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quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P18989: (De)Caras (116): Sou dos que acreditam na história que o Cajan Seidi conta sobre o aniquilamento de cerca de vinte Homens Grandes da população de Jolmete, em 1964 (Manuel Carvalho, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70)






Guiné > Região do Oio > Jolmete > Caç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) > O grandalhão do Manuel Carvalho com a "lavadeira Melinha", a Amélia, hoje a 3ª mulher do Cajan Seidi, atual régulo de Jolmete, neto de Cambanque Seidi, o régulo de Jol que, em 1964, terá sido executado pelas NT, à frente de um grupo de duas dezenas de homens grandes, como represália pela sua alegada colaboração com o PAIGC. O  pai do Cajan, por sua vez, tinha sido morto pelo PAIGC, logo no início da guerra de guerrilha.


Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCaç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) >  "Baile, na recepção aos periquitos da CCAÇ 2585: a dançar,  a partir da esquerda,  um furriel mecânico, o Crista de costas e eu. A minha lavadeira já me tinha posto os palitos."


Guiné > Região do Oio   > Jolmete > CCaç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) >  Foto sem legenda: as "mulheres grandes" e a NT... Apoio médico-sanitário ?...  Nesta altura, a pouca população que existia, tinha sido "recuperada do mato"... Depois dos trágicos acontecimentos de junho/setembro de 1964, os sobreviventes (mulheres e crianças), ter-se-ão refugiado nas matas do Oio...


Guiné > Região do Oio  > Jolmete > CCaç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) >  Vista (parcial) da tabanca.



Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCaç 2366 / BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70) >  "Eu, com o Dandi e o Martins na chegada da operação em que apanhamos o RPG2 e três armas". (Dandi, natural de Jol, no chão manjaco, capitão da companhia de milícias do Pelundo, agraciado com Cruz de Guerra pelo Gen Spínola em 1972, será fuzilado pelo PAIGC em 1975)

Fotos (e legendas): © Manuel Carvalho (2012). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do nosso camarada Manuel Carvalho (ex-fur mil armas pesadas inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70) ao poste P18988 (*):


(...) "Pois o Cajan foi um dos nossos valentes milícias de Jolmete,  conhecia muito bem a zona e foi muitas vezes o homem da frente, é bom vê-lo ainda com alguma saúde, também não andará longe dos setenta anos.

A Amélia que está na segunda foto de vestido rosa,  continua muito franzininha como era há 50 anos mas tratava muito bem da roupa de muitos de nós e até julgo que tinha algumas mais velhas,  suas colaboradoras. Quem quiser ver como ela era há 50 anos,  tenho uma foto com ela ao colo no poste P10191 (**).

Sou dos que acreditam na história que o Cajan conta sobre o aniquilamento de cerca de vinte Homens Grandes da população de Jolmete. (***) (...)

2. Excerto do poste P10191:

(...) Ao ler as estórias e ver as fotos do Augusto Santos, de Jolmete do ano de 72, lembrei que tenho fotos de Jolmete do inicio de 68 quando nós,  CCaç 2366,  lá chegamos. Sei que pelo menos o Augusto Santos o Manuel Resende e o Firmino vão gostar de ver algumas diferenças.

Como podem ver em Jolmete até bailes fazíamos,  foi a recepção aos periquitos da CCAÇ 2585: a dançar da esquerda um furriel das viaturas, o Crista de costas e eu. A minha lavadeira já me tinha posto os palitos. (...)

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10873: Memórias de Jolmete (Manuel Resende) (3): Alferes, temos que tramar o Capitão



BCAÇ 2884 - MAIS ALTO
CCAÇ 2585 - AQUELA MÁQUINA


MEMÓRIAS DE JOLMETE (3) 

“Alferes, temos que tramar o Capitão” 

(Esta estória tem como objectivo fazer uma pequena homenagem ao DANDI)

Manuel Resende

O nosso Capitão, António Tomás da Costa, já nos tinha prevenido durante o IAO, no Pragal, que seria promovido a Major em Agosto de 1969, e que por esse motivo teria de deixar a Companhia. Ele era do Quadro portanto as promoções tinham data certa. Teríamos de nos mentalizar que iríamos ter outro comandante durante a nossa comissão.

A Companhia 2585 chegou a Jolmete a 17-05-69, e após o tempo de sobreposição com a 2366 ficamos entregues a nós próprios, e fizemos a guerra à nossa maneira, como já foi dito noutra publicação neste, em “A MINHA GUERRA”, Poste 7151 do Blog Luís Graça & Camaradas da Guiné. Praticamente saíamos para o mato todos os dias e patrulhávamos sempre os possíveis trilhos por onde o IN poderia vir para atacar o quartel, ou trilhos de passagem de grupos, pois a nossa zona era essencialmente de passagem da Coboiana para Ponta Nhaga. Normalmente levávamos um grupo de combate, parte do Pelotão de Caçadores Nativos Nº 59 e alguns elementos do Pelotão de Milícias Nº 128 comandados pelo Cajan. Periodicamente, ou quando havia indícios de passagem de colunas do IN, as operações eram a nível de dois grupos de combate, Pelotão de Caçadores Nativos e Pelotão de Milícias quase sempre comandados pelo Dandi. Não é minha intenção fazer aqui um relato das operações que fizemos, mas somente salientar a brincadeira que por iniciativa do Dandi e com a nossa colaboração fizemos ao nosso comandante de companhia que estava prestes a abandonar Jolmete para ir para o QG em Bissau já como Major.

Estávamos em fins de Julho/princípios de Agosto de 1969, quando o Dandi veio ter comigo e comentou: - Alferes, então o Capitão nunca saiu para o mato e quando faz o relatório das operações assina sempre como comandante da operação, e Alferes não diz nada? Um dia destes temos de o levar a dar uma volta. Aceitei de imediato a sugestão, mas disse-lhe que tinha de ser uma “volta” sem riscos, pois a nossa consideração por ele era grande, pelo menos da minha parte.

Falei com o Alf. Marques Pereira, comandante do 3º grupo de combate e com o Alf. Mosca, comandante do pelotão de Caçadores Nativos Nº 59, e os três juntamente com o Dandi organizamos uma operação, à partida sem riscos de contacto com o IN, mas que seria, logo pelo fresquinho da manhã atravessar uma bolanha com água pela cintura, daríamos uma volta ao quartel e regressaríamos por outro lado atravessando outra bolanha. Esta foi a maldade sugerida pelo Dandi. Nada de mal, mas que serviria para ele ter uma noção do que custava sair para o mato todos os dias.

A primeira parte da operação e a mais importante seria convencer o nosso Capitão a aceitar ir comandar no terreno. Já não me lembro dos pormenores, mas foi-lhe dito que era uma operação de caça, e ele aceitou. Os Furriéis também foram informados da operação a brincar, mas íamos preparados para o pior, pois eventualmente poderia haver algum contacto. O nosso Capitão apresentou-se cedinho, equipado a rigor de G3 e cartucheiras à cintura, tudo como mandava a sapatilha. Ele tinha uma caçadeira calibre 12 automática de 5 tiros e pediu a alguém para a levar, dizia ele que no regresso podia aparecer alguma gazela. Esta arma era usada pelo Dandi para caçar, e foi-lhe oferecida antes da sua partida para o QG em Bissau. Andados alguns quilómetros por trilhos e corta mato, já com a roupa seca no corpo após o atravessamento da primeira bolanha, chegámos a um pequeno descampado com um bom embondeiro a fazer sombra. Estávamos numa zona em que, pela nossa experiência, não haveria problema, e não houve. Eu, para esta operação e pela primeira vez, até levei a minha máquina fotográfica, e seguia relativamente perto do Capitão. O Dandi em vez de ir na frente, como costumava, ia como guarda-costas dele. À ordem de parar para descansar todo o pessoal emboscou. Diz-me ele: ó Ferreira, (eu na tropa era Ferreira) tire uma fotografia para recordar esta operação. Chamou os Alferes e alguns Furriéis que estavam mais próximos para ficarem na foto. Estava eu a fazer o enquadramento e diz-me ele: alto, não tire ainda para eu compor as cartucheiras, quero ficar com um ar de guerreiro.

