografia da presença portuguesa em África (465): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte I ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 502, 4 de Outubro de 1915, pp. 447/448)

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25834: Notas de leitura (1717): Crioulo guineense, qual a tua origem? (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Março de 2023:

Queridos amigos,
Tanto quanto me lembro, a primeira vez que aqui falei sobre o crioulo foi a propósito do livro de Benjamim Pinto Bull "O Crioulo da Guiné-Bissau: Filosofia e Sabedoria". Muitos outros autores se têm debruçado sobre o crioulo. No termo do texto que hoje vos envio vem um interessante artigo de Luigi Scantamburlo sobre a grafia do crioulo e anexo os trabalhos de Jean-Louis Rougé, que trabalhou na Guiné-Bissau e nos países periféricos. É inesgotável a discussão sobre a origem do crioulo, o mérito deste livrinho é procurar a multiplicidade de aportes que chegam aos diferentes vocábulos, são meramente ilustrativos, já há dicionários de crioulo-português, prossegue a discussão se o crioulo devia ser classificado como língua oficial ao lado do português, compreende-se o amor próprio de quem o fala mas há que atender que é através do português que a Guiné-Bissau chega ao mundo global.

Um abraço do
Mário



Crioulo guineense, qual a tua origem?

Mário Beja Santos

Diversos autores da área da filologia, marcadamente da etnolinguística, têm procurado conhecer as raízes desta língua veicular. Um deles, é o reputado universitário Jean-Louis Rougé, com vastíssima obra sobre o estudo de algumas línguas da costa acidental africana, vale a pena darmos atenção a este Pequeno Dicionário Etimológico do Crioulo da Guiné-Bissau e Casamansa, INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, 1988. 

Logo no prefácio, o autor questiona as razões deste dicionário etimológico. Pretende-se fazer um equívoco muito divulgado de que o crioulo é um português mal falado. São indiscutíveis as relações que ligam o crioulo ao português, é elevadíssima a percentagem de palavras do crioulo que têm origem portuguesa, o que não obsta a originalidade da língua veicular. O propósito do autor neste dicionário etimológico é procurar seguir o encadeamento dos diferentes factos pelos quais as palavras tomam a sua forma e valor.

O crioulo nasceu na faixa litoral da Guiné, do Senegal à Serra Leoa, alguns grupos africanos tentavam aprender o português para fazer comércio ou também porque trabalhassem em estreita relação com os navegadores e os comerciantes. Instituiu-se, assim, um sistema que servia de comunicação entre portugueses e africanos, tanto a bordo como em terra, era seguramente a língua dos “lançados”, aqueles que se atreviam a entrar no mato profundo e a conviver com as populações nativas. 

Havia igualmente os “grumetes”, fixavam-se à volta das Praças, formavam uma sociedade na qual o sistema de comunicação tinha a base do português com uma enorme variedade de incorporações, era este crioulo que se falava nas praças (Geba, Cacheu, Ziguinchor, Bissau ou Farim). 

É impossível apresentar dados precisos sobre a constituição do crioulo, sabe-se que aquele que é falado em território da Guiné-Bissau também é usado na Baixa Casamansa, é língua comum. Com o aumento de falantes de crioulo graças à expansão de Bissau, ao seu uso, diríamos permanente em ambos os lados da guerra da Guiné, e naturalmente aceite no país independente e usado pelos representantes do PAIGC nas diferentes regiões, havia dialetos ou acentos, o crioulo de Bissau não era exatamente o de Ziguinchor ou Cacheu, em Bissau havia mesmo o costume de distinguir dois tipos de crioulo, o “Kriol fundu” (profundo) e o “Kriol lebi” (ligeiro ou suave).

De um ponto de vista etimológico, o vocabulário do crioulo divide-se em duas grandes categorias: a das palavras emprestadas a uma língua pré-existente (o português ou uma ou outra língua africana); e as palavras criadas pelo próprio crioulo. 

Os empréstimos não vieram exclusivamente dos portugueses. O português que serviu de fonte ao léxico do crioulo não é o português atual, era o que se falava nos séculos XV, XVI e XVII, isto sem prejuízo de que a intensidade da presença portuguesa durante a guerra colonial trouxe importantíssimas adições. Observa o autor que há certos termos do crioulo que têm por étimo termos portugueses que hoje na sua própria língua caíram em desuso ou evoluíram. Por exemplo, misti (querer) vem do antigo português é mister, que hoje praticamente não se usa; a palavra janta significa almoçar, perdeu o sentido que o seu étimo tinha na época, hoje usa-se em português para falar de jantar. 

Mas há outros inputs como a linguagem dos marinheiros, os termos trazidos das viagens dos portugueses em três continentes e também há que ter em conta o vocabulário da região católica. É o caso da palavra kriston que mais do que significar cristão refere-se a civilizado.

E depois há a incorporação das línguas africanas. As línguas africanas da região que nos interessa, a antiga Guiné, pertencem a dois grandes grupos linguísticos, ambos saídos da família Níger-Congo: as línguas oeste-atlânticas e as línguas Mandé. 

O conjunto oeste-atlântico compreende diversos grupos: as línguas do Norte (Wolof, que se pode aportuguesar em Jalofo, Serer, Peul, que se designa em português Fula); as línguas Bak (Djola, Manjaco, Mancanha, Papel, Balanta); mas também as línguas Tenda-Nun, onde podemos incluir os Cassangas, os Biafadas e os Nalus; e as línguas do Sul, onde encontramos o Mansoanque e o Baga. Com a exceção do Fula, estas línguas são faladas exclusivamente nos territórios do Senegal, Guiné-Bissau, Guiné-Conacri e Serra Leoa. As línguas Mandé faladas na região são essencialmente o Mandiga, o Sosso e o Soninqué.

O autor também recorda empréstimos do crioulo às línguas africanas, muitos destes termos devem-se aos viajantes portugueses, caso de Valentim Fernandes, André Álvares de Almada, André Donelha, muito especialmente os nomes de vegetais. Obviamente que foram aparecendo termos à medida que o crioulo se constituía como língua autónoma e preenchia as faltas do sistema de comunicação provenientes da língua portuguesa. O autor espraia-se nestes empréstimos e as respetivas mudanças fonéticas. 

Segue-se uma apreciação sobre a transformação gramatical e a semântica destas incorporações e depois tem lugar o pequeno dicionário de que aqui se dão alguns exemplos: 

  • abakati (do português abacate), 
  • abridor (é o novo nome para aquele que abre, vem da palavra portuguesa abridor),
  • ansalmas (nome antigo do português para almas; 
  • bagabaga (o mesmo que térmita) em Bambara diz-se baga, em Mandiga baabaa; Donelha, a propósito das formigas da Serra Leoa diz-se explicitamente: “há outras que chamam bagabagas”; 
  • bana (vem do português abanar; 
  • baraka, associada a barraca do fanado vem do português barraca; 
  • bentu (vem do português vento); 
  • cigada (vem do português chegada);
  •  temos os números, como por exemplo, des ku kwatru (catorze), des ku nobi (dezanove), des ku oytu (dezoite), des ku seyis (dezasseis), desanobi (dezanove); 
  • dimistrador (proveniente do português administrador); 
  • dwensa (vem do português doença); 
  • es (vem do português este); 
  • falesi (vem do português falecer);
  •  feredu (vem do português ferreiro); 
  • futseru (vem do português feiticeiro); 
  • gagisa (vem do português gaguejar); 
  • ingratesa (ingratidão); 
  • jambatutu (nome de um pequeno pombo, termo curiosamente apropriado por várias línguas, caso do Mandiga mas também pelo crioulo; 
  • kaberdianu (vem do português cabo-verdiano).

