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quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21343: In Memoriam (370): José Ceitil (1947-2020), natural de Vila Franca de Xira, autor de "Dona Berta de Bissau" (Âncora Editora, 2013, 200 pp.), membro da nossa Tabanca Grande, nº 816, a título póstumo (Hélder Sousa / Luís Graça)


Guiné-Bissau > Bissau > Pensão Central > 2010 > Da esquerda para  a direita:  Marta Ceitil, Dona Berta (1930-2012) e José Ceitil (1947-2020)


s/l, s/d > Marta (filha) e José Ceitil (pai)


1. José Ceitil - Homenagem

por Hélder Sousa


O José Ceitil deixou-nos! Notícia dilacerante…. Escreveu um amigo comum, o Joaquim Pedrosa, meu colega de curso na EICVFXira, mais tarde jogador de futebol no Sporting e Académica, dirigente da UDV (União Desportiva Vilafranquense) e também sócio do Ceitil num espaço de Bar chamado “Varinaice”.

Quando uma pessoa morre há tendência para nos elogios fúnebres aparecerem inúmeras virtudes. No caso do Ceitil isso não seria forçado pois as suas múltiplas qualidades e áreas por onde se moveu contribuíram para uma “história de vida” bem multifacetada e recheada de notas interessantes.

De tal modo que será difícil nesta pequena recordação/homenagem fazer referência a todas elas.

De uma entrevista concedida ao jornal “O Mirante” em 2011, e do portal livreiro Wook,  retiro algumas notas biográficas: 

(i) o Ceitil nasceu e cresceu em Vila Franca de Xira em Março de 1947 e eu em Outubro de 1948; é, portanto, cerca de ano e meio mais velho que eu;

(ii)  neto de varinos, também brincava à borda d’água desse rio Tejo como muitos outros; 

(iii) 
na sua terra, fez a escola primária; frequentará, mais tarde, o Liceu Passos Manuel e terminará o secundário na Escola Industrial e Comercial da sua terra natal;

(iv) na EICVFXira tirou o curso de formação de serralheiro, começando depois a trabalhar, aos 16 anos, como desenhador na Câmara Municipal:

(v) foi futebolista do Vila-franquense desde as "Escolas" até aos "Veteranos";

(vi) na Secção Cultural do clube, à época, um espaço de liberdade, estudo e debate de ideias, iniciou-se na militância cívica, aos 15 anos, como colaborador e participante nas atividades que aí tinham lugar:

(vii) fez, como voluntário,  4 anos de tropa na Força Aérea;

(viii) depois da tropa, viajou até  Londres para desenvolver o inglês; aí trabalhou onde era possível (na época os portugueses, italianos e gregos estavam “destinados” a fazer trabalhos domésticos) e assim foi empregado de mesa num restaurante dum hotel, porteiro de discoteca, chefe de uma brigada de limpeza num colégio;

(ix)  entretanto, cerca de nove meses depois, recebeu carta da TAP onde se tinha inscrito após o serviço militar, passou os testes, entrou na Empresa onde esteve por mais 36 anos.

(x) desse tempo ele recordava, em vida,  as situações mais difíceis, como comissário de bordo, da ponte aérea nos tempos da descolonização, em que algumas vezes em Angola esteve perto da morte; considerou que nessa época a capacidade de resposta de Portugal para transportar pessoas para a “metrópole” foi exemplar e que se pode dizer que se trata de um dos grandes feitos da capacidade lusa de resolver problemas.

(xi) em 1974 foi fundador do Cineclube Vila-franquense;

(xii) foi fundador, dirigente e colaborador da APTCA (Associação Portuguesa de Tripulantes de Cabine), onde se iniciou na escrita para as revistas Voo e Aérius;

(xiii) publicou o seu primeiro livro em 2007, a novela "Vidas Simples Pensamentos Elevados", e em 2008 o ensaio "Sejam Felizes".

Ao longo dos anos as nossas vidas foram sendo vividas com pontos de contacto de que mais se destacam as colaborações no Clube da nossa terra, fosse no campo desportivo (ele mais no futebol onde tinha méritos e eu mais ligado ao hóquei em patins) fosse na estreita colaboração na Secção Cultural da UDV, sendo que ele também fez parte Direcção do Cine-Clube Vilafranquense.

Anos mais tarde, agora já no século XXI, houve um apelo ao ressurgimento e assim alguns amigos então retomaram em mãos as rédeas da UDV para tentar recuperar, resgatar e reerguer a colectividade.

É desse tempo que foi criada uma comissão para produzir um “Manifesto da Memória da Secção Cultural da UDV”.

Numa das nossas sessões de trabalho notei que ele estava pensativo, até apreensivo, e após algumas “inquirições” fiquei a saber que isso se devia ao facto da sua filha mais nova, a Marta, ter decidido incorporar um programa de formação e voluntariado na “nossa” Guiné. 

Claro que na ocasião todos os conceitos e preconceitos sobre a Guiné, problemas reais e também alguns empolados, lhe causavam angústia, mas não queria interferir nas decisões que a filha tinha tomado. Tivemos então algumas conversas, procurei relativizar as coisas, deixei algumas indicações sobre como chegar à ONGD AD, do nosso amigo Pepito (1949-2014),  em caso de necessidade.

As coisas foram correndo, geralmente bem, de modo que depois da missão inicial a Marta repetiu e também depois continuou com outras tarefas, que lhe influenciaram de tal modo que ainda hoje se refere à Guiné como a “segunda Pátria”.

O Zé, “intrigado” com tal estado de espírito resolveu ir ver “in loco” e então rumou a Bissau. Deve também ter bebido “água do Geba” pois tendo ficado na “Pensão Central” acabou por escrever um livro dedicado à “Dona Berta de Bissau” (2013).



Capa do livro "Dona Berta de Bissau",
Lisboa, Ãncora Editora, 2013, 200 pp.


Capa do livro do livro "Clube de Futebol Os Belenenses: 
100 Anos de História", Âncora Editora, 2019 , 454 pp.


Capa do livro "Sejam Felizes!"... 
Edição: Tecto de Nuvens, 2008, 152 pp.


Capas de alguns dos livros do José Ceitil, 
disponíveis no portal livreiro Wook (, com a devida vénia...)


Não se poderá dizer que se trata de um escritor de grande produção mas escreveu vários livros, para além desse da Dona Berta, nomeadamente: (i) uma história de “Os Belenenses” de que era simpatizante e associado; (ii)  um livro a que deu o título de “Vidas Simples Pensamentos Elevados”, como que uma orientação para uma conduta séria e responsável, título esse que foi como que uma homenagem a um outro amigo comum entretanto falecido, o Carlos Macieira, que costumava dizer essa frase mas antecedida por “Luta Dura”: (iii. também escreveu um outro livrinho, simples mas muito profundo, como que um legado antecipado às suas filhas, intitulado “Sejam Felizes” e que foi utilizado no passado domingo aquando das cerimónias fúnebres.

Para terminar, que já vai longo, atrevo-me a repetir aqui as palavras que a Marta entendeu por bem colocar no seu “Face” e que se trata duma pequena mas significativa memória do Zé Ceitil.  Escreveu ela:

“Minha filha, a procura do sentido da vida não é para todos. A maioria ou não sabe o que isso é, ou vive tão mal que nem tem tempo para pensar, ou então limita-se a sobreviver sem questionar nada. Agora, como estás a descobrir, a vida nem sempre parece fazer muito sentido! A questão do poder e o seu exercício por oligarcas defensores de interesses particulares sobrepõe-se à organização da sociedade de forma a satisfazer as necessidades essenciais dos povos. Sei que acreditas demasiado nas pessoas e no bem… e isso preocupa-me porque sei que vais sofrer… mas mil vezes assim do que seres céptica. Sem abandonares os valores em que acreditas, os sonhos e as utopias, tens que aprender a viver com estas realidades”

Trata-se da resposta do Zé Ceitil à então consternação e profunda tristeza pela qual a Marta estava a passar pela sua “terra do coração” quando se estava perante a tentativa de golpe de estado (mais um) na Guiné-Bissau em 2010.

Fico por aqui nesta minha homenagem/recordação a este meu amigo.

Hélder Sousa

  

2. O José Ceitil tinha já, à data da sua morte, uma meia dúzia de referências no nosso blogue, nomeadamente como pai da Marta Ceitil,  amigo do Hélder Sousa e autor do livro "Dona Berta de Bissau".

 Não conheci pessoalmente o Zé Ceitil. Mas,  pelo que já antes havíamos publicado no nosso blogue, é um típico representante da nossa geração: um bom homem, uma pessoa que se fez a si mesma, um cidadão proativo, um amigo do seu amigo, e que, além disso, por amor da filha Marta,  se tornou também um amigo da Guiné e do povo guineense.

Agradeço ao Hélder Sousa a bela e justa evocação que faz do seu grande amigo, conterrâneio e colega de infância. De resto, ele lembra-nos que "o Zé Ceitil foi colega do Zé Brás como comissário de bordo da TAP e acho que também ainda foi contemporâneo do João Sacôto".

Apresento à Marta e demais família Ceitil os nossos votos de pesar pela perda do pai e parente. E por tudo o que aquilo que já aqui foi dito, tomo a liberdade de propor a integração deste nosso amigo, o José Ceitil,  na Tabanca Grande, a título póstumo. O seu lugar é o nº 815. O  seu exemplo de vida inspira-nos e honra-nos.

Foto da preparação da candidatura à Direcção da UDV para 2009-2011

 

Foto da Mesa na apresentação pública do “Manifesto da Memória da Secção Cultural da União Desportiva Vilafranquense” em 2011

Fotos (e legendas): © Hélder Sousa (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legedagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:

sábado, 14 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13281: Agenda cultural (324): José Ceitil, autor de "Dona Brerta de Bissau", vai estar na Feira do Livro em Lisboa, hoje, sábado, 14, às 17h, no stand da editora Âncora

Foto de José Ceitil.



Um dos livros do José Ceitil é a "Dona Berta de Bissau, editado em 2013.  A Dona Berta (1930-2012) foi uma fígura da sociedade guneense, antes e depois da independência. O livro do José Ceitil teve uma excelente aceitação.



1. Mensagem do José Ceitil, nosso leitor e amigo, com data de 11 do corrente
Assunto: Feira do livro em Lisboa

Amigos, no próximo Sábado, às 17 horas, vou estar na Feira do livro no stand da minha editora, Âncora, situado à esquerda de quem sobe!

Gostaria de os ver por lá.

José Ceitril

Título: Dona Berta de Bissau
Autor: José Ceitil
Editora:: Âncora
Local: Lisboa
Ano: 2013
Preço de capa: €16,00
Número de páginas: 200
Formato:  150 mm x 230 mm
Código: 6031
ISBN 978 972 780 374 3
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Nota do editor:

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10798: Notas de leitura (439): "Dona Berta de Bissau", de José Ceitil (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Novembro de 2012:

Queridos amigos,
Acaba de ser dado à estampa o livro que o José Ceitil tão generosamente preparou para homenagear a Avó Berta.
Há quem já proponha que se faça uma petição para que a Pensão Central seja cuidadosamente preservada como espaço de encontro de todos aqueles que foram, estão e continuarão a vir à Guiné guiados pelo ideário de ver a Guiné reconciliada e a progredir. A Pensão Central é o exemplo mais acabado da gestão comandada pelo coração: Dona Berta perdoou muito calote, por artes mágicas, nos tempos mais negros em que na Guiné tudo faltava, pôs sempre comida saborosa na mesa dos seus clientes, sempre uma sopa, um prato de peixe e de carne, depois doce ou fruta, preço mais abordável não havia na Guiné. A Pensão Central acolheu aquela juventude plena de generosidade, constituída maioritariamente por portugueses que vieram cooperar e que ainda hoje ganham saudades do tratamento da Avó.
Dona Berta é a figura mais eloquente para exemplificar que um porto de abrigo como a Pensão que ela criou e geriu com tanta intensidade marca os povos e mostra como a Guiné pode desenvolver-se pelos valores da paz e de hospitalidade.

Um abraço do
Mário


D. Berta de Oliveira Bento, a homenagem merecida

Beja Santos

A Pensão Central tem sido, há várias décadas, o porto de abrigo de todos aqueles, das mais desvairadas proveniências, arribam a Bissau seja para trabalhar seja em romagem de saudade. Uma afabilíssima mulher pôs em andamento, comandou e recebeu todos os seus hóspedes com um sorriso tão doce que ninguém jamais o esqueceu. Agora, no ocaso da vida, José Ceitil, que beneficiou do acolhimento da Pensão Central, escreveu o livro “Dona Berta de Bissau”, que acaba de ser publicado pela Âncora Editora. Ceitil traça a trajetória desta rapariga cabo-verdiana que aos 24 anos se deslocou a Bissau para acudir uma irmã mais velha, criou laços tão fortes com guineenses, famílias de militares e cooperantes, foi tão prodigiosa a tratá-los e a alimentá-los nas circunstâncias mais dramáticas que se percebe perfeitamente que nunca desejou sair da sua tão amada Guiné. O acervo de depoimentos polariza-se neste afeto e nesta doce recordação que tão estimável senhora, uma verdadeira sinhara do século XX, perdura no coração de milhares de pessoas.

Ceitil teve a gentileza de me pedir um depoimento sobre os laços que com ela estabeleci e é com muita alegria por haver tão sentidamente homenageada que aqui transcrevo o que por ela sinto, sentimento que jamais me abandonará, tal e tanta é a minha gratidão pelo que ela fez por mim:

“A D. Berta e a sua pensão são instituições internacionais, unem continentes, são pessoa acolhedora e espaço residencial único, há décadas, ali viveram participantes e figurantes de várias guerras, investigadores, cooperantes, gente abnegada que veio cheia de sonhos, à espera de ver a Guiné-Bissau florir.
A D. Berta entrou na minha vida quando casei, em Abril de 1970, em Bissau. Passámos, a Cristina e eu, uns dias em casa dos meus padrinho Elzira e Emílio Rosa, a seguir a alguns dias no Grande Hotel onde, a pretexto da chegada de personalidades distintíssimas, fui avisado quase em cima da hora que tínhamos de sair no dia seguinte. No meio da perplexidade, alguém me recomendou: “Olha, vamos daqui até à Pensão Central, é ali ao lado da Catedral, é certo e seguro que a D. Berta vai desenrascar a situação”. E desenrascou mesmo.

Para quem não sabe, a Pensão Central resistiu à guerra de 1963-1974, esteve sempre acima de todos os golpes de Estado, guerras civis e estados de sítio. Mesmo quando houve períodos de escassez de alimentos, o elementar não faltava na Pensão Central. Com a independência, a Pensão Central tornou-se um espaço de livre-trânsito para todos os cooperantes. Quando ali aterrei em 1991, tanto podia almoçar com holandeses ligados a projetos de saneamento de água em Canchungo como peritos do Banco de Investimentos de África, como jantar com os portugueses da Medicina Tropical ou italianos do Fundo Monetário Internacional. Naquele tempo ainda era possível atravessar meia Bissau a pé à noite, despedia-me da D. Berta e rumava para as instalações da CICER, era uma bela caminhada de quase dois quilómetros. Às vezes o Delfim Silva dava-me boleia, era encontros agradáveis sobretudo em noites sem lua. A D. Berta nunca me saiu do coração, estou em crer que nunca saiu da recordação de ninguém que comeu ou dormiu naquela pensão. Uma vez, já em Dezembro de 1991, estava eu desesperado com a inércia a que chegara o projeto que me levara à Guiné (criação de uma comissão interministerial de defesa do consumidor, havia decisão do presidente Nino Vieira, o ministro português Carlos Borrego criara uma linha de financiamento para as instalações, eu conseguira encontrar uma técnica para coordenar a comissão com o perfil adequado, mas nada mexia, as nomeações não se faziam, não era possível obter a concordância para o início das obras das instalações, sitas no antigo Quartel General), e a D. Berta vendo-me à varanda abatido, chegou ao pé de mim e com voz consoladora, disse-me: “Vá lá, pense na Guiné, que o trouxe cá de novo, pense no bem da nossa gente, o que não sair perfeito hoje dar-lhe-á saudades para voltar mais tarde...”. E o meu estado de espírito mudou. Infelizmente, nada avançou, fizeram-se ainda uns programas televisivos, creio que tudo caiu no olvido.

A D. Berta era tida como uma santa, alegrou a vida de muita gente, transformou o espaço anónimo de uma pensão numa casa de vínculos perduráveis. Um dia, escrevi o seguinte: “Só espero que alguém transmita à D. Berta que eu estou pronto para voltar, receber dela um beijinho, sentar-me à varanda, ouvir os sinos da Catedral, o bulício da Avenida Amílcar Cabral, sentir os cheiros do velho mercado, talvez a maresia que vem lá debaixo, do Pidjiquiti. Então, vou fechar os olhos e regressar a 1970, ali a dois passos vou ver entrar alguém que me irá falar num massacre que ocorreu nesse dia no chão manjaco, subo até ao cinema da UDIB, o passeio findará no Museu e no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, onde juntei tantos elementos para os meus livros. Depois abro os olhos, vou sorrir para a D. Berta e dizer-lhe como ela está sempre bonita, ninguém com aquele sorriso poderá envelhecer ou ser esquecido. E, claro está, iremos conversar, ela vai querer saber o que vim fazer à Guiné. Tenho quase a certeza que a vou emocionar com a Viagem do Tangomau. Nada poderá ser impossível para a D. Berta, mesmo ter um tangomau como hóspede...”.

Pois o sonho aconteceu, a roda da fortuna caiu para o meu lado. Estava a viver infernizado a escrita de A Viagem do Tangomau, descobri que tinha que voltar à Guiné. E voltei mesmo. A 18 de Novembro de 2010, rompia o dia, entrei pela Pensão Central e perguntei pela Avó Berta. Pouco depois ela surgiu atrás do seu andarilho. Há emoções que não se esgotam nas palavras. Soluçámos naquele abraço estreitado, houve até uma chuva de críticas, uma censura sentida, não lhe dera conhecimento da chegada, eu devia saber muito bem que era ali que devia ficar, nunca em pensões alheias ou hotéis. Quis saber tudo sobre o meu trabalho, o que me trazia à Guiné. Com aquela voz meiguinha de sempre, perguntou-me se eu tinha esquecido a canja de ostra, fui veemente: “Não se come melhor canja de ostra que na Pensão Central, a Avó sabe muito bem”. E determinou: “Pois amanhã vem cá comer sopa de ostra, é em sua honra”. Naquele dia acabei por almoçar lá, fui levado pelo embaixador António Ricoca Freire. Cumprida a minha missão em Bissau, parti para a região de Bambadinca, mas a Avó Berta assegurou-se dos seus direitos: “Quando vier, ficará aqui até partir, por favor não discuta mais”.

Assim aconteceu. Tivemos serões inolvidáveis, fiquei a saber toda a história da Pensão Central, do princípio até ao presente. O relato da Avó foi impressionante, não havia ali uma réstia de farronca ou sobrançaria, ela viveu o que tinha a viver, a pensão transformara-se na obra da sua vida. Sei muito bem que quando estiver a ultimar o final do romance irei sentar-me na varanda do segundo andar da Pensão Central, anoiteceu, chegou o lusco-fusco tropical, ouve-se lá em baixo o caminhar tonto das viaturas a fugirem aos buracos da Avenida Amílcar Cabral. Desço para agradecer tudo à Avó, as suas deferências e as suas repetidas provas de generosidade. Ela pede-me que lhe enviei uma imagem da Nossa Senhora de Fátima, o que irá acontecer, o portador será o embaixador António Ricoca Freire. Depois ainda telefonei à Avó para lhe pedir que recebesse a investigadora alemã Tina Kramer. E a Avó disse-me: “Venha depressa, estou doente, quantos mais amigos aqui tiver à minha volta, melhor”.

Tenho que escrever A Viagem do Tangomau depressa. E preciso que Deus me ajude dando-me ideias para um romance em que eu volte à Pensão Central, àquele universo de muitas reconciliações, aquela permanente casa de paz que aspiramos para toda a Guiné.”

Reencontro com a Avó Berta, na manhã do dia 18 de Novembro de 2010, ficámos assim depois de uma grande choradeira
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10781: Notas de leitura (438): "A Curva do Rio", de V. S. Naipaul (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10795: In Memoriam (135): Dona Berta de Bissau (1930-2012) (Hélder Sousa / Patrício Ribeiro / Antº Rosinha)



Página de ontem, 12, do sítio Pensão Berta..."É com muita tristeza, mas também alguma paz no coração, que escrevo aqui a noticia da morte da Avó Berta. Cumprido que estava o seu enorme papel na vida de cada um de nós, partiu em paz e ficara para sempre no nosso coração como uma inspiração e modelo de vida. Obrigada, Avó, por tudo! A partir do início da tarde estará na Igreja de Santo Contestável, em Campo de Ourique,  para que nos possamos despedir."... E hoje a editora da página acrescentava a seguinte informação: "Despedida da D. Berta  >  Exéquias da D. Berta Bento: amanhã (dia 14) chegada do corpo à Basílica da Estrela. Sábado (dia 15) pelas 10h30 missa, 11h00 funeral para o crematório da Póvoa de Santa Iria."

O blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, também conhecido por Tabanca Grande, deixa aqui, publicamente, os seu votos de pesar pela perda desta grande mulher do povo, e ao mesmo tempo de homenagem pelo seu exemplo de humanidade: ela teve o condão  de tocar todos aqueles que com ela conviveram, que a conheceram, ou que simples beneficiaram da sua hospitalidade, nesse porto de abrigo que era a Pensão da Dona Berta, em Bissau, durante e depois da guerra colonial.


1. Texto enviado hoje mesmo pelo Hélder Sousa:

À DONA BERTA DE BISSAU

Caros camaradas, amigos e outros…

Devia estar agora a fazer um breve relato do que foi o lançamento do livro de José Ceitil dedicado à Dona Berta, ao qual assisti.

É sabido que esse livro, a que foi dado o nome de “Dona Berta de Bissau”, pretende ser a concretização da homenagem escrita feita a essa grande Senhora, homenagem várias vezes tentada, agora concretizada e inteiramente merecida. Mas hoje, agora mesmo, é também já uma ‘homenagem póstuma’ pois foi dado conhecimento que a Dona Berta faleceu.

Deste modo, este relato assume então uma função dupla: o registo da apresentação/lançamento do livro com a “homenagem à sua vida”, consubstanciada nos relatos do seu conteúdo e também a referida “homenagem póstuma”. (*)

A sessão decorreu, em minha opinião, com elevado nível e boa representação de público variado, sendo certo que a ligação à Guiné estava, evidentemente, presente em todo o lado. Há no livro referências ao nosso Blogue, como fonte de recolha de informação e há depoimentos de pessoas que são ‘tabanqueiros’. Ao dirigir-me para o local da sessão cruzei-me no pátio de acesso com o Mário Beja Santos e lá dentro, com o auditório cheio, estive e falei com o João Paulo Dinis e no final com o Eustácio. Vi, mas não cheguei a falar, com o Francisco Henriques da Silva e outro elemento que não me ocorre agora o nome.


Foto nº 1 

Na foto nº 1,  pode-se ver a mesa que presidiu à sessão, estando da esquerda para a direita, no uso da palavra, Marta Jorge, jornalista da RTP e ex-delegada da RTP na Guiné-Bissau durante vários anos e que fez o prefácio do livro, Mónica Azevedo, agente da cooperação portuguesa e administradora do Blogue “Pensão D. Berta Bissau”, António Baptista Lopes, proprietário da editora Âncora, José Ceitil, autor do livro, Céu Marques, sobrinha da D. Berta, Gisela Rocolle, agente da cooperação portuguesa. Vêm-se também dois músicos guineenses, o Mamadu Baio e outro que não colhi o nome.


Foto nº 2

Na outra foto (foto nº 2) com a panorâmica do auditório temos na primeira fila vários familiares da Dona Berta, vendo-se também, mais à direita, a Marta Ceitil que continua o seu trabalho na Guiné, levando já lá mais tempo que o que utilizámos nas nossas comissões. Na fila a seguir vê-se o embaixador Francisco H. da Silva e eu encontro-me em pé, na coxia, que acabou por também encher.

Da leitura do livro (, vd. foto nº 3, expositor),  que, na prática é um misto do percurso da vida da Dona Berta desde que chegou à Guiné, “para passar um mês”, ficando todo este tempo por lá, entrelaçando esse percurso com a própria história da Guiné, vamos conhecendo mais e melhor a Dona Berta e a razão porque tantos se consideram hoje seus “filhos” e “netos”, não escondendo a sua grande admiração e gratidão a uma personagem que se tornou amiga, “mãe”, confidente, e até ‘milagreira’, no modo como do ‘nada’ conseguia desencantar o que era preciso, e não nos esqueçamos que se atravessam os períodos da luta pela independência, de guerras civis, de intervenções estrangeiras e de conflitos sempre latentes e sempre presentes.


Foto nº 3

Todos os depoimentos que estão plasmados no livro são unânimes em reconhecer a importância do papel que a Dona Berta teve na sociedade de Bissau, nos pequenos pormenores e nos momentos de maior angústia, nas recordações dos momentos agradáveis passados na Pensão Central, nas conversas na varanda, nos gelados saborosos, etc.

A história da Dona Berta faz-nos lembrar que em qualquer lugar e circunstância a atitude marca a diferença e isso pode ser muitas vezes a separação entre a esperança, a alegria, a confiança e o desespero, a amargura, a descrença, e essa postura é o que mais ressalta do que foi o comportamento da Dona Berta.

Um abraço para toda a Tabanca!

Hélder Sousa  [, foto à direita]
Fur Mil Transmissões TSF

Créditos fotográficos: Sofia Lima / Editora Âncora. (**)


2. Mensagem de Patrício Ribeiro, enviada esta manhã, de Bissau  [, foto à direita]

 Sobre a noticia que tive ontem há noite em Bissau, quero passar a todos.

D. Berta de Bissau, a sua morte em Lisboa.

Hoje aqui em Bissau, resta-me passar junto ao edifício, que o foi a Pensão Central, olhar para a escada que durante três décadas subi para ir almoçar e para a varanda onde descansava um pouco depois do almoço.

Bem haja ao José Ceitil, pela publicação do livro, ela esperou e depois foi …

É assim a vida...

Patricio Ribeiro
IMPAR Lda
Av. DomingosRamos 43D - C.P. 489 - Bissau , 
Tel / Fax 00 245 3214385, 6623168, 7202645, Guiné Bissau
Tel / Fax 00 351 218966014 
Lisboa www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com 


3. Depoimento de António Rosinha:

 A Dona Berta tinha a imagem típica dos velhos "portugueses tropicais" que possuiam um carácter português diferente do português metropolitano.

Os Portugueses tropicais tinham defeitos e qualidades diferentes dos portugueses metropolitanos. Esses portugueses estão em extinção lá, no antigo Ultramar, têm vindo a "refugiar-se" na antiga Metrópole,  no Brasil e na Europa em geral.

Passei anos maravilhosos em companhia de pessoas como a Dona Berta em Bissau e em Luanda, e também fui comensal da pensão da Dona Berta.

Como todas as centenas ou milhares(?) de cooperantes portugueses que foram seus hóspedes, também eu a lembro com saudade.

Paz à sua alma.
_________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série >17 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10685: In Memoriam (134): Amália Martins Reimão, enfermeira paraquedista do 3º Curso (1963)... Cumpriu a sua missão nos TO da Guiné e Angola e no HM Força Aérea... Família, amigos e camaradas despedem-se hoje, às 16h30, na igreja de Queijas (Oeiras) e no cemitério de Rio de Mouro (Sintra)

(**)  Ficha técnica:

Título: Dona Berta de Bissau
Autor: José Ceitil
Editora. Âncora
Local: Lisboa
Preço de capa
€16,00
Número de páginas 200
Formato 150 mm x 230 mm
Código: 6031
ISBN 978 972 780 374 3

Sinopse:

 História oficial dos povos realça os nomes e feitos dos governantes vencedores e os defeitos dos vencidos mas raramente refere as pessoas singulares que não pertencem às elites próximas do poder, mesmo que tenham enorme dimensão humana. Como é o caso de Berta Bento.

Berta Bento viveu em Bissau a maior e também a melhor parte da sua vida. Embora tenha nascido em Cabo Verde e ser filha de cabo-verdianos, desde que chegou à Guiné em 1948, sentiu-se em casa e aos poucos começou a sentir-se também parte desse povo, um povo que se tal lhe fosse permitido apenas o desejaria ser.

Narrar o seu percurso numa terra habitada por povos antigos e diferentes entre si, caldeados numa convivência interétnica precária geradora de visões culturais e divisões políticas que tornam difíceis os dias de quem, como a D. Berta, apenas deseja viver em paz é o desígnio desta biografia.
A biografia é uma homenagem e um tributo a que só têm direito aqueles que se destacaram no seu tempo e por isso merecem que o registo do que fizeram perdure para além dele. O que se segue é o resultado das entrevistas por mim feitas à D. Berta na Pensão Central em Maio e Dezembro de 2010.

Se foi isto que me quis contar então é porque a verdade é assim mesmo, tal e qual, pois é sabido que na linguagem dos sábios mesmo que a verdade com que traduzem a realidade seja contada através de algumas metáforas, não deixa de ser menos real.  Por outro lado se é uma quase evidência que as lendas podem ser mais úteis do que os factos, então a realidade pode muito bem continuar ao alcance da verdade de cada narrador que neste caso, procurando completá-la com outros olhares, socorreu-se do testemunho de pessoas que conheceram e gostosamente acederam em partilhar as memórias que têm desta admirável Senhora. (Da Introdução).-

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10670: Agenda cultural (235): Lançamento do livro Dª Berta de Bissau, de José Ceitil, no dia 21, 4ª feira, pelas 18h00, na sede da CPLP, em Lisboa, Rua de São Mamede (ao Caldas), nº 27, com atuação do músico Mamadu Baio, natural de Tabatô (José Ceitil / Hélder Sousa)


1. Mensagem,com data de 10 do corrente, enviada por José Ceitil:



Boa noite, Luís Graça
Junto convite e o pedido de divulgação no seu blogue. Seia um prazer contar com a sua presença.

Cumprimentos, José Ceitil.





Página de rosto do blogue Pensão D. Berta Bissau, criado em 21 de agosto de 2008, por uma das suas "netas", a Mónica Rodrigues:

Cantinho da Avó Berta na Net!... Finalmente um ponto de encontro no ciber espaço para todos os que passaram pela Pensão Central da D. Berta e têm saudades da Avó, da sopa de ostras, da cachupa, das omeletes de camarão e do Alves, é claro!!!!! E que querem divulgar a Pensão Central a outros que vão a Bissau!"... 




Guiné-Bissau > Bissau > Pensão Central, da Dona Berta, uma verdadeira instituição, com direito a foto na Wikipedia, the free encyclopedia... Ver aqui a entrevista que a Dona Berta, aos 80 anos, deu, em Cabo Verde, ao Expresso das Ilhas, em 15/8/2010.

