Caro Prof.:
Como no site têm falado na Cilinha, para o caso de querer lá postar, junto em anexo.
Boa saúde
Ab M B
2. Entrevista com Cecília Supico Pinto, para a revista "Combatente", em 16/7/2005 (*)
por Cor Manuel Bernardo
De seu nome completo Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto, era mulher de Luís Supico Pinto, antigo ministro da Economia e Presidente da Câmara Corporativa. É Sócia de Honra da Liga dos Combatentes, para que foi eleita, por aclamação, na reunião da Assembleia Geral de 21 de Junho de 1971.
P.: Na sua qualidade de ex-Presidente do Movimento Nacional Feminino [, MNF], extinto em 25 de Abril de 1974, prestou um depoimento a José Freire Antunes, que foi incluído em "A Guerra de África", vol. I (1995). Gostaria de aprofundar alguns assuntos nele abordados, tal como colocar-lhe outras questões. Uma das inovações lançadas em 1961 foi a dos aerogramas. Pode clarificar melhor a concretização desta ideia?
R.: De facto lançámos essa ideia e conseguimos concretizá-la apesar das dificuldades surgidas. Ainda recentemente fui visitada pelo General Oliveira Pinto, que me ofereceu um livro sobre esse tema, resultante de um trabalho que levou a efeito. Nele lá vem referido que foi o MNF a fazer todas a edições dos aerogramas. Conseguimos a isenção da franquia postal, mas também nos disseram que tal apenas podia ir para a frente se fossemos nós a tomar conta do desenvolvimento desse projecto.
Na altura tínhamos somente mil e quinhentos escudos em caixa ], o equivalente, a preços de hoje, em 16/9/2020, a 663,63 €...] , mas, através da venda de publicidade nos próprios aerogramas, conseguimos editar milhões de exemplares. Vendíamos às famílias a vinte centavos [, nove cênti,os, hoje], sendo grátis para os militares. Nessa época arcámos com toda a responsabilidade e as despesas inerentes.
E não vieram a receber subsídios do Estado para esse efeito?
Apenas cerca de quatro anos antes de 1974, face ao alargamento das três frentes de guerra, é que passámos a receber subsídios do Ministério da Defesa Nacional, assim como apoio jurídico e de contabilidade.
A Administração Militar passou cerca de seis meses no Movimento a verificar toda a nossa documentação administrativa. Deste modo, quando acabou, o MNF tinha todas as suas contas em ordem.
Nos primeiros anos o SPM (Serviço Postal Militar) funcionava mal, dentro de uma grande balbúrdia, onde nós ajudávamos no serviço, com várias senhoras. A certa altura colocaram lá o Major Tavares, que conseguiu dar eficiência ao serviço. Depois, ele queixava-se que nunca mais ia para o Ultramar, pois o MNF não o libertava. De facto, nós com o receio de que tudo voltasse à confusão anterior, fazíamos com que ele não seguisse para o Ultramar quando foi mobilizado. Ficou assim "demorado" por algum tempo.
Quais eram a vossas principais preocupações?
Uma das principais era o facto dos Serviços Sociais das Forças Armadas não funcionarem devidamente. Acabámos por sermos nós a empenharmo-nos nas soluções de determinadas questões.
Uma delas era a subvenção de família, que estava prevista numa lei que não era executada. Ela estipulava que os pais dos militares mobilizados, com mais de 60 anos, tinham direito a esta subvenção. No entanto a lei não era cumprida por desconhecimento das Unidades Militares. Chegou a realizar-se uma reunião, no Governo Militar de Lisboa, com uma nossa delegada, para esclarecer a maneira como a lei devia ser interpretada.
O vosso Movimento nasceu em 1961 ligado às "vicentinas", uma obra da Igreja Católica.
Sim. Ligámo-nos às "vicentinas" cuja presidente nacional era a D. Maria da Glória Barros e Castro. Era uma obra fantástica espalhada por todo o território nacional. Foi essa a principal razão da nossa ligação e cooperação, com a finalidade de conseguirmos chegar a todas as regiões.
Como sabe, o MNF nasceu oficialmente em Junho de 1961, quando levámos a efeito uma sessão pública na Sociedade de Geografia, com a difusão do nosso programa através da RTP e de outros órgão de Comunicação Social.
No entanto, na parte final da guerra, houve uma evolução negativa da parte de alguns sectores da Igreja em relação ao Ultramar...
Claro que nessas ocasiões acabam por surgir alguns elementos oposicionistas. No entanto, sempre tivemos óptimas relações com os elementos da Igreja, nomeadamente com os capelães militares que prestavam com eficiência o seu serviço de assistência religiosa nas Forças Armadas. Eram uns grandes "pedinchões", como nós dizíamos. Mas era tudo em defesa da melhoria das condições de vida dos militares no mato.
Recordo que chegámos a espalhar por grande parte das cantinas e bares das três frentes de guerra aqueles jogos de bola com bonecos, os designados "matraquilhos", que eram muito apreciados. Isto além de livros, revistas e material didáctico.
Editaram também a revista "Presença"?
Sim. Começou sendo directora a Luísa Manoel de Vilhena, em meados da década de sessenta. Era uma boa revista, muito bem paginada e com bons colaboradores.
Mais tarde editámos igualmente a "Guerrilha", um jornal mensal, que teve como directores o Martinho Simões e, depois, o Mário Matos e Lemos.
Uma das vossas preocupações foi também resolver o problema das trasladações dos militares falecidos no Ultramar...
Claro. Inicialmente tínhamos a preocupação de fotografar as campas onde eles eram enterrados para enviar às famílias e, em Angola, chegou a existir um movimento das senhoras locais para manterem as campas com flores.
Recordo ainda que havia uma lei em relação à Guiné, em que o militar, antes de seguir para lá, tinha que assinar um documento onde afirmava que, em caso de morte, a família tinha que se ocupar da trasladação do corpo para o Continente. Telefonei ao Ministro da Defesa, General Luz Cunha e disse-lhe: “Eu tenho aqui um documento que diz isto e eu não posso acreditar que seja verdade.” Respondeu-me: “Mande-me imediatamente esse papel!” Assim foi e nunca mais tal sucedeu.
A partir de 1967 o Exército passou a ocupar-se das trasladações para o Continente.
Sim e foi devido à pressão que fizemos nesse sentido. Nós estávamos sempre de "olho aberto". De tal modo que o Dr. Franco Nogueira afirmava que a verdadeira oposição no País éramos nós, porque chamávamos a atenção para tudo o que estava errado. E é verdade.
Outro aspecto que também corrigimos foi o caso da vacina contra a febre amarela, que era aplicada na altura do embarque, o que era contra-producedente. Tinha que passar algum tempo para depois fazer marchar os militares para o seu destino.
Nos seus contactos pessoais com o Professor Salazar, não se apercebeu das razões por que ele nunca quis ir ao U1tramar?
Não sei porquê, já que ele tinha a paixão do Ultramar. Cheguei a dizer-lhe: “Olhe, Sr. Dr., se eu fosse a si, fazia assim, Portugal com a capital em Luanda”. Riu-se e disse. “Tenho que ir lá...; tenho todo o interesse em lá ir.”
Mas tinha receio de andar de avião...
Ele não gostava. Foi uma vez de avião, com uma senhora muito amiga, conhecida desde miúdos, que era a Geny Aragão Teixeira, mais tarde esposa do Prof. Francisco Leite Pinto, que foi Ministro da Educação Nacional. Ocorreu num 28 de Maio, em que fomos todos a Braga. Depois ela perguntou-lhe: “Então que tal?”. Resposta dele: “Foi o que fiz toda a vida, não fumar e apertar o cinto...”
Não notou uma grande diferença entre a liderança de Salazar e a de Marcello Caetano?
Claro! Julgo que o segundo não esteve à altura do que o País precisava dele, naquela época.
E a sua opinião sobre o General António de Spínola?
Foi um valente guerreiro, patriota e um bom militar em Angola e na Guiné. Nada mais do que isso. Como escritor e político deixou muito a desejar...
Para terminar poderá fazer um ponto de situação em relação à guerra no Ultramar, em 1974?
A guerra em Angola estava ganha. A Guiné era um problema e sendo ela perdida, seria muito complicado para o resto.
Também acho que faltavam muitos meios nas Unidades, incluindo o armamento. A Guiné foi grave. A minha "Guinezinha" como eu costumo dizer, tão pobrezinha... Olhe que tenho a camisola amarela de zonas de intervenção visitadas. Cheguei a ir umas quatro vezes a Madina do Boé, a Buruntuma, a Nova Lamego e a muitas outras zonas de combate. Nunca virei a cara e posso andar em qualquer sítio de cabeça bem levantada. Muitas vezes ia à frente das colunas e cheguei inclusivamente a "picar" a estrada.
Sobre Moçambique, que era muito grande, o problema era também complicado... De qualquer maneira devia ter-se enveredado por outros rumos. Por exemplo, por que não se fizeram novos Brasis?
Depois do 25 de Abril e durante muito tempo recebia cartas de naturais desses países, onde me diziam que gostariam de receber de volta os portugueses. O que sucedeu foi o pior que poderia ter acontecido. Foi uma tristeza. E até uma vergonha.
Sabe que também havia muitos oficiais descontentes com a maneira como foi tratado, pelo regime, o caso da Índia...
Sim e não só. Havia também o problema das mulheres dos oficiais que faziam comissões seguidas, assim como o caso dos brancos lá residentes, que não se portaram da melhor maneira. Eu assisti a muitos desses problemas e tentava apaziguar dentro das minhas possibilidades. Mas já era uma situação demasiado complicada...
(*) Entrevista realizada em 16-7-2005, no Hospital de Santa Maria em Lisboa, onde se encontrava internada, pelo Coronel Manuel Amaro Bernardo
2. Nota do cor Manuel Bernardo dobre o falecimento de Cecília Supico Pinto (1921-2011):
Caros combatentes:
Sobre esta Senhora, quero referir que apenas a conheci em Julho de 2005, quando fui encarregado pela revista Combatente, da Liga dos Combatentes, de a entrevistar quando estava com baixa no Hospital de St. Maria.
Além de ter sido publicada nessa revista, também faria parte do conteúdo do livro "A Mulher Portuguesa na Guerra (...)", editado por aquela Liga em 2008.
Desse texto realço alguns pontos importantes, nomeadamente em relação às suas diligências sobre a solução de problemas dos combatentes.
Sobre os aerogramas afirmou:
"De facto foi o MNF a fazer todas as edições dos aerogramas. Conseguimos a isenção da franquia postal, mas também nos disseram que tal apenas podia ir para a frente se fossemos nós a tomar conta do desenvolvimento desse projecto. Nessa altura tínhamos apenas mil e quinhentos escudos em caixa, mas, através da venda de publicidade nos próprios aerogramas, conseguimos editar milhões de exemplares. Vendíamos ás famílias a vinte centavos, sendo grátis para os militares. Nessa época arcámos com toda a responsabilidade e as despesas inerentes."
Sobre as trasladações dos militares falecidos afirmou:
"(...) Recordo que havia uma lei em relação à Guiné, em que o militar, antes de seguir para lá, tinha que assinar um documento onde afirmava que, em caso de morte, a família tinha que se ocupar da trasladação do corpo para o Continente. Telefonei ao Ministro Silva Cunha e disse-lhe: «Eu tenho aqui um documento que diz isto e eu não posso acreditar que seja verdade». Respondeu-me «Mande imediatamente esse papel!». Assim foi, e nunca mais tal sucedeu. (...)"
Sobre as suas idas à Guiné, disse:
"(...) Cheguei a ir umas quatro vezes a Madina do Boé, a Buruntuma, a Nova Lamego e a muitas outras zonas de combate. Nunca virei a cara e posso andar em qualquer sítio de cabeça bem levantada. (...)"
Cecília Supico Pinto ainda deu mais uma entrevista em 2008,que foi publicada na revista do Expresso, em 16 de Fevereiro.
Com estes destaques pretendi, nesta sua despedida, homenagear o grande esforço despendido por esta Senhora no apoio aos combatentes do Ultramar
Que descanse em paz!
Cor Manuel Bernardo_____________
Nota do editor: