Mostrar mensagens com a etiqueta C-47. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta C-47. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24015: Notas de leitura (1547): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (14) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Este texto de recensão centra-se nas alterações introduzidas em 1965 pelo novo Comandante da zona aérea, Coronel Krus Abecasis, destinadas a melhorar a eficácia da informação e a encontrar as respostas mais adequadas entre a força aérea e as forças terrestres; o novo comandante procurou uma resposta satisfatória para os bombardeamentos noturnos, envidou esforços para adaptar o C-47 a bombardeiro noturno. O que traz à discussão o modo como ao longos destes anos o PAIGC procurava mitigar os efeitos por vezes devastadores dos bombardeamentos; e igualmente se vê que as armas que utilizava eram ineficazes para danificar os aviões, a artilharia antiaérea demorou a chegar mas a resposta portuguesa não se fez esperar, toda essa artilharia foi completamente inutilizada, como adiante se verá.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (14)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Percorremos já um longo percurso (esta recensão já abrangeu mais de metade da obra), os investigadores socorrem-se de um processo diacrónico, atravessam toda a cronologia de acontecimentos internacionais e nacionais que se prendem com o fenómeno da descolonização africana e como este afetou a Guiné; depois, dão-nos o quadro dos meios aéreos existentes, no início da década de 1960 e a sua evolução até ao desencadear da guerra, a adaptação de infraestruturas (nomeadamente Bissalanca, Cufar e Gabu), o aperfeiçoamento na formação dos pilotos, etc. Seguiu-se uma descrição sobre os comportamentos militares dos primeiros Comandantes-Chefes e as aquisições efetuadas, designadamente na Europa Ocidental. Por fim, abordou-se a Operação Tridente, começa agora o período da governação Schulz. Pela narrativa destes autores, revela-se à puridade a ideia feita de que Schulz não tinha estratégia adequada para querer contrariar a ofensiva guerrilheira, adotou um modelo de disseminação da quadrícula que era totalmente partilhado por outros potências coloniais a enfrentar a insurgência, e, obviamente, apercebendo-se da natureza do terreno, teria de apostar no apoio aéreo e na capacidade dos bombardeamentos. E os autores explicam claramente as dificuldades surgidas com as aeronaves. Vamos continuar esse relato e acompanhar o período da governação Schulz, e procurar entender a natureza da resposta do PAIGC.

Vimos como o novo comandante da ZACVG, Krus Abecasis, liderou alterações de fundo para melhorar a coordenação com as outras forças militares e com a rede dos comandos aéreos, instituiu-se um mecanismo permanente de coordenação entre as diferentes forças intervenientes no teatro de operações, assegurando comunicações em tempo real e as forças de superfície, criou-se um comando com ligação a Nova Lamego para apoiar as operações terrestres no Leste da Guiné; havia em Bissalanca uma força de alerta completa, incluindo dois T-6 prontos a intervir. Os autores pormenorizam toda a orgânica montada por Krus Abecasis.

Apesar das medidas expeditas tomadas para uma melhor coordenação ar-terra, não se esbateram completamente as dificuldades entre os ZACVG e as outras forças. O PAIGC primava por ataques rápidos e pronta fuga, desaparecendo no interior das matas, o apoio aéreo muitas vezes chegava tarde, o que originava queixas e críticas do Exército à Força Aérea. Mas o balanço da nova coordenação foi substancialmente positivo, apesar de se terem mantido dificuldades sérias em abastecer as forças de superfície por via aérea. Lembram os autores que o transporte aéreo era a única opção disponível em 85 por cento do território, e sem o apoio da FAP muitas unidades isoladas não poderiam sobreviver. No entanto, o défice de transporte aéreo que já se manifestara durante a Operação Tridente, não desapareceu. 14 dos 20 DO-27 permaneciam paralisados por razões não especificadas e 3 C-47 estavam constantemente indisponíveis devido a exigências de inspeção ou manutenção em Portugal. Ora o C-47 Dakota revelou-se fundamental para o abastecimento das forças portuguesas dispersas pela Guiné. Krus Abecasis procurou minimizar o tempo de inatividade do C-47 devido a requisitos de manutenção, e estabeleceu um circuito regular de abastecimento pelo C-47 para unidades destacadas em Nova Lamego, Farim, Bafatá e Tite, dia sim, dia não. Nos lugares onde as forças portuguesas dependiam de transporte naval, os T-6 eram rotineiramente encarregues de escoltar as lanchas, especialmente na região sul. Krus Abecasis tomou igualmente medidas para melhorar a capacidade de ataques noturnos da FAP, que nos dois primeiros anos da guerra se tinham limitado a um punhado de missões de bombardeamento pelos P2V-5, mas os Neptune eram muito poucos e não impediam o entusiasmo do PAIGC pela escuridão. Abecasis estudou o modo como a Força Aérea dos EUA usavam os C-47 modificados como armas noturnas no Sudoeste Asiático. Ele pediu às OGMA em Alverca para supervisionar a conversão do C-47 em bombardeiro noturno, para poder levar bombas de diferente calibre. Estas alterações tornaram possível a realização de bombardeamentos noturnos em altitudes seguras e produziram resultados até ao final do ano, reforçaram a “guerra antiaérea”, que opôs uma capacidade de destruição da defesa aérea das FARP que procuravam cercear a sua ação aérea. Grandes teóricos do movimento revolucionário como Mao Zedong, Giap e Guevara classificavam a defesa aérea como uma das prioridades da guerrilha, considerações que se aplicavam singularmente à Guiné onde o poder aéreo era notoriamente soberano. O PAIGC distribuía um manual para os seus quadros dizendo que se deviam desenvolver maneiras eficazes de derrotar os aviões inimigos, havia que conhecer as debilidades dos aviões, evitar os seus pontos fortes e explorar as suas fraquezas.

No início da guerra, os aviões eram um terror inultrapassável para a maioria dos militantes do PAIGC. Os bombardeamentos aéreos no Morés eram de tal modo aterradores que os aldeões decidiram internar-se na floresta do Oio, contrariando as ordens da direção do PAIGC. Cabral e os seus colaboradores buscavam uma resposta para tão tremendo desafio. As medidas de defesa inicialmente adotadas repetiam procedimentos que tinham sido usados por guerrilheiros na Malásia, Indochina e outros lugares, caso do emprego de folhagem natural, camuflagem, cobertura da escuridão para se protegerem dos aviões, evitavam-se as áreas abertas e procuravam-se tomar medidas para garantir a ocultação da observação aérea em viagens de dia.

Os camponeses, por exemplo, construíam coberturas de galhos de árvores para se esconderem sempre que ouviam aviões a aproximarem-se das bolanhas onde plantavam arroz, enquanto os guerrilheiros e os habitantes procuravam esconder-se no arvoredo ou ficar parados para impedir a deteção no ar; normalmente vestidos de indumentária escura, os guerrilheiros procuravam confundir as tripulações deitando-se entre troncos de árvore queimados; em área húmidas ou perto de cursos de água, os insurgentes emergiam na água e respiravam através de palhinhas improvisadas; em áreas dominadas pelo PAIGC, uma das medidas adotadas pelas populações eram extensas trincheiras de proteção, recorrendo-se a um sistema de alerta rudimentar que consistia em tambores usados para anunciar a aproximação das aeronaves, e, como já adotados noutros ambientes por insurgentes, o PAIGC assentava as suas bases numa rede dispersa de habitações camufladas, tudo para dificultar a sua localização do ar. Uma diretiva do PAIGC que veio a ser apreendida pelas forças portuguesas, reiterava a ordem permanente de Cabral para que as unidades do PAIGC não permanecessem numa determinada área mais do que dois dias consecutivos. Quem desobedecesse podia ser punido – primeiro pela FAP e, depois, pelo alto-comando do PAIGC.

Outras medidas de defesa passiva passavam pela tática conhecida por “abraçar o inimigo”, ou seja, combater a partir de posições tão próximas das forças portuguesas de tal modo que a aviação não pudesse largar as suas bombas. E para minimizar ainda mais as oportunidades de deteção e destruição, muitas atividades de apoio ao PAIGC ou às populações amigas, como era o caso do cultivo de arroz, processavam-se principalmente à noite. As unidades armadas do PAIGC preferiam operar na escuridão para evitar a intervenção da Força Aérea. Abecasis sublinhava que a noite era o grande aliado do inimigo. O PAIGC espalhava com frequência informação para alerta dos seus militares e população civil, mostravam-se fotografias horríveis de vítimas e danos, insistia-se na tomada de medidas para haver uma defesa agressiva por parte dos combatentes das FARP, mobilizaram-se quadros móveis e comités da aldeia para campanhas de educação da defesa civil em massa. Até os livros escolares produzidos pelo PAIGC traziam avisos sobre os perigos dos bombardeamentos aéreos.

A destruição de aviões dava um importante impulso moral aos guerrilheiros, era uma forma de abalar o conceito de superioridade e invulnerabilidade. Em inflexão estratégica, o PAIGC encorajava que a resistência armada devia incluir lançamento dos RPG- 2 e 7 para atingir os aviões, o que se revelava ineficaz. O PAIGC recorreu aos seus amigos para montar sistemas de defesa aérea e foi assim que surgiram armas pesadas como as do tipo soviético SG-43 Goryunov, que foram reportadas pela primeira vez pelas autoridades portuguesas em 18 de julho de 1963. Eram armas de pouca ajuda e não podiam meter medo mesmo ao velho T-6 Harvard da Segunda Guerra Mundial, contra os aviões a jato os canhões de 7,62 mm não tinham qualquer eficácia.


Circuito de fornecimento dos C-47, 1965 (Matthew M. Hurley)
O C-47 Dakota foi fundamental para fornecer as forças portuguesas dispersas por toda a Guiné (Coleção Virgílio Teixeira)
Arma antiaérea DShK 12,7 mm (Arquivo da Defesa Nacional)
Guerrilhas do PAIGC a receber instrução sobre o uso da DShK (Arquivo da Defesa Nacional)

(continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 20 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23998: Notas de leitura (1545): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (13) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 23 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24007: Notas de leitura (1546): História de Portugal e do Império Português, Volume II, por A. R. Disney; Guerra e Paz Editores, 2011 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23930: Notas de leitura (1538): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
O trabalho de investigação de Hurley e Matos, que aqui se condensa, tem, para além do mérito próprio da probidade da avaliação dos factos que fazem, revelar a insídia que se veio a montar acerca dos primeiros líderes militares na Guiné, na eclosão da guerrilha. Louro de Sousa, nomeado comandante-chefe em cima dos acontecimentos, enviou sempre ao Governo relatórios fidedignos da crescente guerrilha, não dispunha de nenhum sistema de informações fiável, deparou-se com a fuga das populações e uma tremenda falta de recursos, nomeadamente terrestres e aéreos para contrariar os efeitos da guerrilha, que se manifestava muito atuante na região Sul, no Corubal e no Morés, principalmente. Não havia informações sobre os efetivos da guerrilha, nem até mesmo das bases de apoio na República da Guiné Conacri. Os efetivos eram tão minguados que quando o capitão Alípio Tomé Pinto chegou a Binta, em 1964, este importante porto estava praticamente cercado por forças e população afeta ao PAIGC. Hurley e Matos diagnosticam aqui as carências de meios aéreos e mostram como Louro de Sousa e a FAP estavam conscientes de que se impunha um abrir mão a meios humanos e materiais de grande envergadura. Era sempre tudo às pinguinhas, a fartura só virá com o superstar Spínola.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Os capítulos subsequentes permitem-nos ter, mediante processo diacrónico, a evolução dos decisores políticos quanto à formação e equipamento da FAP nos diferentes teatros de operações, e depois o trabalho incide sobre a Guiné, os equipamentos existentes no período que precede a eclosão da guerrilha e as sucessivas respostas para permitir à FAP sucesso na multiplicidade dos desempenhos. Estamos agora a acompanhar a evolução dos primeiros anos da guerra e a resposta da FAP.