Acabado o descanso continuamos o nosso percurso, e eis senão quando aparece outra bolanha. Mais uma vez água pela cintura. Diz o Capitão: ó Dandi, então não havia outro caminho para evitar a bolanha? É que isto de secar a roupa no corpo é muito desconfortável… Não me lembro quantas fotografias eu tirei nesta operação, mas a única que tenho é a Nº 1, já anteriormente publicada, mas agora com legenda. Este pequeno episódio foi verídico no seu essencial, embora 43 anos depois a memória já não ajuda nos pequenos pormenores.


Foto nº 1 – Operação de patrulhamento comandada pelo Sr. Cap. Tomás da Costa 1- Cap. Tomás da Costa, 2 - Dandi, 3 - Alf. Joaquim Mosca, 4 - Alf. Marques Pereira, 5 - Fur. Meireles, 6 - Fur. Guarda



Foto nº 2 – Jantar de festa no refeitório dos soldados 1- Cap. Tomás da Costa, 2 - Alf. Joaquim Mosca, 3 - Alf. Ferreira (eu), 4 - Fur. Meireles, 5 - Fur. Furtado (enfermeiro)



Foto nº 3 – Um cafezinho depois do almoço - 1 - Cap. Tomás da Costa, 2 - Alf. Godinho, 3 - Alf. Marques Pereira


Foto nº 4 – Cap. Tomás da Costa com a esposa e as duas filhas numa visita a Jolmete

A seguir vou apresentar todas as fotografias que tenho tiradas com o Dandi. No meu tempo ele tinha sete esposas e sempre com ânsia de arranjar mais, pois quantas mais tivesse maior era o seu estatuto social, dizia ele. Teria cerca de 25/30anos de idade e era Natural do Jol, portanto, em princípio seria Manjaco. Os proventos dele resumiam-se à caça que fazia e vendia à Companhia e às saídas para o mato, pois ele recebia por cada operação que fazia. Era uma pessoa leal, não me lembro de qualquer desavença que possa ter havido. O seu nome era ”DASSIM DJASSI”. Numa das visitas que o Sr. General Spínola fez a Jolmete, prometeu que o iria propor para uma Cruz de Guerra, mas segundo as minhas últimas informações ele talvez nunca a teria recebido. Teve sim umas férias em Lisboa, mas sinceramente não sei de pormenores.

Não me admiro nada que, devido às burocracias militares, não tenha sido possível atribuí-la, pois nem sempre o QG fazia o que o Sr. General queria. Veja-se o caso das graduações de Alferes em Capitão, que deram que falar naquela altura. Na minha Companhia o Alferes Almendra, graduado em Capitão e comandante da mesma durante cerca de 18 meses, hoje Coronel reformado, depois da saída do Sr. Major Tomaz da Costa, na altura do regresso à Metrópole, ainda recebia o vencimento de Alferes e sem aumento. Lembro que em Outubro de 1969 houve aumentos de vencimentos. Coisas de Marcelo Caetano. Claro que depois tudo terá sido regularizado, mas não era como o Sr. General queria. Lembro que no jantar de despedida no palácio do Governo, o Sr. General Spínola falou no assunto e disse ao Cap. Almendra que iria receber até ao último centavo, nem que para isso tivesse de pagar do seu bolso.


Foto nº 5 – Dandi junto aos memoriais da 2366 e 2585


Foto nº 6 – Eu com o Dandi e uma das esposas


Foto nº 7 – Eu com o Dandi em pose para a foto

Manuel Resende
ex-Alf Mil da CCaç 2585/BCaç 2884,  Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 – P8377: Memórias de Jolmete (Manuel Resende) (2): FNAC - Fundação Nacional dos Apanhados do Clima

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10501: Os nossos camaradas guineenses (35): O Dandi, manjaco, natural de Jol, que eu conheci... (Manuel Resende / Augusto Silva Santos)



Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > O Alf Mil At Inf Manuel Resende e o chefe de secção de milícias, Dandi, mais tarde Capitão da Companhia de Milícias do Pelundo...

Foto: © Manuel Resende (2009). Todos os direitos reservados.


1. Comentário do Manuel Resende, ao poste P10495:

Olá,  Augusto,

O Dandi,  no meu tempo 69 a 71 (*),  tinha sete mulheres e a mais velha é que fazia a escala de serviço...
Quando fizemos as casas que mostras nas fotos, as primeiras, junto à escola,  foram para ele.

