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sábado, 8 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23683: Companhias e outras subunidades sem representantes na Tabanca Grande (6): CART 240, mobilizada pelo GACA 2 (Bissau, Varela, Susana, Quinhámel, jul61 / out63)


Torres Novas > GACA 2 > Fevereiro de 1960 > Da esquerda para a direita: três aspirantes a oficiais milicianos [1- O nosso Jorge Picado; 2- Trancas de Carvalho (colega do ISA - Instituto Superior de Agronomia); 3-Almada Negreiros] e um alferes QP (, o quarto, no lado direito). (*)

Foto do álbum do Jorge Picado, que dez anos  depois seria mobilizado para o CTIG como cap mil (CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa,  CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72).

Foto (e legenda): © Jorge Picado  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Temos muito poucas referências ao GACA 2 (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves nº 2), em Torres Novas. E menos ainda à CART 240, que foi por ele mobilizada.  

Desta subunidade, não temos nem uma única imagem, nem sequer do brasão ou guião. Nem sabemos qual era a sua divisa... 

Não temos também nenhum representante, desta subunidade que foi reforçar o CTIG, em meados de 1961. 

No entanto, sabemos que os ex-militares da CART 240 se terão encontrado, em 15 de junho de 2010, em Torres Novas, no seu 14.º Convívio. O organizador era o António Pereira (contactos: 249 825 476 – 939 375 240). A notícia foi dada pelo blogue "Leste de Angola", em 17 de abril de 2010. E nós lemos a notícia, tardia, no Arquivo.pt.

No GACA 2, em fevereiro de 1960, por lá andou o nosso querido amigo e camarada, Jorge Picado, a dar recruta... (*)


Companhia de Artilharia n.º 240 

Identificação:  CArt 240

Unidade Mob: GACA 2 - Torres Novas
Cmdt: Cap Art Manuel Fernando Ribeiro da Silva | Cap Mil Inf António Gomes de Oliveira e Sousa

Divisa: 

Partida: Embarque em 30jul61; desembarque em 30jul61 | Regresso: Embarque em 19out63


Síntese da Actividade Operacional

Foi colocada em Bissau, onde manteve a sua sede durante toda a comissão, sendo integrada no dispositivo e manobra do BCaç 236, a fim de colaborar na segurança e defesa das instalações e das populações da área.

Em princípios de fev62, destacou um pelotão para guarnecer a povoação de Varela, em substituição da CCaç 74, o qual ficou integrado no dispositivo do BCaç 239.

Em finais de fev63, o pelotão foi transferido para Susana, recolhendo a Bissau no mês seguinte.

A companhia destacou ainda pelotões para Quinhámel, de princípios de agosto de 62 a meados de setembro de 62 e novamente a partir de abr63, e para Nhacra, a partir de meados de jul63.

De 1 a 27jun63, foi atribuída em reforço do BCaç 356, com vista à realização da operação "Seta", na região do Quínara, nas áreas de Iusse, Bissássema, Nova Sintra e Jabadá.

Em 180ut63, foi rendida pela CArt 564, a fim de efectuar o embarque de regresso. (**)

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002,. pág. 433
_________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12891: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (24): Um longo percurso que começou em Vendas Novas, passando por Cascais, Torres Novas, Queluz, Lisboa, acabando em Mafra (Jorge Picado)

(**) Último poste da série > 2 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23661: Companhias e outras subunidades sem representantes na Tabanca Grande (5): CCS / BCAÇ 697 (Fá Mandinga, 1964/66)

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23671: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte II: 1962, recruta em Bolama e instrução de especialidade no CICA / BAC, Bissau: o racismo primário do cmdt da CART 240


Guiné > Ilha de Bolama > Carta de Bolama (1952) > Escala 1/50 mil > Bolame, detalhe

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


1. Continuamos a reproduzido, aqui no blogue, alguns excertos do livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa Associação de Comandos, 2010, 229 pp.). O livro está esquecido, a edição está há muito esgotada, mas o Amadu Djaló continua na nossa memória e nos nossos corações.