Resta dizer que Jean-Louis Rougé, professor emérito em Orleãs, conclui este seu interessantíssimo trabalho pondo em anexo um projeto de ortografia e separação das palavras em crioulo, mostra-nos as letras fundamentais, caso do k, w e y, as letras de apoio que podem ser necessários para empréstimos recentes do português, as vogais nasais e as consoantes pré-nasais, como se processa a escrita e a leitura do crioulo, etc.

Penso que, no mínimo, este trabalho do cientista da filologia nos traz recordações da língua veicular sobre a qual, seguramente, ouvíamos, percebíamos este ou aquele termo, mas no essencial algo nos encantava, havia ali um português antigo que alguns, vindo de remotas aldeias, gostavam de escutar.

Jean-Louis Rougé
Uma aula em crioulo, parece que a senhora professora está a atender uma chamada
Uma imagem de Bolama na proximidade do seu porto
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Nota do editor

Último post da série de 9 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25824: Notas de leitura (1716): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1870) (15) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7125: Historiografia da presença portuguesa em África (39): António Silva Gouveia, fundador da Casa Gouveia, republicano, representante da colónia na Câmara dos Deputados, na 1ª legislatura (1911-1915) (Parte III) (Carlos Cordeiro)




Guiné > Bissau >  Fortaleza da Amura >  1908 > Expedição enviada pela metrópole em 1908 . Foto do Arquivo Histórico Militar, Lisboa.  Fonte: Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira (ed. lit.), Nova História Militar de Portugal, Vol. 3.  Lisboa, Círculo de Leitores, 2004, p. 266

(Foto editada e reproduzida por L.G. , com a devida vénia... Digam lá se não parecem mesmo uns soldadinhos de chumbo, estes camaradas que combateram forte e feio no Oio, em 1908; estive em 7 de Março de 2008 na fortaleza da Amura, em Bissau,  e juro ter reconhecido o fabuloso poilão que aparece aqui na foto de 1908...).

Da cronologia constante da obra acima citada (e cuja leitura se recomenda), retira-se a seguinte informação: 

17 de Junho de 1913: "A campanha do Oio termina vitoriosa com a implantação de um posto militar em Mansabá e a captura de elevado número de armas!" (p.450)... 

Em relação ao ano de 1908, pode ler-se,  p. 490:  

(i) "O capitão José Carlos Botelho Moniz parte de Cacheu contra os felupes de Varela que se  negavam a pagar impostos, atacando e destruindo a povoação, quebrando o mito de os Brancos não entrarem em território felupe e desarmando os de Jufunco e Egim (10 a 16 de Março)";

(ii) "O governador Oliveira Muzanty, obtendo reforços da Metrópole, organiza a maior expedição efectuada na Guiné até 1963. vencendo a resistância biafada emcabeçada por Unfali Soncó em Cuor e Ganturé e restabelece as comunicações entre Bissau e Bafatá (5 a 24 de Abril)";

(iii) "A expedição enviada à Guiné no tempo do governo Muzanty regressa à metrópole (15 de Maio)".

Sobre o Arquivo Histórico Militar convirá dizer que é o fiel depositário do principal património documental do Exército, incluindo valiosos fundos e colecções, relativos às campanhas militares em Portugal, na Europa e nos territórios coloniais e ultramarinos, em especial dos séculos XVIII a XX. Para mais informações consultar Actividades/Serviço de Atendimento Público e também o Guia de Fundos. Horários: Seg a Sex: 10h30-18h (requisições até às 16h30h). Endereço: Largo dos Caminhos de Ferro, 2, 1100-105 Lisboa / Telefone: 218 842 563 / Fax: 218 842 514 / E-Mail: ahm@mail.exercito.pt. / Acessos: Autocarros: 9, 12, 28, 35, 39, 46, 90, 104, 107, 203, 206, 210. Metro: Santa Apolónia. (LG)
 














Lisboa > Câmara dos Deputados > Intervenção do deputado António Silva Gouveia, representante da Guiné  > Sessão de 19 de Junho de 1913  (Com a devida vénia... 