Quando íamos para o mato, além dos roncos que todos desejávamos, ele tinha um "feeling",  como se diz agora, para apanhar mulheres. Para ele, quantas mais tivesse maior era a importância.

Conto rapidamente um caso, em Fevereiro de 1970, em que ele foi caçar num domingo à tarde. Levou com ele dois milícias e um camarada de transmissões com um rádio. O destino era junto ao rio Cacheu. Nesta altura estávamos em tréguas com os turras, pois havia as conversações para o desfecho cruel do 20 de Abril, com o assassinato dos 4 oficiais do CAOP1. Pois o nosso amigo Dandi deu de caras com uma coluna de turras, e a reacção foi correr atrás de uma bajuda que,  segundo ele, vinha agarrada ao turra que vinha à frente.

Claro que não houve tiroteio, porque por sorte eles pensavam que havia mais pessoal do nosso lado.

Claro que isto dava para um poste, mas ficará para outra altura. (**)

Uu abraço
Manuel Resende

_____________

Nota do editor:


Manuel Resende:

(...) Neste apontamento quero e tenho o dever de salientar o contributo altamente positivo dos soldados africanos do Pelotão de Caçadores Nativos nº 59, comandado inicialmente pelo colega Alferes Mosca, e pela secção de milícias, comandada pelo chefe da milícia, o célebre Dandi, mais tarde promovido a Capitão de Milícia pelo Sr. General Spínola, e que já vinha com boas referências da companhia anterior [, CCAÇ 2366].

Sempre que saíamos para o mato estes homens iam sempre à frente, pois como conhecedores do terreno, sabiam como chegar ao objectivo. O Dandi, natural do Jol, conhecia como ninguém todos os recantos da mata. 

Bom guerrilheiro, bom caçador, muito nos ajudou a evitar cair em emboscadas, abrindo trilhos novos na mata. Quando saíamos para o mato com ele, ninguém tinha medo, por mais difícil que fosse a missão. Mais tarde fez parte do rol dos fuzilados [, a seguir à independência]. Sinceramente não sei se a Cruz de Guerra prometida pelo Sr. General Spínola lhe foi entregue antes de 1975. Que será feito dos outros? (...)

Augusto Silva Santos

(...) Sobre o célebre Dandi... No meu tempo ele já era o Comandante da Companhia de Milícias do Pelundo, embora estivesse sempre no Jol, e já tinha sido agraciado com a cruz de guerra pelo General Spínola. Numa das operações (a mais difícil que me lembro), ele chegou a ser ferido com um tiro numa perna.

Era de facto um excelente guerrilheiro. Numa ocasião, para escaparmos a uma emboscada do IN, lembro-me que ele nos levou por um trilho de caça muito antigo que, segundo o próprio Dandi, já não passavam por lá pessoas há alguns anos. (...)

(**) Último poste da série > 6 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9571: Os nossos camaradas guineenses (34): Marcelino da Mata visitou a Tabanca do Centro (Joaquim Mexia Alves)

domingo, 7 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10495: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (13): Aventura com final feliz: O Cabo 'Bigodes', o Dandi e a mulher mais velha do Dandi...

 


1. Em mensagem do dia 3 de Outubro de 2012, o nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), enviou-nos mais uma história dos Fidalgos de Jol.
 



ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (13)

Aventura com final feliz…

Todos tínhamos grande admiração pelo Comandante da Milícia. Era um grande guerrilheiro, grande conhecedor da região no Chão Manjaco, fiel aos seus princípios, amigo do seu amigo, daí que ainda hoje seja recordado com respeito pela generalidade daqueles que com ele lidaram mais de perto. Infelizmente o Dandi [, ou Dandy,], como muitas outros que estiveram do nosso lado, acabaria por ter um fim trágico, após a nossa retirada da Guiné. Pura e simplesmente foi eliminado em circunstâncias mais ou menos obscuras, como é “usual” nestes casos.

Fora o aspecto militar, era uma pessoa como tantas outras e, enquadrada naquilo que era considerado natural socioculturalmente dentro das diversas etnias na Guiné, ou seja, com um peso religioso muito determinante no que respeita ao relacionamento e tratamento dos seus filhos e suas mulheres.

Sendo quem era, para além do que já referi no contexto militar, também no aspecto civil, se assim se pode considerar ou desassociar, era igualmente muito respeitado (ou temido?), tendo um estatuto acima da média dos restantes elementos da população masculina da tabanca, daí que no meu tempo de Jolmete, era casado (ou possuía) 4 mulheres. Era uma situação perfeitamente aceite por todos tendo em conta a sua crença religiosa, que nem sequer chocava aqueles que, da nossa parte, se assumiam mais ortodoxos quanto a esses hábitos, religiosamente falando.

Até aqui tudo bem, só que o nosso amigo Dandi nem sempre se mostravam muito “civilizado” (no nosso conceito) relativamente ao relacionamento que tinha para com as suas mulheres, sendo por vezes uma pessoa muito agressiva e até prepotente. Era do nosso conhecimento que com alguma frequência lhes batia, principalmente nas mais velhas, algo que de facto nos incomodava mas, dadas as circunstâncias, não tínhamos grandes hipóteses de interferir.

Estando este facto em determinada altura a tomar proporções alarmantes, diria mesmo, preocupantes, uma das suas mulheres tomou a decisão de fugir, daí ter tentado por diversas vezes obter sem êxito o “passaporte” (guia de transporte) para dali sair e assim escapar aos maus tratos a que estava a ser sujeita.

Ora isto era algo quase impensável, e ninguém se atrevia a deixar sair umas das mulheres do Dandi, sem ele ter conhecimento de tal facto. Ela só poderia ausentar-se de Jolmete se houvesse uma prévia autorização do Comandante da Milícia. Pôr-se a caminho sozinha, estava fora de questão, pois seria facilmente apanhada, pelo que a única solução era mesmo aproveitar uma das ausências do marido para sair através de um transporte, primeiro até ao Pelundo, e depois com ajuda de familiares iria tentar seguir para norte. Para que isto resultasse era preciso o envolvimento (conivência) de várias pessoas, dada a “complexidade” da situação.

Tomada a decisão por parte do meu amigo Borges, 1.º Cabo, impedido do Comandante de Companhia, em ajudar a infeliz mulher, restava organizar o esquema para que os resultados fossem os desejados. Assim, em determinado dia de ausência mais ao menos prolongada do Dandi e coincidente com uma coluna para o Pelundo, combinou-se a fuga da Nhimba Djassi. Para não sair directamente do quartel, ela apanhou a viatura na bolanha onde íamos à água, cujo abrandamento era quase obrigatório, e onde se montava sempre uma pequena segurança para entrada de outro pessoal. A mesma era conduzida pelo nosso amigo “Bob”, que já estava identificado com o esquema. Sendo eu o chefe de viatura, limitei-me a conferir se estava tudo correcto com a guia de transporte, e lá seguimos viagem.

Até ao dia em que o Dandi chegou e se deparou com a fuga desta sua mulher, as coisas aparentemente correram bem, só que não tendo ele conseguido trazer de volta a Nhimba para casa por já não estar no Pelundo, começaram as complicações. Soubemos mais tarde que ela havia conseguido chegar até ao Cacheu, e dali até uma aldeia na fronteira do Senegal, sítio onde praticamente estaria a salvo de uma possível investida do seu marido.

O Comandante de Companhia ainda tentou resolver pessoalmente o assunto, mas não conseguiu convencer o Dandi a esquecer o comportamento da mulher, pelo que o acontecimento passou para o conhecimento do Comandante de Batalhão, e mais tarde para o Comandante do CAOP1, Coronel Paraquedista Rafael Durão. Quando o vimos sair do seu DO a perguntar pelo Cabo que havia passado a guia de transporte para a Nhimba, para lhe partir o “focinho” (era hábito ele resolver tudo ao murro e à chapada), o Borges já não sabia onde se havia de meter, e nós pensámos logo... “estamos feitos!”.

Comigo e com o “Bob” acabou por não haver qualquer problema, pois limitámo-nos a dar cumprimento ao que era normal nestas situações mas, com o Cabo “Bigodes”, tendo a situação ultrapassado o que estava estabelecido, as coisas começaram a complicar-se. Importa salientar que o Dandi era medalhado com a Cruz de Guerra, e tinha alguma influência / impacto junto das altas esferas militares, e foi assim que inclusive o assunto chegou também ao conhecimento do General Spínola.

Tendo este acontecimento ocorrido já bem perto do final da comissão e, portanto, já de saída de parte do Batalhão para o Cumuré, começaram desde logo a correr os mais variados boatos tais como, que o Borges ia ficar preso, que o Companhia ia ser castigada com mais tempo de comissão, que o Dandi havia de se vingar, enfim era já a ansiedade da partida para a metrópole a baralhar o raciocínio do pessoal.

A situação não ficou resolvida sem o nosso amigo Borges ser chamado ao Quartel-General,  já bem perto do dia do embarque, onde se deparou com uma mesa cheia de oficiais superiores para saberem o que efectivamente se havia passado. Contou ele mais tarde que o interrogatório foi de tal ordem que a determinada altura quase faltou dizer que ele até nem gostava de mulheres, pois o problema descambou para a possibilidade do seu possível envolvimento com a Nhimba. Felizmente lá conseguiu argumentar da melhor forma (dar a volta ao texto), explicando que tudo não tinha passado de um grande equívoco e baralhação de nomes.

O General Spínola acabou por dar o caso como encerrado, mas o Cabo “Bigodes” só se sentiu realmente seguro e aliviado, quando o navio Uíge largou amarradas e, pelo Geba abaixo, se dirigiu ao alto mar.

Como se costuma dizer, não ganhou (ganhámos) para o susto… No fim, tudo acabou em bem, até porque o Dandi acabaria por aceitar sem mais problemas o desfecho. Importa salientar que a Nhimba Djassi era a sua mulher mais velha, talvez por isso se tornasse mais fácil arranjar uma outra mais nova… (minha suposição).

Jolmete, Maio de 1972 > À entrada do meu abrigo

Jolmete, Junho de 1972 > Com uma cria de cabra de mato

Jolmete, Junho de 1972 > Tempo de matar a sede

Jolmete, Junho de 1972 > De pé com os meus amigos Bob, à esquerda, e Bigodes; à direita

Jolmete, Agosto de 1972 > Estrada velha de Buba

Jolmete, 1971 > Vista aérea do Quartel

Mapa da Guiné > Região do Cacheu

Navio Uíge no alto mar
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10432: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (12): A minha primeira noite no Jol

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7152: Os nossos camaradas guineenses (27): Dandi, natural de Jol, no chão manjaco, capitão da companhia de milícias do Pelundo, agraciado com Cruz de Guerra pelo Gen Spínola em 1972, fuzilado pelo PAIGC em 1975 (Manuel Resende / Augusto Silva Santos)



Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > O >Alf Mil At Inf Manuel Resende e o chefe de secção de milícias, Dandi, mais tarde Capitão da Companhia de Milícias do Pelundo...





Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > "Junto vou-te enviar uma foto, especial para mim, pois fui eu que a tirei em pleno mato, da última operação que ele [, o Alf Mosca,]  fez com o Capitão Tomás da Costa antes de ir para o CAOP. Como não tem legendas, vou explicar: ao centro, com as cartucheiras e ar de mau (para a foto) é o Cap Tomás da Costa; ao lado esquerdo,  sentado com a G3 ao alto no ombro,  é o Mosca; do lado direito em pé, sempre equipado a rigor, é o nosso amigo Dandi, que nunca facilitava em serviço (mais tarde também graduado em Capitão de milícia pelo Gen Spínola, em 72 Cruz de Guerra, e em 75 fuzilado)" (Manuel Resende, 16/6/2009).




Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > O Dandi, junto ao monumento da CCAÇ 2585


Fotos:  © Manuel Resende (2009). Direitos reservados


1. Excerto do depoimento do nosso camarada Manuel Resende, ex-Alf Mil At Inf, CCaç 2585/BCaç 2884 (Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71) (, foto à esquerda) (*):

(...) Neste apontamento quero e tenho o dever de salientar o contributo altamente positivo dos soldados africanos do Pelotão de Caçadores Nativos nº 59, comandado inicialmente pelo colega Alferes Mosca, e pela secção de milícias, comandada pelo chefe da milícia, o célebre Dandi, mais tarde promovido a Capitão de Milícia pelo Sr. General Spínola, e que já vinha com boas referências da companhia anterior [, CCAÇ 2366].


Sempre que saíamos para o mato estes homens iam sempre à frente, pois como conhecedores do terreno, sabiam como chegar ao objectivo. O Dandi,  natural do Jol, conhecia como ninguém todos os recantos da mata.

Bom guerrilheiro, bom caçador, muito nos ajudou a evitar cair em emboscadas, abrindo trilhos novos na mata. Quando saíamos para o mato com ele, ninguém tinha medo, por mais difícil que fosse a missão. Mais tarde fez parte do rol dos fuzilados [, a seguir à independência]. Sinceramente não sei se a Cruz de Guerra prometida pelo Sr. General Spínola lhe foi entregue antes de 1975. Que será feito dos outros?

Apesar do primeiro contacto a sério com o inimigo, já referido atrás, com 2 mortos e alguns feridos, o dia ou o facto que mais me marcou durante toda a comissão, e o fez profundamente, foi a morte dos Oficiais do CAOP, os três Majores e o meu colega Alferes Mosca (além dos outros três nativos) no dia 20 de Abril de 1970, em prol da paz e do entendimento dos povos do Chão Manjaco.

O Alferes Joaquim João Palmeiro Mosca pertencia à minha Companhia, a 2585, pois era comandante do Pel Caç Nat  59 (já referenciada) que fazia parte da Companhia, embora a rendição fosse individual. Em Set/Out de 1969 o Alferes Mosca foi convidado pelo CAOP em Teixeira Pinto, para cuidar das plantações experimentais que se começavam a desenvolver no Chão Manjaco, pois ele era Regente Agrícola de formação.

Como as suas qualidades para a Psico eram boas, foi convidado para colaborar nessa área com o Sr  Major Joaquim Pereira da Silva, Oficial de Informações e Coordenador da Acção Psicológica com as populações. (...)

2. Comentário de Agusto Santos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833 (Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73) (, foto à esquerda)

Olá Camarada e Amigo!


Sempre com Jolmete por fundo, aqui estou eu a saudar-te por esta tua iniciativa.

Por tua influência, juntei-me a este blogue, por minha influência (julgo), decidiste publicar no Correio da Manhã a tua passagem pela Guiné, mas aqui bem mais completa e esclarecedora.

Sabes uma coisa curiosa? É que eu antes de ser chamado para o serviço militar, estive na marinha mercante dos 18 aos 21 anos, e um dos navios em que prestei serviço foi precisamente no "Niassa", embora só em 1970. Outra curiosidade. Sabes onde eu moro? Em Almada, e nessa altura residia muito perto do quartel onde te foste apresentar, mas que hoje já não existe. Com algum atraso, as nossa vidas andaram cruzadas (Almada / Niassa/ Guiné / Jolmete).

Sobre o célebre Dandi... No meu tempo ele já era o Comandante da Companhia de Milícias do Pelundo, embora estivesse sempre no Jol, e já tinha sido agraciado com a cruz de guerra pelo General Spínola. Numa das operações (a mais difícil que me lembro), ele chegou a ser ferido com um tiro numa perna.

Era de facto um excelente guerrilheiro. Numa ocasião, para escaparmos a uma emboscada do IN, lembro-me que ele nos levou por um trilho de caça muito antigo que, segundo o próprio Dandi, já não passavam por lá pessoas há alguns anos.

Também me lembro de irmos fazer segurança ao local onde morreram o Alferes Mosca e os 3 Majores, para o General Spínola ir lá depôr uma coroa de flores, acto que sempre praticou enquanto se manteve na Guiné.

Um Grade Abraço,

Augusto Silva Santos
 
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Notas de L.G.:
 
(*) Vd. poste de 21 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7151: Recortes de imprensa (34): A guerra do Manuel Resende, ex-Alf Mil At da CCaç 2585/BCaç 2884 (Correio da Manhã)
 
(**) Último poste da série > 13 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6586: Os nossos camaradas guineenses (26): O regresso do inesquecível Mamadu Camará (Mário Beja Santos)