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segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25948: Notas de leitura (1727): "A Guerra Colonial: realidade e ficção" (livro de actas do I Congresso Internacional), organização do professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira; Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Maio de 2023:

Queridos amigos,
Este I Congresso Internacional sobre a guerra colonial, que se realizou em abril de 2000, no Instituto de Defesa Nacional, em Lisboa, teve uma extensão no Porto, dias depois, onde se organizou um ciclo de cinema e um debate. Num volume de cerca de 500 páginas, a comissão organizadora entendeu debruçar-se sobre duas áreas fundamentais: a realidade (o papel dos militares, a natureza da guerra, consequências físicas e psicológicas da guerra, visão antropológica, etc.) e a ficção (guerra e literatura, guerra e jornalismo e guerra e cinema). Voltaremos ainda ao assunto, mas lembrando ao leitor que muita água passou pelas fontes nos últimos 20 anos no que toca à ficção. Em termos de levantamento desta vasta e diversificada literatura, é de toda a conveniência recordar as obras publicadas por João de Melo, Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, bem como Margarida Calafate Ribeiro, mas não se pode esquecer o papel pioneiro de Rui de Azevedo Teixeira na sua obra A Guerra Colonial e o Romance Português.

Um abraço do
Mário



A Guerra Colonial: realidade e ficção (livro de atas do I Congresso Internacional) (2)

Mário Beja Santos

O volume "A Guerra Colonial: realidade e ficção (livro de atas do I Congresso Internacional)", teve como organizador o professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira, Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional. Participaram dezenas de comunicadores. Na altura em que foi editada, a obra era assim apresentada: “Neste livro, que recusa a tirania da coisa política sobre a História ou a Literatura ou a insidiosa pressão do mediaticamente correto, correm textos de estudiosos da guerra e de grandes guerreiros, de portugueses e estrangeiros (lusófilos, lusófobos e lusófonos), de homens e de mulheres, de nomes consagrados e de novos investigadores da temática da Guerra Colonial ou Guerra do Ultramar. Académicos, militares, académicos militares, escritores, psiquiatras, cineastas, jornalistas, gestores e outros contribuem nesta obra para uma compreensão mais alargada e mais profunda da guerra de guerrilha que, fechando o Império, obrigou a uma definitiva mudança de paradigma da nossa História.”

No capítulo respeitante à natureza da guerra, cabe uma referência à comunicação do coronel David Martelo intitulada O pensamento estratégico das cúpulas militares nacionais nas vésperas da última campanha colonial, há aqui dados que podem pesar para o melhor conhecimento do prelúdio dos eventos iniciados em 1961, vale a pena reproduzir estes parágrafos:
“Em 1956, é nomeado subsecretário de Estado do Exército o coronel Almeida Fernandes. É através dele que entra no Ministério uma nova sensibilidade no tocante aos problemas do Ultramar. De facto, estava o Exército de tal modo fascinado pela integração na estrutura da NATO que tudo o resto parecia secundário. Havia planos de transferência de tropas entre as parcelas portuguesas no mundo, mas apenas para reforço do teatro de operações europeu. A evolução da situação internacional impunha, pelo contrário, que se previsse o reforço dos territórios ultramarinos com forças metropolitanas. Almeida Fernandes apercebe-se das gravíssimas vulnerabilidades do aparelho militar. A reorientação do esforço de defesa não iria, no entanto, revelar-se tarefa fácil. Salazar opinava de que havíamos atingido já há muito uma exagerada percentagem de encargos com as Forças Armadas, percentagem essa que não podia ser de forma alguma ultrapassada.

Iniciado o primeiro mandato de Américo Tomás, Salazar efetua uma ampla remodelação do governo e é nomeado ministro da Defesa o general Júlio Botelho Moniz. Sem grandes surpresas, Almeida Fernandes ascende a ministro do Exército, entrando para as suas anteriores o tenente-coronel Costa Gomes. A nova equipa do ministério do Exército vai, então, rever o dispositivo das forças terrestres em Angola. Num estudo elaborado em abril de 1959, era claramente mencionado que tudo se conjugava para que num prazo mais ou menos breve sermos confrontados com situações mais difíceis do que as anteriores, em especial no que tocava aos territórios ultramarinos; havia que se proceder a uma análise, corajosa e realista da nossa política militar em ordem a, com ainda maior urgência, corrigir e preparar adequadamente o aparelho militar. Não existia ou era insuficiente uma estratégia verdadeiramente nacional, em particular que tivesse em vista o emprego do nosso potencial militar na segurança dos territórios ultramarinos.

Em meados de 1959, desloca-se Angola uma missão militar destinada a recolher o máximo de dados respeitantes à reformulação do dispositivo e ao levantamento de estruturas viradas para resposta a uma agressão do tipo não convencional. Na sequência dessa missão e de outras que, entretanto, se deslocaram aos demais territórios, os representantes do Exército concluíram, com evidente moderação, que as necessidades ultramarinas destes ramos das Forças Armadas se cifrariam num total de 18 companhias de caçadores e algumas poucas unidades de reconhecimento, sapadores, intendência e saúde. Com a aquisição do armamento e equipamento orgânico dessas unidades, o programa proposto implicaria uma despesa calculada em um milhão e quinhentos mil contos.

Enfrentando as maiores resistências por parte do governo central, a reforma militar dá, ao iniciar-se a década de 1960, os primeiros passos reveladores de uma reorientação do esforço militar. É criado o Centro de Instrução de Operações Especiais destinado a preparar quadros para as operações de contrainsurreição. Em maio de 1960, é a vez da Força Aérea iniciar a sua presença em Angola. Em fevereiro de 1961, a poucos dias do início da onda do terrorismo, os primeiros meios aéreos recolhem-se à pista do Negage.
Estas medidas não satisfaziam as necessidades expressas pelos mais altos responsáveis da Defesa, Almeida Fernandes haveria de recordar mais tarde esses tempos, afirmando que houvera um completo imobilismo do presidente do Conselho, perante os instantes apelos que lhe fizera.

No centro das preocupações do ministro situava-se a falta de equipamentos para distribuir às unidades que tivessem de recorrer ao Ultramar. Essas forças não dispunham de meios para se moverem e se estacionarem ou mesmo pernoitarem em pleno mato, nem mesmo armas ligeiras modernas para enfrentar as ameaças previstas.

O ano de 1961 traz consigo a concretização das ameaças que se haviam pressentido no passado recente. Ao desvio do paquete Santa Maria segue-se um grave incidente na Baixa do Cassanje, em Angola como protesto contra o cultivo obrigatório do algodão e o atraso no pagamento de salários, trabalhadores nativos revoltam-se contra a presença dos europeus. Tratando-se de uma rebelião localizada numa pequena área, é possível às poucas Forças Armadas do Exército presentes em Angola, apoiadas por meios aéreos, reprimir os protestos dos agricultores.

A 4 de fevereiro, na capital angolana, elementos independentistas levam a efeito ataque contra instalações prisionais e forças de Polícia de Segurança Pública, provocando diversos mortos e feridos. Poucos dias volvidos, o comandante da Região Aérea de Angola, brigadeiro Pinto Resende, informa o Chefe-de-Estado-Maior da Força Aérea de que tirara da revolta dos algodoeiros e dos incidentes de Luanda as seguintes conclusões:
‘Que a cultura obrigatória do algodão é extremamente antipática aos pretos e que é ilegal;
Que os concessionários, que são os ricos, só têm benefícios e não são afetados pelas contingências das culturas; enquanto os agricultores que são pobres, os desgraçados burros de carga dos pretos, são quem arrosta com todos os prejuízos’.

Depois, referindo-se a uma carta que o CEMFA lhe solicitara estas informações, Pinto Resende concluía: ‘Concordo inteiramente com o que diz na sua carta; não estamos dispostos a morrer para servir ganâncias e egoísmos dos senhores que têm responsabilidades no regime político em que vivemos […] A solução para este problema, se é que existe, é, evidentemente, uma solução político-económico-social que seja amparada pelas Forças Armadas, e nunca uma solução armada para manter as coisas como elas estão, que são de evidente promessa de sucessivo agravamento.”


Tudo irá ser revertido depois do chamado golpe Botelho Moniz que merecerá a José Manuel Homem de Melo a seguinte frase: “Afastemos, de vez, a concessão que procura impor manu militari a nossa presença no mundo. Portugal terá tudo a seu favor (história, missionação, razão, etc.). Seria trágico tentar ficar ao sabor da única coisa que não tem – a força!"

Salvato Trigo, reitor da Universidade Fernando Pessoa, interveio na conferência falando de Factos, equívocos e fictos da guerra colonial de Angola:
“Depois de construir a sua doutrina contra-insurrecional e de redelinear as suas Forças Armadas, Portugal encarou severo constrangimento de erguer um exército e de mantê-lo nos necessários níveis. A metrópole apresentava um frágil e limitado potencial de homens para este empreendimento. Se existia um elemento de chauvinismo nos anos iniciais, em 1966 este patriotismo estava bastante desgastado e, em 1968, Portugal teve de enfrentar o problema de identificar as fontes desse potencial simplesmente para fazer a guerra prosseguir. Em teoria, através do período de 1961 a 1964, o conjunto de machos aptos fisicamente com idades entre os 20 e os 24 anos era adequado. Havia, contundo, outros fatores a influir. Havia a imigração clandestina. Portugal, com uma população, na altura, de perto de 9 milhões de habitantes, tinha uma população expatriada avaliada em 3 milhões.

A duração da guerra requereu à metrópole que aumentasse os efetivos de 48.832 homens em 1961 para um máximo de 70.504 em 1968, permanecendo mesmo abaixo deste número para o restante tempo de guerra, fazendo-se, contudo, esforço para manter este nível máximo. Para conseguir tal, o Exército foi forçado a implementar duas práticas não atrativas. Em 1968, o período de incorporação de 2 anos foi efetivamente alargado para 4 através de um novo diploma que obrigava a 2 anos de serviço em África. Em 1971, tomou-se uma medida adicional baixando a idade de incorporação de 20 anos para 18.

A metrópole de Portugal tinha uma população de quase 9 milhões de habitantes, em contraste com uma população somada de 12 milhões aquando da guerra. Esta distribuição pareceria indicar que, proporcionalmente, 60% do potencial humano do Exército seria recrutado localmente. Esta via foi, de facto, a que o Exército escolheu. Em 1966, 30% do potencial humano veio das colónias e gradualmente subiu até à área dos 50% em 1970, permanecendo neste nível daí para a frente.

As limitações de basear em populações domésticas ameaçou os esforços de guerra. Desde o início das guerras em 1961 até à sua conclusão em 1974, o número de pessoal na organização do Exército principal aumentou de 49.422 para 149.090, um incremento médio anual de 11%. As necessidades de Portugal em recrutar sempre em números cada vez maiores foram consequências de dois fatores: a expansão da atividade da guerrilha de Angola para a Guiné e, por fim, para Moçambique, e o uso crescente de militares para a expansão da atividade psicossocial.

Transferindo os seus esforços de recrutamento para o Ultramar, Portugal conseguiu quatro importantes ganhos: primeiro, aliviou a pressão de recrutamento na metrópole com os consequentes benefícios no sentimento público; segundo, os africanos portugueses que tinham o maior interesse no êxito das guerras e, portanto, a mais alta motivação para uma conclusão de sucesso, iriam, agora, à primeira vista, dar o seu quinhão de esforço na luta; terceiro, a política de africanização introduziu rendimentos na colocação de potencial humano, uma vez que os recrutados europeus, com o seu maior saber técnico e educação, foram desviados para tarefas mais complicadas, enquanto os seus correspondentes africanos, com a sua educação irregular e carências gerais de saber técnico, foram empregues em tarefas de maior esforço; quarto, usando tropas africanas reduziu-se, sobretudo, os custos do potencial humano, uma vez que era menos caro recrutar e treinar uma soldado no palco de operações do que fazê-lo em Portugal, com o custo adicional de o transportar para África.

Portugal mobilizou cerca de 1% da sua população para lutar me África e não podia aguentar o escoamento do potencial humano doméstico. Numa base percentual houve mais pessoas em armas que em qualquer outra nação, excetuando Israel. A mobilização de Portugal seria equivalente aos Estados Unidos terem 2,5 milhões de homens no Vietname em vez de 500 mil. Comparando a outros países, só cerca de 19% das forças francesas na Indochina eram tropas locais. Na Argélia eram 33%. Quanto aos EUA no Vietname, eram de 29%. Assim, embora o uso de tropas recrutadas localmente não fosse um conceito recente, Portugal ergueu-o a um novo nível. Em nenhum caso tais tropas foram empregues numa extensão proporcional à que Portugal usou em África e poucas situações atingiram os números absolutos de Portugal. Por último, e em contraste com outras contra-insurreições, estas tropas provaram ser muitíssimo leais.”

Mensagens de Natal, Moçambique, imagem retirada da RTP, com a devida vénia
Guerrilheiros do PAIGC deslocando-se num carro blindado na Guiné-Bissau. Imagem retirada da Casa Comum, Mário Pinto de Andrade, com a devida vénia

(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 9 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25925: Notas de leitura (1725): "A Guerra Colonial: realidade e ficção" (livro de actas do I Congresso Internacional), organização do professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira; Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 13 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25940: Notas de leitura (1726): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1874) (20) (Mário Beja Santos)

sábado, 13 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25381: Consultório Militar do José Martins (77): Dia 16 de Março de 1974 - Parte II - Antes do dia


Parte II de "Dia 16 de Março de 1974", um trabalho da autoria do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviado ao Blog em 10 de Abril de 2024. Neste ensaiou-se a primeira tentativa de derrube do regime vigente, conhecida por Levantamento ou Golpe das Caldas, por ter sido protagonizada por militares do antigo RI 5 das Caldas da Rainha.


Dia 16 de Março de 1974 - Parte II

Porta de Armas do extinto RI5
Foto com a devida vénia a heportugal

Antes do dia


No dia 3 de Fevereiro, nova reunião em casa de Otelo Saraiva de Carvalho, da Comissão Coordenadora. Perante a hipótese de que as forças, mais afectas ao Governo, como a GNR, PSP, GF (Guarda Fiscal), LP (Legião Portuguesa) e DGS, se oporem à acção do movimento, é sugerido que essas forças sejam devidamente estudadas.

É em casa de Marcelino Marques que, a Comissão Coordenadora, se reúne no dia 5 de Fevereiro, desta vez com um âmbito mais alargado. Nela estarão outros oficiais de confiança, a nível de Coronel e Tenente-Coronel, estarão presentes pela primeira vez, Garcia dos Santos, Costa Brás e Melo Antunes. O novo texto, elaborado por José Maria Azevedo a partir do texto apresentado em 26 de Janeiro, e já aprovado pela Comissão Coordenadora, é unanimemente rejeitado. Costa Brás, Melo Antunes, José Maria Azevedo e Sousa e Castro, são indicados para redigir um novo documento, sendo entregues, para destruição, de todos os exemplares do documento rejeitado.

No dia 7 de Fevereiro, Melo Antunes encontra-se com Almada Contreiras e Martins Guerreiro. O elo de ligação é o Alferes José Leal Loureiro, que conhecia Contreiras, através de um grupo de exilados em França, e conhecera Melo Antunes no RAL n.º 4, de Leiria, quando ali se deslocou em serviço.

O Movimento dos Capitães de Bissau envia uma carta, em 14 de Fevereiro, para o Movimento de Lisboa onde procura exprimir os sentimentos que prevaleciam na Guiné: «Há necessidade de conhecer os factores de aglutinação dos oficiais, traduzida por uma tomada de consciência dos problemas nacionais».

Reunião de oficiais em Nhacra, a Norte de Bissau, possivelmente em 14 de Fevereiro, com a presença do Tenente-Coronel Luís Ataíde Banazol, Capitão Carlos Matos Gomes, Capitão Miliciano José Manuel Barroso, Capitão Jorge Sales Golias, Capitão Miliciano Franco, entre outros, onde foi considerada e rejeitada a hipótese de uma revolta para tomar o poder em Bissau.

Em 18 de Fevereiro de 1974, António de Spínola entrega um exemplar do seu livro, «Portugal e o Futuro», com dedicatória a Marcello Caetano.

O Presidente do Conselho, Professor Marcello Caetano recebe, no dia 21 de Fevereiro de 1974, os Generais Costa Gomes e António de Spínola, que ocupam os cargos de Chefe e Vice-Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, e desafia-os a reivindicar o poder, para as Forças Armadas, junto do Presidente da República Almirante Américo Tomas. Os generais recusam.
Obtida a autorização do General Costa Gomes, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, a 22 de Fevereiro chega ao mercado o livro “Portugal e o Futuro”, no qual contesta a política colonial seguida pelo governo e defende a liberalização do regime, a adesão de Portugal à CEE, o fim da guerra e a constituição de uma federação de Estados, parcialmente soberanos, de que fariam parte Portugal, Angola, Guiné, Moçambique, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe.

No dia seguinte, dia 23, o Presidente do Conselho de Ministros, Marcello Caetano, ameaça demitir-se, face ao significado das afirmações do livro de António de Spínola, o que repetirá pouco depois, quando o Presidente da República Américo Tomás insiste na demissão dos generais Costa Gomes e António de Spínola.

Rebenta, no dia 24, uma bomba nas instalações do Quartel-General da Guiné, ficando feridos o Brigadeiro Figueiredo e o Coronel Vaz.

No dia 24 de Fevereiro, em casa do Capitão Candeias Valente, reúne a Comissão Coordenadora. A preparação do «Plano de Operações» e a «Acção a Desenvolver» fica a cargo de Otelo Saraiva de Carvalho. Da «Direcção Política» é encarregado Vítor Alves, e o golpe é marcado para entre 22 e 29 de Março. Fica decidido interromper, qualquer contacto, por meio de circular.

A 28 de Fevereiro, a reunião é em casa de Vítor Alves, entre a Comissão Coordenadora e a Comissão da Arma de Engenharia. É apresentado um calendário das actividades para o mês de Março, elaborado por Pinto Soares, Mourato Grilo e Luís Macedo. Para dirigir a reunião do dia 5 de Março, em Cascais, cuja agenda tinha sido elaborado nesta reunião, são os nomes indicados de Vítor Alves e Morato Grilo.

No dia 2 de Março, realizaram-se duas reuniões: A Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães, encontra-se com a comissão dos oficiais oriundos de milicianos; a reunião dos oficiais do Movimento da Força Aérea, onde é preparado um documento programático.

A preparação da reunião a realizar em Cascais, é realizada em casa do Capitão Seabra, estando presentes representantes dos três Ramos. Na discussão do programa a apresentar, os representantes da Marinha, Almada Contreiras, Pedro Lauret, Costa Correia e Vidal Pinho, afirmam que só aceitam vincular-se a um programa que seja progressista, e que estarão em Cascais, como observadores. O documento a apresentar recebe o nome “O Movimento as Forças Armadas e a Nação”, de que os representantes da Força Aérea discordam, no que se refere ao problema colonial.

Na véspera da reunião de Cascais, dia 4, a Comissão Coordenadora reúne-se em casa de Luís Macedo, para preparar a reunião. Como no dia seguinte está anunciada uma comunicação à Assembleia Nacional pelo Presidente do Concelho, é decidido enviar Vasco Lourenço e Otelo Saraiva de Carvalho a um encontro com António de Spínola, procurando informações do teor da comunicação de Marcelo Caetano no dia 5.

No dia 5 de Março de 1974, sucedem-se, ou acontecem, três factos:

● Plenário em Cascais do Movimento de Oficiais das Forças Armadas, onde aprovam o documento “O Movimento das Forças Armadas e a Nação”, bases gerais programáticas deste movimento;

«Ao chefe militar que, em linguagem de verdade e com grande patriotismo, expôs a situação do Ultramar e hoje ocupa a alta função de Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, General António de Spínola», é o teor de uma declaração para recolha de assinaturas posta a circular, por um grupo de oficiais pertencentes ao Movimento, mas com ligações a António de Spínola;

● O Presidente do Conselho Marcello Caetano faz na Assembleias Nacional um longo e dramático discurso a atacar o federalismo e a garantir: “Ficaremos em África qualquer que seja o preço a pagar”.

Seguiu-se um debate emocional com o objectivo de ratificar a política do Presidente do Conselho. Apesar de tudo, este autoriza a exploração de contactos, através da França, com os elementos mais moderados dos grupos independentistas Africanos.

A 6 de Março, os Generais Kaúlza de Oliveira de Arriaga e Joaquim da Luz Cunha, elaboram um plano para acabar com a «subversão comunista dentro do Exército».

No dia 7, a Comissão Coordenadora do Movimento dos Oficiais das Forças Armadas, envia cartas para os oficiais do Movimento, com o decidido no plenário de Cascais e a forma da aplicação do plano aprovado.

No dia 8 de Março, é conhecido pelos visados, o despacho ministerial ordenando a transferência de: Os capitães Vasco Lourenço e Carlos Clemente, são transferidos para o Comando Territorial Independente dos Açores; o Capitão Antero Ribeiro da Silva, para o Comando Territorial Independente da Madeira; e o Capitão David Martelo, para o Batalhão de Caçadores 3, em Bragança.

No mesmo dia, reúne-se em casa de Luís Macedo, a Comissão Coordenadora do Movimento dos Oficiais das Forças Armadas e alargada a oficiais da Marinha e Força Aérea, onde foi criada uma Comissão Política do Movimento, constituída por Vítor Alves, Almada Contreiras, Vasco Gonçalves e Costa Brás. Em reacção à transferência dos oficiais, fica decidido sequestrar os mesmos, evitando que a ordem seja cumprida, enquanto fica marcada, para o dia seguinte pelas 16 horas, uma manifestação de protesto dos oficiais junto ao Ministério do Exército.

A manifestação não chegou a realizar-se por, no dia 9, ter sido ordenado a entrada em estado “de Prevenção Simples” a todas as unidades militares e paramilitares, o que não acontecia desde 1961, que foi variando de estado durante o dia e mesmo nos dias seguintes. Não encontrei informação do cessar dos “estados de alerta e/ou prevenção, mas devem ter existido alguns períodos de “acalmia”, pois existe no relatório do Comandante do Regimento de Infantaria n.º 7, em que refere: «… por razões que julguei convenientes na altura: a semana anterior tinha sido fértil em altas e baixas nos estados de emergência».

No dia 9 de Março, os Capitães Vasco Lourenço e Ribeiro da Silva, que haviam sido sequestrados, foram apresentar-se no Quartel-General, em Lisboa, acompanhado por Pinto Soares, tentando que, com a sua entrega, fossem anuladas as transferências decretadas. O resultado foi que os três oficiais acabaram presos no Forte da Trafaria. No mesmo dia, e apesar do estado de prevenção, um grupo de oficiais do Movimento, ligados a António de Spínola, reúnem-se para ultimar os preparativos de uma acção militar, contra o regime. Pelas 18 horas, o estado de prevenção passou, em todo o território a “Estado de Vigilância”.

No dia 10, pelas 12 horas as unidades entram em “Estado de Vigilância", passando a “Prevenção Rigorosa” pelas 21 horas.

A 11 de Março, é aprovada a politica colonial do governo, pela Assembleia Nacional e, o Presidente da Republica Almirante Américo Tomás, renova a sua confiança no Presidente do Conselho Marcello Caetano, mas impõe a demissão dos generais Costa Gomes e António de Spínola. O Presidente do Conselho responde com o seu próprio pedido de demissão: “Sou efectivamente responsável por ter dito ao Ministro da Defesa que se lavrasse na informação do general Costa Gomes para autorizar a publicação do livro de general Spínola. Pelo erro cometido, devo pagar”. Américo Tomás não aceita a demissão de Marcello Caetano.

No dia 11, pelas 17 horas, as unidades militares e paramilitares recebem ordem para entram em “Estado de Vigilância”.

Na reunião do dia 11, o Movimento dos Oficiais das Forças Armadas decido a preparar rapidamente um plano de operações, atribuiu a responsabilidade operacional a Saraiva de Carvalho e a politica a Vítor Alves.

No mesmo dia, António Ramos, Ajudante-de-Campo de António de Spínola e a pedido deste último, encontra-se com Otelo Saraiva de Carvalho, sugerindo-lhe que o Movimento adopte, em relação à cerimónia de solidariedade dos oficiais-generais, do dia 14, uma posição de protesto.

Para elaborar um «Plano de Operações», reúnem-se no dia 12 de Março, em casa de Casanova Ferreira, além do anfitrião, Otelo Saraiva de Carvalho, Manuel Monge, José Maria Azevedo, Geraldes, Luís Macedo e Garcia dos Santos.

No Clube Militar Naval, em 13 de Março, reúnem-se 130 oficiais da Armada, que se solidarizam com os oficiais do Exército presos. Também neste dia, Otelo Saraiva de Carvalho reúne-se com os oficiais da Escola Prática de Cavalaria e com os paraquedistas. Estes acham que o plano de operações é incipiente e recusam-no, ficando então responsáveis para, no prazo máximo de 10 dias, apresentarem um novo plano.

Ainda nesse dia, Gosta Gomes e António de Spínola são recebidos por Marcelo Caetano, que o informam que não estarão presentes na cerimónia dos oficiais-generais, que terá lugar no dia 14. Marcello Caetano diz-lhes que «nesse caso seriam destituídos».

No dia 14, dezenas de oficiais generais, que ficaram conhecidos como a “brigada do reumático”, manifestam o seu apoio à política africana do governo e lealdade ao Professor Marcello Caetano, numa cerimónia realizada em S. Bento. Os generais Costa Gomes e Spínola, não estão presentes. Na cerimónia, o Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, diz: “O país está seguro de que conta com as suas Forças Armadas”.

Perante a ausência dos chefes máximos das Forças Armadas, o Presidente do Conselho de Ministros, demite os generais Francisco da Costa Gomes e António Sebastião Ribeiro de Spínola. O novo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas será o General Luz Cunha, enquanto o lugar de Vice-Chefe é extinto.

Nesse dia 14, após a demissão dos Generais, o Capitão Virgílio Varela, do Regimento de Infantaria 5, das Caldas da Rainha, informa Casanova Ferreira que, caso a Comissão Coordenadora do Movimento não reaja à demissão, ele sairá sozinho com a sua unidade. Casanova Ferreira tenta convencê-lo a adiar a acção, mas Virgílio Varela não desmobiliza o seu pessoal e decide mantê-lo em «estado de prontidão».

Pelas 17 horas do dia 14, as forças militares e militarizadas, entram em estado de Prevenção Simples.
“A brigada do reumático”, manifesta o seu apoio à política africana do governo e lealdade ao Professor Marcello Caetano

Poder-se-á dizer que, o dia 15 de Março, foi um dia farto em acontecimentos, não necessariamente, pela ordem seguinte:

● Pelas 11 horas, as forças militares e militarizadas, entram em estado de Vigilância;

● Um dia após a demissão do Chefe e Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, a Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, decide atribuir aos seus membros Francisco da Costa Gomes, António Sebastião Ribeiro de Spínola e Venâncio Augusto Deslandes, a Medalha de Ouro da instituição; nesse mesmo dia António de Spínola é eleito presidente da Mesa da Assembleia-Geral da associação;
.
● O Contra-almirante António Tierno Bagulho é demitido do cargo de Secretário-Geral Adjunto do Departamento da Defesa Nacional;

● Embarque do Capitão Vasco Lourenço para Ponta Delgada e do Capitão Antero Ribeiro da Silva para o Funchal, transferidos para unidades das Ilhas Adjacentes;

● Almoço do General António Spínola com o Coronel Rafael Ferreira Durão, Tenentes-Coronéis Dias de Lima e João de Almeida Bruno e o Capitão António Ramos, no Hotel Embaixador, em Lisboa, onde foi equacionada a hipótese de um golpe militar a desencadear brevemente;

● O Tenente-Coronel Horácio Lopes Rodrigues toma posse como novo Comandante do Regimento de Infantaria n.º 5, nas Caldas da Rainha, afirmando estar determinado a «cumprir e fazer cumprir ordens, exclusivamente, na dependência hierárquica do Comandante da Região Militar de Tomar»;

● Reunião do Tenente-Coronel João de Almeida Bruno com oficiais afectos ao General Spínola, na Academia Militar, entre os quais o Coronel Rafael Ferreira Durão e Major Joaquim Mira Mensurado;

● No editorial do Jornal Português de Economia e Finanças interroga-se: «que lucrou o país com este livro infeliz? Perdeu um general na reserva da República para ficar apenas – necessariamente – com um general da República na reserva»;

● Reunião do Movimento dos Oficiais das Forças Armadas com a presença dos Majores Otelo Saraiva de Carvalho, Manuel Soares Monge e Luís Casanova Ferreira e Capitão Armando Marques Ramos, durante a qual são informados telefonicamente pelo Capitão Manuel Ferreira da Silva de que o Centro de Instruções de Operações Especiais, de Lamego, se encontra em situação de insubordinação contra a demissão dos dois generais;

● O Capitão Armando Ramos, após a reunião em Lisboa, chega ao Regimento de Infantaria 5 (Caldas da Rainha), cerca das 23 horas;

● O Capitão Farinha Ferreira é detido pela PIDE/DGS à porta da casa do Tenente-Coronel João de Almeida Bruno, pouco antes da meia-noite.

(continua)

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Nota do editor

Vd. poste de 12 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25378: Consultório Militar do José Martins (76): Dia 16 de Março de 1974 - Antes do dia - Parte I

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17946: Agenda cultural (602): Hoje, às 18h30, no Porto, FNAC Santa Catarina: lançamento do último livro de Carlos Vale Ferraz (nosso camarada de armas, Carlos Matos Gomes), "A Última Viúva de África". Apresentação a cargo do Coronel Ref David Martelo



Convite da Porto Editora e do autor para a sessão de lançamento do livro do escritor Carlos Vale Ferraz (e nosso camarada de armas, Carlos Matos Gomes),!A Última Viúva de África", no Porto, FNAC Santa Catarina, às 18h30.

(Vê aqui a "nota de leitura" do nosso crítico literário, Mário Beja Santos:

(... ) "Carlos Vale Ferraz é autor de uma das obras-primas da literatura de guerra, "Nó Cego". Ao longo dos anos tem dividido a sua atividade literária pela ficção e pela historiografia contemporânea. O seu novo romance leva-nos até às sanguinárias guerras do Congo, pós-independência, a articulação nos grupos catangueses e mercenários de muitas origens com o que se passava no Leste de Angola.

A enigmática Madame X é uma minhota que chegou ao Congo nos anos 1950 e que vai avisando Luanda e os serviços de informação portugueses do que se está a passar, Miguel Barros é o português que viverá toda a trama deste período tumultuoso e que mais tarde deixará uma gravação que funciona como o fio de Ariadne no labirinto dos acontecimentos, um desfecho espantoso de um mausoléu de Madame X num templo algures no Alto Minho - dali partiu alguém para viver os dramas do império e ali regressou como último parágrafo da descolonização." (...) 

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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de novembro de  2017 > Guiné 61/74 - P17933: Agenda cultural (601): Hoje, na Casa do Alentejo, em Lisboa, às 15h00: O poeta Silvais (Évora) e seus convidados, confrades da poesia popular + Grupo Coral Fora D'Oras (Montemor-o-Novo)

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16610: Agenda cultural (507): No passado dia 13 de Outubro, integrada na série Tertúlias Fim do Império, na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha, no Porto, foi apresentado o livro "A Batalha de Cufar Nalu" da autoria do nosso camarada Manuel Luís Lomba, que foi Furriel Miliciano na Companhia de Cavalaria 703 (Guiné, 1964/66)

No passado dia 13 de Outubro, integrada na série Tertúlias Fim do Império, desta feita na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha, no Porto, foi apresentado o livro "A Batalha de Cufar Nalu" da autoria do nosso camarada e tertuliano Manuel Luís Lomba, que foi Furriel Miliciano na Companhia de Cavalaria 703 (Guiné, 1964/66).

Bastante tempo antes do início da apresentação, já o espaço junto ao Bar estava bem composto com camaradas falando dos lugares e acontecimentos comuns, fossem eles na Guiné, Angola ou Moçambique.


Senhor Coronel José Manuel Belchior, Manuel Luís Lomba e Carlos Vinhal

 
Armando Faria e Carlos Vinhal do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


O Autor Manuel Luís Lomba; Carlos Vinhal (1.º Secretário da Mesa da AG do Núcleo de Matosinhos da LC) e o Dr. Fernando Reis Lima (Presidente da Mesa da AG do Núcleo do Porto da LC), ex-Tenente Miliciano Médico em Angola no difícil ano de 1961.


Chegada a hora, os presentes entraram na sala onde iria decorrer a apresentação da obra.

O senhor Coronel Belchior, na qualidade de moderador, deu início aos trabalhos, apresentando a Mesa, dando posteriormente a palavra ao autor.



A Mesa era composta pelo moderador, senhor Coronel Belchior, Presidente da Direcção do Núcleo do Porto da LC (de pé); senhor Dr. Fernando Eduardo Reis Lima, Presidente da Mesa da AG do mesmo Núcleo; representante do senhor Ten-General Sousa Pinto, ausente por motivos de força maior; e pelo Autor Manuel Luís Lomba.


A apresentação do livro, "A Batalha de Cufar Nalu", esteve exclusivamente a cargo do seu autor, que manteve a assistência atenta e interessada. As matas, da Guiné, de Cufar Nalu e o Cantanhês, mesmo para quem não as conheceu, são um misto de curiosidade e mistério, pela sua beleza e perigosidade, durante anos santuário do PAIGC.



Manuel Luís Lomba mantendo diálogo permanente com a Mesa e com os a assistência.

Manuel Luís Lomba viajou pelo tempo e pela Guiné, destacando o facto de a sua Companhia estar durante meses em Bissau ao dispor do Com-Chefe como força de intervenção, o que a levou a participar em diversas operações em toda a Guiné, especialmente no Óio e no Leste, como descreve no seu livro, acabando por ser colocada, em nomadização, nas piores condições, em Cufar Nalu e, mais tarde, em Buruntuma.

Terminada que foi a sua intervenção, o Autor foi felicitado pelo moderador pela forma como se expressou, recebendo o elogio de que se é bom a escrever não o é menos a falar.

Seguiu-se o diálogo com a assistência, sendo como seria natural e notório mais intenso com os antigos combatentes da Guiné.



 Um camarada da Guiné interpela o Autor

O Coronel David Martelo, autor de vários livros e editor do Blogue A-bigorna, intervindo a partir da assistência.

Seguiu-se a sessão de autógrafos, e ainda houve tempo para uma tertúlia informal do hall de entrada, nesta caso de saída, da Messe Militar do Porto.


O Autor, Manuel Luís Lomba durante a sessão de autógrafos

Fotos: © Dina e Carlos Vinhal
Texto e legendagem das fotos: Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16589: Agenda cultural (500): Lançamento do livro de poemas "Sussuros Meus", da autoria de Fernando Jesus Sousa, dia 14 de Outubro de 2016, pelas 15 horas, no Salão Nobre da ADFA, Av. Padre Cruz, Lisboa

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7868: Notas de leitura (209): A Academia Militar e a Guerra de África (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Fevereiro de 2011:

Queridos amigos,
Um volume da maior utilidade para entender o papel da Academia Militar no decurso da guerra. A estrutura do seminário permitiu obter um leque variado de opiniões, desde o contexto internacional, passando pela análise da sociedade portuguesa e olhar de vários oficiais sobre a evolução dos três teatros de operações.

Um abraço do
Mário



A Academia Militar e a guerra de África

Beja Santos

Em 28 de Maio de 2009 a Academia Militar promoveu um seminário intitulado “A Academia Militar e a Guerra de África”. O acervo documental desde evento deu lugar a uma publicação: “A Academia Militar e a Guerra de África”, edição da Academia Militar e Prefácio Edições, 2010. Sumariam-se algumas das questões tratadas no decurso dos trabalhos.

O Prof. António Telo abordou o enquadramento internacional e a situação política nacional nesse período de 13 anos. Considera ter havido dois momentos fundamentais no decurso do conflito no que diz respeito aos apoios externos para a estratégia seguida por Salazar: no início da década de 60 ocorreu um afastamento em relação à Grã-Bretanha e aos EUA o que foi acompanhado de uma aproximação à França e à RFA; na segunda metade dos anos 60 registou-se uma aproximação à África do Sul e à Rodésia, o regime apostou na construção de uma estratégia comum para a África Austral. O Reino Unido descolonizara de maneira pacífica, aceitou os ventos da História, isto enquanto, ainda no mandato de Eisenhower, se inflectia para uma política de descolonização e tal doutrina acentuou-se com a administração Kennedy. Sem estes apoios, o regime, necessitando de um exigente esforço militar, procurou dois parceiros com interesses na região. Está hoje bem esclarecido porque é que a RFA praticou tão boa vizinhança com o regime de Salazar: tendo enveredado pelo rearmamento próprio, a NATO precisava de dispor de uma retaguarda segura para essa frente da Europa Central, a Espanha não fazia parte da NATO, optou-se por Portugal. A RFA assinou três dezenas de grandes acordos de cooperação com Portugal: base de Beja, o uso de Alverca, modernização da indústria de defesa em Portugal, a espingarda G3, a pistola Walther, as metralhadoras ligeiras passaram a ser fábricas em Braço de Prata e outras unidades, montagem em Portugal do Unimog, aquisição de aviões Do-27, etc., etc. Escreve o historiador: “O que acontece na década de 60 é que Portugal desenvolve duas estratégias nacionais: uma oficial e outra real. Na estratégia oficial, Portugal aposta tudo no conceito de “pátria pluricontinental e multirracial”, o que implica o envolvimento nas três guerras de África e a criação de um mercado de livre circulação do escudo, que abarcava Portugal e as suas colónias. Na estratégia real, Portugal aproxima-se cada vez mais da RFA e da França que eram a locomotiva da CEE, tanto em termos de comércio, como dos financiamentos, dos fluxos técnicos ou humanos”. E de facto a França e a RFA foram os grandes apoios internacionais na primeira fase do esforço das guerras de África. Os problemas vão surgir com o fim da guerra da Argélia e com a viragem política da RFA aproximando-se do Leste. A política diplomática de Salazar, virou-se para outras alternativas: Lisboa apoiou, em 1966, a declaração unilateral da independência da Rodésia branca; assinam-se acordos com a África do Sul, tanto no campo económico como na cooperação militar. Em absoluto sigilo, desenha-se um entendimento estratégico que abarcava toda a África Austral. A África do Sul, a partir de 1967, fornece equipamento militar e intervém em operações, nomeadamente com helicópteros, primeiro, e acções combinadas e a criação de uma força internacional, depois. Quando se chega ao 25 de Abril, a CEE era de longe o maior parceiro de Portugal em termos de comércio e na África Austral estava em curso uma operação que procurava consolidar a supremacia branca em Angola e Moçambique.

Numa comunicação sobre a formação de oficiais entre 1960 – 1974, o coronel Vieira Borges realçou o papel da Academia Militar como escola de formação dos oficiais dos quadros permanente do Exército e da Força Aérea, destacou as preocupações dos diferentes comandantes da Academia nestes períodos, os planos dos cursos e também a formação dos quadros de complemento. A Academia formou entre 1960 e 1974 mais de 1100 oficiais; a formação foi-se adaptando à guerra subversiva.

O coronel David Martelo debruçou-se sobre o recrutamento de oficiais, destaca, através dos números, o desgaste provocado pela guerra e a necessidade de recorrer aos capitães milicianos bem como à formação de oficiais na Escola Central de Sargentos. Analisou com minúcia a controversa legislação de 1973 que fez estalar o descontentamento dos oficiais do quadro com os estímulos aos capitães do QEO e introduziu dinâmica ao chamado movimento dos capitães.

A professora Maria Helena Carreiras procedeu a uma intervenção sobre o papel das mulheres na sociedade portuguesa, durante o período do conflito africano, deteve-se no MNF – Movimento Nacional Feminino, as Madrinhas de Guerras, as enfermeiras pára-quedistas e as mulheres dos militares, tanto na retaguarda como na linha da frente. “Falar da guerra só no masculino é contar apenas uma parte da história”, concluiu.

Num diagnóstico sobre o retrato do militar português, o tenente-general Abel Couto começou por apresentar a evolução dos comportamentos da juventude face ao serviço militar obrigatório. O que ressalta das estatísticas é o crescimento da percentagem dos apurados e a elevada percentagem de faltosos, adiados e voluntários. Traçou o enquadramento do militar na guerra, sobretudo o carácter do soldado e referiu-se aos efectivos e baixas.

Os oradores seguintes referiram-se aos três teatros de operações. O tenente-coronel Pires Nunes deixou bem claro na sua exposição que a situação militar em Angola reduzira a estilhas os três grupos de guerrilheiros. O coronel Matos Gomes, a propósito de Moçambique, referiu detalhadamente as estratégias do general Augusto dos Santos e do general Kaúlza de Arriaga, considerando que a estratégia de Kaúlza se revelou inadequada e incapaz de estabilizar militarmente Moçambique, não contribuindo para a resolução do problema político. O general Manuel Monge, a quem competiu a análise do teatro de operações da Guiné, concluiu a sua intervenção da seguinte maneira: “O general Spínola não aceitou, em 1973, permanecer na Guiné porque quando comunicou ao professor Marcelo Caetano que só uma solução política era possível para a guerra, a resposta dada foi de que era preferível uma derrota militar com honra do que ter que negociar com terroristas. Os militares sabiam o que os políticos de então consideravam “uma derrota militar com honra, pelo modo como as Forças Armadas tinham sido tratadas na Índia. Obviamente que Spínola não podia aceitar isso, foi substituído pelo general Bethencourt Rodrigues. Um grande general foi cumprir uma missão de sacrifício quando já não havia esperança: a Guiné estava perdida. Então os centuriões perceberam que já não era possível defender a Pátria nas fronteiras do Império. Havia que volver à Europa. Foi o que fizemos no 25 de Abril”.

O volume termina com a publicação das conclusões.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7839: Notas de leitura (208): Antologia Poética da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7434: Agenda cultural (95): Os anos da guerra colonial, de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes: hoje, 3ª feira, às 18h30, no Corte Inglês Gaia Porto


OS ANOS DA GUERRA COLONIAL
Sessão de Lançamento >  Convite

A editora QuidNovi, os autores Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes e o El Corte Inglés Gaia Porto têm o prazer de o(a) convidar para a sessão de apresentação do livro Os Anos da Guerra Colonial que ocorrerá no próximo dia 14 de Dezembro, 3ª feira, às 18:30h, na Sala de Âmbito Cultural, piso 6, do El Corte Inglés Gaia Porto (Av. da República, 1435, V.N. de Gaia).

A apresentação da obra estará a cargo do coronel David Martelo.

A nossa editora fez um levantamento sobre os blogs militares relacionados com este tema. Gostaríamos de o convidar a estar presente nesta sessão de lançamento e contamos coma a sua ajuda para a divulgação deste evento. (...)

Para qualquer questão ou pedido deverão ser utilizados os contactos indicados na nota de imprensa.

Com os melhores cumprimentos e devidos agradecimentos,

Miguel Gonçalves
Editor Adjunto
QUIDNOVI
QN - Edição e Conteúdos S.A.
Praceta D. Nuno Álvares Pereira, 20 - 3ºCJ
4450-218 Matosinhos - Portugal
tel/fax: +351 22 938 81 55

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7387: Os Anos da Guerra Colonial (1961-1975), de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes (1): Um obra enciclopédica, de 838 pp.


Título: Os Anos da Guerra Colonial (1961 - 1975) (*)
Autores: Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes
Editora: Quidnovi
Local: Matosinhos
Ano: 2010
Formato: Brochado
Nº pp.: 838
Preço de cappa: c. 45€

Infelizmente não pude estar presente, por razões profissionais,  na sessão de lançamento do livro dos nossos camaradas Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, no passado dia 29  de Novembro (*). Gostaria de ter podido lá estar, para dar um abraço a estes dois autores, e manifestar-lhes o meu apreço e o meu respeito pelo seu labor enciclopédico e historiográfico.

Já conheço o essencial da obra, através dos 16 volumes que foram lançados em 2009 pelo Correio da Manhã, sob a chancela da QuidNovi. Mas sei que o livro, de 838 pp.,  traz algumas melhorias (e correcções) em relação à edição anterior,  distribuída em fascículos. De qualquer modo, ficam aqui os nossos votos de sucesso para mais esta obra monumental  de historiografia da guerra colonial que passa a ser de incontornável referência.

O livro conta ainda com a colaboração do historiador catão Joseph Sánchez Cervelló (que conheci em Bissau, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje, 1-7 de Março de 2008, foto à esquerda, na Amura, com o Matos Gomes; fez o seu doutoramento com uma tese sobre a Revolução Portuguesa e sua Influência na Transição Espanhola, 1961-1976, de que há um livro, em português, editado pela Assírio e Alvim, 1993).A colaboração é ainda extensiva aos portugueses David Martelo, Nuno Santa Clara Gomes, João Moreira Tavares, Sandra Araújo e Dulce Afonso. 

Sinopse

Saber o que aconteceu durante os anos de 1961 a 1975, os anos em que a Guerra Colonial esteve no centro da nossa História, das nossas vidas. Saber o que aconteceu em cada um dos locais onde a guerra foi travada, nas “picadas” mais perigosas, nas “matas” do Norte de Angola e de Moçambique, nas “chanas” do Leste, nas “bolanhas” da Guiné, a bordo de navios e lanchas, de aviões e de helicópteros. Saber o que pensaram os homens que decidiram a guerra, que a conduziram, que a fizeram de ambos os lados. Mas pretendemos também Compreender. Compreender por que foi assim que os factos aconteceram, por que foram escolhidas estas soluções e não outras. Compreender as dúvidas dos homens que tiveram de decidir num momento o caminho a seguir e ajudar a perceber as consequências dessas decisões. É, pois, sobre o Saber mais e o Compreender melhor os anos da Guerra Colonial que trata esta obra.

Sobre os autores:


ANICETO AFONSO

(i)  Coronel do Exército na situação de Reforma; 
(ii) Nasceu em Vinhais em 1942;
(iii)  Fez os estudos secundários em Bragança;
(iv) Concluiu o curso de Artilharia da Academia Militar em 1963;
(v) Cumpriu comissões em Angola (1969-71) e em Moçambique (1973-75);
(vi) Fez a licenciatura em História pela Faculdade de Letras de Lisboa em 1980 e o Mestrado em História Contemporânea de Portugal pela mesma Faculdade em 1990;
(vii) Foi professor de História na Academia Militar de 1982 a 1985 e de 1999 a 2005;
(viii) Foi director do Arquivo Histórico Militar (Lisboa) de 1993 a 2007, integrando vários grupos de trabalho e comissões relacionadas com os arquivos militares, a documentação e a História;
(ix) Foi responsável pelo Arquivo da Defesa Nacional de 1996 a 2007;
(x) É membro da Comissão Portuguesa de História Militar e do Comité dos Arquivos da Comissão Internacional de História Militar, desde 1998; 
(xi) É investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa e autor de várias obras, incluindo O Meu Avô Africano, editado pela Casa das Letras (2009).

CARLOS DE MATOS GOMES  [, foto à esquerda, Guiné-Bissau, Bissau, Amura, 7 de Março de 2008. Foto de L.G.]

(i) Coronel do Exército, na situação de reserva;
(ii) Nasceu a 24 de Julho de 1946 em Vila Nova da Barquinha;
(iii) Fez os estudos secundários no Colégio Nun’Álvares, de Tomar e o curso de Cavalaria da Academia Militar;
(iv) Durante a guerra colonial cumpriu três comissões, em Moçambique, Angola e Guiné, nas tropas “Comando”;
(v) Foi ferido e condecorado;
(vi) Foi auditor do Curso de Defesa Nacional, do Instituto de Defesa Nacional;
(vii) Paralelamente à carreira militar desenvolveu desde 1983 uma continuada actividade literária, tendo escrito argumentos, romances e várias obras de cariz histórico; como ficcionista usa o pseudónimo Carlos Vale Ferraz, entre eles o Nó Cego, considerado já um clássico não só da literatura da guerra colonial, como da literatura lusófona.


Fonte: Adapt. parcialmente de Quidnovi


Lisboa > Centro Comercial Plaza, nas Picoas > Livraria Bertrand  > 30 de Novembro de 2010 > 18,30 h > Sessão de lançamento do  livro “Os Anos da Guerra Colonial, 1961-75”, da autoria dos nossos camaradas Aniceto Afonso e Carlos Matos, editado pela QuidNovi. Na mesa,  da esquerda para a direita: Joaquim Furtado (apresentador da obra), Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso (autores)

Foto: Cortesia de QuidNovi (página no Facebook) (**)
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 25 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7332: Agenda Cultural (91): Lançamento do livro Os Anos da Guerra Colonial, de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, dia 30 de Novembro de 2010 na Bertrand Picoas Plaza, Lisboa (Carlos Matos Gomes)
 
(**) A QuidNovi, com sede em Matosinhos, é  "uma editora especializada na produção de livros e outros conteúdos para venda associada a jornais". Desde a sua fundação, em 1995, a editora tem colaborado regularmente com todos os principais jornais e revistas portugueses.

