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segunda-feira, 11 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23421: Notas de leitura (1463): “A primeira coluna de Napainor”, por António S. Viana; Editorial Caminho, 1994 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
Trata-se de um romance muito bem organizado, sobressaem alguns alferes que primam por interesses culturais, intercala-se o horror com a pilhéria, por vezes a falta de sentido ressalta do jargão militar, galgamos os capítulos sempre à espera do mais capitoso imprevisto, vão-nos sendo apresentados vários perfis militares e em dado momento chegamos ao horror, aos comportamentos de cabeça perdida, há interrogadores completamente perversos, e pergunta-se, se acaso há fundamento real, como é que os Macondes sobreviveram a tanta bestialidade de parte a parte, mesmo que tenham de antemão tomado partido por serem independentes. Um romance altamente recomendado, precisamos de comparar o que é comparável, há literatura fora da guerra da Guiné que merece a nossa atenção, disso não duvidem.

Um abraço do
Mário



A primeira coluna de Napainor, por António S. Viana (1)

Beja Santos

Toda a análise da literatura de guerra colonial deve ter em conta o condicionante do território, uma descrição exuberante dentro de um planalto de Moçambique, subindo ou descendo ravinas, não tem analogia com um desembarque de fuzileiros numa maré-baixa, chapinhando no lodo; há o espaço em que decorre a ação, mas há o tempo, uma narrativa de experiência em 1963 ou 1964 pode ser incompreensível em 1973 ou 1974, houve mudanças, apareceu ou desapareceu população, a guerrilha está mais ativa ou desviou-se para outras regiões. Para além desta questão axial, a procura dos termos de comparação tem atrativos: o estado de espírito, a comunicação do militar com o meio em que se insere, a anatomia do sofrimento, o que aproxima e diverge o combatente no espaço e no tempo.

Isto para enfatizar que a questão central das leituras que aqui se apresentam, por via de recensão, teima, sempre que se proporciona, a comparar. Além de velhos combatentes, temos direito a ler bons livros. E é pois com satisfação que vos venho falar de uma obra de ficção passada no teatro moçambicano, “A primeira coluna de Napainor”, por António S. Viana, Editorial Caminho, 1994. É a chegada, aqui os periquitos dão pelo nome de checas. Fica-se com a sensação que se entrou numa peça de teatro do absurdo, os quartéis não têm nomes reais, a localização é indefinida, mas o jargão da tropa impõe-se, frases curtas e sacudidas, o herói chama-se Var, mais tarde adianta-se que é Avelar, é amigo de Fernando (no desenvolvimento da obra presta-se homenagem a José Bação Leal, que lá faleceu, por negligência médica) e de Henrique, não se disfarça que são alferes com bom grau cultural, há quem goste de ouvir Wagner ou ler a poesia de Saint-John Perse ou os romances de Lawrence Durrell.

Capítulos curtos, uma grande economia, descrições contundentes:

“A sua vida tinha sido comerciar com os indígenas. Vendia-lhes capulanas (pano usado pelas mulheres, termo moçambicano) que quase rivalizavam com as que iam comprar do lado de lá da fronteira, sal, açúcar, candeeiros de petróleo e todas as bugigangas que fazem parte do arsenal de um cantineiro: barros, pomadas para doença, camisas, calções, cordas, catanas, utensílios para agricultura e produtos alimentares.

Abandonou Napainor muito depois dos primeiros tiros. Aproveitou-se das migrações da população para fazer o negócio prosperar e só partiu quando esgotou os stocks. Foram quinze dias de atraso que lhe custaram a vida. Quando meteu os últimos frascos na carrinha e aconchegou ao seu lado o cofre cheio, não sabia que ia morrer. Uma bazucada arrancou-lhe as duas pernas e grande parte da chapa da viatura em que seguia. A mutilação não lhe tirou, todavia, a vontade de viver e, num último fôlego na picada da lama, o carro quase sucata foi embater num poste telegráfico onde a natureza fizera crescer pequenos rebentos.

Nos tempos da prosperidade dizia, a quem o quisesse ouvir, que nunca deixaria o planalto a não ser que o prendessem, mas que mesmo assim haveria de voltar, tal como os rebentos verdes das velhas árvores voltam a nascer nos postes fabricados do tronco morto”
.

A insinuação do absurdo persegue toda a narrativa, absurdo e fantasmagoria, alguém barafusta:

“Tu querias que um povo como nós, que fez da Índia, da África e do Brasil razões de sobrevivência no corpo e na alma, fechasse essa página da História sem que o absurdo, o sofrimento e até o ridículo se instalassem?”

São jovens cultos, a guerra ainda não atingiu níveis de brutalidade ou horror, ainda há disponibilidade para procurar nos outros vestígios da vida interior, é esse um dos trabalhos a que se dá Var naquele quartel que dá pelo nome de Arduz, ele não deixava de se assombrar como aqueles militares e civis a viverem o permanente sobressalto no Norte se conseguiam alhear como se a guerra fosse apenas mais um episódio no percurso normal das suas vidas. Var observava que os que tinham sentido a vida em perigo acusavam a transformação, o que mais o seduzia eram os comportamentos imprevisíveis, tanto os arroubos de heroísmo ou solidariedade como as atitudes de desvairo, esfaqueando mortos, enforcando possíveis terroristas, as atitudes demenciais debaixo de fogo.

Um certo general lançou a operação Pé-Leve convencido de que ia resolver para sempre a guerra no planalto. 

“No maior segredo, foram deslocadas para a região duas baterias de artilharia, dois batalhões, uma companhia de comandos e outra de paraquedistas. Todavia, os possantes motores dos velhos carros de três toneladas, das mercedes e das berliets subindo o planalto de duas direções diferentes afugentaram os animais e só levantaram colunas de poeira.

Na madrugada em que foi iniciado o envolvimento, os canhões troaram despejando obuses para a zona onde se acreditava estar uma das bases do IN, enquanto as companhias iam fechando o cerco projetado com todo o cuidado no papel fino do gabinete de operações. Começavam a esbulhar o mato em busca de um inimigo que aparecia onde menos era esperado. O general percorria o terreno seco do quartel de Arduz, sempre com o havano na boca, entre o gabinete que confiscara ao comandante de batalhão, a sala de operações e o posto-rádio, esperando notícias iminentes que não chegavam. Alguns autóctones dobravam-se até ao chão, em intermináveis mesuras, à passagem das colunas militares, mas o IN não estava em lado nenhum, nem mesmo na base que as NT tomaram e destruíram”
.

O general está eivado pelo espírito de missão, acredita piamente nos séculos da presença portuguesa em África, procura doutrinar os oficiais à sua volta:

“- Nós sempre soubemos lidar com os selvagens, é uma qualidade intrínseca do nosso povo. Eu vejo pelo meu mainato. Você julga que ele é tratado de maneira diferente do meu neto? E quer saber porquê? Pela mesma razão por que eu sou capaz de comer uma posta de bacalhau com os soldados. Mas ai deles… ai deles… se me faltam ao respeito.

As antigas famílias portuguesas adotavam crianças de cor em qualquer parte do mundo, e havia muitas que lhes chegavam a dar o seu próprio nome. Às vezes, os nobres portugueses tinham filhos de aventuras fora do casamento e fossem eles pretos, índios, amarelos ou vermelhos, davam-lhes um nome cristão e o próprio apelido para que a semente da nossa civilização vingasse em toda a parte. Eu percebo essa atitude olhando para o filho do meu mainato. Que importância tem ele ser preto? É uma criança como o meu neto. Quando falo às tropas, costumo dizer isso”
.

E muda-se bruscamente de plano, a companhia 333, a que pertence Var e cujo comandante é o capitão Vaz, estão agora em operação, vamos conhecer novas figuras, como o furriel Leónidas, um militarão de cepa.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23416: Notas de leitura (1462): A lusitanização e o fervor católico na Guiné, um ideário do Estado Novo na publicação “Política de Informação”, por José Júlio Gonçalves, 1963 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20002: Notas de leitura (1200): “Crónicas de um Tenente, Guiné-Bissau, 1968-2018”, o autor é Fernando Penim Redondo, o prefácio é de Mário de Carvalho; Edições Colibri, 2019 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Não se pode ficar insensível a este documento, a vários títulos singular, não é um diário nem um repositório de notas avulsas sobre peripécias de um fuzileiro da Guiné, é um jovem que aderiu ao comunismo, que aos 22 anos aparece como fuzileiro, a sua mulher aparecerá depois como professora em Bissau, fala dos rios da Guiné, de barcos encalhados, de incêndios e de abalroamentos, de muita tensão e de picos de camaradagem. Regressa e vive na subversão até ser preso. Na Guiné, tirou imensas fotografias e cinquenta anos depois voltou com duas exposições.
Recomendo vivamente a leitura destas saborosíssimas e vívidas "Crónicas de um Tenente".

Um abraço do
Mário


Será que o Tenente Redondo passou por Mato de Cão entre 1968 e 1970?

Beja Santos

O livro dá pelo nome de “Crónicas de um Tenente, Guiné-Bissau, 1968-2018”, o autor é Fernando Penim Redondo, o prefácio é de Mário de Carvalho, Edições Colibri, 2019. Antes de mais, é um livro completamente fora do que conhecemos. São memórias de um jovem que bateu à porta da Reserva Naval, foi aceite e desembarcou em Bissau como fuzileiro. Era membro do PCP, casara há pouco, adorava a fotografia, poetava de vez em quando. Vamos vê-lo numa fotografia bem perto da LDP 301, talvez no rio Cacheu. São notas confessionais redigidas com imensa serenidade e ternura, é um texto desafetado, a tentar a impessoalidade, felizmente não conseguida. Integrou a 6.ª Companhia de Fuzileiros. Diz ter navegado no Cacheu até Farim, no Mansoa, no Geba e no rio Grande de Buba. Quando vi a sua fotografia, em 1968, fiquei inquieto, conhecia a pessoa, e depois de muitas voltas à memória, tenho a impressão que acertei com uma manhã em Mato de Cão, uma lancha seguia à frente de um comboio de embarcações civis em direção a Bambadinca. Num passadiço, fiz sinal de pedir boleia, a minha malta resguardada, não queria que houvesse qualquer equívoco de um grupo ousado do PAIGC com o descaro de flagelar na orla do rio. Assomou um oficial barbudo, pedi-lhe boleia, era quase uma antemanhã, teria tempo de requisitar umas carradas de material, uns sacos de arroz para a população civil, requisitar outros abastecimentos para a tropa arranchada. O oficial disse que sim, perguntou onde estava a minha gente, assobiei, o magote veio a correr, na primeira embarcação civil ouviu-se um murmúrio de terror, alguém terá pensado que se iniciara uma operação de pirataria. Desfeito o equívoco, a malta espalhou-se por vários barcos e chegados a Bambadinca agradeci ao gentil oficial barbudo. Posso estar enganado, mas creio tratar-se deste tenente que passou ao papel as recordações da sua adolescência, da sua formação política, conta-nos histórias bizarras, também momentos de grande camaradagem e solidariedade, vamos mesmo vê-lo a ser liberto da prisão em Caxias, estão aqui plasmados alguns dos seus poemas, é um fotógrafo de mão cheia e para abonar aqui se publicam um pescador Felupe e um lutador, provavelmente Balanta.

Do seu passado, percebe-se a importância que atribui à verve cineclubista, foi neste meio que conheceu a sua futura mulher, recorda com saudade o café Chaimite, na Praça Paiva Couceiro, local de cumplicidades e onde soube que estavam abertas as candidaturas para oficial da Reserva Naval. Depois despontam as recordações, já estamos numa subida do Cacheu e ele lembra como se encontrou com um camarada de armas e ouviu o concerto para violino de Tchaikovsky.
O que importa reter é a prosa do marinheiro:
“As lanchas encarreiravam rio acima, quase paradas quando apanhavam a corrente pela proa. O resto do comboio de batelões ainda não os alcançara e decidiram fazer uma paragem para pernoitar, fundeando num local onde as outras embarcações pudessem mais tarde juntar-se-lhes. Escolheram uma curva do rio onde o tarrafo era alto e denso; as margens despidas das clareiras eram locais de emboscadas e tiroteios. Só suicidas se atreveriam a fazer um ataque a partir das raízes inclinadas e escorregadias do tarrafo. Lançaram o ferro e a corrente virou-lhes a proa para a foz. Assim ficaram no silêncio, que só as aves cortavam, e sem acender gambiarras. Na estação das chuvas, o céu, quase sempre nublado, não dava margem ao luar. Desligados os motores, sinal que passavam ao inimigo contra vontade, a sua presença devia ser ocultada por todas as formas. Até tinham o cuidado de esconder as pontas dos cigarros”.

As recordações incluem diabruras, desacatos, sinistros, com homens e máquinas. Guardou a agenda cultural, o que lia e que era motivo de conversas, os filmes que passavam no UDIB, dá mesmo informações elementares a pensar em leitores não-iniciados nas artes da marinhagem, é primoroso a explicar-nos as lanchas de desembarque:
“As lanchas de desembarque, rectangulares, tinham a forma de uma caixa de sapatos. Numa das extremidades, à polpa, situava-se a casa do leme, muito singela, e na outra, à proa, encontrava-se uma porta que, ao abater, permitia o acesso a veículos ou pessoal directamente da praia. Existiam em três tamanhos mas mesmo as maiores, por causo do seu fundo chato, tinham calado que pouco ultrapassava um metro.
No seu bojo podiam transportar dezenas, ou mesmo centenas, de fuzileiros com todo o seu material. Ou então um ou vários jipes e Unimogs, conforme a tipologia.
Foram usadas profusamente no teatro de operações da Guiné. Quando se formavam comboios de batelões, para abastecimentos do interior isolado pela guerra, eram sempre escoltados por uma ou duas lanchas médias, armadas com as suas peças Oerlikon de 20mm e duas metralhadoras MG 42, uma em cada bordo.”

A mulher do tenente vive em Bissau, é professora no Liceu Honório Barreto. Toca-nos as suas recordações do cinema, há por vezes situações muito tensas, os marinheiros e grumetes exigiram levar as suas mulheres para o balcão, que estava reservado a oficiais e sargentos, tudo se amenizou.
Nessa noite foi com a mulher ver o “Apache” de Robert Aldrich, recordação inesquecível:
“Como de costume, no espaço que medeia entre as primeiras cadeiras da plateia e o ecrã, tinham sido colocados uns bancos corridos, de madeira, para a ganapagem que se dedicava a transportar as marmitas da messe e outros pequenos serviços ao domicílio.
Os garotos negros, em grande algazarra, aplaudiram todas as flechas e machadadas com que os índios brindaram a cavalaria durante aquela hora e meia.”

No regresso da Guiné, voltou à militância política, e um dia a PIDE veio buscá-lo, esteve escassos dias em Caxias, tudo se passou muito perto do 25 de Abril. Tirou imensas fotografias na Guiné, cinquenta anos depois veio expô-las e oferecê-las ao Museu Etnográfico. Antes disso, esteve na Quinta do Mocho e descobriu um aluno da mulher, o Osvaldo, ditosa alegria. Como ele diz, “Este não é um livro biográfico mas conta certas estórias que mostram o sentido de uma vida”.
Um livro que a todos toca, a intensidade de luz e sombra que ele põe em cada um dos seus registos fotográficos é uma evidência de que há cinquenta anos, imprevistamente, ele estava a preparar esta maravilhosa velada de armas, esta insofismável prova de amor pela Guiné.


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Nota do editor

Último poste da série de 19 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19993: Notas de leitura (1199): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (15) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19962: Notas de leitura (1195): "Crónicas de um tenente", de Fernando Penim Redondo, Lisboa, edições Colibri, 2019, 188 pp. Prefácio de Mário de Carvalho (A. Marques Lopes)




Capa e contracapa do livro de Fernando Penim Redondo, "Crónicas de um tenente: Guiné-Bissau, 1968-2018". Lisboa: Edições Colibri, 2019, 188 pp. Preço de capa: 15 €, (Prefácio: Mário de Carvalho)


A. Marques Lopes
1. Mensagem de A. Marques Lopes, com data de 8 do corrente:

[cor art DFA, na reforma, ex-alf mil art, CART 1690, Geba, e CCAÇ 3, Barro (1967/68)];autor de "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial" (Lisboa, Chiado Editora, 2015, 582 pp.); tem mais de 240 referências no nosso blogue; lisboeta, vive em Matosinhos]


Não conheci o meu amigo Fernando Penim Redondo na Guiné, embora, pelo que vejo, ele tenha passado várias vezes pelo sítio onde fui colocado na segunda vez em que fui mandado para a Guiné, também em Maio de 1968, Barro, quase pegado às margens do Cacheu.

Conhecemo-nos e fomos amigos, ele e a Rosa, mulher dele, nos tempos memoráveis de 1974 e 1975.

Diz o Fernando no início do seu livro:

"No dia 1 de Maio de 1968, o Tenente largou do Tejo, rumo à Guiné, a bordo da fragata Corte Real. Era então um jovem fuzileiro, de 22 anos, recém-casado, que interrompera os estudos de Economia na Universidade de Lisboa.

Em Bissau integrou a 6, a Companhia, aquartelada no INAB, junto ao Geba. A missão consistia essencialmente na escolta de comboios de embarcações que abasteciam os quartéis do Exército no interior do território.

Subiu e desceu os principais rios da Guiné comandando as missões a partir das lanchas da Armada.

Navegou no Cacheu até Farim, no Mansoa, no Geba e no Rio Gran­de de Buba. Ligou por mar a foz desses grandes rios e também foi a Catió, a Bolama e aos Bijagós.

A guerra era uma realidade penosa para quem como ele, jovem mi­litante comunista, se opunha ao domínio colonial e defendia a inde­pendência das colónias. Partilhou esse drama pessoal com a sua mulher, que trabalhou como professora de História no então Liceu Honório Barreto.

A fotografia constituiu um paliativo. Ao fotografar a dignidade do povo guineense, a beleza das suas mulheres, o porte dos seus ho­mens e o encanto das suas crianças, ele tinha a impressão de estar a fazer um gesto de amizade no contexto da guerra.

Tal como muitos outros jovens da sua geração aprendeu, 'no ter­reno', a grande lição da relatividade da nossa própria cultura. »


2. Sinopse da obra

No corredor da prisão instalara-se um caos, cada um tentando perceber se iam ser fuzilados ou libertados. Ao fim de algum tempo lá apareceu um oficial, mais sensível, que lhes explicou o que estava a acontecer. Começou então a longa espera até que a Junta de Salvação Nacional aceitasse libertar todos os presos e não apenas alguns. A comunhão dentro da prisão era completa e o Tenente reencontrou a sua mulher que, sem ele saber, se encontrava na outra ala do edifício prisional.

Como se formava um jovem progressista nos turbulentos anos 60?
Como se lutava contra a guerra colonial, antes e depois de nela ter participado?
Como se navegava, e encalhava, nos rios da Guiné com incêndios, abalroamentos e bazucadas?
Como podem a poesia e a fotografia ajudar um combatente contrariado?
Como reagir quando nos entra pela cela dentro um camarada de armas, durante uma inesperada revolução?
Como se sente o regresso, 50 anos depois, ao lugar da guerra e da juventude?

/Este não é / um livro de fotografia / mas tem muitas imagens
/Este não é / um livro de poesia / mas tem vários poemas
/Este não é / um livro biográfico / mas conta certas estórias / que mostram / o sentido de uma vida.

3. Sobre o autor: Fernando Penim Redondo:

(i) nasceu em Lisboa, em 1945;

(ii) estudou economia no ISCEF, curso que não concluiu:

(iii) adere ao Partido Comunista Português em 1966 e é eleito, no mesmo ano, para a Direcção do Cineclube Universitário de Lisboa;

(iv) em 1967 é incorporado na Armada e segue para a Guiné, como tenente dos fuzileiros, onde fica até 1970;

(v) especializado em gestão da produção, automação e CAD/CAM, conduziu projectos em dezenas de empresas industriais portuguesas mas fez carreira, durante 23 anos,  como Systems Engineer na IBM (1970-1993) - e posteriormente como gestor;

(vi) em paralelo com a carreira profissional mantém sempre a actividade política: é  preso em 18 de Abril de 1974 e libertado pela Revolução dos Cravos; é eleito para a CT da IBM de 1974 a 1975 e de 1981 a 1993; é eleito para a direcção do Sindicato do Comércio e Serviços (CESL) de 1989 a 1993.

(vii) a partir de 2000 dedica-se a actividades de jornalismo tecnológico com base na Internet;

(viii) tem página no Facebook.

Fonte: Adapt. de Edições Colibri
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Nota do editor:

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19493: Fotos à procura de... uma legenda (112) : Messe improvisada numa ponte em 26 de janeiro de 1968... Foto do Arquivo Mário Soares... Serão fuzileiros ? Que ponte seria esta ? (Jorge Araújo)





Citação: (1968), "Exercito português. Guiné. Messe improvisada numa ponte.", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_114447 (2019-2-12) (foto reproduzida com a devida vénia,,,)

Fonte: Casa Comum, Fundação Mário Soares.
Pasta: 06916.004.036
Título: Exército português. Guiné. Messe improvisada numa ponte. 
Assunto: Exército Português em operações de guerra na Guiné. “Messe” improvisada sob uma ponte. Data: Sexta, 26 de Janeiro de 1968. 
Fundo: MAS – Arquivos Mário Soares – Fotografias Exposição Permanente. 
Tipo Documental: Fotografias.





Jorge Alves Araújo, ex-fur mil op esp / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue



1. INTRODUÇÃO

Já aqui vos dei conta, em outras ocasiões, da existência de fotos de militares do Exército Português nos Arquivos de Amílcar Cabral, localizados na Casa Comum, Fundação Mário Soares.

A imagem que hoje vos apresento, com data de 26 de Janeiro de 1968, 6.ª feira, portanto de há cinquenta e um anos atrás, merece uma legenda, digo eu, pois seria interessante identificar o local onde foi tirada, e quem sabe, trazer à memória dos que nela constam, algumas histórias vividas no CTIG.

Desta vez, a proveniência é do Arquivo Mário Soares [1924-2017]  e não do Arquivo Amílcar Cabral.

Segundo creio, estamos perante elementos dos “fuzileiros” acreditando serem pretas as suas boinas.

Será?

Aguardo sugestões.

Com um forte abraço de amizade e votos de boa saúde.

Jorge Araújo.

12Fev2018

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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19244: Fotos à procura de...uma legenda (111): Ainda o sorriso da bajuda do Gabú... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19391: (Ex)citações (349) a minha faca de mato e o meu canivete de marinhagem (Patrício Ribeiro, ex-grumete fuzileiro, Fragata NRP Comandante João Belo, Angola, c. 1969)







Faca de mato e canivete de marinhagem

Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Patrício Ribeiro, grumete fuzileiro (**),
na fragata NRP Comandante
João Belo
, c. 1969..[ O comandante João Belo
 foi avô do nosso Zé Belo, régulo da Tabanca da Lapónia]
1. Mensagem do Patrício Ribeiro em resposta a um pedido lançado no poste P19383 (`)

Date: quarta, 9/01/2019 à(s) 22:17
Subject: Re: faca de mato dos fuzos


Boa noite, Luís

As minhas facas ainda as utilizo.

Junto fotos das duas,  que nos eram distribuídas.

Por vezes tinha algumas guerras com os colegas de "aventura", porque elas ou desapareciam e eram negociadas e trocadas.

Esta minha faca do mato fez a minha comissão em Angola, assim como a  de um dos meus irmãos (mais novo 2 anos), no Sul de Angola.

Com tanta aventura, perdemos o interior do cabo, em Angola.

A navalha ainda hoje anda sempre comigo quando ando nos meus trabalhos, pelos campos do Baixo Vouga.

A faca é utilizada para cortar carnes difíceis, como o presunto,  etc.

Ao fim de 50 anos, ainda as guardo com muito carinho... recordando o que já fomos ... (***=


Abraço

Patricio Ribeiro

2. Comentário de Luís 'Saci' Pereira:

Muito obrigado, Luís!

Já troquei um mail com o Patrício sobre o assunto, porque ele tem uma.

Já estive também a ver as respostas ao inquérito, mas giram todas em torno das facas de mato de Icel ou das alemãs, fabricadas em Solingen.
De qualquer maneira disseram-me que foram distribuídas entre 1968 e 1973.


Muito obrigado por tido

Abraço

Luís Pereira
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Notas do  editor:

(***) Último poste da série > 18 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19302: (Ex)citações (348): O 'cinema Paraíso'... de Fajonquito e de Nova Lamego.. Recordações de nhô Manel Djoquim, o homem do cinema ambulante (Cherno Baldé / Vital Sauane)

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18200: (De)Caras (104): Patrício Ribeiro, nascido em Águeda, criado em Angola, "filho da escola" da Armada, ex-grumete fuzileiro, empresário em Bissau, ator e observador da história recente da "pátria de Cabral", o "homem certo no sítio certo"... Ou melhor: o "tuga" que sabe mais da Guiné, e para quem a Guiné "sabi di mais"...


Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Orango > 7 de outubro de 2008 > O Patrício Ribeiro no--- Hotel de Orango, na ilha mais atlântica da Guiné-Bissau, a 100 km de Bissau, ou seja, a 7 horas de canoa "nhominca", de Bissau..

[O nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro é um português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, com família no Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bssau desde meados dos anos 80 do séc. passado, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.]

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Guiné-Bissau > Bissau > Impar Lda > 15 de abril de 2017 > Foto da página do Facebook da Impar Lda: 25 anos na Guiné-Bissau, a trabalhar na área da energia e comunicações: energia solar geradores, bombas de água solar, rádios VHF/HF, GPS, radares... Ver aqui a sua galeria de projetos realizados, do arquipélago dos Bijagós à fronteira com o Senegal e a Guiné Conacri... 100 guineenses (trabalhadores e suas famílias dependem da carteira de encomendas desta empresa, e da sua boa gestão)...

Foto: cortesia da Impar Lda... Ao fundo, o Patrício Ribeiro, de óculos escuros, orientando so trabalhos de montagem de painéis solares...


1. Resposta do Patrício Ribeiro ao comentário do nosso editor Luís Graça (*):

Luís, o comentário que enviei sobre as fotos da praia de Varela, foi a partir da minha lareira nas margens do Vouga [, em Águeda], onde há frio e foi com um copo de tinto na mesa …
Gosto de falar da minha praia de Varela de que adoro; dos banhos na água quente a 30º, das minhas pescarias diretamente para o grelhador, acompanhadas por umas bacias de ostras, etc…

O que escrevi no comentário, é um pequeno resumo dos diversos capítulos vividos naquela época, mas muitos deles ainda os considero 'classificados' …

Quando nos voluntariamos a ajudar os outros, quando pessoas a chorar nos pedem para não os deixar para trás …,   a “formação militar não o permite", vem ao de cima...

E, por força das condições, passamos a ser o elo de ligação entre o resto do mundo e o interior de um país em guerra, de onde não é possível informar os familiares: onde estamos, que estamos vivos … Repara, não havia telefones e as fronteiras estavam fechadas, quer internamente, quer com os países vizinhos e estas últimas estavam a ser bombardeadas. Bissau ficava longe e não  se sabia o que se passava no interior.

E quando do exterior… nos pedem a colaboração, através do nosso “bombolom”, para encontrar esta e aquela pessoa de quem não se tem notícias há muitas semanas … certamente qualquer um de nós ajudaria, se tivesse condições...

Os restantes capítulos vão saindo, quando alguém tocar na "ferida".

Luís, depois de ter saído na canoa nhominca, que, no regresso, na minha presença, carregou da fragata Vasco da Gama a primeira ajuda humanitária para a Guiné, destinada à Missão Católica de Suzana,  eu voltei para Portugal. Não, não fiquei lá...

Mas passados 2 meses regressei à Guiné, via Dakar e táxi aéreo para Bubaque, dali para Bissau em vedeta de guerra, que foi construída no Alfeite e que estava na mão dos militares senegaleses.

De Bissau por vezes saía para Varela, quando recebia um 'papelinho' avisando que era melhor ir dar uma volta… Pegava na minha mochila com uma lata de atum, atravessava a pé as bolanhas e lá ia eu para banhos.

O aeroporto de Bissau, esteve fechado quase um ano…

Quando da morte do 'Nino', tinha ido passar o fim de semana à ilha de  Orango…

Na morte do Ansumane Mané, estava fora de Bissau...Ao reentrar em Bissau encontrei quase uma centena de milhares de pessoas, a saírem a pé. Algumas já iam para lá de Nhacra. Fiz um apelo na rádio RTP África, para mandarem transporte, afim de apanharem as pessoas que estavam a dormir à beira da estrada, sem qualquer condição.

Ao mínimo problema, a estrada principal era fechada a viaturas, em Safim.

Assim. como da morte dos restantes [altos dirigentes do país...], estava fora, por Varela, Contuboel, etc.

Abraço

Patricio Ribeiro

MPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau ,
Tel / Fax 00 245 3214385, 6623168, 7202645, Guiné Bissau | Tel / Fax 00 351 218966014 Lisboa
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com


2. "Curriculum vitae" (abreviadíssimo...) que o Patrício Ribeiro nos mandou em 10/9/2009 (, devendo acrescentar-se que ele é membro sénior da Tabanca Grande, entrou em... janeiro de 2006):



(i) nasci [em 11 de outubro de 1947,] nas margens do Rio Vouga, centro do mundo, sou vizinho do D. Duarte Lemos, frequentei a Escola Industrial de Águeda;

(ii) fui Fuzileiro (Gr FZ) [, portanto "filho da escola"];

(iii) passei por Bissalanca em 1969, estava muito calor: como não tinha roupa apropriada (tinha deixado o camuflado em Vale do Zebro, na escola de Fuzileiros), mandaram-me seguir para Luanda [, 1969/72]…

(iv) ao fim de uns anos, deixaram-me ir para casa, em Luanda, em 1972...

(v) por lá fiquei até ao último avião, da ponte aérea para Lisboa (, enfim, outras guerras);

(v) a minha família viveu dezenas de anos no Huambo (, antiga Nova Lisbao): pai, mãe e irmãos, etc.

(vi) minha mulher é natural do Huambo;

(vi) por questões profissionais, em 1984 fui para Bissau; 

(vii) gostei, fiquei por lá desde então:

(viii) fundei a Impar Lda: o 'patrão' paga-me para fazer coisas que gosto, em locais de difícil acesso, e porque é uma aventura permanente… já não sei viver sem ela!

(ix) faltam-se 2 660 dias para a reforma… 

Lx, , 10/9/2009

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18060: Consultório Militar do José Martins (30): o 2º grumete fuzileiro, da CF nº 3 (1963/65), morreu, em Bolama, em 13/4/1964, tendo caído ao rio, quando fazia parte da escolta ao rebocador "Atro". O corpo nun a mais foi encontrado


Infogravura: Portal UTW (Ultramar TerraWeb) (com a devida vénia...)


[Foto à esquerda: José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70)]

2º Grumete Fuzileiro nº 9845 FERNANDO EDUARDO PEREIRA: Presente!

Quando abri o correio eletrónico, surge um pedido de informação acerca do militar em epígrafe, subscrito pelo marido da filha deste nosso camarada que, recorrendo ao nosso blogue, pretende mitigar a dor que sua esposa, e filha do nosso camarada, sente por não ter conhecido o pai, já que nasceu depois do pai ter partido para a guerra. (*)

Se sempre fazemos por não deixar de dar seguimento, aos pedidos que são endereçados ao blogue, este merece especial atenção: é a filha de um camarada nosso e, por essa razão, nossa filha é!

Como procurar alguma informação sobre um membro pertencente a outros Ramo das Forças Armadas, no caso a Marinha, uma vez que só temos tratado de casos referentes ao Exército?

Capa do livro (**)
Recordei-me que, em tempos, tinha visto a notícia da publicação de um conjunto de livros acerca dos
Fuzileiros, no tempo da Guerra de África. Procurei obter o título e constatei tratar-se do conjunto de 4 volumes editados em 2006 – o primeiro sobre aspetos gerais e os restantes, um por cada Teatro de Operações – da autoria do Capitão de Fragata Fuzileiro Luís Sanches de Baêna (*):

Constatando que os livros existem na Biblioteca Nacional (cotas SC 112625 V até 116628), em Lisboa, após o almoço rumei para lá, solicitando a consulta dos mesmos.

Constatámos que FERNANDO EDUARDO PEREIRA, 2.º Grumete Fuzileiro n.º 9845, foi mobilizado para a Companhia de Fuzileiros n.º 3, para reforço da guarnição normal e integrado no Comando da Defesa Marítima da Guiné. 

Embarcou em Lisboa a 4 de junho de 1963, tendo chegado a Bissau no dia 14 seguinte. A mesma CF 3, regressaria em 20 de junho de 1965 a bordo do NRP D. Francisco de Almeida.

Na página 76 do 1.º volume que num quadro que reporta todos os que tombaram em campanha, refere sobre o nosso camarada:

«Quando fazia parte da escolta ao rebocador 'ATRO', fundeado ao largo de Bolama, caiu ao rio não tendo o corpo sido encontrado».  Este facto foi considerado “acidente em serviço”, tendo ocorrido no dia 13 de abril de 1964.

Foi o que consegui encontrar sobre este infeliz acontecimento, ocorrido há mais de 53 anos. Muito provavelmente existe o desejo, e porque não a necessidade de tomar um contacto maior acerca da vida militar do pai.

Por isso, sugiro que, caso queiram ter um extrato da ficha pessoal, entrem em contacto:

(i)  com os serviços do Arquivo Central da Marinha;

(ii) por e-mail para arquivo.historico@marinha.pt;

(iii) ou por carta para a Rua da Junqueira, Edifício da Antiga Fábrica Nacional de Cordoaria, 1300-342 Lisboa;

(iv)  ou por telefone 213 627 600/1 ou fax 213 627 601.

Espero que, no mínimo, estas informações possam ajudar a superar tantos anos de saudade e dor.

José Marcelino Martins
Guiné 1968/70
6 de dezembro de 2017


2. Mensagens de agradecimento do Mário da Conceição Fernandes, com data de ontem:

(i)  (...) Apresento-lhe as minhas fraternas saudações

Antes de mais, um agradecimento de gratidão, como acolheu e desenvolveu o meu pedido. Permitindo, que em tempo recorde, nos enviassem esta informação, para nós, tão preciosa e desejada.

E na pessoa de V. Exª., cumprimento e agradeço ao Senhor José Martins, todo o empenho, disponibilidade e celeridade, imprimida nesta causa.

Apenas em gesto de desabafo, a morte do meu sogro, foi o começo de uma longa infelicidade nesta família. (...)
Amigo e Senhor Luís Graça, renovados agradecimentos por esta importante informação, que irei aprofundar, tal como me indica.

Aceite os meus cumprimentos

Com Votos de um Feliz Natal, extensivos à sua família.
(ii) (...) Muito Obrigado. Permita-me que o trate por Amigo Graça.

Mais uma vez, nos presenteia com informação muito útil. Já pedi autorização de consulta da ficha pessoal ao Arquivo da Marinha. Tendo-me respondido para formalizar o pedido ao responsável do Serviço.

O que já fiz. Estando a aguardar a autorização.

Renovados agradecimentos

Um destes dias, terei muito gosto em o conhecer pessoalmente. (,...)

3. Comentário do editor:

Mário, um bom Natal, igualmente para vocês. Li, com compaixão, a história (sofrida) da sua esposa. A morte de um pai, a orfandade, são acontecimentos devastadores para uma criança. Infelizmente, houve muito  mais camaradas nossos, que morreram na guerra do Ultramar / guerra colonial, sem terem chegado a conhecer os seus filhos e, pior, a vê-los crescer... Somos uma geração que fez a guerra e a paz, e tem o direito a não ir para a "vala comum do esquecimento"... O que o Mário e a sua esposa estão a fazer é a exercer esse direito, reabilitando a memória do nosso camarada Fernando Eduardo Pereira. Se tiver uma foto dele, mande-nos. As famílias têm direito a saber as circunstâncias em que morreram, cá ou em África, os seus entes queridos que cumpriam o serviço militar obrigatório, entre 1961 e 1974, fosse morte em combate, por acidente ou por doença. (***)
______________


FUZILEIROS : FACTOS E FEITOS NA GUERRA DE ÁFRICA 1961-1974 / LUÍS SANCHES DE BAÊNA ; REV. LUÍS MILHEIRO 

AUTOR(ES): Baêna, Luís Sanches de, 1949-; Milheiro, Luís, rev. de matriz
PUBLICAÇÃO: [Lisboa] : Comissão Cultural de Marinha : Edições INAPA, 2006

DESCR. FÍSICA: 4 v. : il. ; 25 cm

BIBLIOGRAFIA:  Contém bibliografia

CONTÉM:  1º v.: 298, [3] p. . - 2º v.: Crónica dos feitos de Angola. - 248, [2] p. . - 3º v.: Crónica dos feitos da Guiné. - 280, [3] p. . - 4º v.: Crónica dos feitos de Moçambique. - 250, [1] p.

ISBN: 972-797-133-4  | 972-797-134-2  | 972-797-135-0  | 972-797-132-6

DEP. LEGAL: PT -- 249297/06; PT -- 249298/06; PT -- 249646/06; PT -- 249296/06
CDU: 359.2(=1:469)(6)"1961/1974"  | 355.48(=1:469)(6)"1961/1974"  | 94(469)"1961/1974"

(***) Último poste da série > 7 de dezembro de  2017 > Guiné 61/74 - P18059: Consultório militar do José Martins (29): Memórias de Guerra (4): Distritos de  Guarda, Castelo Branco e Santarém

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18058: Em busca de... (283): 2º grumete fuzileiro Fernando Eduardo Pereira, natural de Lamego, e morto no CTIG c. 1963/64, deixando uma filha de meses que nunca chegará a conhecer o pai (Mário da Conceição Fernandes)


Infogravura: Portal UTW (Ultramar TerraWeb) (com a devida vénia...)


1. Mensagem do nosso leitor Mário da Conceição Fernandes


Data - 5/12/2017


Assunto - Pedido de colaboração


Exmº. Senhor
Luís Graça

Sirvo-me do presente e pelo recurso ao seu blogue – blogueforanadaevaotres.blogspot.pt, para lhe solicitar a possível colaboração, na recolha de informação, relativa ao [grumete] fuzileiro Fernando Eduardo Pereira, natural de Lamego e morto em combate na então Província Portuguesa da Guiné, nos anos de 1963/64.

Este militar, aquando da sua morte, deixou com poucos meses de idade uma filha, que não conheceu o seu pai. Pois, nasceu já depois da sua partida para a Guiné.

Esta sua filha, chora com grande regularidade a perda do pai que não conheceu e muito gostaria de contar com alguma informação, sobretudo, acerca dos factos que motivaram a sua morte.

O signatário é casado com a filha do falecido militar e muito gostaria de, nesta quadra natalícia, lhe proporcionar alguma informação respeitante ao pai. O que tanto enseja.

Com os meus agradecimentos

Aguardo a sua ajuda

Aceite os meus cumprimentos

Mário Fernandes

2. Comentário do nosso editor:

Ontem, dia 6, 4ª feira, pedi ao nosso colaborador permanente, amigo e camarada, José Martins, para se "encarregar" deste caso... Ele é o "Sherlock Holmes" do nosso blogue, e tem sempre uma pista, um indício, ou uma resposta para os "problemas" que  submetemos ao seu "consultório militar" (que é um verdadeiro serviço público, inteiramente gratuito para os  nossos "utentes"):

Zé: agora vais ser, mais uma vez, o "Pai Natal"...Vê se sabes algo sobre as circunstâncias da morte deste camarada, soldado Fuzileiro Fernando Eduardo Pereira, natural de Lamego e morto em combate na então Província Portuguesa da Guiné, nos anos de 1963/64.

Ab, Luis

O Zé, que mora em Odivelas, lá se pôs nas suas "tamanquinhas" (leia-se: o metro) e logo me/nos deu a resposta, depois de consultar as suas fontes (Arquivo Histórico-Militar, Biblioteca Nacional, etc.)... 

O Mário e a sua esposa, filha do nosso infortunado camarada, já sabem desde hoje de manhã as circunstâncias em que faleceu, em 14 de abril de 1964, o Fernando  Eduardo Pereira,  2º Grumete Fuzileiro nº 9845, Companhia de Fuzileiros nº 3 (Guiné, 1963/65). E esperemos que isso lhes traga algum conforto espiritual, neste Natal de 2017, cinquenta e três anos depois do infausto acontecimento.

Publicaremos essa informação num próximo poste. De qualquer modo, se algum leitor (amigo ou camarada da Companhia de Fuzileiros nº 3, ou de outras subunidades da Marinha) tiver alguma informação concreta sobre este caso, contacte-nos por favor. 

_____________

Nota do editor:

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15149: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIV Parte): Fuzileiros, Páras e Felupes; O que se terá passado em Catió; Casamento com data marcada e Ponto da situação em Brá

1. Parte XIV de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 21 de Setembro de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XIV

Fuzileiros, páras e felupes

A acabar de chegar a Brá, uma carta em cima da cama.

“Caro Alferes
Já antes da sua partida para a zona de Cuntima estava prevista uma operação na área do Ingoré, base de Campada. A ideia é o seu grupo embarcar nos helis até Teixeira Pinto, onde aguardará indicações para intervir.

Não será um golpe de mão clássico, visto que as notícias não definem bem a localização. Como as forças empenhadas são numerosas procurar-se-á o IN de dia, no caso de não se encontrar de noite. Pormenores da operação ser-lhe-ão dados pelo Tenente-Coronel H. Calado. A data prevista é de 3 para 4. Felicidades, um abraço, cap. Leandro.”


Cena do filme. Um descampado enorme, palmeiras desgarradas aqui e além, a mancha de militares a surgir ao longe numa nuvem de pó, a lembrar-lhe a cavalaria dos filmes de coubóis no cinema Batalha do Porto, só não bateu palmas porque as trazia ocupadas, a G3 numa mão, a Sudayev1, apanhada momentos antes, na outra.

Um pelotão de páras junto aos helis, mais as forças do batalhão do Tenente-Coronel Calado, dispersas aqui e além, e Felupes2 com a pila à mostra, conhecidos antropófagos locais, armados de arcos e setas envenenadas. As palmeiras, o fumo e os pós no ar, cheiros de pólvora e as cores da Guiné numa tarde a aproximar-se do fim.

Tinham saído do aeroporto de Bissalanca às 6h00 montados nos helis e cerca de uma hora depois estavam em Susana, no norte, mesmo junto à fronteira. Depois ficaram ali à espera que os outros destacamentos envolvidos fizessem saltar a caça. Pelo rádio foi acompanhando a guerra em directo. Houve tempo para meterem uma bucha, para passarem pelas brasas, e chegaram até a pensar que regressariam sem chegarem a entrar em acção até o atento Dornier confirmar que o IN estava a retirar, disperso em pequenos grupos, por locais diferentes.


É agora, dêem-lhes caça! Ordem para embarcarem já passava das 13. Dez ou quinze minutos depois, dispostos aos pares, os helis largaram-nos numa bolanha em Cassum.

Mal puseram os pés no chão foram recebidos com fogo muito alto, algumas rajadas de PPSHs e Kalashs.

Dirigiram-se para norte, a caminho da fronteira, junto a um carreiro pisado de fresco, até que os dois homens da frente fizeram alto e deram indicações para o pessoal se ajoelhar. O chefe do grupo, que seguia logo a seguir, chegou-se ao Jamanca e ao Kássimo e viu um guerrilheiro atrás de uma palmeira, aflito, a olhar para todos os lados, arma a brilhar nas mãos, para camarada fazer fogo no tuga danado, só podia ser.

A equipa da frente dividiu-se em duas parelhas, rodearam-no, o olhar dele não parava e não os via, um apareceu-lhe de frente, o outro do lado direito, o guerrilheiro não atirou a arma para o chão como lhe mandaram, uma voz algures deve tê-lo distraído, hesitou, o Kássimo, a 20 metros para aí, atirou. Deram uma volta pela zona, o PCA montado no Dornier em contacto a dizer-lhes que os avistaram, que estavam em cima da fronteira, que retirassem pelo mesmo caminho, o rádio a ouvir-se melhor agora, e que mais, que mais apanharam? Mais nada?
A voz do cavaleiro do ar a achar que era pouco resultado para tanta gente.
____________

Notas:
1 - Pistola-Metralhadora “Sudayev” cal. 7,62 mm M-943
2 - Grupo étnico que compreende as populações existentes no Sul de Casamance e São Domingos na Guiné, entre os rios Casamance e o Cacheu. Os felupes dedicam-se à pesca, à cultura do arroz, da mandioca e da batata-doce.

************

O que se terá passado em Catió? 

Esgueiraram-se pelo caminho, a olhar para um lado e para o outro, as sombras da lua atrás deles, o barulho do gerador a ajudá-los. Encostaram-se ao pré-fabricado, colados à parede, ficaram assim um bocado, a luz acesa no quarto, janela com cortinado pequeno. 
Deve estar lá dentro, sussurra um para o outro. Este a espreitar entre os cortinados, a rir-se, mão na boca. Olhó o filho da puta! 

Deixa ver, diz o outro, mete os olhos e vê os óculos, a pele muito branca, em pelota, gordinho, barriga em cima da cama, as nádegas redondas, salientes, para o ar. 
Qué que o filho da puta tá a fazer, todo nu, de cu pró ar? Tá a jogar às cartas? 
São cartas com gajas nuas, tão todas espalhadas na cama! 
Ai o cabrão! E agora? 
Agora, pá, deita-se qualquer merda pró chão, para fazer barulho. Esse vaso, isso, esse serve, ali junto à porta pró gajo sair. 
Estrondo lá fora, cacos a partirem-se. Não está vento, o que será? Põe-se a pé, enfia as calças, as botas. Coração aos saltos, vai abrir a porta, volta a fechar, que esquecimento! Pistola na mão, abre outra vez a porta, espreita para um lado, para o outro. Um barulho na esquina, pareceu-lhe, pé ante pé, aí foi ele, o militar destemido em direcção à esquina.

No hospital em Bissau o tenente-coronel lembrava-se de pouco. Estrelas, muitas na cabeça entrapada e não se lembrava de muito mais, não. O major do QG insistia, mas meu tenente-coronel há-de se lembrar de mais alguma coisa. 

Houve algum problema com alguém lá do Batalhão em Catió? Não houve? Não desconfia de ninguém? E em Teixeira Pinto, recorda-se de alguma coisa? Houve alguns casos disciplinares não houve, meu tenente-coronel? 

Problemas, sim, um ou outro, todos temos, mão na cabeça dorida. 

Meu coronel, tem que haver qualquer antecedente, qualquer história para trás, qualquer coisa, veja se se lembra! 

Eu estava em cima da cama com o mapa da zona de Catió, estava a analisá-lo, a ver as referências, a assinalar a disposição inimiga, pareceu-me ouvir o barulho de qualquer coisa a partir, um ruído de passos na esquina, não, não me lembro de mais nada, a cabeça dói-me muito. 

Na rede suspensa nas duas árvores do jardim, Teresa tinha posto o livro de lado, estendeu os olhos para longe, para a rua com pouco movimento àquela hora. Viu um jipe dos comandos, um soldado ao volante, pareceu-lhe o Alegre, deixa lá ver quem é que está na Ultramarina. Pôs-se a pé, olhos para a rua, portão aberto, rua abaixo a correr. 

Então! Estava ali a estudar e tu aqui! 
Pareceu-lhe uma menina, mais pequena. Olá, Teresa! Fica-te bem essa saia branca, os ténis brancos também. 
Nem disseste que ias nem que chegaste, nunca mais apareceste! 
A Dora faz anos no sábado, queres ir? 
O Alegre a apontar para o relógio, está na hora, meu alferes. 

Foi então ao QG tratar de um assunto qualquer. E quando passava junto à secção de Justiça um camarada, em jeito de brincadeira, claro, perguntou-lhe quando tinha sido a última vez que estivera em Catió. Catió? Porquê? Porque o teu nome foi falado a respeito do caso de Catió! Qual caso? 

No jeep, de regresso a Brá, a cabeça não parou. Não escondia o gozo que lhe dava imaginar como tudo teria sido e intrigava-o alguém ter pensado que ele seria capaz de tal safadeza. 

************

Casamento com data marcada

O alferes adjunto do capitão para os assuntos administrativos, tinha assumido o comando do grupo “Vampiros”. O Vilaça andava com o moral apagado, há meses que não saía. Vou sair na próxima, dizia alto, chegava-se à véspera e não, não consigo, pá, não estou em condições. Passou a ser tema de conversa entre os outros chefes de grupo, que combinaram colocar a questão ao capitão. 

O que é que nós podemos fazer se ele não quiser? A psiquiatria não é bem assim, não podemos empurrá-lo para lá se não for da vontade dele. É melhor mantê-lo debaixo de olho, ocupá-lo com trabalhos aqui dentro, que há muito para fazer, enquanto o tempo vai passando e a evolução dele também nos dá tempo para arranjar a melhor solução. E vejam se ele bebe só água. 

O Vilaça levantava-se quando calhava, à tarde ia para Bissau, regressava quase de manhã ou mais cedo se alguém o trouxesse. De início, os outros não atribuíram grande importância, o quadro a agravar-se alertou-os para medidas imediatas que o capitão encarava agora. 

Agora o Luís, também? Num dos primeiros dias de Abril entrou-lhe no quarto, sem mais nada, desembaraçado como de costume, é pá, olha, estás convidado para o meu casamento. É pá, ouviste o que te disse ou não? 

Que dependia, se a data coincidisse com a estadia dele na metrópole, teria muito gosto. 
Que não era na metrópole mas na Guiné. Não é brincadeira nenhuma não senhor, vou-me casar com a Lurdes. 
Lurdes? Que Lurdes? 


À entrada da messe, em Brá, com o Luís 

O Luís era oriundo de famílias bem colocadas, o pai, médico com nome numa cidade do litoral, era uma pessoa muito respeitada, bem relacionado, até com as irmãs do Dr. Salazar, a quem media as tensões quando elas iam passar o mês de Agosto à Figueira. 

Medrara no enorme areal com as ondas a rebentarem lá ao fundo, sempre junto da namorada, cresceram e estudaram no liceu local até se separarem com promessas, ela a terminar o curso, ele a caminho da Guiné. Mantiveram-se em contacto o tempo todo, numa fúria de cartas para lá e para cá. 

No regresso de férias viera encantado, saudoso, morto por regressar de vez à metrópole e consumar o que tinha deixado a meio. Agora, a dois meses do fim da comissão, mudara de ideias? 

A Lurdes. A Lurdes era uma moça nascida em Bissau, aí dos seus 23 anos mais ou menos um, com raízes familiares em Cabo Verde, tu cá tu lá com as autoridades locais, as colonialistas e as outras. Tinham ou dizia-se que tinham propriedades no Gabú, em Bafatá, arrozais inteiros no leste e no sul, agora ao abandono ou nas mãos da guerrilha, plantações de abacaxi, mato, comércio em várias localidades, uma das famílias com mais teres que havia naquela zona da Guiné. 

Morena, um metro e setenta para aí, alta para os padrões locais, cabelos loiros, olhos irrequietos, esverdeados, figura atraente, foi um ai mal se viram. O Luís entrou logo em casa, lá nisso ele fazia jus à imagem que tinha de não recuar perante nada, inimigo ou amigo, tanto se lhe dava. 
Até àquela altura, ao que se sabia até então, sempre mantivera alguma distância em relação às beldades locais, o eterno noivo da que lá na metrópole, pacientemente aguardava a chegada do seu mais que tudo. 

Nunca se souberam grandes pormenores de como evoluiu a relação, mas não é difícil a gente imaginar, o Luís a acabar a comissão, as forças a irem-se, as fraquezas a virem, e não se sabe mais porque o Luís não era de grandes falares sobre assuntos dessa natureza. 

Ia marcar a data, logo diria. Seria em Bissau, os pais dela iam tratar de tudo, falar ao Bispo, o Governador ou um representante deveria estar presente, outras autoridades do pró e do contra também, iria ser certamente o acontecimento social mais importante do ano na capital da Guiné. 
E os camaradas a olhar para ele, a magicar, isto é a sério? Uma coisa tão repentina, o tipo não estará embrulhado? Não será melhor a gente ver o que se passa? 

Juntaram-se cá fora na cidade, trocaram impressões, estabeleceram o plano principal e outro alternativo, o objectivo assente logo desde o início, todos de acordo que aquele casamento só se faria com o conhecimento antecipado dos pais do Luís, a não ser que o fizessem por cima dos outros dois alferes, que o Vilaça estava fora dos campeonatos todos. 

Abordaram com tacto o capitão. Desconfiado, olhos dentro dos óculos castanhos, não mostrou grande interesse no caso, que se tratava de um assunto particular e, em assuntos destes era partidário da não ingerência. 

Cá fora os dois, parecendo-lhes que do capitão não viria grande ajuda decidiram pôr a família ao par, os pais, claro. Jogaram à porra, calhou a um o cumprimento da missão, telefonar ao pai do Luís. 

Não queria acreditar, devia ser brincadeira deles. 
É verdade, doutor, sou eu que estou a falar. 
Senhor alferes, esse casamento não se faz, não se pode fazer, compreendeu? 
Tem que ser o senhor doutor a tratar do assunto, não podemos ser nós. 
Poucos dias depois soube-se que o capitão tinha chamado o noivo ao gabinete, que preparasse o grupo para uma estadia de uma a duas semanas, pelo menos, para a zona sul. 
Mas ainda agora regressámos de Farim e já vamos sair outra vez, meu capitão? 
E quem lhe disse que agora é o alferes que escala as saídas? 
Uma semana muito comprida para o Luís, quase até ao fim da comissão. E quando pôs os pés em Brá, não o perderam de vista, só o largaram quando o viram embarcar de regresso a Lisboa. 

************

Ponto da situação em Brá

Os primeiros grupos, os 'Fantasmas', 'Camaleões' e 'Panteras', percorreram a Guiné de uma ponta a outra. Com o entusiasmo inicial, superaram tudo o que fossem dificuldades, empregaram-se a fundo, os resultados ultrapassaram as expectativas e eram vistos com muito apreço pelo Comandante Militar e pelo próprio Governador-Geral. 

Olha vão ali os gajos dos Comandos, a maralha a olhar para eles. Sabe-se como é, ganharam fama e respeito pelo trabalho que fizeram e por aquilo que contaram também. As comissões individuais e as baixas em combate ou por doença, começaram a fazer estragos, os grupos ficaram mais pequenos, era necessário começar novo curso de quadros, aproveitar os resistentes e formar novos grupos. 

O Major Dinis fora entretanto promovido e regressou a Lisboa.  Depois o Capitão Rubim tomara conta do Centro e foi o que se sabe. Não por incompetência militar, operacionalmente até era bem competente. Talvez uma certa dificuldade ou falta de paciência no jogo diplomático dos corredores do QG. As questões prendiam-se com a logística e com o emprego operacional dos grupos. 

Promessas e mais promessas. Resolveu bater com a porta, sem estrondo como era da sua maneira. Não se entenderam também uns com os outros, a história da Associação Comercial, os problemas disciplinares e os alferes também não ajudaram muito, a verdade tem que se dizer. 
De baixa estatura, o corpo maciço escondia uma robustez física incomum. Espantava num tipo daqueles, o jeito que tinha para o desenho, para as pinturas, para tudo que metesse mãos. O tempo vago passava-o a montar modelos de peças de artilharia, carros de combate, aviões de sonho, militares e civis, navios de guerra, desde patrulhas a porta-aviões. Tudo pintado nas cores dos originais, os nomes e tudo. Na saída, deixou-lhe ficar um porta-aviões, as outras maravilhas levou-as todas. 

Dois meses depois de ter tomado posse, o novo comandante de companhia estava a ver a história toda para trás, relatórios e actas nas mãos. 

Analisara a organização, o quadro orgânico, os efectivos, o sistema de recrutamento, as instalações, a alimentação, a administração, fardamentos, cargas. O estado moral, físico e disciplinar do pessoal. Os oficiais, sargentos e praças, os materiais, a instrução durante e depois do curso, as operações em que intervieram, antes e depois da sua tomada de posse, a forma como os grupos estavam a ser utilizados, tudo a pente fino. 

Apesar de ter poucos anos ainda como oficial, achava que, atendendo às circunstâncias próprias do povo português, o pessoal, entenda-se cabos e soldados, era quase sempre bom. Quando surgiam problemas, normalmente deviam-se à organização, frequentemente mal montada ou aos graduados, algumas vezes as duas coisas juntas. Neste caso dos Comandos da Guiné, os oficiais eram cruciais na organização, não se cansava de insistir. 

Saía com eles para o mato, acompanhava-os na instrução, fazia-lhes ver a importância do papel deles na organização, moralizava-os, até os tempos livres aproveitava para os acompanhar. 
Os alferes tinham colaborado e também neles sentiu a necessidade de falarem com ele. A agressividade incrível com que tinham sido formados e treinados, jovens de 20 e poucos! Como é possível que possam ter dois comportamentos tão distintos, no mato em contacto com o IN e umas horas depois com a PM e a população civil na cidade? 

E seria mesmo adequado que estivessem tão próximos de Bissau? Não seria mais sensato, e mais proveitoso até, que estivessem em Mansabá, em Nova Lamego, em Buba, ou num sítio desses? De quem fora a ideia, tê-los a meia dúzia de passos da cidade? 

Em alguns casos, não tinha dúvidas, tinham sido mal orientados, deixados ao sabor da intuição de cada um, sem a mínima directiva. Até achava que o produto final era positivo e, se tivessem tido orientação, os problemas disciplinares que ocorreram não teriam existido. 

Dos cinco alferes a que a companhia tinha direito, quatro comandantes de grupo e um adjunto, restavam-lhe agora dois, o sobrevivente dos chefes de grupo iniciais e o adjunto, o Caldeira, até então com mais experiência administrativa que operacional. E, pelo que tinha visto deles até agora, achava-os competentes, mereciam-lhe confiança, esperava que continuassem como até aqui na parte operacional, e se integrassem no seu estilo de comando. Contava com eles, eram as pedras base do edifício a reconstruir, dissera-lhes mais que uma vez. 

No relatório inicial que fizera para o Comandante Militar, adiantara várias propostas, pensara até que com tantas dificuldades, de tanto lado, se calhar não seria má ideia extinguir os grupos. O Brigadeiro refutou com o argumento de que, apesar de todas as dificuldades, os grupos até então existentes eram os que mais contactos tinham tido com o IN e com mais material capturado até à data. Vira os resultados das tropas especiais que a 3.ª Repartição tinha preparado para o brigadeiro, comparou-os com os fuzos, os páras e com os anteriores grupos de comandos.

 Contacto efectivo com o IN em mais de 80% das saídas para o mato. Ouvira o Brigadeiro dizer que não se podia esquecer que os Comandos, a maior parte das vezes, actuavam em áreas densas de IN, em grupos de 20 a 25 homens e às vezes menos, enquanto as outras forças não se metiam lá com efectivos inferiores a meia centena de homens. 

Nem um por cento do efectivo total das NT na Guiné, quase 10% das baixas totais causadas ao IN. Extingui-los? Não, a saída deve ser outra, o Brigadeiro a decidir-se por outra solução, para aproveitar o pessoal que restava. 

Concluíram a reunião assentando que deveria ser feito o recompletamento para manter o quadro orgânico, isolá-los em Brá, resolver a questão alimentar, ministrar o próximo curso e utilizar os grupos em operações específicas para Comandos e não para reforçar algumas guarnições em sector. 

O capitão regressara encorajado, sentira o apoio que andava a reclamar.  Depois mudou quase toda a organização administrativa, conseguiu mais praças para o recompletamento, arranjou cozinheiros, alimentação própria, obrigou-os a almoçar todos juntos, disciplinou as saídas, arranjou novas viaturas, melhorou as instalações, e conseguiu, o que não fora nada fácil, fazer aprovar as orientações e normas para o emprego dos grupos. 

Agora, todo este tempo passado, achava que valera a pena, que tinha feito bom trabalho. 
Os grupos melhoraram os resultados, os conflitos com a PM deixaram praticamente de ocorrer, nem um castigo fora necessário.

(Continua)

Texto e fotos: © Virgínio Briote
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Nota do editor

Poste anterior da série de 10 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15098: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIII Parte): Conversa em Brá e Nunca digas adeus a Cuntima

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13681: In Memoriam (198): Lisboa, Cemitério dos Olivais: uma última homenagem ao comandante Alpoim Calvão (1937-2014), por uma Companhia a três pelotões de Fuzileiros, com ternos de clarins. Fuzileiro uma vez, fuzileiro para sempre! (José Martins)



Foto nº 1 > Companhia a três pelotões de Fuzileiros, com ternos de clarins.


Foto nº 2 > Aproximação do Estandarte Nacional, à Guarda do Corpo de Fuzileiros.


Foto nº 3 > Continência à Bandeira.


Foto nº 4 > Estandarte Nacional integrado na Guarda de Honra.