Fonte:  Direcção de Serviços de Documentação e Informação da Assembleia da República, a quem, na qualidade de ex-combatentes na Guiné,  estamos reconhecidos pelo trabalho de digitalização efectuado e pela sua divulgação na Net).


1. Continuação da publicação de excertos de intervenções do deputado António Silva Gouveia, empresário, fundador dsa Casa Gouveia, representante da Guiné na Câmara dos Deputados, na legislatura de 1911-1915.  Pesquisa de  Carlos Cordeiro, membro da nossa Tabanca Grande, Professor de História Contemporânea na Universidade dos Açores, São Miguel, Região Autónoma dos Açores  (foto à esquerda). 





Nota de CC

Nesta sua nova intervenção, também curta e directa como é timbre de um “prático”, como por vezes se autodefinia, o deputado Silva Gouveia trata de três assuntos. As dúvidas, que convosco partilho, dirigem-se sobretudo ao caso dos “grumetes”.

Os grumetes eram nativos mais ou menos cristianizados, de diversificadas origens étnicas. Como tinham familiares nas povoações, eram óptimos intermediários no comércio de Bissau e Bolama, além de servirem nas diversas tarefas ligadas ao comércio e à navegação. Viviam em Bissau, fora das muralhas, e em Bolama, misturados com a população local. Variavam de alianças conforme os interesses em jogo[1]

Em 1892, nas negociações para pôr termo a sangrentos combates entre as tropas fiéis a Portugal e os papéis auxiliados pelos grumetes, estes reconheceram­‑se súbditos de Portugal, devendo obediência aos administradores. A partir daí, os grumetes foram chamados a participar em campanhas de ocupação efectiva do território.

É possível que aquela “última guerra” de que falava o deputado se referisse aos combates contra os papéis para a conquista da ilha de Bissau. De facto, nessa campanha de 1908-1909, os grumetes afirmaram-se aliados dos portugueses, sendo pois natural que daí tivesse resultado a destruição, pelos papéis, das suas casas.

Compreende-se, assim, a posição do deputado relativamente aos grumetes: no fundo, além de serem essenciais à boa marcha dos negócios, demonstravam também fidelidade aos portugueses, partilhando com as nossas tropas as agruras e os dramas de campanhas bem violentas contra diversos régulos e suas tropas. Como homem de negócios, era natural que pretendesse a poupança nos gastos públicos, sobretudo os respeitantes à Guiné. Daí, talvez, o seu pedido para que não fossem enviadas tropas da metrópole, como tinha acontecido em 1908, com o desembarque de uma força metropolitana de cerca de três centenas e meia de oficiais e praças que se manteve na Guiné dois meses.

Só que… afinal nem António Silva Gouveia conseguiu antecipar o comportamento futuro dos grumetes, que tanto louvara. Em 1915, aliados aos papéis, os grumetes atacaram tropas portuguesas, comandadas por Teixeira Pinto. Com a vitória dos portugueses, dava-se por finda a “pacificação” da Guiné[2].
 


[1] Veja-se Wilson Trajano Filho, “O trabalho da Crioulização: as práticas de nomeação na Guiné colonial”, consultável em  www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/etn/v12n1/v12n1a06.pdf

[2] As informações relativas às campanhas militares na Guiné nesses anos foram retiradas de: Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira (dir.), Nova História Militar de Portugal, III vol., Lisboa, Círculo de Leitores, 2004, pp. 264-270.


[Continua]

[ Revisão / fixação de texto / título / edição de imagens: L.G.]


__________

Nota de L.G.: 


Ainda sobre a figura dos grumetes, acima referida :

"Os grumetes eram africanos que, vivendo nas povoações luso-africanas e adoptando com grande liberdade os hábitos cristãos e os modos lusitanizados de ser, operavam como remadores, construtores e pilotos de barcos, carregadores e auxiliares no comércio.

