Aproveito para te informar que, com muita pena minha, já não vivo na Marteleir,. Lourinhã, desde setembro de 2015 e talvez por isso nunca nos encontrámos este ano, apesar de todas as sextas-feiras lá estar presente para o jantar habitual da nossa tertúlia "raiz de cana".
Como verás, o motivo do "escrito" foi o encontro com um ex-camarada de Cufar [, da CCAÇ 4740]. Talvez mais encontros me levem a dar mais alguma colaboração.
Verifiquei que, apesar de num texto sobre o sequestro em Bambadinca pela CAÇ 22 [ou 21 ?] (**), de que fui testemunha e prestei informação estar identificado como tabanqueiro nº 625, não consto na lista [alfabética] dos tabanqueiros, o que gostaria, pois permitia ter talvez contacto com outros camaradas visitantes do Blog e que me conhecessem.
Por hoje não te incomodo mais, apenas te envio o texto em anexo para tua análise e aprovação e também as melhores saudações com votos de saúde e alegria.
Luís Mourato Oliveira
PS - Seguem em anexo imagens de mina anticarro soviética bem como espoleta MUV 2 que não enviei no primeiro correio
2. Comentário do editor LG:
Luís:
Tens toda a razão, foi uma notória falha minha, tinha-te prometido apresentar a tua pessoa, ao pessoal da Tabanca Grande, como o novo membro, com o lugar nº 625, de modo a poderes passar a desfrutar melhor, face a face, da companhia dos amigos e camaradas da Guiné que se sentam á sombra do nosso mágico e protetor poilão...
Isto passou-se em 23/7/2013, imagina (!), há mais de três anos atrás!... Eu tinha acabado de regressar de Luanda e vinha cansado (*). A verdade é que o que te prometi, não cumpri nesse fim de semana,,, Faço-o hoje, tardiamente, mas com todo o gosto, por ter na nossa companhia não só um lourinhanense (ou descendente de lourinhanses) mas também um camarada que comandou (e foi o último comandante de) os bravos do Pel Caç Nat 52, e que andou por terras que eu também calcorreei, com o mítico Mato Cuor, no regulado do Cuor...
Já não te posso dar o lugar nº 625, entretanto ocupado, mas passas a ter um outro lugar, cativo, sob o nº 730. Depois do Henrique Matos, do Joaquim Mexia Alves, e do Mário Beja Santos (por ordem alfabética, não necessariamente histórica), passas a ser o quarto comandante do Pel Caç Nat 52 a integrar a nossa Tabanca Grande.
Um alfabravo, espero poder encontrar-te um dia destes, por terras da Lourinhã, entre a Praia da Areia Branca e a Marteleira. LG
3. Estórias mal contadas que fazem História
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Capa do livro |
por Luís Mourato Oliveira
Na passada semana tive a surpresa do camarada “cufariano” da CCAÇ 4740, Mário Oliveira, ex-furriel mec auto daquela companhia e um dos administradores do site daquela unidade que ele próprio criou conjuntamente, com o ex-alferes Zêzere e com o ex-furriel Faria, me contactar através do Facebook.
Dizia-me ele que, semanalmente e com rigor, todos os sábados se desloca à Ameixoeira, onde actualmente resido, para visitar a sogra e almoçarem em convívio familiar com esta, bem como com os seus cunhados, e que seria agradável encontrarmo-nos para um café e uma boa cavaqueira.
Respondi imediatamente que teria todo o gosto neste encontro após quarenta e três anos em que apenas tivemos oportunidade de trocar recordações e notícias através do site por ele criado. Combinámos o encontro e à hora combinada lá estávamos nós sentados no café do Sr. Manuel, nas galerias de Santa Clara.
Para minha surpresa reconhecemo-nos imediatamente, não graças à boa memória dos nossos rostos dos vinte anos nem porque não mudámos nada desde essa data, mas sim pelas fotografias e postes que vamos trocando no Facebook. As tecnologias têm algumas vantagens!
Foi uma manhã de convívio muito agradável, sobretudo porque rebuscámos as boas lembranças daquele tempo. Celebrámos o facto de termos tido uma vida sã e com alegrias durante a nossa vida na tropa bem como no tempo que se seguiu e não abordámos nem agruras nem tragédias antigas para que o encontro celebrasse apenas as coisas boas da vida.
Uma das boas lembranças que trocámos foi um dos milagres de Cufar, de certeza que aconteceram muitos mais, que ocorreu em julho de 1973 e que é relatado no livro “Diário da Guiné“, da autoria do nosso camarada António Graça Abreu [, pág, que connosco conviveu esse período que a todos marcou e de quem tenho estima e consideração, apesar de aqui vir corrigir a estória que, segundo ele, ocorreu no dia 11 daquele mês.
Estou certo de que o que Graça Abreu escreveu e a que só não correspondem os actores do acontecido naquele dia, não se deve a uma voluntária alteração dos factos, mas sim à narrativa que lhe foi dada dos acontecimentos e que aceitou como boa e posteriormente a transcreveu, ficando assim para a construção da História.
Nesse dia um popular de Matofarroba dirigiu-se ao aquartelamento e denunciou que uma mina anticarro tinha sido colocada à entrada do aldeamento, na altura uma aldeia restruturada através da acção de reordenamentos lavada a cabo na Guiné.
Um grupo dirigiu-se ao local, localizou e levantou a mina. Tratava-se de uma mina anticarro russa, uma arma de uma simplicidade letal que se resumia a um caixote de madeira com cerca de sete quilos de trotil e uma espoleta que cedia com a pressão da uma viatura provocando assim os estragos que todos nós conhecemos. O caixote foi assim simplesmente levantado, transportado para a unidade e “arrumado” na secretaria da companhia sobre a secretária do já falecido primeiro-sargento Xavier…e lá ficou.
O alferes do terceiro pelotão, Luís Oliveira, eu próprio [. e não o capitão, segundo a versão do António Graça de Abreu, vd. ponto 4, a seguir], entrou por acaso na secretaria, talvez para ver a mina “apreendida”, porque não era local que frequentasse com regularidade, e movido por uma curiosidade perigosa sobre a arma do inimigo e para verificar se esta tinha sido desarmada antes de estar assim exposta, rodou a tampa de baquelite que ocultava e dava acesso à espoleta MUV que deveria fazer a mina explodir.
Para grande surpresa minha e ainda maior susto, verifiquei que, após a tampa de baquelite estar completamente desenroscada, alguma coisa a prendia e a impedia de se soltar do caixote mortal. Com o máximo cuidado detectei que a na base da rosca da tampa tinha sido feito um pequeno orifício e que neste estava preso um cordel que impedia a tampa de se soltar. Também rapidamente concluí que o mesmo cordel estava lasso e que, se havia perigo, o pior já tinha passado.
Informei imediatamente os presentes na secretaria para que saíssem porque a mina estava armadilhada, cortei o cordel que accionava a armadilha, retirei a espoleta MUV que armava originalmente o engenho e com ajuda de alguém foi retirada a tampa de madeira do “caixote” ainda mina.
Havia uma segunda espoleta MUV soldada no trotil e armada no dispositivo de tracção onde estava atada a outra ponta do cordel. Na tampa da mina estavam pregados grosseiramente alguns pregos que deveriam servir de guia ao cordel para que, ao desenroscar a tampa de baquelite, a tração do mesmo fosse orientada para que a espoleta fosse accionada e o engenho explodisse. Felizmente isso não aconteceu e, se assim fosse, como calculam, não poderia hoje estar a contar esta estória.
Posto isto, e para que as estórias contribuam para a História com o máximo de rigor, mais que a corrigir a narrativa do Graça Abreu em que só os autores não correspondem aos acontecimentos ocorridos, ficam-me na memória a série de condutas incorrectas na acção de levantamento da mina que são reveladores da impreparação dos nossos militares e da falta de liderança para algumas acções que, pela sua delicadeza e perigosidade. exigiam profissionalismo e regras de procedimento rigorosas e aplicadas exclusivamente por especialistas.
Concluindo, após a identificação e localização da uma mina, esta deveria ter sido detonada no local por especialista de minas e armadilhas, evitando assim o risco desta estar armadilhada e infringir baixas desnecessárias quer às NT quer à população civil e evitaria também os erros subsequentes que se sucederam.
A mina deveria ter sido desarmada por um especialista que melhor do que eu teria gerido o desarme da armadilha lá colocada.
O mais caricato desta estória foi a mina ter sido depositada na secretaria sobre a secretária do primeiro Xavier que certamente não carecia daquele equipamento para as suas tarefas administrativas.
Por último, o meu próprio erro de manusear uma arma que não me dizia respeito, visto ser atirador de infantaria e não especialista de minas e armadilhas, e ainda ter ignorado negligentemente que o desarme de uma mina não deveria ser efectuado numa secretaria e onde estavam mais militares que seriam vitimas da minha incúria, caso a armadilha tivesse funcionado.
Por último as informações militares deveriam ter aprisionado, interrogado e posteriormente controlado quem prestou a informação sobre a localização da mina, dado o objectivo primeiro da denúncia era para que a mina fosse accionada através da armadilha pois o efeito psicológico dessa acção teria muito maior impacto devido a não ser usual pelo IN.
Felizmente estão cá todos para contar e constatar que às vezes é possível aprender com o erro, noutras nem por isso!
Lisboa, 2016.10.24
Luís Mourato Oliveira
Sítio da CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/74), criado por Mário, e donde consta entre outros elementos informativos a história da unidade. Um dos camaradas desta companhia que faz parte da nossa Tabanca Grande é o Armando Faria, ex-fur mil at inf, minas e armadilhas. o
António Manuel Salvador, ex-1.º cabo aux enf. Pernso que há mais, cito de cor.