2. Comentário do nosso colaborador permanente, Hélder Sousa, com data de 11 do corrente, a pedido do editor L.G.:


Olá,  Luís:
Estou sempre na esperança de 'ter tempo', mas isto está difícil...

Pois, relativamente à divulgação deste evento, a apresentação/lançamento do "Dª. Berta de Bissau", acho que não ferirá muito a sensibilidade dos que reclamam, com alguma pertinência, é certo, haver recentemente muita divulgação de acontecimentos de carácter cultural que, aparentemente, não estariam no que eles entendem ser o âmbito do Blogue.

Não conheço o conteúdo do livro mas sei que pretende ser a história de vida da Dª. Berta, concomitante da "Pensão Central". O título escolhido de "Dª. Berta de Bissau" parece-me feliz e permite 'visualizar' o conteúdo, marcando-o bem.

Nessa perspectiva considero uma justa iniciativa, bem merecida, já que tanto o estabelecimento como a pessoa que lhe dava, e dá ainda, rosto, estão no imaginário de muitos dos nossos camaradas que 'fizeram a guerra', hospedando-se lá, circulando por lá, fosse em regime mais demorado fosse em alojamento de passagem. 

Já depois da independência é a "Pensão Central" um local incontornável no que respeita ao apoio e identificação de muitos que por foram e estiveram em regime de cooperação.

E ainda hoje assim é. O autor, o meu conterrâneo, amigo e colega de Escola Técnica de Vila Franca de Xira, o José Ceitil, é um homem que gosta de retratar a vida que vê desenvolver-se à sua volta. Tem um outro pequeno livro a que deu o título de "Vidas Simples, Pensamentos Elevados", sendo esse título uma homenagem a um amigo comum, falecido precocemente, Carlos Macieira, que deve ter sido colega de curso em medicina, mais ano menos ano, do Caria Martins, e que a costumava usar com uma outra expressão antecedente: "Luta Dura, Vidas Simples e Pensamentos Elevados", preconizando assim um modo de estar, uma fórmula para 'bem viver'.

O Zé Ceitil, pai da Marta Ceitil que já leva mais tempo de vivência na Guiné do que nós nas nossas comissões, naturalmente que foi visitar a filha à Guiné, várias vezes, para ver 'in loco' como a 'caçulinha' vivia e o que a 'prendia' àquele país, mesmo com todas as dificuldades e perturbações que sabemos e daí a conhecer, estar e aprender com a Dª. Berta foi um passo. Se se acrescentar que a sua sensibilidade o levou a entender a importância da "Pensão Central" e o papel da Dª Berta e o levou a passar ao papel esses sentimentos, somado ao facto de também conseguir 'ver' a Guiné com olhos que não exclusivamente os da desgraça, aguardo com expectativa pelo conteúdo do livro.

Abraço
Hélder Sousa





Mamadu Baio, foto do Facebook

(...) "No estilo afro-mandinga, este músico da Guiné-Bissau, traz a tradição de griots e os instrumentos tradicionais (balafon, kora, djambé, dundumbá, etc.) da sua aldeia Tabatô. Mamadu esteve no Mali a gravar um cd de originais, no estúdio Moffou de Salif Keita, com o seu grupo Super Camarimba. Este conjunto dinâmico de jovens artistas de Tabatô utiliza instrumentos e estilos de dança tradicionais, desenvolve técnicas novas que combinam diferentes influências musicais, promove as tradições “Afro-mandinga” dos seus anciãos em atuações na Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Senegal e Gâmbia. Neste momento Mamadu Baio encontra-se em Lisboa por três meses para se desenvolver musicalmente e conhecer outros artistas com quem possa trocar experiências e promover o trabalho dos Super Camarimba." (...) [Fonte: Lisboa Africana, 12/3/2012].

Recorde-se aqui que o João Graça, membro da nossa Tabanca Grande e da banda musical portuguesa Melech Mechaya (, neste momento em digressão por Cabo Verde e Brasil, no âmbito da 20ª edição do Festival Sete Sois Sete Luas),  conheceu, em finais de 2009, a  mítica Tabatô (que é, na Guiné-Bissau, a tabanca que tem mais músicos por metro quadrado) bem como os Super Camarimba, de que o Mamadu Baio faz parte.

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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de novembro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10664: Agenda cultural (234): Série "A Guerra", de Joaquim Furtado, RTP1 , às quartas feiras, 22h30: os três G, Guidaje, Guileje, Gadamael, em maio/junho de 1973 (Pedro Lauret)