 Foto nº 5 > A força em posição de “Funeral Armas” à aproximação do féretro (1)


 Foto nº 6 > A força em posição de “Funeral Armas” à aproximação do féretro (2)



Foto nº 7 > Cortejo fúnebre. O carro que antecede o carro fúnebre, transporta as insígnias
do falecido.



Foto nº 8 > Um pelotão procede às Salvas da Ordenança – 3 Descargas (1)



Foto nº 9 > Um pelotão procede às Salvas da Ordenança – 3 Descargas (2)



Foto nº 10 > Um pelotão procede às Salvas da Ordenança – 3 Descargas (3)


Foto nº  11 > Transportadas por dois Oficiais Subalternos, as Condecorações, o Bicórneo, a Espada e a Boina de Fuzileiro.


Foto nº 12 > Urna transportada por Fuzileiros, à entrada para o crematório. 


Foto nº 13 > Destroçar da Força

Lisboa > Cemitério dos Olivais > Última homenagem ao comandante Alpoim Calvão (1937-2014), por uma Companhia a três pelotões de Fuzileiros, com ternos de clarins.

Fotos e legendas: © José Marcelino Martins  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]

 1. O José Martins, nosso colaborador permanente,  acaba de nos enviar, às 15h10, esta série de 13 fotos, que publicamos acima. 



 Caros editores

Para quem não foi possivel estar presente, junta-se reportagem fotográfica da Cerinónias Fúnebres do Capitão-de-Mar-e-Guerra Guilherme Almor de Alpoim Calvão, realizado hoje, para o Cemitério dos Olivais, onde foi cremado.

 José Martins

[ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70],

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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13672: In Memoriam (197): Comandante Alpoim Calvão (1937-2014): o funeral realiza-se na quinta-feira, dia 2, para o cemitério dos Olivais, após a missa de corpo presente no Mosteiro dos Jerónimos


José Marcelino Martins

(…) Qual é a opinião de cada um sobre este homem? Neste momento, todas as questões que se possam colocar, são de somenos importância.

Partiu, como muitos outros, e não voltará. É um dos nossos que parte. É um combatente que desaparece. A história, que ainda não está escrita, o julgará. Todos, até nós, teremos o nosso julgamento.

Condolências à família e a todos os camaradas de armas (…)


José Botelho Colaço

Ao 1º tenente Ribeiro Pacheco , comandante do 7º destacamento de fuzileiros, e ao 1º tenente Alpoim Calvão, a companhia, a CCAÇ 557 (da qual fiz parte), a eles ficou a dever muito pela os conhecimentos que partilharam sobre a guerra de guerrilha. Nós, maçaricos, acabados de chegar e enviados para a Operação Tridente, senão tivessemos tido o apoio e a instrução destes valorosos militares, quase de certeza que a CCAÇ.557 não teria granjeado o nome da temida companhia do Como.

Com este valoroso militar tive a oportunidade de confraternizar e falar falar com ele no museu do exército lançamento do livro do Amadú Djaló.
Condolências à família.

Adriano Moreira


Foi também Comandante do COP 3 que englobava as Companhias que estavam instaladas em Barro, Bigene, Binta e Guidage, pelo menos a partir de finais de 1969, até à nossa saída de Barro, em Maio do ano seguinte. Fizemos várias operaçôes em conjunto com os fuzileiros na nossa Zona de acção. Foi um grande militar. 

Que descanse em paz e condolências à Família.

Abílio Duarte

Estava em Paunca, na altura da Operaçâo Mar Verde, e vivia numa casa da tabanca, para onde ia de madrugada, depois de sair do abrigo. Nessa manhã, o dono da casa acordou-me, sobressaltado: “Furriel, os portugueses estão em Conackry”. .Eu , muito parvo, perguntei: “A fazer o quê?”.

Ele estava a ouvir um rádio, já não sei se do Senegal , se da Guiné Conackry, mas estavam a relatar em francês, o que se passava, e foi assim que tomei conhecimento daquela Operação.
No entanto, eu e a minha Companhia CART 11, também entramos nos preparativos da mesma operação. Como?
Umas semanas antes, andamos a fazer Colunas de Nova Lamego até Buruntuma, levando uns africanos, que vinham de avião de Bissau, e os levávamos até é fronteira. Vim mais tarde a saber que eram refugiados politicos, na Europa, que vinham para o Golpe de Estado, que se pretendeu fazer, na Guiné-Bissau, e que fracassou.
Recordo-me também, da rendição do TenJanuário, comandante dos Comandos Africanos, a falar na Radio Conackry, quando foi cercado e não teve alternativa, assim como os seus homens, e que vieram a ser todos mortos, por Sekou Touré.
São páginas da vida de todos nós, que passámos, pelos confins da Guiné. Como diria o outro, é a vida.

Manuel Carvalho

O meu respeito a este grande combatente.

Paz à sua alma, condolências à família.

JERO [José Eduardo Reis de Oliveira]

Tive a honra de o conhecer na Guiné em Binta, em data que não sei precisar mas seguramente em meados de 1965. O Comandante Alpoim Galvão era contemporâneo do meu Capitão Alípio Tomé Pinto. Nunca mais o esqueci e falei-lhe, recordando essa passagem por Binta, num lançamento de um livro de um camarada em Lisboa. E fui por ele abraçado. Recordo esse momento como uma condecoração.

Foi um Militar Operacional digno do maior respeito pelo seu heroísmo e sentimento do dever.

Será referência na História do Portugal recente. Até sempre, meu Comandante.

Luís Graça

Dizem que a morte nivela, tudo e tudos. Comos se fora um buldózer.

Dizem que a morte apazigua.

Dizem que a morte relativiza e amortece os conflitos, as diferenças, os choques de personaliidade, os antagonismos, as vaidades...

Dizem que a morte consensualiza...

A morte obriga-nos a esquecer as querelas do passado. E até os ódios de estimação, que é uma coisa que se cultiva muito nos nossos "jardins"... Há ainda tantos ódios de estimação, que remontam à guerra colonial, à descolonização, ao 25 de abril, ao PREC, ao 25 de novembro, enfim, ao novo regime democrático que nasceu do 25 de abril...

A morte faz sobressair sobretudo o melhor dos homens. Depois vamos lembrar sobretudo os seus feitos, não os seus defeitos...

E ainda bem que é assim...Acontece com os nossos maiores, desde o fundador da Pátria até aos mais recentes "presidentes da república"...

Não conheci pessoalmente este combatente, capitão de mar e guerra, com direito a usar o "título" de comandante"...Ou melhor, vi-o uma vez, na Fundação Mário Soares, no lançamento da biografia de Spínola... E no entanto ele é do teu tempo de Guiné...

Ficará, por certo, na história da guerra da Guiné como um dos seus grandes protagonistas. A par de Spínola e outros.

Estava longe de imaginar, em Bambadinca, no dia 22 (e seguintes) de novembro de 1970, que ele era o cérebro da Op Mar Verde, quando os meus vizinhos, de Fá Mandinga, a 1ª Companhia de Comandos Africanos, partiram para destino secreto (sabemos hoje, a Ilha de Soga, no arquipélago dos Bijagós, e dali até Conacri, em LDG)...

(..) Não tenho suficiente distância (e sobretudo conhecimento direto) sobre a Op Mar Verde... para falar "ex-cathedra" destes acontecimentos marcantes da história da Guiné...

Enfim, um dia a história nos julgará a todos... Ao nosso blogue não compete julgar ninguém, pelo seu comportamento na guerra, do ponto de vista operacional, militar, humano,
ético...

Registo com apreço que Alpoim Galvão tenha referido, antes de morrer, que agora era "um homem de paz". Espero que ele tenha podido efetivamente ter morrido em paz, ter feitos as pazes, consigo, com a história, com os outros, com a Marinha, com os fuzileiros, com o seu país, e com a Guiné-Bissau (que ele muito amava)...

Vejo agora que, para além do grande militar (mesmo controverso), ele foi sobretudo um homem, um cidadão, um português, um de nós, e que também foi pai e foi avô...

Não gosto de mitificar os seres humanos. E tenho relutância em pô-los no Olimpo dos deuses. Heróis ou não, todos acabamos na campa rasa, com 7 palmos de terra por cima, ou reduzidos a um punhado de cinzas...

De qualquer modo, é mais um combatente, um bravo combatente da Guiné, que "da lei da morte se foi libertando"... Respeitemos a sua memória e ajudemos a sua família e amigos a fazer o luto.

Manuel Luís Lomba

O comandante Alpoim Calvão é um português de primeira água e foi um marinheiro da têmpera dos portugueses de outras eras. Como cidadão e como militar, deu sempre a cara e o corpo ao manifesto em prol do que acreditava como o melhor para o seu país. Lembro-me de haver alinhado com ele e com os seus fuzileiros no sul da Guiné, salvo erro numa batida e assalto à mata de Cafine. E a "Operação Mar Verde" ombreará com os feitos dos nossos antepassados.

Sentidos pêsames à família. Até sempre, comandante! (...)