4. Excerto do Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, do nosso camarada António Graça de Abreu (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp), com a devida vénia:
Cufar, 11 de Julho de 1973 [pp. 131/132]
Tudo calmo na zona, apenas uma mina anti-carro colocada aqui nas nossas barbas e um pontão que foi pelos ares.
Primeiro. Entre Cufar e o nosso porto grande, no rio Cumbijã, os guerrilheiros não costumavam cair na tentação de pôr minas nos cerca de dois quilómetros de estrada alcatroada. No caminho para o porto existe um desvio, mais um quilómetro em piso de terra que conduz a uma pequena povoação chamada Mato Farroba habitada por umas centenas de africanos e alguns elementos da milícia local, que estão do nosso lado. Pois na terra da estrada, a cinquenta metros da povoação, encontrava-se ontem uma mina anti-carro capaz de fazer voar um camião. Terá sido colocada durante a noite quando a população e os tipos da milícia estavam a dormir, ou talvez mesmo com a conivência da gente de Mato Farroba. Eles não têm viaturas, só ali passam as tropas portuguesas de Cufar que vão lá todos os dias levar materiais e ajudar na construção de novas tabancas. Mas foi a população de Mato Farroba quem descobriu a mina e avisou as NT.
O capitão da companhia [, a CCAÇ 4740,] foi lá buscá-la, desactivou-a e depois trouxe-a para o seu gabinete. Aqui, ao desenroscar lentamente a tampa para tirar a espoleta, sentiu uma pequena pressão esquisita. Se tivesse continuado a desenroscar, hoje já não tínhamos capitão. A mina estava equipada com um sistema, um fio que conforme se desenroscava a tampa apertava esse mesmo fio que levava a um outro detonador. O capitão desconfiou, levantou cuidadosamente a tampa de madeira e cortou o fio. Salvou a vida. Estive a ver a mina, de fabrico russo, uma caixa de madeira com sete quilos de trotil, um feio instrumento de morte. (...)
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Notas do editor:
(...) Meu caro acamarada e conterrâneo Luís Oliveira:
Acabo de regressar de Luanda, depois de um dia cansativo: levantei-me às 5h30, cheguei ao ao aeroporto às 7h00 e... embarquei no Airbus 340, do TP 288, às 13h00 (...)
Faço questão de, mais uma vez, te pedir que aceites o meu convite para te juntares à grande fanília da Tabanca Grande, passando a seres o membro nº 625 do blogue.
Permito-me discordar da tua opinião segundo a qual as tuas memórias pessoais da Guiné seriam irrelevantes para a historiografia da guerra colonial... Não são, pelo menos não são para mim e para todos aqueles que passaram por Bambadinca e tiveram o privilégio de conhecer os bravos do Pel Caç Nat 52... Ora, tu foste muito simplesmente o último comandante desta subunidade, composta por camaradas guineenses... E do Pel Caç Nat 52 estão cá, na nossa Tabanca Grande, não só o seu primeiro comandante, o Henrique Matos, como também outros que se lhe seguiram, o Beja Santos e o Joaquim Mexia Alves...
Estou demasiado cansado para a esta hora fazer o teu poste de apresentadação. Mas estou seguro que nos vai honrar com a tua presença. De resto, já cumpriste as nossas regras básicas, que é o envio de 2 fotos + 1 texto ou história,
Um abraço. Espero poder encontar-te em agosto na Praia da Areia Branca, na Marteleira ou na Lourinhã. LG
(...) Meu caro Fernando, muito obrigado pela coragem de vires, a público, revelar esse segredo, que possivelmente guardavas há muito na tua memória... De qualquer modo, o que nos contas - ao fim destes anos todos - e que deve ter isso um pesadelo para ti e para os demais camaradas que foram feitos reféns, já não era segredo para mim... Já aqui transcrevi, ao de leve, uma conversa que tive, em Monte Real, por ocasião do nosso VII Encontro Nacional, com o último comandante do Pel Caç Nat 52, o alf mil Luis Mourato Oliveira, filho de mãe lourinhanse (...).
Ele também estava em Bambadinca, sentado tranquilamente no bar de oficiais, quando ocorreram os graves incidentes a que te referes... Foi igualmente sequestrado como tu, e mantido como refém até à chegada do brigadeiro Carlos Fabião, que, vindo de Bissau, resolveu o problema com patacão...
Isto ter-se-á passado não com o Batalhão de Comandos Africanos, como tu sugeres, mas com o pessoal da CCAÇ 21, que era comandada pelo tenente comando graduado Jamanca, e onde havia antigos militares da formação inicial da CCAÇ 12 do meu tempo (1969/71) (...)