O sucesso deste projecto  levou a empresa A dar um novo passo, criando paralelamente uma "editora tradicional", orientada para o mercado livreiro. A  QuidNovi surge assim, em 2005, "com esta nova faceta, marcando presença no mercado editorial português, com um catálogo diversificado, onde se tem destacado sobretudo pela colecção de autores portugueses, com vários títulos premiados e muito elogiados pela crítica".

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5864: Notas de leitura (69): Guerra Colonial - Angola - Guiné - Moçambique, Edição Diário de Notícias (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Fevereiro de 2010:

Queridos amigos,
É de facto impossível iniciar um estudo da guerra colonial sem começar por aqui.
É a homenagem elementar que pretendo aqui deixar.

Um abraço do
Mário



A primeira história importante sobre a guerra colonial

Beja Santos

Nada existiu de tão significativo antes da publicação da “Guerra Colonial, Angola, Guiné, Moçambique”, da autoria de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes. A obra foi editada em fascículos no Diário de Notícias, no fim dos anos 90, e em 2000 a Editorial Notícias deu-a à estampa. Os mesmos autores abalançaram-se recentemente a publicar “Os Anos da Guerra Colonial”, que recebeu muita inspiração, como é compreensível, da iniciativa anterior. É impossível estudar-se a guerra colonial sem ter em conta esta obra de referência. Basta pensar só no elenco de colaboradores: Adriano Moreira, António José Telo, David Martelo, Diana Andringa, José Falcão de Campos, José de Matos-Cruz, Josep Sanchez Cervelló, Luís Salgado Matos, Nuno Santa Clara Gomes, Rosário Simões, Rui de Azevedo Teixeira. Como escrevem os autores na apresentação, importa não pôr de lado a delicadeza do tema: ainda há paixões à tona, há fontes irrepreensíveis e há questões que podem ser encaradas como factores de distorção, sobretudo quando os actores transmitem a visão dos acontecimentos no enfoque pessoal, sem contraditório. E adiantam: “O presente trabalho pretende constituir algo em que se possam rever aqueles homens e mulheres que, em qualquer situação participaram na guerra e os que com eles se relacionaram. Algo que dirá respeito a Portugal e aos países africanos que, neste longo conflito, conquistaram a sua independência política”.

A estrutura da obra é aliciante, comporta uma organização que permite visualizar os locais do conflito e as grandes operações ali desencadeadas; pode ficar-se com uma ideia das forças em presença (recorde-se que ainda hoje não há dados fiáveis sobre as forças efectivas dos guerrilheiros, nos três teatros de operações), quem e porquê se fez a guerra, a evolução da matriz doutrinal, os principais dirigentes, heróis e políticos, alguns aspectos do quotidiano da guerra, o impacto da guerra na sociedade portuguesa, guiões, modelos de armas e cronologia da guerra colonial.

Os autores não iludem as questões que possam ser vistas como controversas como seja falar de guerra colonial em oposição a guerra do Ultramar ou guerra de África. Entram na cronologia dos acontecimentos com o que se passou em 15 de Março de 1961, em Angola, e a determinação de Salazar após abortar o golpe de Botelho Moniz. Tem destaque na reocupação do Norte de Angola a operação Viriato e a entrada em Nambuangongo. Sanchez Cervelló sintetiza o novo quadro africano, entre 1945 e 1962. Explicado o essencial de uma guerra subversiva, os autores apresentam o teatro angolano e os movimentos da independência. Segue-se a Guiné, a história do PAIGC, a operação Tridente, um resumo do meio físico, humano e económico da região. A operação Águia é o preâmbulo da guerra de Moçambique, dá-se um apontamento da Frelimo e igualmente do meio físico, humano e económico de Moçambique, bem como o enquadramento do teatro de operações.

Apresentados os actores e o meio, dada a moldura ideológica e as mudanças registadas em África no período precedente à luta dos movimentos de libertação, faz-se desfilar os contingentes em contenda, os dispositivos militares, as operações, as condecorações, os eventos marcantes, mas também o sistema de informações, a guerra psicológica, o papel das organizações femininas (Cruz Vermelha e Movimento Nacional Feminino), as tensões dentro da Igreja Católica.

As relações internacionais têm o merecido destaque, tal como a africanização da guerra, a noção do quadro económico (que era praticamente desconhecido da chamada metrópole, em 1974, à vontade da independência africana ameaçava sobrepor-se a da independência branca, como escreve Salgado de Matos). Minas e armadilhas, o papel das forças especiais, os transportes, os diferentes tipos de equipamento, a guerra dos céus, as lanchas e os navios, as transmissões, as obras de engenharia, a administração militar, a acção psicológica, têm o merecido relevo. Grandes protagonistas como Costa Gomes, Kaúlza, Spínola, estratégias e operações, recebem o merecido acolhimento como irão sobressair momentos de viragem como aqueles que viveu a Guiné em Maio de 1973, com Guidage, Guileje e Gadamael. E estamos chegados a outras questões fulcrais como as mentalidades da geração de 60, o papel da literatura, do cinema, o fenómeno do movimento dos capitães e, por último, a génese do 25 de Abril e no seu rescaldo as feridas de guerra, como é o caso dos deficientes. A obra remata com um balanço e uma reflexão final e a bibliografia utilizada.

É uma edição impar, com esta “Guerra Colonial”, a historiografia deu um salto. Nestas 600 e tantas páginas alcançou-se uma admirável síntese sem descurar o rigor do pano de fundo, em si tão complexo. Nós, os camaradas da Guiné, fomos directos beneficiários, Aniceto Afonso escreveu depois uma importante súmula sobre a guerra da Guiné que a seu tempo fiz referência. Inevitavelmente, ela tem que fazer parte da nossa biblioteca, é por isso que eu a ofereço ao blogue, com um abraço de elevada consideração e admiração pelos seus autores.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5824: Notas de leitura (68): Memória, de Álvaro Guerra - A tiros de raiva e metal escaldante (Beja Santos)

terça-feira, 17 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2954: A guerra estava militarmente perdida? (18): José Belo.

A Guerra estava militarmente perdida?

José Belo
ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70


Liberdade, Democracia...e guerras coloniais militarmente ganhas!

Das potências militares europeias quantas terão militarmente perdido as suas guerras coloniais? A Inglaterra na Índia ou em África? A França na Argélia? A Holanda na Indonésia? Apesar de disporem de recursos humanos e económicos avultados, todas se decidiram pelo abandono. Quer se creia ou não em "ventos da História", essas colónias não foram militarmente perdidas.

Dirão os idealistas que a força de emancipação dos povos é impossível de ser militarmente parada. Dirão economistas serem outras as regras "do Jogo", apesar de convenientemente vestidas com uniformes militares e bandeiras desfraldadas.

Liberdade – Democracia - Guerras Coloniais, é equação de provado não funcionamento histórico. Daí, uma guerra colonial a ser ganha"num Portugal livre, democrático, europeu?

Como participantes activos, como combatentes, numa tragédia histórica que nos ultrapassava, tanto no "tempo" como nas responsabilidades políticas deveremos sentir vergonha? Cito o Coronel de Infantaria David Martelo no seu livro "As Mágoas do Império": apesar de ser norma das guerras exprimirem-se pela destruição, a derradeira campanha em África, terá sido, com toda a certeza, o empreendimento militar português que mais construíu! A própria táctica de captação das populações não consentia outros procedimentos. Por esse motivo, os militares e ex-militares portugueses podem recordar, com justo orgulho, o bem-estar que ajudaram a levar até grande parte das populações autóctones.

Tenho que concordar com o "desabafo" de J. Mexia Alves meses atrás enviado á Tabanca Grande, na sua incompreensão quanto á necessidade de alguns se colocarem literalmente "de cócoras" perante os feitos da guerrilha, na busca de um, muitas vezes demasiadamente forçado pseudo politicamente correcto.

Os nossos antigos adversários são merecedores do nosso respeito, mas não de subserviências. Em verdade, em função dos resultados por eles obtidos não as necessitam! Na guerra que nos obrigaram a travar, e no campo estritamente militar, muito pouco haverá que nos pode envergonhar como Soldados de Portugal.

Mas um debate quanto a guerras passadas não militarmente perdidas? Não é sequer original! O Nacional-Socialismo de Hitler tomou o poder sob a bandeira da traição aos combatentes Alemães da 1ª Guerra Mundial, não militarmente derrotados. Os nostálgicos que na Rússia de hoje lamentam a perda do Império Soviético na Europa de Leste, depois de uma guerra fria não militarmente perdida. A direita civil e militar Norte-Americana afirmando continuamente que a guerra do Vietname estava longe de militarmente perdida!

Humor á parte, tem que se concordar serem interessantes companheiros de caminho nisto de debates quanto a guerras...militarmente perdidas ou não! A não se pretenderem tirar as conclusões políticas inerentes, resta, para este nosso debate estritamente militar soluções de contabilidade aparentemente simples.

Mas não será uma simplicidade enganadora? Um teatro de guerra, por definição é constituído por infindáveis e multi-facetados factores. Esses factores acabam por multiplicar-se "ad infinitum" quando a um Exército Regular se opõe uma força de Guerrilha.

Contam-se as armas de cada campo? Quantas metralhadoras? Quantos canhões? Mas chegará contar os canhões? Quantos estavam em condições verdadeiramente operacionais? (Recordo os imponentes obuses 14 de algumas guarnições, aos quais faltavam os aparelhos de pontaria e tabelas de tiro). Funcionariam todos os inventariados à guerrilha? Quantos especialistas de armas pesadas manuseavam o nosso tão distribuído morteiro 81? Será o rendimento operacional obtido por tais armas contabilizado do mesmo modo, independentemente do voluntarismo dos militares que as utilizavam? Qual a norma para uma contabilização comparativa quando as nossas armas pesadas respondiam a ataque nocturno ás nossas guarnições sem disporem de equipamentos de aquisição de objectivos? Os efeitos "estritamente militares" eram relativos, apesar de por vezes, lá íamos acertando. Por certo, como no caso da guerrilha.

Quatro, sete, vinte navios de guerra que garantem as deslocações nos rios e braços de mar serão contabilizados do mesmo modo que, duas, vinte, trinta primitivas canoas que, na escuridão da noite, permitem á guerrilha transportar os homens e materiais necessários? Como comparar os resultados práticos e estratégicos obtidos por estas armas assimétricas?

O inimigo, por contínua pressão militar, obrigou-nos a abandonar os aquartelamentos, por ex., de Gandembel e Madina do Boé. Na exploração do resultado, a guerrilha decide não ocupar os aquartelamentos, pois o seu interesse estratégico era desimpedir os eixos de infiltração de material, e não o de ocupar terreno, e esperar sentada pelos inevitáveis bombardeamentos.

Como contabilizar os resultados? Vitória na planeada retirada estratégica das força convencionais? Vitória da guerrilha por ter obtido os seus objectivos? Ao objectivo "estritamente militar" em que um exército regular quantifica "a vitória", opõe a guerrilha uma ideia de vitória sustentada pela arma fundamental ao seu dispor que é a propaganda.

Como contabilizar os resultados das diversas operações á ilha do Como? Ao Cantanhez? Vitórias? Derrotas? Quais os resultados estritamente militares perante os objectivos planeados? Ocupação de terreno? Interdição de terreno? Conquista das populações? Destruição de meios humanos e militares inimigos? Em operações das nossas tropas especiais, heli-transportadas, com avultados sucessos em acampamentos destruídos, inimigos mortos e material apreendido, a contabilização é mais uma vez de aparente facilidade, na perspectiva de um exército convencional. Mas as tropas especiais não são nem formadas, nem vocacionadas, para simplesmente ocuparem o terreno. Daí, o passadas horas, dias, ou mesmo semanas, acabarem por ser retiradas dos objectivos destruídos. A guerrilha volta. Apaga as cinzas. E grita vitória por ter obrigado o inimigo a retirar. Mesmo que as forças de guerrilha tenham que acabar por "apagar as cinzas" de uma centena de acampamentos no mato, se gritarem sempre "vitória" de um modo que as populações "vejam" essas vitórias, a nossa contabilidade assimétrica complica-se ainda mais.

Neste tipo de guerra, terá significado militar o quantificar a "vitória" em áreas ocupadas pelas força regulares? Como relacionar estas numa proporção relativa aos quilómetros quadrados em que a guerrilha se movimenta. Ocupação/Movimentação, mais uma das facetas de contabilização menos fácil. Como quantificar em termos estritamente militares, os efeitos psicológicos dos rebentamentos de minas anti-carro sob viaturas pejadas de soldados? Opondo-se-lhes o número de quilómetros de estradas alcatroadas, em que algumas das nossa colunas se deslocavam sem problemas de maior sob a segura protecção das vetustas Fox e Daimler?

A evolução do material de guerra fornecido á guerrilha pelos seus apoiantes, com a crescente aceleração em quantidade e qualidade, nos últimos anos da guerra, foi considerável. Seria suficiente, nos tais termos estritamente militares, para uma vitória frente ao exército convencional com evidentes carências na sua capacidade de renovação, adaptação e aquisição de material de guerra que lhe permitisse acompanhar a par e passo o evoluir da guerra de guerrilha para uma confrontação mais convencional?

Qual o significado real, neste debate, quanto ao facto de o inimigo possuir este, ou aquele tipo de foguetões anti-aéreos, ou anti-campos fortificados? Não se poderá negar que os nossos aviões ainda voavam dentro de certas limitações. Mas facto é que essas limitações não existiram durante um grande período da guerra, com todas as inerentes vantagens para as nossas tropas. Como contabilizar nos tais termos militares esta forçada diminuição de uma situação anterior....óptima? Quantos os aviões abatidos? Quais as nossas capacidades de substituicao? Quais os efeitos psicológicos para os pilotos que sabiam não dispor de contra medidas eficazes contra as armas contra eles utilizadas? Não haverá muito de subjectivo e portanto um pouco fora do campo de uma análise "estritamente militar", ao ser usado como exemplo o facto de utilizarmos os aviões de transporte Norte-Atlas, como plataformas de bombardeamento, lançando as bombas através da porta de carregamentos?

São muitas as dúvidas, as perguntas levantadas, as interpretações, os raciocínios subjectivos. Neste tipo de debate é fácil esquecer que o Mundo não parou no mês de Marco do ano de 74. Quais seriam as condições reais em Portugal sem a revolta militar de Abril? A tal guerra colonial..."a ser ganha"...ou não perdida, ....quantos anos mais?

Estocolmo, 3 Junho 2008

J.Belo
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Notas de vb:

1. A Guerra estava militarmente perdida. Era apenas uma questão de tempo. A artilharia do PAIGC ia até Mansoa, Farim, Bolama, Bissau...Os Strella, os pilotos do PAIGC, em formação, preparavam-se para levar os MIGs até Bissau.

A Guerra não estava perdida em termos estritamente militares. À medida que o PAIGC melhorava as máquinas da morte, o Governo Português avançava com os Red Eye e não estava afastada a ideia de novas investidas a Conakry.

A opinião internacional, as Nações Unidas, os aliados de Portugal cada vez menos aliados, a pressionarem o governo Português a aceitar uma negociação para o conflito.
A imperiosa necessidade de salvaguardar a jóia da República, Angola (onde a guerra estava limitada a acções de polícia).

A Família Portuguesa cada vez menos disposta a enviar os seus filhos, maridos e netos para uma guerra que achavam sem sentido. E o brio das Forças Armadas Portuguesas com os melhores soldados do mundo a garantirem que não seria nas bolanhas e nas matas que Portugal iria perder a guerra. ~

O número de refractários e desertores não parava de aumentar. Muitos deles na Suécia, França, Holanda, Bélgica... participavam em acções contra o colonialismo Português. E Tavira, Caldas, Mafra a abarrotarem de milicianos cada vez com menos vontade em lutar por um Império que lhes parecia dizer muito pouco...
Uma questão polémica, infindável.

2. vd. artigos relacionados em:

14 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2941: A guerra estava militarmente perdida? (17): E. Magalhães Ribeiro.

13 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago.

12 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2932: A guerra estava militarmente perdida? (15): Uma polémica que, por mim, se aproxima do fim (Beja Santos)

12 de Junho de 2008>
Guiné 63/74 - P2929: A guerra estava militarmente perdida? (14): Estávamos fartos da guerra e a moral nã era muito elevada. A. Graça de Abreu.

3 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2913: A guerra estava militarmente perdida? (13): Henrique Cerqueira.

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.

29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2899: A guerra estava militarmente perdida? (11): Correspondência entre Mexia Alves e Beja Santos.

28 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

[Por lapso, houve um salto na numeração, não existindo os postes nº 7 e 6 desta série ]

22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)