Como vimos no texto anterior, o General Venâncio Deslandes deslocou-se à Guiné e produziu um relatório alertando para a gravidade da situação, propôs um conjunto de medidas para melhorar a eficácia do aparelho político-administrativo, incluindo a fusão da estrutura do comando militar, recomendação que foi posta em prática no ano seguinte, mas em 1963 a autoridade política e militar permaneceu dividida entre o Governador Vasco Rodrigues e o Comandante-Chefe Louro de Sousa. A falta de entendimento entre os dois oficiais inevitavelmente criou atrito e complexidade desnecessária no planeamento militar. Deslandes recomendou igualmente o emprego de forças de “intervenção” de reação rápida capazes de responder rapidamente a atos hostis que se pudessem desencadear em qualquer ponto do território.

Baseado em parte na insistência de Deslandes, chegaram a Bissalanca em setembro os primeiros helicópteros Alouette II, “emprestados” do Esquadrão 94 em Angola, foram os precursores da frota de helicópteros que irá gradualmente revelando significativa. Um relatório suplementar de 1963, do Tenente-Coronel Augusto Brito e Melo da Secretaria-Geral da Defesa Nacional, deu ênfase às necessidades da FAP na Guiné. O dispositivo aéreo em Bissalanca incluía sete F-86, oito T-6, oito Austers, três C-47, um Broussard, um P2V-5 Neptune (este em alerta na Ilha do Sal). Os aviões Sabre estavam atrasados. Brito e Melo não deixava de sublinhar que “a coordenação ar-terra é deficiente e, portanto, a eficiência da campanha ar-terra é baixa”.

Enquanto Deslandes e Brito e Melo redigiam os seus relatórios, a FAP sofreu as suas primeiras perdas em combate na Guiné. Em 22 de maio de 1963, no decurso da operação Seta, aviões F-86 e T-6 atingiram alvos no reduto da guerrilha na Ilha do Como. O Furriel António Lobato, tendo suspeitado sido atingido por fogo de metralhadora, pediu ao seu asa, Eduardo Casals, que voasse por baixo dele e inspecionasse a parte inferior para avaliar os danos. O T-6 de Casals tocou na hélice de Lobato durante a inspeção, o que causou a queda do avião de Casals e a sua morte (o seu corpo foi recuperado nesse mesmo dia pelas forças portuguesas). Lobato conseguiu direcionar o seu avião danificado para um arrozal, onde foi capturado por militantes do PAIGC, assim começava o cativeiro mais longo da Guiné, ele passaria os próximos sete anos recluso, primeiro na Maison du Force de Kindia e depois na prisão de La Montaigne em Conacri. Foi o único aviador português prisioneiro de guerra.

Apenas nove dias depois de Lobato ter sido capturado, em 31 de maio, dois F-86 pilotados pelo Capitão Fausto Valla e pelo 2.º sargento Manuel Pereira Clemente, enquanto realizavam uma missão de bombardeamento na região de Bedanda, as aeronaves sofreram estilhaços de uma das suas próprias bombas de 250 kg, os pilotos voltaram imediatamente para Bissalanca, mas o F-86 de Fausto Valla incendiou-se, forçando-o a ejetar-se. Pereira Clemente conseguiu aterrar em Bissalanca sem mais incidentes, depois de despejar a sua artilharia no Geba, o jato de Fausto Valla explodiu antes de chegar a Bissalanca. Três meses mais tarde, a FAP sofreu uma das perdas mais mortíferas da guerra quando um Auster caiu após bater numa palmeira quando descolava de Bissalanca, em 4 de setembro. Nenhum dos três aviadores a bordo (Alferes Eduardo Spínola Freitas e José Madureira Nobre e Primeiro-Sargento José Pinheiro Garcia) sobreviveu. No mês seguinte, ãem 14 de outubro, o Capitão João Cardoso Rebelo Valente faleceu quando o seu T-6 se despenhou durante manobras na região de Morés-Olossato.

Os desaires da FAP continuaram quando o único Broussard sofreu um grave acidente, nove meses depois de ter sido introduzido no teatro da guerra; em 4 de dezembro um segundo Auster descolou e caiu, matando o piloto 2.º Sargento André Miranda Farinha e dois meteorologistas da FAP, Tenente Austrelindo Gaspar Dias e o 1.º Sargento Humberto Silva Matos. Em síntese, a FAP perdeu sete aeronaves e sete pilotos (seis mortos e um prisioneiro) devido a acidentes ou fogo hostil durante o primeiro ano de guerra – uma taxa considerada insustentável.

Em setembro de 1963, Louro de Sousa, perante o Conselho Superior da Defesa Nacional, reclama mais aeronaves para apoiarem operações previstas, pediu entre dez e quinze helicópteros Alouette III para substituir os três helicópteros Alouette II; pediu mais doze T-6, nove DO-27 e quatro F-86. Durante a sua exposição, destacou a insuficiente cobertura aérea, a inadequada capacidade de reconhecimento aéreo para assegurar eficiência às suas forças na Guiné. Louro de Sousa, tendo exposto o caráter das operações da guerrilha do PAIGC, apelou ao envio de forças de reação rápida incluindo paraquedistas e transporte aéreo adequado – no fundo, seguia as propostas de Venâncio Deslandes.

A operacionalidade dos meios aéreos disponíveis era um tremendo desafio. De acordo com uma avaliação da 1.ª Região Aérea, elaborada em agosto de 1963, apenas metade dos oito Auster em Bissalanca estava em condições operacionais, os outros em grandes reparações ou a aguardar peças. Um dos quatro DO-27 recém-entregues a Bissalanca já estava inoperável, por falta de peças. A situação complicava-se por falta de mecânicos e pelo uso criterioso de baterias. A eficácia de combate do T-6 estava limitada pela ausência de informações técnicas sobre o uso e manutenção das armas. Três C-47 estavam na revisão periódica nas OGMA, e a falta de peças de substituição era crónica. Na Ilha do Sal, os dois Neptune também se debatiam com limitações operacionais devido à falta de recursos. O relatório da 1.ª Região Aérea avaliou os oito caças Sabre como operacionais, apontava-se para obrigatoriedade de um ciclo periódico de manutenção; considerava-se que o armamento dos F-86 era precário, exigindo substituições nos dispositivos de suporte das bombas. Em agosto de 1963, o Coronel Krus Abecassis, Chefe-de-Estado-Maior da 1.ª Região Aérea, identificou a necessidade de enviar para Bissalanca oficiais experientes para preencher vagas e alertou para a escassez de especialistas em comunicação. Na já referida reunião do Conselho Superior da Defesa Nacional, Louro de Sousa instou para o reforço dos quadros superiores, era indispensável a presença de dois tenentes-coronéis em Bissalanca.

Por último, havia a necessidade imperiosa de enviar meios financeiros para melhorar as instalações, quartéis, torres de vigilância e iluminação perimetral. Louro de Sousa apelou à introdução de radares e sistemas de comunicação adequados e equipamentos para lidar com qualquer intrusão do espaço aéreo da Guiné. Já ao tempo havia a preocupação dos meios aéreos dos dois vizinhos hostis.

Operações portuguesas de contraguerrilha, 1963
Destroços do T-6 do capitão Rebelo Valente que caiu em outubro de 1963 (Coleção Alberto Grandolini)
Outra imagem da queda do T-6 do capitão Rebelo Valente (Coleção Alberto Grandolini)
Um P2V-5 Neptune na Ilha do Sal, ao lado de um F-86 que esporadicamente era enviado para Cabo Verde para participar na defesa aérea local (Coleção Touricas)

(Continua)

____________

Notas do editor:

Poste anterior de 23 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23922: Notas de leitura (1537): Germano Almeida, prémio Camões (2018), filho de pai português e mãe cabo-verdiana, explica a origem mítica de Cabo Verde: uma criação divina, não por maldição... por distração (Luís Graça)

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20965: FAP (116): O último ano do Fiat G-91 - II (e última) Parte (José Matos)



Fig. 9 - O primeiro Fiat G.91 a ganhar a nova pintura verde escura para evitar o míssil. Infografia: Paulo Alegria. 


O último ano do Fiat G.91 na Guiné
por José Matos
,

[Publicado originalmente na
Revista Militar N.º 4 – abril 2020, pp. 395-414-
Cortesia do autor e editor]





José Matos [, foto à direita]: 

(i) investigador independente em História Militar, tem feito pesquisas sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial portuguesa, principalmente na Guiné;

(ii) é  colaborador regular em revistas europeias de aviação militar e de temas navais;

(iii) colaborou nos livros “A Força Aérea no Fim do Império” (Lisboa, Âncora Editora, 2018) e "A Guerra e as Guerras Coloniais na África Subsariana" (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019);

(iv) é autor, com Luís Barroso, do livro, a sair brevemente, "Nos meandros da guerra: o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné" (Lisboa, Editora Caleidoscópio, 2020).

(v) é  membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de setembro de 2015, tendo cerca de 3 dezenas e meia de referências no nosso blogue]


II (e última parte) (*)

Operações nocturnas 

As missões de Fiat à noite são executadas com luzes de posição apagadas. Esta restrição implicava que a força atacante não fosse superior a 2 caças e que a actuação, no local de acção, obedecesse a um rígido sistema de escalonamento em altitude, tanto na fase da entrada como na da saída dos passes de tiro e à selecção de um ponto em terra bem conhecido para a reunião e regresso à base, dos aviões.

Quanto ao apoio, este era relativamente fácil de prestar, porque o clarão do disparo das armas da guerrilha, denunciava a sua posição no terreno. No local de acção, o primeiro jacto a entrar tinha, por isso, grande probabilidade de infligir danos ao inimigo. Fizeram-se saídas desta natureza a favor de Gadamael Porto e outra em apoio de Cufar.[33]

Em relação ao C-47, foi engendrado um visor a partir de um derivómetro usado no DC-3 Skymaster, que media ângulos na horizontal e na vertical. Ao fim de alguns voos gerou-se uma tabela de tiro e a aeronave entrou em acção, a coberto da noite. O avião adaptado era, habitualmente, usado em missões de reconhecimento fotográfico e tinha, por isso, uma abertura no dorso inferior traseiro, para instalação da máquina fotográfica. Era por essa abertura que os militares a bordo lançavam manualmente bombas de 15 kg. Os voos eram habitualmente feitos a 10 000 pés (3000 metros) fazendo bombardeamento de área. [34] 


A estreia do C-47 nesta função acontece em Setembro de 1973 com 3 acções/3 saídas nocturnas, continuando em Novembro com 5 acções/5 saídas e em Dezembro com 12 acções/12 saídas.[35]

Podemos agora ver pela análise dos SITREPS (“Situation Report”) da época que o número de acções aéreas de ataque do G.91 aumenta de forma consistente a partir de Agosto de 73, atingindo o pico máximo em Outubro (126 acções).[36]





Fig 6 - Fiat G-91: ações aéreas de ataque (1973)


A partir da análise do gráfico [Fig nº 6], constatamos que o número de missões ATIP (Ataque Independente Preparado) é significativo, a partir de Julho (49) sendo durante o resto do ano superior ao mês de Março, ou seja, antes do aparecimento do míssil. As missões ATAP (Ataque de Apoio Próximo) atingem um pico em Maio/Junho, durante a crise militar de Guidage, Guileje e Gadamael, baixando depois durante o resto do ano. Quanto às missões ATIR (Ataque Independente em Reconhecimento) desaparecem praticamente durante o ano.

Ataques a Kandiafara 

Em Agosto, o Tenente-Coronel Fernando de Jesus Vasquez substitui o Major Pedroso de Almeida no comando do GO1201. Um mês depois da sua chegada, os Fiat são empenhados em várias missões de bombardeamento a Kandiafara, na Guiné-Conakry. Estas missões começam no início de Setembro e intensificam-se a meio do mês, quando os “Tigres” bombardeiam esta base várias vezes, apesar da forte oposição das antiaéreas.[37] Num destes ataques, a 20 de Setembro, é morto um oficial cubano, o Tenente Raúl Pérez Abad, que apoiava as forças do PAIGC.[38]

Entretanto, a 1 de Setembro, a Força Aérea perde mais um G.91, mas, desta vez, por razões desconhecidas. O Fiat 5416 era pilotado pelo Capitão Carlos Wanzeller e participava numa missão de bombardeamento em apoio a uma helicolocação, usando bombas de 750 libras (340 kg). 


Durante o passe de bombardeamento e após largar a primeira bomba, o avião de Wanzeller enrola bruscamente para a esquerda até uma posição invertida, ficando o piloto sujeito a uma aceleração excessiva e sem controlo do avião. Após a perda momentânea de consciência, Wanzeller ejecta-se, sendo recuperado posteriormente por um helicóptero que procedia às helicolocações. Na investigação que é feita ao acidente não se consegue apurar o motivo da perda de controlo do avião, ficando o piloto ilibado de qualquer responsabilidade. [39]

No seguimento deste incidente, o Comando da Zona Aérea solicita a substituição do Fiat acidentado, sendo decidido que o avião 5439, previsto sair de IRAN 
[Inspect and Repair As Necessary] em Fevereiro de 1974 para a BA5, seja atribuído à ZACVG. 

No entanto, o chefe da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea (EMFA), Coronel Costa Gomes (um veterano da guerra na Guiné), salienta “que tal decisão irá afectar a já difícil situação da Base Aérea nº 5, no que respeita à preparação operacional de pilotos de G.91 para o Ultramar.” 

Atendendo que a BA5 dispunha apenas de 5 Fiat (3 disponíveis) e que, provavelmente, todas as futuras substituições só poderiam ser realizadas recorrendo aos restantes aviões que estavam em Monte Real, Costa Gomes considera oportuno que seja revisto o problema da preparação operacional em Fiat na BA5, cada vez com menos aviões para essa função. [40] O problema agrava-se no mês seguinte com a perda de outro caça na Guiné.


Ejecção na selva 

A 4 de Outubro, os “Tigres” perdem o Fiat (5409), no norte da Guiné, na região de Jagali, a sul do rio Cacheu, perto da mata do Tancroal. Na manhã desse dia, dois G.91 descolam da BA12 rumo ao norte, pilotados, respectivamente, pelo Capitão Alberto Cruz e pelo Coronel Lemos Ferreira, na altura Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG). Cada avião transportava nas asas 2 bombas de fragmentação de 200 Kg e 4 bombas de demolição de 50 Kg, além das munições habituais nas metralhadoras do nariz. 


O tempo estava encoberto por nuvens altas, mas a zona suspeita distava apenas 50 quilómetros de Bissau e em 15 minutos de voo a parelha estava sobre a mata do Tancroal à procura de vestígios da guerrilha. O ponto de convergência de alguns trilhos suspeitos é assumido como alvo e a zona é de imediato bombardeada pelos dois aviões. Os dois jactos atacam o alvo de forma desfasada no tempo para que cada um possa vigiar a recuperação do outro e avisá-lo em caso de disparo do míssil e atacar o local de lançamento. 


Depois de largadas as bombas, o Capitão Alberto Cruz mergulha em ângulo de picada de 60º para metralhar a posição suspeita e de repente sente um grande estrondo e percebe que qualquer coisa de grave aconteceu ao G.91. O avião vibra com tanta violência que o piloto bate constantemente com o capacete na “cannopy” e a consola do Fiat mostra luzes acesas por todos os lados. De repente, o G.91 entra numa espiral descontrolada e o piloto perde completamente a visão à sua volta e decide ejectar-se. 


A ejecção ocorre a cerca de 400 nós (740 km/h), ou seja, muito perto do limite do cabo de disparo do pára-quedas de abertura que é de 470 nós (870 km/h). É uma ejecção violenta, tão violenta que o piloto perde o capacete e os sentidos, durante algum tempo, e sofre também uma forte compressão na coluna. A descida até ao solo é rápida. Em pouco mais de 15 segundos, o piloto aterra na floresta, mas fica pendurado numa árvore a cerca de 5 metros do solo. 


Perante a situação, deixa o paraquedas deslizar suavemente até que a cerca de 2 metros de altura cai desamparado no chão. Logo de imediato sente dores nas costas, além de um joelho dorido e de perda de visão no olho esquerdo, magoado durante a ejecção. Mas a velha cadeira Martin-Baker salvou-lhe a vida. Recupera da queda e ouve vozes dos guerrilheiros ou da população; discretamente desloca-se a custo para uma clareira, onde fica à espera de ser recolhido. [Fig. nº 7]




Fig. 7 - Capitão Alberto Cruz na Guiné.

Crédito fotográfico: Alberto Cruz 



O líder da parelha alerta Bissalanca e dois Fiat de prevenção acompanhados por dois helicópteros Alouette III armados com canhões de 20 mm partem imediatamente da base para fazer a recuperação. O primeiro G.91 chega rapidamente ao local, mas com receio de ser localizado pela guerrilha, o piloto não emite qualquer sinal luminoso. 

Passados 35 minutos, os Alouette III começam a sobrevoar a área e é nessa altura que o Capitão Cruz lança um flare que é visto por um dos helicópteros, sendo então recuperado. De regresso à base, é elaborado o relatório do que se passou em que o motivo do incidente é atribuído a “causas indeterminadas”. 


De facto, o Coronel Lemos Ferreira que estava no outro Fiat não viu qualquer míssil e o Capitão Cruz fica com a ideia de que pode ter sido o painel das metralhadoras do lado esquerdo que se abriu durante o voo, pois na inspecção que tinha feito antes de levantar voo tinha notado alguma folga neste painel. 

A suspeita do piloto leva a FAP a consultar o construtor do avião (a Dornier), que informa que “os painéis laterais de armamento já se abriram, em alguns casos, mas durante a fase de descolagem” existindo nesses casos “uma tendência de o avião enrolar para o lado oposto ao da abertura, tornando-se crítico o controlo direccional. A firma construtora especificou que no caso particular da perda do painel lateral de armamento em voo, o centro de gravidade deslocar-se-á significativamente para trás, desconhecendo-se qual a alteração da estabilidade da aeronave.”[41]

Entretanto, em Bissalanca, todos os Fiat são inspeccionados detectando-se fracturas nas longarinas da chapa pára-fogo das metralhadoras e também nos ailerons, o que obriga à respectiva reparação em todos os aviões. [42]


Os receios da época seca 

Com o início da época seca (Dezembro-Maio), as chefias militares na Guiné registam um crescendo progressivo da actividade da guerrilha, depois de alguns meses de baixa actividade (principalmente Outubro e Novembro de 73). Esperam obviamente por outro ataque de grande envergadura contra as guarnições de fronteira, sendo Bigene, Guidage, Copá, Canquelifá, Buruntuma e Gadamael, os alvos mais prováveis. Há também o receio de acções de fogo sobre núcleos populacionais importantes, como o caso de Bissau, Bafatá ou Farim. [43] 

Mas nada disso acontece. Durante toda a época seca, o PAIGC não volta a lançar ataques de grande envergadura como os de Guidage, Guileje ou Gadamael, no entanto, concentra a sua acção sobre Copá e Canquelifá na frente leste junto à fronteira com o Senegal e a Guiné-Conakry.[44] Em apoio a estas acções, os guerrilheiros continuam a usar mísseis, mas sem grandes resultados. Entre finais de Abril até Dezembro de 1973, são detectados 15 disparos contra os “Tigres”, mas sem consequências.[45]


Em busca de novos Fiat 


Em Dezembro de 1973, a Força Aérea recebe informações de que a Luftwaffe pretende desactivar durante o ano de 1974, 50 a 60 jactos Fiat G.91 R/3 com uma média de 1800 a 2000 horas de voo havendo interesse da parte portuguesa em comprar alguns destes caças para reforçar a frota da FAP.[46] 


O problema é que o Governo de Bona não pretende vender os aviões a qualquer país estrangeiro, com o receio que o destino final seja sempre Portugal. A venda de armas a Portugal é um tema politicamente sensível na Alemanha, desde que o G.91 do Tenente-Coronel Almeida Brito apareceu nos jornais alemães como sendo de origem germânica, o que gerou críticas contra o Governo. [47] 


Desta forma, torna-se impossível a compra dos aviões na Alemanha. O Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA), General Tello Polleri, ainda tenta explorar, junto de Espanha, a possibilidade destes aviões serem comprados pelas Construcciones Aeronáutica S.A (CASA), para depois serem vendidos a Portugal, mas sem sucesso.[48] 


Ao mesmo tempo, o Governo português tem em curso negociações para a compra de caças Mirage em França, mas o negócio esbarra na intransigência francesa de não permitir que os Mirage sejam usados na Guiné ou em Cabo Verde, uma exigência que dificulta um acordo entre Paris e Lisboa. [49]

A falta de novos Fiat preocupa a Força Aérea e a 3ª Repartição do EMFA produz, em Fevereiro de 1974, um estudo sintético sobre o problema em que considera que, face ao número de aviões existentes (31 unidades) e tendo em conta a depreciação da frota por acidentes e acção do inimigo, a FAP precisa de mais 25 aviões e 28 motores que deviam ser adquiridos nos dois anos seguintes. 