É um documento autobiográfico, único, sem paralelo (entre os militares guineenses do recrutamento local) , indispensável para quem quiser conhecer a guerra e a Guiné dos anos de 1961/74, sob o olhar de um grande combatente luso-guineense, que teve de fugir da Guiné depois da independência e que em Portugal se sentiu tratado como um português de 2ª classe, cmo outros combatentes. e nomeadamente os que serviram no Batalhão de Comandos da Guiné.

Membro da Tabanca Grande,. tem mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue (onde foi sempre muito estimado e acarinhado em vida).

Em homenagem à memória do nosso camarada Amadu Djaló (nascido em Bafatá, em 1940 e falecido em Lisboa, no Hospital Militar, em 2015, com 74 anos), e com a devida vénia aos seus herdeiros, à Associação de Comandos (que oportunamente, ainda em vida do autor, editou o seu livro de memórias, entretanto há muito esgotado), e com um especial agradecimento ao Virgínio Briote que, na qualidade de "copydesk" (editor literário) e grande amigo do autor e coeditor jubilado do nosso blogue, nos facultou o "manuscrito" (em formato pdf), vamos reproduzir aqui mais umas páginas do seu livro. 

O Amadu Djaló relata aqui as suas peripécias como recruta no CIM de Bolama )Jan / março de 1962) e depois na instrução de especialidade no CICA / BAC em BIssau.





Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



Recruta no CIM de Bolama e instrução de especialidade no CICA / BAC, em Bissau (1962)

por Amadau Bailo Djaló (*)



Recruta em Bolama no primeiro trimestre de 1962


Embarquei na 3ª feira, dia 9 de janeiro de 1962, rumo a Bolama, onde cheguei cerca das 13h30.

Ao atracar, o cobrador do barco, reconhecendo que era recruta, disse-me:

– Olha, vem ali o capitão.

Já no cais, dirigi-me ao capitão e entreguei a guia de marcha.

– Por que é que só vens agora?

Como fiquei calado, voltou a fazer a mesma pergunta. Mantive-me calado, não tinha nada para dizer.

– Apresenta-te no quartel – ordenou.

Fiquei tão receoso que nem perguntei para onde ficava o quartel. Foi uma mulher, com um filho ao colo, que me disse para cortar à esquerda, que logo o veria. Aproximei-me do portão e cumprimentei a sentinela.

– O que queres?

Que vinha para a tropa, respondi.

Chamou o cabo da guarda, que me fez idêntica pergunta:

– Que queres?

Dei a mesma resposta, que vinha para a tropa.

– Entra!

Fui atrás, apontou-me um banco comprido e mandou-me aguardar. Estava a pensar na minha Bafatá e nos meus pais quando ouvi um toque de uma corneta e o reboliço enorme de duzentos e cinquenta recrutas a saírem das casernas.

Entretanto, chegou junto de mim um sargento, que mais tarde vim a saber que era o 1º sargento Perdigão, que me mandou acompanhá-lo a uma arrecadação, onde estavam centenas de fardas empilhadas. Mandou tirar um fardo e levá-lo para a caserna, para me fardar. O peso era tanto que fui ajudado por um cabo, o 1º cabo José Maria. Na caserna, enquanto me fardava, chorava lágrimas de desespero, de tristeza e de saudade dos meus pais. E também, por pensar que ia estar fora de casa três anos, que era o tempo de serviço militar obrigatório.

Acabei de me fardar e fui à procura de um pelotão onde houvesse gente de Bafatá. Só encontrei duas pessoas conhecidas, o Molo Baldé, meu conhecido desde a infância, e outro rapaz de Bafatá. Não me deixaram ficar nesse pelotão, encaminharam-me para outro, o 5º, que era comandado por um 1º sargento, já com uma certa idade. No dia seguinte, destinaram-me outro pelotão, comandado pelo alferes Mendes.

Não jantei na minha primeira noite no quartel. A comida não cheirava bem, não tinha boa apresentação, com muitas moscas em cima dos pratos. O meu colega do lado segredou-me:

– Tens que aguentar. É assim, pouco a pouco a gente habitua-se.

Não conseguia tragar aquela comida com a facilidade que via nos outros. Comia para não passar fome.

Vinte e seis dias depois, chegaram de Bissau o capitão Bispo e o sargento Cruz para nos fazerem exames psicotécnicos.nNo fim dos testes, o capitão e o sargento regressaram a Bissau, e passados alguns dias, soubemos os resultados.

Dos sessenta e tal recrutas tínhamos sido aprovados vinte e cinco. Recebemos as guias de marcha com destino a Bissau, para frequentar a escola de condução. Foi uma viagem agradável, chegámos à tarde e apresentámo-nos no CICA [2] / BAC.


Em Bissau, no CICA / BAC, em março de 1962, 
para tirar a especialidade de condutor auto rodas


Os acontecimentos passavam a correr. Ainda há pouco tempo andava pelo Senegal com o meu primo e agora, um ano depois, já tinha feito a recruta e preparava-me para tirar a especialidade de condutor auto. A instrução na escola de condução iniciou-se no dia seguinte.

Depois de iniciarmos, em março de 1962, as aulas de código e de condução, chegou a altura dos exames, que duraram dois meses, agosto e setembro.

No primeiro exame, a 20 de agosto, éramos três, eu e mais um fomos aprovados, o outro ficou inapto. Durante este período fomos prestando serviços de guarda ao Palácio, polícia, faxinas, reforços e capinagens.

Estes trabalhos não eram de carácter definitivo, mas estávamos a ver o tempo passar, sempre a fazermos estes serviços, enquanto os colegas da BAC, também da mesma escola, já estavam a exercer as funções de condutores.

Porque estes serviços se estavam a prolongar e não víamos forma de exercermos a nossa função, em princípios de novembro de 1962, falei com os meus colegas que estavam nesse dia de faxina ao refeitório, e combinámos falar com o capitão Simões, da 4ª repartição do Quartel General. Abordámo-lo e coloquei-lhe o assunto:

– Meu capitão, nós somos condutores da 1º incorporação de 1962. Já fizemos exames em agosto e setembro. Estamos em princípios de novembro e só estamos a fazer serviços de guarda ao palácio, guarda à porta de armas, reforços, faxinas e capinagens. Viemos pedir ao meu capitão para nos colocar nas respectivas companhias.

– Já acabaram a instrução e já fizeram exame?

– Acabámos os exames em 20 de Setembro – respondi..

Na nossa frente, o capitão telefonou para o CICA., a fim de falar com o capitão Bispo, comandante deste destacamento, que na altura, não se encontrava no gabinete, mas já que estava a ligação feita, falou com o 1º sargento Cruz, a quem perguntou:

– Os homens da 1ª incorporação ainda não fizeram os exames?

– Não, meu capitão, ainda não, respondeu o sargento.

– Mas estão aqui a dizer que já acabaram os exames!

O 1º sargento disse que ia procurar saber o que se passava e, momentos depois, connosco ainda no gabinete, voltou a ligar.

– Meu capitão, só falta fazerem a adaptação a viaturas pesadas.

– Bom, podem retirar-se, que eu amanhã vou mandar viaturas para o CICA para se adaptarem.

Retirámo-nos mais satisfeitos.

No dia seguinte, a promessa estava cumprida, foram recebidas três viaturas pesadas, para nos adaptarmos durante uma semana, e no fim estacionámo-las no parque, depois de lavadas e arranjadas.

Os serviços é que continuaram, não tinha havido nenhuma alteração, tudo continuou na mesma até aos princípios de dezembro.



Lisboa > Museu Militar > 15/4/2010 >
Amadu Bailo Djalo, feliz,
 no lançamento do seu livro.
Foto: Luís Graça (2010)
 
Preto é como tartaruga (ou o primário rascismo do comandante da CART 240)


Quando estávamos no CICA/BAC, como adidos, com o exame já feito e à espera de colocação, aconteceu um episódio que nunca mais esqueci.

Nessa altura, estávamos a fazer serviços, sem direito a folgas: sentinela à porta de armas, guarda ao Palácio do Governador-Geral, reforços, faxinas ao refeitório, plantão à caserna. Em cada semana alinhávamos quatros dias e folgávamos três. Mas, nestes dias de folga chamavam-nos para fazer capinagens. Este serviço não tinha escala, quando acabavam de fazer a chamada para os outros serviços, os que não tinham sido chamados iam para a capinagem.

Num dia em que fiquei de folga, o 1º sargento ordenou-nos que fossemos atrás dele. Dirigimo-nos para a arrecadação, levantámos as catanas e, então o 1º sargento deu ordem para irmos capinar á volta da messe de oficiais de Santa Luzia. Mas que, antes de irmos capinar, devíamos ir ter com um capitão da CART 240, que queria falar connosco. 
 [3]

Fomos levados pelo 1º sargento ao gabinete do capitão. Quando a porta do gabinete se abriu, o capitão perguntou se algum de nós percebia português. Alguém apontou para mim e eu passei para a frente dos meus colegas com a função de traduzir as palavras do capitão. Não fui com muita vontade, mas não me podia esquivar. O capitão disse-me para ouvir bem para depois transmitir tudo aos nossos colegas que não entendessem.

– Vocês vão capinar para a messe de oficiais. Mas é para capinar, não é para brincar, ouviram? Vou passar de jipe várias vezes no local. Se vir algum de vocês de pé, leva um castigo a sério, ouviram bem?

E continuou:

Eu vim de Angola e sei muito bem o que é o preto! Vocês sabem o que é o preto?

Com todos calados, o capitão continuou:

– O preto é como a tartaruga. Só quando lhe chegamos fogo ao cu, é que tira a cabeça! Ouviram bem? Perceberam tudo?

– Sim, senhor, meu capitão..

Despachou-nos e saímos logo a correr para o local indicado, sem ser preciso traduzir a conversa. Todos tinham percebido, ninguém abriu a boca até perto da messe. Só quando lá chegámos, um colega disse:

– Este capitão é mesmo mau! 

Depois desta frase do colega, cada um de nós deu um nome diferente ao capitão. Pela minha parte, ele era um diabo, não era um ser humano. Um homem com tanta cultura, oficial do Exército Português, não deveria tratar deste modo os subordinados.

A gente não levou esta história muito a mal. Era apenas um capitão com menos competência, com uma consciência fraca. Conhecíamos outros oficiais e sargentos, falávamos todos os dias com militares europeus, e nunca ouvi nenhum a utilizar esta linguagem para uma pessoa com cor de pele diferente.


Tropa é tropa, e tu  vais para Bedanda  


Há um mês e tal que tínhamos feito a adaptação às viaturas pesadas, ainda estacionadas no parque, e nós continuávamos no serviços de guarda ao Palácio, a fazer faxinas, capinagens, reforços e nunca mais víamos a nossa situação definida. Num dia em que estava de faxina ao refeitório, decidimos voltar ao capitão Simões e fomos à 4ª repartição.

– Meu capitão, desculpe, voltar a incomodá-lo novamente, mas a nossa situação está na mesma, continuámos a fazer guardas, reforços, faxinas e capinagens, condução é que não.

– Já acabaram a adaptação?

– Há um mês e tal que terminou, meu capitão!

O capitão voltou a pegar no telefone e ligou para o CICA, para falar com o agora major Bispo, mas não o encontrou no gabinete. Falou com o 1º sargento Cruz a quem perguntou:

– Os condutores ainda não acabaram a adaptação?

– Não, meu capitão, ainda não acabaram!

– Mas, como é isso? Estão aqui à minha frente cinco soldados e – interrompendo, virou-se para mim – que números são os vossos?

- Somos o 25[1]/A, 13/A, 11/A, 15/A e 18/A.

Tomados os números de cada um de nós, o capitão retomou a conversa com o 1º sargento, e deu-lhe os nossos números.

– Meu capitão, vou já contactar com os instrutores – respondeu o sargento.

Ficamos a aguardar no gabinete. O 1º sargento, momentos depois ligou para o capitão.

– É verdade, meu capitão, esses soldados já acabaram a instrução.

– Bom, então, mande-me o relatório com os nomes e respectivos números para eu os colocar – respondeu o capitão.

– Podem ir embora e, muito brevemente, vocês vão ser colocados nas respectivas companhias.

Ficámos com receio de alguma reacção contra nós, pelo facto de termos voltado a contactar o capitão Simões e lembrei-me de dizer aos colegas que, ao sairmos do QG, o fizéssemos a correr para o refeitório, para não sermos identificados por alguém que estivesse à porta a espiar-nos. O que veio a acontecer. Quando cheguei ao refeitório, logo à primeira ordem de chamada ouvi:

– Amadu, o nosso 1º sargento Cruz mandou-te chamar!

– Não posso sair, estou a trabalhar respondi.

Estávamos atrasados no serviço. Veio outro soldado a quem dei a mesma resposta, que estava a trabalhar, que não podia sair daqui, ainda não tínhamos posto as mesas, que estávamos a lavar mais de duzentos pratos, centenas de colheres, facas, garfos, copos.

Quando estávamos a pôr as mesas voltou outro soldado, para eu ir falar ao 1º sargento.

– É pá, estou a trabalhar, não posso sair daqui agora, ainda nem acabamos de pôr as mesas!

– Amadu, o nosso 1º sargento está ali à porta, à tua espera – replicou.

Olhei, os olhares encontraram-se e vi o 1º sargento fazer-me sinal. Não tive outro remédio, dirigi-me ao seu encontro.

– Vocês é que foram ao capitão Simões?

– Sim, meu 1º..

– Aonde é que queres ser colocado?

– Em qualquer lado, meu 1º!

– Parece que terás pedido colocação em Bafatá ou Gabu, ou não?

– Não é bem assim. O tenente Carrasquinha é que tinha pedido para eu ser lá colocado, mas para mim tanto faz.

– Entendi – replicou o 1º sargento, e  despediu-se.

Voltei para o refeitório, praticamente com a certeza de que não iria ser colocado em Gabu. O tenente Carrasquinha tinha escrito uma carta, de que eu próprio fui portador, ao tenente António Silva, seu cunhado, em que pedia que me arranjasse colocação no Gabu.

Dez dias depois, salvo erro, estava de plantão na guarita sul, pelas 15h00, quando chegou junto de mim, um soldado que me disse que me vinha substituir. A hora a que eu terminava o serviço era às 18, e a razão de me vir substituir era que ia haver a concentração de todos os adidos na parada da guarda, frente ao gabinete do 2º comandante da BAC.

Aí, o tenente Trindade comunicou-nos as novas colocações. Eu, como os outros nove condutores, fui colocado na 4ª Companhia de Caçadores, em Bedanda, no sul. Uma surpresa que não foi muito grande para mim.

Terminada a leitura do comunicado, feitas as colocações nas respectivas companhias e dada ordem para dispersar, dirigi-me ao QG para saber das razões de ter sido colocado em Bedanda, quando havia um pedido para eu ser colocado no Gabu-

– Amadu, onde vais ? – interrompeu-me, o 1º sargento Cruz.

Que me queria despedir dos colegas, foi a minha resposta.

– Não vais – interferiu o tenente Trindade.

– Porquê?

– Porque não vais! E para aqui, imediatamente – salientando bem com um gesto.

Obedeci e calei-me. Entretanto, o tenente foi-se aproximando de mim. Fiquei tão atarantado que até me esqueci de me pôr em sentido. Deu-me um soco, com força, na barriga, que me obrigou a dobrar. Um alferes, de nome Garcia, que estava ali, quando eu me estava a dirigir para a caserna, chamou-me e aconselhou-me a ir para Bedanda e, dois ou três meses depois, que requeresse a transferência para onde quisesse. E que não ligasse ao que aconteceu. Mas eu estava incomodado, fui-me sentar na parada, junto às árvores, num canto.

Ao longe vi o tnente Trindade dirigir-se a mim. Quando se aproximou levantei-me e pus-me em sentido. Então ele perguntou-me:

– Então já sabes para onde vais?

– