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segunda-feira, 19 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24413: (De) caras (198): "Da minha varanda também vejo o mundo... Ou de como mudou a minha rua, os meus vizinhos, os meus fregueses"... (Valdemar Queiroz e os seus comentadores)

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM de Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) >  O Valdemar Queiroz, nado em Afife, criado em Lisboa, foi instrutor desta rapaziada toda: aqui, com os recrutas Cherno Baldé, Sori (Jau ou Baldé) e Umaru Baldé (que, feita a recruta, irão depois para a CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, a partir de 18 de junho de 1970). Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade (!). Eram do recrutamento local e, originalmente, não falavam português.

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Sintra > Agualva-Cacém > Rua de Colarider > Maio de 2023> "Da minha varanda também vejo o mundo... Ou uma nesga, o da da minha rua"

Fotos (e legenda): © Valdemar Queiroz (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Quando o Valdemar Queiroz casou e se mudou para Agualva-Cacém, há 50 anos, a Rua Colaride não era tão bonita e sobretudo era muito menos "colorida"...   

No país não havia mais do 28 mil estrangeiros com estatuto legal de residentes (20 mil, em 1960)... Os dados são da Pordata (ver aqui). Hoje são mais de 750 mil, segundo dados revelados recentemente pelo SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras). 

Na Rua de Colaride, há mais gente oriunda, por exemplo,  de Cabo Verde, Guiné, Angola, três antigas colónias portuguesas, que se tornaram independentes em 1974 e 1975... Muitos já terão a nacionalidade portuguesa...  

As fotos que o Valdemar vai tirando à varanda, com um "telemóvel fatela", não nos dizem tudo, mas dizem algumas coisas,dele, dos vizinhos e dos fregueses... E sobretudo deram origem a um curiosa e sobretudo rica e estimulante troca de comentários entre o Valdemar e os seus leitores...  Foram um "momento bonito" das nossas blogarias... Afinalo, blogar até faz bem à saúde...

Fica aqui um apanhado (*)... E, como diz o Valdemar, saúde da boa para todos/as, nomeadamente nesta semana de festas juninas e sardinha assada por todo o lado, da Lourinhã ao Porto... (Em Sintra, o concelho onde mora o Valdemar, o feriado municipal é no São Pedro. o santo que encerra o solstício do verão, e o ciclo festivo dos santos populares: "primeiro vem o santo António / depois o são João / e, por fim, o são Pedro / para a nossa reinação"  (diziam os putos no meu tempo, a saltar a fogueira...).


(i) Tabanca Grande Luís Graça:

(...) Uma rua, a rua de Colaride, Agualva-Cacém, que se tornou agora famosa: está no mapa e na blogosfera, por nela viver (e só poder assomar à janela...) um dos nossos amigos e camaradas, o Valdemar Queiroz... 

Vive sozinho em casa, e é portador de um doença crónica incapacitantte (o raio de DPOC - Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica), mas não perdeu o gosto de viver e conviver, e muito menos o "humor de caserna"... 

Da sua janela vê o mundo... da sua rua. É um dos mais antigos moradores da rua Colaride, que está agora mais bonita do que em 1972/73, quando um andar custava 200 contos (52 m8il / 46 mil euros, a preços de hoje...). 

Minhoto de nascimento, alfacinha por criação, avô de netos holandeses, aliás. neerlandeses.. Uma história de grande humanidade, um exemplo (tocante) para todos nós antigos combatentes, que somos representantes de uma "espécie" em vias de extinção... sem apelo nem agravo. (...)

16 de junho de 2023 às 11:17 

(...) A verdade é que os prédios da rua de Colaride, em Agualva-Cacém (...) não mostram sinais de terem grades e arame farpado, como infelizmente se vê nas cidades africanas que a gente conhece, como Bissau ou Luanda (onde a "nomenclatura" vive em condomínios de luxo)...

O prédio do nosso querido Valdemar "Embaló" pelo menos não tem, o que é bom sinal... E espero bem que nunca venha a ter...


(ii) Hélder Sousa:

Isto que o Valdemar nos presenteou pode ser observado sob vários aspetos.

O primeiro, imediato, é que me parece ser um "estudo fotográfico" da evolução do bairro onde mora, das ruas, dos habitantes, considerando que os originais se foram para outras paragens, que os habitantes agora são originários de Cabo Verde, Guiné e Angola, que já são habitantes de prédios e não de barracas ou moradias improvisadas, que são pessoas com empregos "normais", não maioritariamente na construção civil.

Considero que as povoações, os bairros, as ruas, são também, ou podem ser, "entidades vivas" com o seu quê de nascimento, crescimento, declínio e/ou substituição e que, por esse prisma, as fotos que fez (e faz) podem ser encaradas como um testemunho etnográfico.

Quanto às fotos em si mesmas, claro que o que imediatamente nos dá curiosidade é o nome estampado na T-shirt que encabeça a série, mas tudo então nos transporta para "outras paragens".

Outro aspeto que podemos considerar é mesmo o facto do Valdemar ser um "resistente", logo à cabeça como habitante do bairro (ainda e sempre, como os irredutíveis gauleses), e depois à situação de inferioridade induzida pela malvada DPOC que apesar de tudo não lhe tira a alegria de viver, o sentido crítico e até a ironia.(...)


(iii) Valdemar Queiroz:

As fotografias são tiradas por um telemovel fatela. Tivesse uma máquina como deve ser, dava para mostrar a envolvência dos fotografados.

Os arruamentos, zonas verdes e prédios têm um bom aspecto devido tratar-se de propriedade horizontal a grande maioria e como tal havido uma boa conservação.

Os prédios nasceram em 1972-1973, no caminho de uma vacaria e moinhos de vento, ainda quase todos para alugar, a receber casados de fresco vindos de Lisboa com a estação dos comboios a 10 minutos, e a meia hora do Rossio.

Levou alguns anos a ficar tudo arranjadinho como agora se vê, e os novos habitantes, principalmente a mulheres, fazem grande motivo de vaidade por viver no 2º. andar, que até dá para estender a roupa a secar. E até me dizem 'ó vizinho,  está melhor?' (...)



(iv) Eduardo Estrela:

Valdemar!!... Ver o mundo que os teus olhos abraçam desde a varanda da tua casa é muito melhor do que ir parar ao Hospital Amadora/Sintra.

Os teus exemplos de coragem e obstinação e a forma como verbalizas os momentos menos bons que a p... da DPOC te provoca, também nos transmite a nós força para encarar o futuro.(...)


Meu caro Valdemar: (...) Contudo, pelas fotos, bem nos enganas, pois julgo tiradas na varanda (espero que tenha varandas!) do Hotel Royal em Bissau! Conseguir tal proeza não é para quem quer, é para quem pode (onde é que eu ouvi isto?!). Gostei de te ver, a cores!

Não me digas que não me compr'endes
quando os dias se tornam azedos
não me digas que nunca sentiste
uma força a crescer-te nos dedos
e uma raiva a nascer-te nos dentes
Não me digas que não me compr'endes
(Que força é essa? Amigo) (...)

 14 de junho de 2023 às 18:30 


(vi) Fernando de Sousa Ribeiro:

Pronto, acho que já descobri onde mora o Valdemar Queiroz, com a ajuda das fotografias e do Street View da Google. É claro que não sei qual é o andar, nem sequer tenho a certeza sobre a porta do prédio dele, mas suponho que ele mora muito aproximadamente aqui:

 https://goo.gl/maps/ugtWqrMAFdbpf1oK7

O Valdemar não tem uma janela virada para o mar, mas merecia, porque parece ter os horizontes muito limitados. Mesmo nas traseiras, deve ter uma vista para o casario da Agualva-Cacém e pouco mais. Além disso, o ar lavado do mar far-lhe-ia bem, com toda a certeza.

A resiliência (como agora está na moda dizer) do Valdemar Queiroz é um exemplo de vida para todos nós. Aprendamos com ele. (...)

14 de junho de 2023 às 18:50 

(...) Não deve ter sido fácil convencer os donos dos automóveis que estacionavam aí à frente a deixá-los noutro lado, mas o ajardinamento desse espaço resultou em pleno. Ficou um recanto aparentemente muito aprazível, acrescido pela beleza dos jacarandás, sobretudo quando estão em flor. Só foi pena terem posto a nespereira tão afastada da varanda...

O J. Pimenta, o António Xavier de Lima e os outros construtores dos dormitórios da Grande Lisboa, como é a Agualva-Cacém, não se preocupavam com semelhantes "pormenores" tais como fazer espaços verdes e garagens para os moradores. Mesmo a urbanização de S. Marcos, do outro lado do IC 19, é uma selva de betão (pelo menos era no meu tempo), apesar de ser muito mais recente. Nada lhes escapa.

Um abraço e... saúde da boa (também posso dizer, não posso?)



(vii) Juvenal Amado:

As fotos da tua bem podem ser as da minha rua na Reboleira. Embora eu só more aqui de forma permanente há sete anos vi muitas transformações desta zona nos 20 anos que a frequento.
Africanos de varias procedências tanto dos PALOPES como francófonos e Há sete anos existiam Romanescos às cárradas que entretanto foram para outras paragens,

Olha camarada estimo a tua saúde e não sei o mar seria uma bênção pois também há mais humidade. (...)

14 de junho de 2023 às 22:26


(viii) Valdemar Queiroz:

Obrigado,  Juvenal. 
Eu nasci à beira mar, a cerca de um quilómetro, mas sem hábitos de gentes da borda d'água. Afife tinha/tem uma grande praia, mas nunca teve pescadores e gente do mar só as mulheres quando iam ao sargaço.

A rapaziada só ia à praia quando ajudava os banhistas no Verão, o mar era muito perigoso. Mesmo assim, não fora as proximidades do mar teria dificuldades em crescer dado o meu estado de raquitismo.

Em Lisboa, puxava-me ver os golfinhos no Tejo e ir para a praia da Linha de Cascais. Desde os 16/17 anos que fazia campismo selvagem na praia de Troia, e assim cresci mais um bocado mas não chegando ao 1,70 e ao desenvolvimento ósseo.

E até poder, cerca de 2008, sempre tive hábitos de "banhista" nas praias do sudoeste alentejano por mais de vinte anos. Que bom que era poder dar um mergulho numa onda e descansar na areia a fumar um cigarro (fdap de vício).

Abraço e saúde da boa

16 de junho de 2023 às 13:07 


(ix) Cherno Baldé:

Caro amigo Valdemar Embaló, conheci o teu Bairro da Agualva/Cacém onde viviam alguns conterrâneos em meados de 2001/02.

Nos subúrbios de Lisboa, por norma, quando a "africanização" dos Bairros começa a ganhar proporções, os "indígenas" tendem a fugir, é por isso que a integração é tão difícil na Europa e, concretamente, em Portugal que conheci melhor. Não pode haver integração sem convivência.

Ao Valdemar, sobrevivente de Canquelifa, Paunca e Guiro-Iero-Bocari (que poucos guineenses saberão localizar num mapa), eu sei que não faz muita diferença, pois a África e os africanos fazem parte das suas lembranças, boas e más. (...)


(x) Valdemar Queiroz:

Caro amigo Cherno Baldé: Tenho muitas fotografias destas, agora os meus vizinhos são cabo-verdianos, guineenses, angolanos. Os alentejanos, beirões e lisboetas que inauguraram esta zona do Colaride (Agualva) já partiram, os filhos e os da minha idade. Como subiu bastante o preço dos andares venderam por bom dinheiro o que lhes tinha custado 200 contos. Nos primeiros tempos pouca gente comprava os andares, eram quase todos alugados.

Então o Cherno Baldé cá pela minha rua? Lembro-me haver um fula a habitar num prédio próximo, que eu encontrava num café e havia sempre aquela do 'ta la finani?'. Coitado andava sempre a pedir para lhe pagar um café.

Mas em 2001-2002 ainda eu fumava, bebia do tintol e alinhava em boas almoçaradas.

A grande alteração do modo de habitação dos africanos foi devido aos seus filhos terem estudado e arranjarem empregos sem ser nas obras. A D. Alice, cabo-verdiana, que me trata da casa é dona do um andar no prédio em que mora a filha, e ela mora noutro andar próximo. Há tempos, quando eu lhe disse que agora há muitos africanos morar para cá, ela respondeu-me 'pois, agora a gente já não mora nas barracas'. (,,,)

15 de junho de 2023 às 01:37


(xi) Eduardo Estrela:

Bom dia,  Valdemar e malta da nossa colheita!!

A envolvência dos fotografados é feita através das imagens que recolheste. As pessoas interagem com as máquinas. Reparem nos cidadãos que aguardam o autocarro e o que está sentado nas escadas. Como diz o Cherno e bem, não pode haver integração sem convivência. Perdeu-se o bom hábito de falar com as pessoas olhos nos olhos.

Europeus, africanos, asiáticos, americanos e demais, praticam cada vez menos essa ancestral forma de comunicar. (...)

15 de junho de 2023 às 08:42

(xii) Valdemar Queiroz:

(...) Estrela, obrigado pelo comentário que como outros sempre com grande poder critico. Tenho muitas fotos tiradas com a ideia de 'sempre ao telemóvel'.

A mulher que está nas escadas à entrada do meu prédio mora na cave vem apanhar sol e falar ao telemóvel. As raparigas da paragem do autocarro são empregadas de supermercado e também apanharam o vício do 'vou já a caminho' sem necessidade dessa informação.

A necessidade dos africanos comunicar entre eles já não se pratica, vivem todos muito próximos e, tal como nós em vez de alentejanos ou beirões, são de várias ilhas ou regiões de África, talvez sem se conhecerem não ter hábito de conversa.

Noto em toda esta gente que agora vive por aqui um grande sentido de 'boa educação', com uma segunda geração a falar português em vez de crioulo e uma certa vaidade de morar ao nosso lado.

Há dias estava sentado próximo da porta de entrada e ouvi um estrondo na varanda, de seguida tocaram à campainha. Ouvi bola bola e abri a porta da escada com um 'venham cá acima'. Aparecerem dois miúdos 10-11 anos cabo-verdianos muito assustados, vão à varanda buscar a bola e tenham mais cuidado podiam ter partido um vidro, disse-lhes. Silenciosamente atravessaram um quarto regressando com a bola e voltaram-se para mim com um 'o senhor está doente, precisa de alguma coisa?'. Não os conhecia de lado nenhum, vinham da escola a caminho de casa.

Estrela, como deve estar a Carrapateira, Bordeira e a praia do Amado que durante vários anos visitava de férias no mês de Agosto e nunca mais lá irei.


(xiii) Eduardo Estrela

Vais!!!... Vais pelas tuas memórias e recordações. Viajamos quando queremos porque a mente nos permite que o façamos mesmo sem nos deslocarmos fisicamente.

Recorda a beleza que conhecesse, é muito mais enternecedor a do que a que resulta de aplicações financeiras e fraudulentas do denominado mercado.

Fiquei extremamente sensibilizado com a história dos putos de 10/11 anos.

Ainda há gente boa no mundo, com sensatez suficiente para serem solidários.
Temos obrigação de continuar a luta e participar de todas as maneiras possíveis na construção duma sociedade cada vez mais harmoniosa e racional.
Abraço fraterno e... "Saúde da Boa"


(xiv) Francisco Baptista:

Valdemar, amigo e camarada, vives na tua ilha e com as limitações que isso te traz, procuras superar as tuas limitações, fraternalmente com os vizinhos da tua rua e com os vizinhos que vais encontrando neste Blogue, és um resistente, um lutador, admiro-te muito.

Da tua varanda ou da tua janela podes contruir outras histórias. Vai dando notícias.
As tuas melhoras. (---=



(xv) Valdemar Queiroz:

(...) Que chatice, agora, e eu sem poder dar vencimento a tanto quererem saber de mim.

Já enviei a todas as TVs, outros orgãos de informação e revistas da especialidade, e até a gouchadas e cristinices, um comunicado de não querer ser conhecido mais do que já sou.

Já não tenho idade e saúde, para altos voos de mirone da varanda e guarda-nêsperas, e ganhar bom dinheiro. Chega-me o que faço, confessei, enquanto mirava um casal de pombinhos na intimidade, no beiral de um telhado.

Cá estou eu como habitualmente, a levar as coisas com boa disposição e não, por enquanto, a pensar na chatice que me havia de aparecer na parte final da corria da maratona da vida. E tenho estado bastante aflito, mas farto-me de rir com aquela do Paco Bandeira ser da família dos Bandeira e não da dos Niña ou dos Nassa.

Fernando Ribeiro, a seguir ao parque automóvel em frente dos prédios apareceu outra "praga" da época, o cultivo de couves e batatas em hortinhas por "agricultores" de outros prédios. (...)

quarta-feira, 14 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24399: (De) Caras (197): "Da minha varanda também vejo o mundo... Ou uma nesga, o da da minha rua" (Valdemar Queiroz, DPOC, Rua de Colaride, Agualva-Cacém, Sintra) - Parte I


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8


Foto nº 9


Foto nº 10

Sintra > Agualva-Cacém > Rua de Colarider > Maio de 2023>    "Da mimha varanda também vejo. o mundo... Ou uma nesga, o da da minha rua"

Fotos (e legenda): © Valdemar Queiroz (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso querido amigo e camaraada Valdemar Queiroz:

Data - domingo, 28/05, 17:31
Assunto - Quem não pode sair de casa, vai para a varanda.

Como não saio de casa, por motivos da DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica), com o tempo mais quente dá para ir ver "passar as modas" na varanda.(*)

Vi nascer toda a urbanização da zona do prédio da minha casa. Passaram 50 anos, os casadinhos de fresco inauguraram os prédios da urbanização e com o andar dos anos os filhos foram crescendo e arranjaram outros locais para morar.

Os mais velhos, como eu, alguns ficaram, mas a maioria também saiu para outros lados. Agora, há cerca de 6-7 anos, os prédios começaram a ser habitados por outra gente,na maioria famílias de cabo-verdianos, mas também guineenses e angolanos.

E, agora, na rua só se vê gente de origem africana, talvez os de cá, já poucos, prefiram sair só de carro.

Eu, com o tempo mais quente,  vou para a varanda e vejo passar gente que me faz lembrar a Guiné e sempre vou tirando umas selfies apanhando pessoas descontraídas. Hoje passou um homem e duas mulheres com um t-shirt BALDÉ, e de imediato lembrei-me do nosso caro amigo Cherno Baldé.

Anexo umas fotografias tiradas da minha varanda, que são um filme do que vejo todos
os dias, desde a chinchada à velhinha nespereira às flores do jacarandá. (**)

Espero que o Cherno goste
Valdemar Queiroz

E

Valdemar Queiroz, minhoto por criação, lisboeta por eleição, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; aqui, na foto, em Contuboel, 1969. Vive hoje, sozinho, em casa, em Agualva-Cacém. Tem um filho e netos nos Países Baixos. De vez em quando vai de urgência para o Hospital Amadora-Sintra com uma crise aguda, devido à sua "DPOC de estimação"... Não perde, mesmo assim, a sua vontade férrea de viver e o seu saudável humor de caserna... O nosso voto é que ele continue mais teimoso do que a filha da p...
______________

(**) Último poste da série > 4 de junho de  2023 > Guiné 61/74 - P24366: (De)Caras (196): "Deus deve ter-se esquecido de África": o nosso tabanqueiro nº 643, Jaime Silva, ex-alf mil paraquedista, 1ª CCP / BCP 12 (Angola, 1970/72), num corajoso e sentido depoimento sobre a sua participação na guerra colonial, à Camões TV, Toronto, Canadá

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20289: Agenda cultural (709): Renato Monteiro: "Ciganos", apresentação de projeto fotográfico, 5/11/2019, 18h00, Palácio do Beau-Séjour, Benfica,LIsboa




Renato Monteiro, Xime,
cais fluvial do Xime (c. 1969/70)
Renato Monteiro

(i) ex-fur mil, CART 2439 / CART 11, (Contuboel e Piche, 1969), e CART 2520 (Xime e Enxalé, 1969/70); 

(ii)  licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 

(iii) professor do ensino secundário reformado; 

(iv) tornou-se um notável fotógrafo do quotidiano, com obra feita (vários álbuns publicados desde 1998; e tem pelo menos 20 blogues de fotografia, com destaque para  Fotografares e A Minha Cave;

(v) nasceu em 1946, no Porto, vive em Lisboa;

(vi) tem mais de meia centena de referências no nosso blogue;

(vii) um dos seus primeiros trabalhos publicados foi "Fotobiografia da Guerra Colonial",   em coautoria com Luís Farinha (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1990,  e Círculo de Leitores, 1998).
_______________

Nota do editor:

Último poste da série >  29 de outubro de 2019 >  Guiné 61/74 - P20288: Agenda cultural (708): Conferência "História da China: Relações Portugal-China", pelo prof António Graça de Abreu, dia 30, 4ª feira, às 17h45, no Campus de Carcavelos, NOVA School of Business and Economics

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20159: Agenda cultural (701): Festival TODOS 2019: Lisboa, São Vicente, 19-22 setembro: "Avizinhar o mundo". Uma mão cheia de eventos este fim de semana: arte urbana/instalação, cinema, culinária do mundo, dança, encontros / experiências / conversas / performances, fotografia, música, novo circo, teatro, visitas guiadas...

Capa do programa > Cortesia do sítio da
Câmara Municipal de Lisboa
1. Somos fãs de (e apoiamos) este festival  (vd. referências no nosso blogue), numa cidade (e num país) em cuja matriz histórica e cultural estão a descoberta, a aproximação  e o acolhimento do(s) outro(s).  

Aqui ficam sugestões para este fim de semana para quem tiver pernas para andar, olhos para ver, ouvidos para ouvir, boca para falar, tacto para tocar, olfacto para cheirar, gosto para saborear, imaginação para descobrir, coração para acolher e amar, razão para compreender, enfim, corpo e alma para "avizinhar o mundo"... Porque "avizinhar o mundo é preciso"... Oxalá, inshallah, enxalé... a gente ainda vá tempo!...

Eu lá estarei, eu e a Alice, entre os "vizinhos" e "fregueses" de São Vicente mesmo que 3ª feira eu vá à faca: tenho uma artroscopia programada. No joelho esquerdo... Sequelas da vida, das andanças, da idade, quiçá da guerra... Boa saúde, bom fim de semana.  LG

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O TODOS - Caminhada de Culturas celebra, desde 2009, Lisboa como cidade intercultural através das artes performativas contemporâneas. Este ano, é a 11ª edição do festival.

Promovido entre a Academia de Produtores Culturais e a Câmara Municipal de Lisboa, o TODOS tem contribuído para a destruição de guetos territoriais associados à imigração, convidando os públicos ao convívio entre culturas de todo o mundo, na capital portuguesa.


Datas: de 19 (quinta-feira)  a 22 (domingo) de setembro de 2019
Locais: Lisboa: Graça, São Vicente e Santa Engrácia: 
Rua Voz do Operário / Campo de Santa Clara, 
Largo da Graça / Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen
Rua da Graça / Jardim  Cerca da Graça

TODOS 2019 | avizinhar o mundo

PROGRAMA COMPLETO EM PDF 
PARA DOWNLOAD AQUI

TODOS 2019 > Editorial (reproduzido com a devida vénia...)

Conhecemos a D. Conceição, moradora na Graça, num almoço em Lisboa com a comunidade filipina. Perguntámos-lhe o que ali fazia e respondeu-nos: “Há anos atrás o meu marido ficou muito doente e quem me ajudou a cuidar dele foram duas vizinhas nossas, filipinas. A minha gratidão para com estas vizinhas tornou-me próxima delas e sempre que posso venho almoçar e celebrar a vida com esta comunidade”. A compaixão e o amor, a atenção e o cuidado para com o outro, aproximaram estas mulheres de origens, culturas e línguas tão diversas. Um exemplo perfeito da urgência em avizinhar o Mundo.

Recuperada e soprada aos quatro ventos nesta 11.ª edição do TODOS, a palavra avizinhar, antiga e algo esquecida, é rica em significados: tornar vizinho, aproximar, estar perto. É isso que desejamos a cada ano e com cada vez maior intensidade – avizinhar-nos do Mundo a partir da janela da nossa casa, a partir da nossa rua, que não queremos jamais despojada de vizinhos. Pois será no abraço ao outro, bem como naquele que dele recebemos, os dois desejavelmente acolhedores e cúmplices, de gente que se conhece no território do quotidiano, que depositamos a esperança na nossa própria humanidade.

A programação deste ano celebra uma das ideias e palavras-chave do TODOS: o outro. Mas não um outro abstrato, não: o outro que está mesmo aqui, tão próximo e tão semelhante. Qualquer que seja a sua cultura de origem e/ou antiguidade no território que partilhamos, o vizinho é o semelhante mais próximo, aquele com quem o diálogo é uma feliz inevitabilidade. O TODOS de 2019 é, assim, e por excelência, um lugar de encontro entre os moradores e os trabalhadores de São Vicente e as populações estrangeiras que ali possam chegar, de modo a reforçar, ou a criar, se possível, sempre que possível, laços de vizinhança.

A partir de inquietações transversais a todas as culturas, propomos momentos artísticos e de convívio propícios ao avizinhamento entre pessoas muito diferentes entre si mas comuns caminhantes nesta nossa cidade. A partir das palavras dos poetas e do “eu poético” que habita em cada um de nós, ponderamos a Liberdade, o Racismo, a Fraternidade, a Paz, a Viagem. Num mundo repleto de imagens há que escutar as palavras, ainda assim. Escutámo-las. As palavras de desabafo, as palavras das canções (incluindo as de embalar), as palavras dos diários, as palavras das entrevistas que fizemos a centenas de pessoas de várias origens e idades.

De entre as muitas e variadas histórias que nos contaram, umas mais sussurradas que outras, a água, a seca, a fome e as doenças, mas também os direitos das mulheres, o direito ao trabalho, a liberdade, as guerras e as perseguições étnicas, emergem como preocupações principais de gentes dos quatro cantos do Mundo. Por essas questões se mata, se casa, se foge, se ama e se odeia; se imigra, se emigra, se viaja e se pede asilo político, se caminha em busca de um qualquer eldorado, esteja ele onde estiver.

Somos, cada vez mais, uma Humanidade de viajantes, de caminhantes movidos por anseios de aventura, de felicidade, de prosperidade, de futuro, por vezes perseguindo coisas aparentemente simples como a paz, um teto, trabalho, dignidade. Caminhamos pelo Mundo com garrafas de plástico eterno que nos vão sobreviver, na esperança da própria esperança, sonhando com uma vida nova, noutro lugar, onde estão ou por onde passam pessoas iguais a nós, ou parecidas, ou então muito diferentes, de quem é preciso avizinharmo-nos. O TODOS dá uma mãozinha, a partir de São Vicente.

Vd. também página do Facebook do Todos
__________

Nota do editor:

Último poste da série > 9 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20136: Agenda cultural (700): Convite para a sessão de autógrafos do livro "A Minha Guerra a Petróleo", da autoria de António José Pereira da Costa, dia 13 de Setembro de 2019, pelas 14h00, na Feira do Livro do Porto patente nos Jardins do Palácio de Cristal (António José Pereira da Costa)

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19032: Agenda cultural (649): Festival TODOS 2018: Lisboa, São Vicente, de 20 a 23 de setembro


Lisboa > São Vicente > Campo de Santa Clara > Oficinas Gerais de Fardamento do Exército (OGFE) > 20 de setembro de 2018, 19h00 > Início da 10ª edição do Festival Todos > Atuação do grupo de batucadeiras de Cabo-Verde "Ramedi Terra" (, que pertence à Associação de Mulheres Cabo-Verdianas na Diáspora em Portugal). Seguiu-se a abertura da exposição sobre as pessoas e a realidade do bairro de São Vicente, e o lançamento do livro TODOS (sinopse fotográfica das anteriores edições, de 2009 a 2017,), livro de distribuição gratuita. Houve depois um "cocktail de sabores do mundo", da Guiné-Bissau ao Bangladesh... Tudo no edifício da OGFE.

Foto: © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Festival TODOS 2018: 

"Criado em 2009, o TODOS-Caminhada de Culturas tem afirmado Lisboa como uma cidade empenhada no diálogo entre culturas, entre religiões e entre pessoas de diversas origens e gerações. O TODOS tem contribuído para a destruição de guetos territoriais associados à imigração, abrindo toda a cidade a todas as pessoas interessadas em nela viver e trabalhar."




Recortes com a devida vénia do sítio oficial do TODOS 

Programa de ontem:

  • 19h - 20h30 : Abertura da 10ª Edição do Festival nas Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento (Campo de Santa Clara) com Cocktail de sabores do mundo, inauguração da exposição de fotografia "São Vicente de Fora por dentro", actuação do grupo de batucadeiras de Cabo-Verde "Ramedi Terra" e lançamento do livro “TODOS”.

• 20h30 – "Vala Comum" (Teatro) de Andresa Soares na Escola Básica de Santa Clara - espectáculo pago (3€)

  • 21h00 – "Viagem Sentimental" (Dança Contemporânea) de Francisco Camacho na Casa dos Gessos do Museu Militar - espectáculo pago (3€)

• 22h00 – Orquestra Todos (Música) na Voz do Operário - Entrada livre

• 23h00 – Rita Só (DJ set) no DAMAS - Entrada livre

Fonte: Página do Facebook do TODOS


Nota do editor LG:

São 3 ou 4 dias que não perco, todos os anos, desde 2009. Vale a pena e recomendo este evento (que de  3 em 3 anos muda de cenário dentro da cidade de Lisboa: Martin Moniz / Intendente / Bem Formoso (de 2009 a 2011); Poço dos Negros / São Bento / Santa Catarina (de 2012 a 2014); Colina de Santana / Campo Mártires da Pátria (de 2014 a 2017).

 Para além da descoberta (e aprofundamento do conhecimento) das diferentes culturas e povos que vivem em Lisboa (, nas escolas do ensino básico da Grande Lisboa é possível encontrar hoje dezenas de diferentes etnias, da Guiné-Bissau ao Nepal, da China ao Brasil), o festival TODOS tem sido para mim (e para a Alice Carneiro) uma (re)descoberta da Lisboa, muitas vezes escondida (ou mesmo inacessível) aos olhos dos próprios lisboetas e dos seus visitantes.

Ontem, por exemplo, fomos aos eventos assinalados, acima,  a negrito.  Nunca tínhamos entrado, por exemplo,  na OGFE e muito menos na famosa Sala do Gesso, do Museu Militar... Em anos anteriores, por exemplo, na Colina de Santana, a Academia Militar abriu as suas portas aos participantes do TODOS. Diversos oficiais superiores das OGFE e do Museu Militar participaram, este ano,  na cerimónia de abertura do evento.

O festival proporciona fantásticas visitas guiadas pelos sítios onde decorre: este ano, em São Vicente. Ponto de encontro: jardim Botto Machado, no Campo de Santa Clara, junto à Feira da Ladra.
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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18984: Agenda cultural (648): lançamento do livro "Moçambique: guerra e descolonização, 1964-1975", de Manuel Bernardo, na biblioteca municipal de Faro, dia 18 de setembro de 2018, pelas 18h00

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18303: Da Suécia com saudade (58): No dia nacional Sápmi [Lapónia], 6 de fevereiro... Recordando o(s) colonialismo(s) escandinavo(s) e russo (José Belo)





 Suécia > Sápmi [Lapónia] e samer [lapões]... O seu dia nacional é a 6 de fevereiro

Fotos do arquivo do José Belo / Tabanca da Lapónia (2018). Cortesia do autor.[Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Belo, o português mais "assuecado" (ou o sueco mais "aportuguesado"...) da Tabanca da Lapónia e da Tabanca Grande

[Fotos à esquerda e direita: José Belo, ex-alf mil inf da CCAÇ 2381,Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70; cap inf ref, é jurista, vive na Suécia há 4 décadas, e onde formou família: reparte o seu tempo entre a Suécia, a Lapónia Sueca e os EUA, onde família tem negócios; tem 125 referências no nosso blogue]




Data - 2 fev 2018
Assunto - "Santos da casa näo fazem milagres"...ou...talvez pior...


Nos anos sessenta a Suécia estava na vanguarda de todas as votacöes anticolonialistas nas Nações Unidas.

O Reino Sueco contribuía com generosidades de largos milhares de Koroas anuais para tudo o que eram auxílios em material sanitário, hospitais, escolas, alimentos, viaturas, motores para barcos, etc, etc, etc.

Ao mesmo tempo que um povo autóctone habitava, desde há  mais de 2.500 anos,o extremo norte do Reino Sueco, bem dentro do Círculo Polar Árctico. Um povo cujos direitos, liberdades e outras condições sociais eram."limitadas" pelo governo central. ( Uso o termo "limitadas", para ser diplomático).

A língua local era proibida de ser usada fora do círculo familiar, querendo isto dizer em termos concretos....unicamente dentro da própria casa. Nem em documentos administrativos ou declaracões oficiais;nem nas escolas, igrejas, ou mesmo nas trocas comerciais em mercados.
O modo típico de cantar,assim como os instrumentos de música locais e cânticos radicionais, estavam proibídos.

Todas as formas artesanais representativas da ancestral religião local, fossem elas em madeira, pedra, tecidos ou peles,eram regularmente recolhidas entre as poucas aldeias locais e queimadas, normalmente junto das igrejas, em típicos "autos de fé" locais.

A mesma igreja (, considerada até há bem poucos anos parte integrante do Estado sueco), que, ao aperceber-se das oportunidades comerciais,em impostos sobre a vasta fauna, negócios de peles, carne, pesca, assim como das infindáveis riquezas  minerais, obteve do governo, (entäo empenhado em iniciativas missionárias de ocupação), a garantia de lhe ser concedida uma área circular de 10 quilómetros em volta de cada uma das igrejas por ela construídas.

À primeira vista,e tendo em conta a vastidão infindável da Lapónia, 10 quilómetros poderá fazer sorrir. Posso dar como exemplo o facto de o vizinho mais próximo(!) da minha casa estar a uma distância de 274 quilómetros  [, o equivalente ao percurso Lisboa-Faro]...

Mas, e inteligentemente, os locais escolhidos para as construções das igrejas foram sempre os mais ricos em fauna, pesca,ou minérios. E não só, pois também tinham em conta os locais de convergëncia das caravanas de renas, e de todas as feiras comerciais resultantes.

Para mais,e como todos os outros povos considerados primitivos pelo civilizador branco, os locais (näo sabendo nem ler nem escrever) näo dispunham de documentos comprovativos de posse de qualquer palmo de terra, mesmo nos terrenos tradicionalmente habitados por um povo entäo maioritariamente nómada ,acompanhando as manadas de renas em deslocaçöes contínuas de pastagens em pastagens de acordo com as estações do ano.

Assim,o tal círculo de 10 quilómetros à volta das igrejas construídas tornou-se mais "espiritual" do que material, passando a crescer (digamos milagrosamente) de ano para ano.

Desde Estocolmo o governo procurou estabelecer uma administração local com quadros de funcionários, centros judiciários, polícia,  escolas e professores, assim como alguns quarteis militares.
Obviamente que os locais, totalmente analfabetos, não tinham condições de ocupar tais cargos.
Tornou-se necessário criar condições "convidativas" para fazer deslocarem-se para a zona os quadros minimamente necessários.

Não só em termos salariais, como também em prerrogativas das mais variadas, estas eram sempre em prejuízo dos habitantes locais. Tendo em conta que a Lapónia se encontra 1.500 quilómetros ao norte de Estocolmo,e que tradicionalmente a maioria da populacão  vive ao sul da capital, não foi fácil o recrutamento para os cargos.

Numa época em que as poucas estradas existentes não eram transitáveis na maioria do ano, e o caminho de ferro ainda não tinha sido inventado, 1.500 quilómetros somados
as condiçõees extremas do Círculo Polar, fizeram com que a maioria dos que vieram a estabelecer-se não seria a "nata" da sociedade sueca de então.

Muitos ambiciosos e aventureiros na busca de fortuna rápida que acabaram por comprar por precos mais do que "simbólicos" imensidões de florestas, áreas ricas em minérios de primeira qualidade,e lucrativos entrepostos comerciais.

A maior mina europeia de ferro de primeiríssima qualidade cá está em Kíruna, a indústria de madeiras que veio a criar a gigantesca indústria de papel sueca, as companhias hidroelécticas, fornecendo energia para toda a Escandinávia e continente, só para citar algumas.

Numa outra página negra nas relacöes do governo central com a população local,(agora nos tão
próximos anos de 1940 a 1956),foi estabelecido todo um programa de estudos rácicos, enquadrado por docentes do mais alto nível universitário, médico e antropológico, centrado na famosa universidade de Uppsala, com o fim de estudar e examinar detalhadamente milhares de lapões,de ambos os sexos e de todas as idades.

Os indivíduos, completamente nus, eram fotografados em várias posições, e entre outras observações ,os crânios eram medidos meticulosamente com aparelho especial, numa busca de estabelecer "científicamente" as diferençaas entre os escandinavos e estes...inferiores.

Tudo se encontra criteriosamente arquivado em vastos volumes,acompanhados dos álbum fotográficos e de esqueletos retirados dos cemitérios tradicionais, contra a vontade dos familiares.
Toda esta documentação, obtida no mesmo período em que a Alemanha nazi efectuava estudos semelhantes, está hoje aberta aos que a queiram consultar na Universidade.

No aspecto educacional, enquanto em toda a Suécia os programas escolares eram centralizados (e iguais) quanto ás disciplinas normais europeias, na Lapónia até 1966 (!!!) o ensino liceal era todo orientado para a criação de renas e para as técnicas florestais e cinegéticas.

Aparentemente muito lógico tendo em conta as realidades locais (apesar de hoje em dia só 14% dos lapöes se dedicarem á criacäo de renas). Mas,em verdade, não dando aos locais por falta das habilitações escolares necessárias, qualquer possibilidade de acederem ás universidades ou a outro ensino técnico superior, tão necessários para empregos na Escandinávia.

E,repetindo-me...isto até ao ano de 1966! A tal década em que a Suécia tanto votava nas Nações Unidas pelos direitos dos povos...colonizados.

Hoje, 6 de Fevereiro,  é oficialmente o dia nacional Sápmi. De uma Sápmi que tem já universidades locais; um Parlamento próprio que cria as leis regionais feitas em colaboração com os Samer da Noruega e Finlândia, e com um estatuto especial reconhecido pelos governos destes países; a língua local é ensinada de novo nas escolas e usada nas cerimónias oficiais.

Dispöe de televisão e estações de rádio também locais, com programas transmitidos para toda a Escandinávia. Com bandeira a ser hasteada ao lado da sueca em todos os edifícios oficiais,ou isolada, aquando dos feriados locais reconhecidos pelo governo central.

O "ambiente de fundo" já näo é hoje o mesmo do anterior. Apesar de ainda surgirem ,de vez em quando cenas de pugilato entre jovens de famílias locais e outros de famílias "escandinavas", tanto em discotecas como infelizmente em liceus ,(näo menos... na zona norueguesa).

Como curiosidade histórica,o método usado na zona da lapónia Russa quanto á "integração" durante os tempos soviéticos foi o de retirarem as crianlças em idade escolar do seio das famílias,enviando-as para receberem educapção primária ,liceal e universitária, em zonas muito afastadas culturalmente das tradicionais.

Os mesmos só podiam regressar ás famílias depois de terminada a educacäo escola. O sistema funcionava melhor que o escandinavo no respeitante à educação escolar dos indivíduos. Mas a falta total de contacto com as famílias e tradições em todo um longo período de formação, levava a que muitos já não se sentiam "em casa" ao regressar, acabando por afastar-se de novo para outros locais, não utilizando assim, dentro das zonas tradicionaisos, os conhecimentos adquiridos.

Por este motivo é hoje difícil saber-se o número total de indivíduos deste grupo étnico  existente na Rússia, sendo todas as estatísticas "aproximadas".

Um abraço.
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18301: Da Suécia com saudade (57): Algumas coisas que um tuga tem que saber quando vier à Tabanca da Lapónia (José Belo)