"Como categoria sociológica, eles desempenhavam um papel chave no frágil compromisso em que a sociedade crioula se fundava, sendo os intermediários que faziam a delicada mediação nos relacionamentos entre a minoria de comerciantes europeus e luso-africanos e os régulos das sociedades tradicionais africanas que produziam bens para exportação".  (Wilson Trajano Filho, da Universidade de Brasília, in Outros Rumores de Identidade na Guiné-Bissau)".



terça-feira, 21 de junho de 2005

Guiné 63/74 - P71: Antologia (3): Sócio-antropologia da família e da mulher em Geba, nos finais do Séc. XIX (Marques Lopes)

Textos seleccionado e enviados por Marques Lopes (que foi alferes miliciano da CART 1690, em 1967, em Geba):

1. A circuncisão e a família em Geba, por Marcelino Costa Ribeiro (1885)

Há um péssimo costume gentílico inveterado no povo do presídio de Geba, o qual consiste em determinado tempo aplicar a circuncisão a ambos os sexos, operação a que em Geba dão o nome de fanado.

Esta operação, apesar de ser simples, carece de algum cuidado, e não é só empregada pelos selvagens, mas também por muitos da praça de Geba, que infelizmente têm o nome de cristãos e civilizados.

Na actualidade aquele costume está mais em uso entre as supostas donzelas, vulgo bajudas, de 12 a 26 anos, do que entre os mancebos, devido talvez à luz da civilização, que vai pouco a pouco penetrando nas camadas sociais, e que se prega na boa escola confiada ao digno missionário e pároco distinto, o sr. Luiz Baptista do Rosário e Sousa.

Infelizmente as bajudas não têm quem lhes ensine as boas doutrinas, adoptadas na lei de 1809, porque as suas amas, vulgo mestral, passaram pelo mesmo caminho, e deixam que as suas educandas sigam à risca as leis gentílicas, adoptadas pela nobre universidade de Sonaco (1) , aonde vão instruir-se.

Quem conhece Geba a fundo, e está em dia com os péssimos costumes ali adoptados, sente logo a diferença no número da população que reside no presídio, sem que ninguém lhe diga nada; esta diferença é sempre notável nos princípios de Dezembro, época em que as supostas donzelas vão para diferentes povoados perto do presídio, sujeitarem-se à circuncisão.

Algumas a quem os pais impedem a ida, lamentam a sua sorte, metem empenhos, e quando não conseguem a licença de se irem circuncidar, fogem aos pais, e vão para o sítio aonde está constituída a liga, sujeitar-se à operação ; evitando por este modo que amanhã sejam consideradas na alta sociedade de Geba como olmo (não circuncidadas). Eis aí a maneira como são educadas em Geba muitas, a maior parte, das raparigas oriundas daquele presídio, e filhas de pais da classe de grumetes (2).

Agora direi alguma cousa acerca dos mesmos grumetes, explicando a maneira como eles adquirem numerosos filhos e constituem família, sem serem muitos deles verdadeiros pais. É costume e uso inveterado entre os grumetes no presídio de Geba, terem 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 mulheres. A mais antiga em casa é sempre tida como dona da mesma, e poucas vezes se ausenta ; as outras quase nunca param em casa, vão para Fulacunda (3) (pequena povoação dos gentios fulas) fazer negócio, e aí se conservam.

Estas mulheres, chegando a Fulacunda ao mesmo tempo que se ocupam da venda de sal, tabaco e outros artigos que levam para os gentios, vendem-se também a si mesmas. No fim de alguns anos, algumas voltam à praça com 2 filhos, outras com 3, outras com 4, outras com 5, os quais, longe de serem mal recebidos em casa dos supostos pais, são tratados por estes como verdadeiros filhos!

Aqueles pequenos crescendo, começam a apelidar-se com o mesmo apelido; se os supostos pais se chamam Sambú, todos se apelidam Sambú, e se forem tio-Chico, todos seguem o mesmo, etc. No recenseamento que se fez em Geba no ano de 1882, notei na relação dos recenseados alguns grumetes com 15 filhos, outros com 19, outros com 21, etc. Explica-se pela circunstância que acima mencionei.

