1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Maio de 2023:
Queridos amigos,
Este I Congresso Internacional sobre a guerra colonial, que se realizou em abril de 2000, no Instituto de Defesa Nacional, em Lisboa, teve uma extensão no Porto, dias depois, onde se organizou um ciclo de cinema e um debate. Num volume de cerca de 500 páginas, a comissão organizadora entendeu debruçar-se sobre duas áreas fundamentais: a realidade (o papel dos militares, a natureza da guerra, consequências físicas e psicológicas da guerra, visão antropológica, etc.) e a ficção (guerra e literatura, guerra e jornalismo e guerra e cinema). Voltaremos ainda ao assunto, mas lembrando ao leitor que muita água passou pelas fontes nos últimos 20 anos no que toca à ficção. Em termos de levantamento desta vasta e diversificada literatura, é de toda a conveniência recordar as obras publicadas por João de Melo, Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, bem como Margarida Calafate Ribeiro, mas não se pode esquecer o papel pioneiro de Rui de Azevedo Teixeira na sua obra A Guerra Colonial e o Romance Português.
Um abraço do
Mário
A Guerra Colonial: realidade e ficção (livro de atas do I Congresso Internacional) (2)
Mário Beja Santos
O volume "A Guerra Colonial: realidade e ficção (livro de atas do I Congresso Internacional)", teve como organizador o professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira, Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional. Participaram dezenas de comunicadores. Na altura em que foi editada, a obra era assim apresentada: “Neste livro, que recusa a tirania da coisa política sobre a História ou a Literatura ou a insidiosa pressão do mediaticamente correto, correm textos de estudiosos da guerra e de grandes guerreiros, de portugueses e estrangeiros (lusófilos, lusófobos e lusófonos), de homens e de mulheres, de nomes consagrados e de novos investigadores da temática da Guerra Colonial ou Guerra do Ultramar. Académicos, militares, académicos militares, escritores, psiquiatras, cineastas, jornalistas, gestores e outros contribuem nesta obra para uma compreensão mais alargada e mais profunda da guerra de guerrilha que, fechando o Império, obrigou a uma definitiva mudança de paradigma da nossa História.”
No capítulo respeitante à natureza da guerra, cabe uma referência à comunicação do coronel David Martelo intitulada O pensamento estratégico das cúpulas militares nacionais nas vésperas da última campanha colonial, há aqui dados que podem pesar para o melhor conhecimento do prelúdio dos eventos iniciados em 1961, vale a pena reproduzir estes parágrafos:
“Em 1956, é nomeado subsecretário de Estado do Exército o coronel Almeida Fernandes. É através dele que entra no Ministério uma nova sensibilidade no tocante aos problemas do Ultramar. De facto, estava o Exército de tal modo fascinado pela integração na estrutura da NATO que tudo o resto parecia secundário. Havia planos de transferência de tropas entre as parcelas portuguesas no mundo, mas apenas para reforço do teatro de operações europeu. A evolução da situação internacional impunha, pelo contrário, que se previsse o reforço dos territórios ultramarinos com forças metropolitanas. Almeida Fernandes apercebe-se das gravíssimas vulnerabilidades do aparelho militar. A reorientação do esforço de defesa não iria, no entanto, revelar-se tarefa fácil. Salazar opinava de que havíamos atingido já há muito uma exagerada percentagem de encargos com as Forças Armadas, percentagem essa que não podia ser de forma alguma ultrapassada.
Iniciado o primeiro mandato de Américo Tomás, Salazar efetua uma ampla remodelação do governo e é nomeado ministro da Defesa o general Júlio Botelho Moniz. Sem grandes surpresas, Almeida Fernandes ascende a ministro do Exército, entrando para as suas anteriores o tenente-coronel Costa Gomes. A nova equipa do ministério do Exército vai, então, rever o dispositivo das forças terrestres em Angola. Num estudo elaborado em abril de 1959, era claramente mencionado que tudo se conjugava para que num prazo mais ou menos breve sermos confrontados com situações mais difíceis do que as anteriores, em especial no que tocava aos territórios ultramarinos; havia que se proceder a uma análise, corajosa e realista da nossa política militar em ordem a, com ainda maior urgência, corrigir e preparar adequadamente o aparelho militar. Não existia ou era insuficiente uma estratégia verdadeiramente nacional, em particular que tivesse em vista o emprego do nosso potencial militar na segurança dos territórios ultramarinos.