Na altura, a ZACVG dispunha de 11 caças, a 3ª Região Aérea em Moçambique de 16 e a BA5 de 4, embora estivesse previsto o reforço da 3ª RA com mais 4 jactos, ficando Monte Real sem qualquer avião para treino operacional.[50]


A fuga espectacular de Castro Gil 

Com o início de 1974, a guerrilha começa a tentar penetrar na zona nordeste da Guiné aumentando a pressão sobre Copá com bombardeamentos de artilharia. A resposta portuguesa passa pela utilização do C-47, em bombardeamentos nocturnos e do Fiat G.91, durante o dia. 

Na tarde de 31 de Janeiro de 1974, acontece um desses ataques e a BA12 recebe um pedido de apoio de fogo do quartel de Canquelifá, na fronteira norte com o Senegal. Em resposta, dois G.91 descolam de Bissalanca rumo à zona flagelada. Assim que os aviões começam a sobrevoar a área de Canquelifá, os guerrilheiros suspendem o ataque e os pilotos pedem aos militares do Exército, as referências necessárias para bombardear as posições da artilharia. 


O primeiro Fiat, pilotado pelo Tenente-Coronel Jesus Vasquez, efectua o seu bombardeamento sem qualquer reacção antiaérea, mas quando o segundo Fiat, pilotado pelo Tenente Castro Gil, executa a mesma acção é atingido por um míssil quando recupera do passe e despenha-se perto do território do Senegal. Castro Gil ejecta-se e aterra perto das linhas inimigas. A proximidade da noite não permite que seja desencadeada uma operação de regaste e o líder da parelha, após ter informado a base, regressa à BA12, que, entretanto, coloca em marcha os planos para o inevitável resgate. 


Para a operação, são mobilizados os comandos africanos de Marcelino da Mata e dois pelotões de pára-quedistas, que iriam descolar logo de manhã cedo para Nova Lamego, de onde iriam de helicóptero para a zona onde o piloto português caíra. Um C-47 fora também colocado no ar, sobrevoando a zona de Canquelifá para que Castro Gil percebesse que a Força Aérea o iria resgatar assim que possível. 


O piloto, depois de chegar ao solo e vendo-se numa zona queimada pelos bombardeamentos da guerrilha decide afastar-se para norte, para o lado do Senegal, de forma a despistar a guerrilha. Munido de uma bússola, esgueirou-se pela cinza de forma a não deixar grande rasto e caminhou o mais que pôde para não ser encontrado pelos guerrilheiros. Já depois do raiar do dia, mudou de direcção para sul, em busca da estrada alcatroada de Buruntuma-Piche-Nova Lamego. O plano de Castro Gil era chegar ao quartel de Piche.

O raiar do dia trouxe também o início das operações do Exército português. Os homens de Marcelino da Mata foram colocados no terreno e encontraram o que restava do pára-quedas e do assento ejectável, mas sem sinal do piloto. 

Entretanto, um pequeno DO-27 de reconhecimento foi colocado no ar também para procurar o piloto que,  ao ver o avião, lançou um very-light, mas desesperado, apercebeu-se que a tripulação não o vira, e o monomotor a hélice afastou-se do local onde estava. Foi um rude golpe, sobretudo tendo em conta que já se afligia com sede e calor. Mesmo assim, não desistiu e resolveu prosseguir com o seu próprio plano. 





Fig. 8 – Regresso do Tenente Castro Gil a Bissalanca. Crédito fotográfico: Grupo Operacional 1201. 



Ao fim de muitas horas, acabou por encontrar uma tabanca. Escondido entre a vegetação, estudou os habitantes para se certificar de que eram de confiança. Ao fim de uma hora, decidiu arriscar, indo ter com uma mulher para lhe pedir água. Estava agora rodeado pela população, que se revelou amigável e pediu a um habitante local para ser levado para o quartel de Piche. O homem surgiu com uma bicicleta de assento atrás e mandou Castro Gil instalar-se e arrancou a pedalar em direcção ao sul. 

No caminho, ainda passou por dois homens armados, caminhando em sentido inverso, que o condutor da bicicleta cumprimentou sem levantar qualquer suspeita. No espírito de Castro Gil ficou a dúvida se os homens seriam milícias de um destacamento existente entre Piche e Canquelifá (Dunane) ou dois guerrilheiros que teriam andado à sua procura e regressavam ao seu acampamento.

Enquanto isto se dava, a equipa de resgaste prosseguia a sua missão durante o dia, na zona de Canquelifá, mas sem encontrar vestígios do piloto.

Só ao final do dia é que receberam uma comunicação de Piche que dizia, em termos muito simples, que o piloto tinha chegado ao quartel, de bicicleta! [51]


Sistemas antimísseis 

Na altura em que Castro Gil foi abatido existiam já contactos para adquirir, em França, uma tinta de baixa reflexão de tonalidade verde escura para evitar o míssil. O primeiro Fiat a ganhar esta nova pintura foi o 5401, que estava em Monte Real na BA5, sendo transferido para a Guiné em Março de 1974. [52] [Fig. nº 9]

A Força Aérea procura também equipar os Fiat com um sistema antimíssil do tipo flare a comprar nos EUA e o ministro da Defesa, Silva Cunha, autoriza, em Fevereiro de 1974, a compra de dispersores de flares para instalar no G-91.[53] O modelo escolhido é o TRACOR TBC-72 de fabrico americano semelhante ao AN/ALE-40 da mesma empresa. A ideia era instalar 4 dispersores por avião junto ao bordo de fuga dos suportes internos. Os TBC-72 permitem a utilização, não só de artifícios iluminantes, como também de “chaff” (limalha de perturbação de radar).

Em Abril, são feitas diligências junto da embaixada portuguesa em Washington para saber da possibilidade da venda de tal equipamento pelos americanos, mas com o 25 de Abril e o fim do regime, a compra perde sentido.[54]


O fim da guerra 


A actividade operacional dos “Tigres” em 1974 vai decrescendo nos primeiros meses do ano até à revolução de Abril. Mesmo assim, a média mensal é de 140 horas/voo, ou seja, superior aos 10 meses anteriores (130 horas/voo).[55] De Janeiro a Abril de 1974, são detectados disparos de 11 mísseis contra os Fiat, mas com excepção do abate de Castro Gil, nenhum Strela atinge os jactos. [56]

Apesar do 25 de Abril e da mudança do regime em Lisboa, a guerra não acaba de imediato e os Fiat continuam a voar nos céus da Guiné. Bettencourt Rodrigues é demitido das suas funções e chamado a Lisboa, sendo substituído pelo Tenente-Coronel Mateus da Silva e depois pelo Tenente-Coronel graduado em Brigadeiro, Carlos Fabião, que toma posse em Bissau, a 8 de Maio.[57] Na Força Aérea, o Tenente-Coronel Vasquez continua no comando do GO1201, não havendo qualquer mudança.

No início de Maio, os G.91 ainda efectuam algumas missões de ataque e uma de apoio próximo em Mamboncó,[58] mas com o cessar-fogo acordado em Dacar em meados de Maio, as operações ofensivas cessam na Guiné.[59] Os “Tigres” ficam limitados a missões de vigilância até à independência da Guiné. Terminava assim a vida operacional do Fiat neste território africano.

José Matos

__________

O autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional, ao Arquivo Histórico-Militar e à Torre do Tombo, as facilidades concedidas para esta investigação. Ao TGen Fernando de Jesus Vasquez, ao TGen António Martins de Matos e ao Maj Alberto Cruz a leitura e informações prestadas. 
 

[Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação neste blogue: LG]
____________


Referências:


[33] Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez.

[34] Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez.

[35] Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 40/73 e 46/73 a 52/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/87

[36] SITREPS do COMZAVERDEGUINÉ, ADN/F2/16/87 e 88.

[37] SITREPS nº 36-39/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/88.

[38] Hernández, op. cit., p. 237.

[39] Informação n.º 166 da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Acidentes com as aeronaves Fiat n.º 5416 em 1 Set. 73 e 5409 em 4 Out. 73, 22 de Abril de 1974, Serviço de Documentação da Força Aérea/Arquivo Histórico (SDFA/AH).

[40] Informação nº 287 da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Aviões Fiat G-91 da ZACVG, 10 de Setembro de 1973, SDFA/AH-SEA/Guiné 1964-1974/Fiat Processo 430.121.

[41] Informação nº 166, ibidem.

[42] Informação prestada ao autor pelo Capitão Alberto Cruz e pelo General Lemos Ferreira e Informação n.º 166, ibidem.

[43] Relatório da situação militar no TO Guiné, período de Outubro 73 a Janeiro de 74, Conselho Superior de Defesa, ADN F3/15/32/41.

[44] Idem, ibidem.

[45] Correia, José Manuel, Strela: A Ameaça ao Domínio dos céus no Ultramar Português, 2ª parte, Mais Alto n.º 393 Setembro/Outubro 2011, p. 28.

[46] Memorando do Estado-Maior da Força Aérea, 25 de Janeiro de 1974, SDFA/AH, 3ª Divisão/EMFA 71/74, Processo 400.121.

[47] Carta de Alberto Maria Bravo & Filhos, Assunto: Aviões G-91, 4 de Dezembro de 1973, Arquivo Histórico Diplomático (AHD) PEA 655.

[48] Carta do Secretário de Estado da Aeronáutica para o General Enrique Jimenez Benamu, 25 de Fevereiro de 1974, AHD PEA 655.

[49] Matos, José, A história secreta dos Mirage Portugueses, 2ª parte, Revista Mais Alto nº 401, Jan/Fev. 2013, pp. 25-29.

[50] Informação nº 44/A da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Recompletamento da Frota de Aviões Fiat G-91, 2 de Fevereiro de 1974, SDFA/AH-SEA/Guiné 1964-1974/Fiat Processo 430.121.

[51] Informação prestada ao autor pelo General Jesus Vasquez.

[52] Correia, op. cit., p. 31.

[53] Informação n.º 355 da Secretaria de Estado da Aeronáutica, Assunto: Equipamento antimíssil Strela (TRACOR), 18 de Abril de 1974, ADN/F3/7/13/5.

[54] Nota secreta do Director Geral do MNE para o Embaixador de Portugal em Washington, Assunto: Aquisição de equipamento antimíssil Strela, 22 de Abril de 1974, ADN /F3/7/13/5.

[55] Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 1/74 a 17/74 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/89 e AHM/DIV/2/4/295/3.

[56] Correia, op. cit., p. 28.

[57] Silva, António Duarte, A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Edições Afrontamento, Lisboa, 1997, pp. 179-180.

[58] SITREPS Circunstanciados n.º 18 e 19/74 do COMZAVERDEGUINÉ, AHM/DIV/2/4/295/3.

[59] Silva, op. cit., pp. 227-228.

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 11 de maio de  2020 > Guiné 61/74 - P20963: FAP (115): O último ano do Fiat G-91 - Parte I (José Matos)