Marcelino da Costa Ribeiro (Geba—Guiné), in Novo Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro. 1885.277-278.


Notas de Marques Lopes:

(1) Será Sonaco na zona de Gabu? É que também há Sonaco, no Senegal, perto de Barro, e de que já vos falei (ML).

(2) Os grumetes eram africanos que, vivendo nas povoações luso-africanas e adoptando com grande liberdade os hábitos cristãos e os modos lusitanizados de ser, operavam como remadores, construtores e pilotos de barcos, carregadores e auxiliares no comércio. Como categoria sociológica, eles desempenhavam um papel chave no frágil compromisso em que a sociedade crioula se fundava, sendo os intermediários que faziam a delicada mediação nos relacionamentos entre a minoria de comerciantes europeus e luso-africanos e os régulos das sociedades tradicionais africanas que produziam bens para exportação (Wilson Trajano Filho, da Universidade de Brasília, in Outros Rumores de Identidade na Guiné-Bissau).

(3) Há uma tabanca Fulacunda, na zona de Geba; há outra Fulacunda na zona de Buba; e há também uma Fulacunda na Casamanse, Senegal (ML).


Observações de L.G.:

Sobre a polémica cerimónia do fanado, vd. o meu post, de 4 de Maio de 2005 >
Guiné 69/71 - XII: O silêncio dos tugas face à MGF (Mutilação Genital Feminina)


2. Beldades de Geba, por Costa Pessoa (1882)

Quando saí de Lisboa em Outubro de 1879 com direcção á Guiné portuguesa, julgava, senão impossível, pelo menos difícil encontrar indivíduos da raça preta que me parecessem bonitos; mas logo que cheguei a Bolama e Bissau desenganei-me e muito mais depois que, navegando no rio Geba, vim parar à povoação deste nome.

É realmente interessante ver chegar a este presídio todos os dias grandes ranchos de fulas, fulas-forras e mandigas (mouras) dentre as quais aparecem tipos tão bonitos e regulares, que muitas damas da nossa terra invejariam (salvo a cor).

Principalmente dentre as fulas-forras, tribo de cor bronzeada, aparecem raparigas de rosto comprido, nariz aquilino, pequeno, lábios delgados, olhos vivos, apresentando um conjunto agradável e simpático.

O seu vestuário é o mais simples possível, consiste unicamente em um pano de algodão de 0,5m de largura, algumas vezes enfeitado com contas, que passam à volta da cintura. No pescoço e tornozelos trazem também muitos fios de contas e nos pulsos quantidade de manilhas. Do cabelo fazem um penteado em forma de barco com a quilha para cima, que vai desde o alto da cabeça até à nuca, deixando áà volta na testa e nas fontes pequenas tranças a que prendem fios de comas com moedas de prata nas extremidades.

Deu-se um dia comigo um caso engraçado : Estando eu sentado à porta de um negociante deste presídio, vi chegar um rancho de fulas que vinham fazer o seu negócio. E entre elas havia uma que sobressaía mais do que qualquer outra por ser mais bela e vir mais enfeitada. Chamei-a : ela aproximou-se e comecei então a examiná-la sem que ela a isso se opusesse; porém uma rapariga cristã, que se achava entre elas, diz-lhe :
— Repara que isto não é homem, é um boneco de molas movido por aquele (designando o negociante).
A fula retorquiu-lhe :
— Não, ele fala, tem olhos e cabelo.
— Tudo é postiço, e não diz coisa que se entenda, respondeu a cristã. Tu percebes alguma cousa do que ele diz ? Já viste homem tão branco ? (Eu era o único europeu que então me adiava em Geba, mas em Portugal não passava por ser dos mais brancos).

A esta última quartada fugiu a rapariga. Não se aproximou mais de mim, e hoje seguem todas aquele exemplo.

Costa Pessoa (Geba — Guiné), in Novo Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro. 1882. 27/28