Em meados de 1959, desloca-se Angola uma missão militar destinada a recolher o máximo de dados respeitantes à reformulação do dispositivo e ao levantamento de estruturas viradas para resposta a uma agressão do tipo não convencional. Na sequência dessa missão e de outras que, entretanto, se deslocaram aos demais territórios, os representantes do Exército concluíram, com evidente moderação, que as necessidades ultramarinas destes ramos das Forças Armadas se cifrariam num total de 18 companhias de caçadores e algumas poucas unidades de reconhecimento, sapadores, intendência e saúde. Com a aquisição do armamento e equipamento orgânico dessas unidades, o programa proposto implicaria uma despesa calculada em um milhão e quinhentos mil contos.
Enfrentando as maiores resistências por parte do governo central, a reforma militar dá, ao iniciar-se a década de 1960, os primeiros passos reveladores de uma reorientação do esforço militar. É criado o Centro de Instrução de Operações Especiais destinado a preparar quadros para as operações de contrainsurreição. Em maio de 1960, é a vez da Força Aérea iniciar a sua presença em Angola. Em fevereiro de 1961, a poucos dias do início da onda do terrorismo, os primeiros meios aéreos recolhem-se à pista do Negage.
Estas medidas não satisfaziam as necessidades expressas pelos mais altos responsáveis da Defesa, Almeida Fernandes haveria de recordar mais tarde esses tempos, afirmando que houvera um completo imobilismo do presidente do Conselho, perante os instantes apelos que lhe fizera.
No centro das preocupações do ministro situava-se a falta de equipamentos para distribuir às unidades que tivessem de recorrer ao Ultramar. Essas forças não dispunham de meios para se moverem e se estacionarem ou mesmo pernoitarem em pleno mato, nem mesmo armas ligeiras modernas para enfrentar as ameaças previstas.
O ano de 1961 traz consigo a concretização das ameaças que se haviam pressentido no passado recente. Ao desvio do paquete Santa Maria segue-se um grave incidente na Baixa do Cassanje, em Angola como protesto contra o cultivo obrigatório do algodão e o atraso no pagamento de salários, trabalhadores nativos revoltam-se contra a presença dos europeus. Tratando-se de uma rebelião localizada numa pequena área, é possível às poucas Forças Armadas do Exército presentes em Angola, apoiadas por meios aéreos, reprimir os protestos dos agricultores.
A 4 de fevereiro, na capital angolana, elementos independentistas levam a efeito ataque contra instalações prisionais e forças de Polícia de Segurança Pública, provocando diversos mortos e feridos. Poucos dias volvidos, o comandante da Região Aérea de Angola, brigadeiro Pinto Resende, informa o Chefe-de-Estado-Maior da Força Aérea de que tirara da revolta dos algodoeiros e dos incidentes de Luanda as seguintes conclusões:
‘Que a cultura obrigatória do algodão é extremamente antipática aos pretos e que é ilegal;
Que os concessionários, que são os ricos, só têm benefícios e não são afetados pelas contingências das culturas; enquanto os agricultores que são pobres, os desgraçados burros de carga dos pretos, são quem arrosta com todos os prejuízos’.
Depois, referindo-se a uma carta que o CEMFA lhe solicitara estas informações, Pinto Resende concluía: ‘Concordo inteiramente com o que diz na sua carta; não estamos dispostos a morrer para servir ganâncias e egoísmos dos senhores que têm responsabilidades no regime político em que vivemos […] A solução para este problema, se é que existe, é, evidentemente, uma solução político-económico-social que seja amparada pelas Forças Armadas, e nunca uma solução armada para manter as coisas como elas estão, que são de evidente promessa de sucessivo agravamento.”
Tudo irá ser revertido depois do chamado golpe Botelho Moniz que merecerá a José Manuel Homem de Melo a seguinte frase: “Afastemos, de vez, a concessão que procura impor manu militari a nossa presença no mundo. Portugal terá tudo a seu favor (história, missionação, razão, etc.). Seria trágico tentar ficar ao sabor da única coisa que não tem – a força!"
Salvato Trigo, reitor da Universidade Fernando Pessoa, interveio na conferência falando de Factos, equívocos e fictos da guerra colonial de Angola:
“Depois de construir a sua doutrina contra-insurrecional e de redelinear as suas Forças Armadas, Portugal encarou severo constrangimento de erguer um exército e de mantê-lo nos necessários níveis. A metrópole apresentava um frágil e limitado potencial de homens para este empreendimento. Se existia um elemento de chauvinismo nos anos iniciais, em 1966 este patriotismo estava bastante desgastado e, em 1968, Portugal teve de enfrentar o problema de identificar as fontes desse potencial simplesmente para fazer a guerra prosseguir. Em teoria, através do período de 1961 a 1964, o conjunto de machos aptos fisicamente com idades entre os 20 e os 24 anos era adequado. Havia, contundo, outros fatores a influir. Havia a imigração clandestina. Portugal, com uma população, na altura, de perto de 9 milhões de habitantes, tinha uma população expatriada avaliada em 3 milhões.
A duração da guerra requereu à metrópole que aumentasse os efetivos de 48.832 homens em 1961 para um máximo de 70.504 em 1968, permanecendo mesmo abaixo deste número para o restante tempo de guerra, fazendo-se, contudo, esforço para manter este nível máximo. Para conseguir tal, o Exército foi forçado a implementar duas práticas não atrativas. Em 1968, o período de incorporação de 2 anos foi efetivamente alargado para 4 através de um novo diploma que obrigava a 2 anos de serviço em África. Em 1971, tomou-se uma medida adicional baixando a idade de incorporação de 20 anos para 18.
A metrópole de Portugal tinha uma população de quase 9 milhões de habitantes, em contraste com uma população somada de 12 milhões aquando da guerra. Esta distribuição pareceria indicar que, proporcionalmente, 60% do potencial humano do Exército seria recrutado localmente. Esta via foi, de facto, a que o Exército escolheu. Em 1966, 30% do potencial humano veio das colónias e gradualmente subiu até à área dos 50% em 1970, permanecendo neste nível daí para a frente.
As limitações de basear em populações domésticas ameaçou os esforços de guerra. Desde o início das guerras em 1961 até à sua conclusão em 1974, o número de pessoal na organização do Exército principal aumentou de 49.422 para 149.090, um incremento médio anual de 11%. As necessidades de Portugal em recrutar sempre em números cada vez maiores foram consequências de dois fatores: a expansão da atividade da guerrilha de Angola para a Guiné e, por fim, para Moçambique, e o uso crescente de militares para a expansão da atividade psicossocial.
Transferindo os seus esforços de recrutamento para o Ultramar, Portugal conseguiu quatro importantes ganhos: primeiro, aliviou a pressão de recrutamento na metrópole com os consequentes benefícios no sentimento público; segundo, os africanos portugueses que tinham o maior interesse no êxito das guerras e, portanto, a mais alta motivação para uma conclusão de sucesso, iriam, agora, à primeira vista, dar o seu quinhão de esforço na luta; terceiro, a política de africanização introduziu rendimentos na colocação de potencial humano, uma vez que os recrutados europeus, com o seu maior saber técnico e educação, foram desviados para tarefas mais complicadas, enquanto os seus correspondentes africanos, com a sua educação irregular e carências gerais de saber técnico, foram empregues em tarefas de maior esforço; quarto, usando tropas africanas reduziu-se, sobretudo, os custos do potencial humano, uma vez que era menos caro recrutar e treinar uma soldado no palco de operações do que fazê-lo em Portugal, com o custo adicional de o transportar para África.
Portugal mobilizou cerca de 1% da sua população para lutar me África e não podia aguentar o escoamento do potencial humano doméstico. Numa base percentual houve mais pessoas em armas que em qualquer outra nação, excetuando Israel. A mobilização de Portugal seria equivalente aos Estados Unidos terem 2,5 milhões de homens no Vietname em vez de 500 mil. Comparando a outros países, só cerca de 19% das forças francesas na Indochina eram tropas locais. Na Argélia eram 33%. Quanto aos EUA no Vietname, eram de 29%. Assim, embora o uso de tropas recrutadas localmente não fosse um conceito recente, Portugal ergueu-o a um novo nível. Em nenhum caso tais tropas foram empregues numa extensão proporcional à que Portugal usou em África e poucas situações atingiram os números absolutos de Portugal. Por último, e em contraste com outras contra-insurreições, estas tropas provaram ser muitíssimo leais.”
Mensagens de Natal, Moçambique, imagem retirada da RTP, com a devida vénia
Guerrilheiros do PAIGC deslocando-se num carro blindado na Guiné-Bissau. Imagem retirada da Casa Comum, Mário Pinto de Andrade, com a devida vénia(continua)
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Notas do editor
Vd. post de 9 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25925: Notas de leitura (1725): "A Guerra Colonial: realidade e ficção" (livro de actas do I Congresso Internacional), organização do professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira; Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional (1) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 13 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25940: Notas de leitura (1726): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1874) (20) (Mário Beja Santos)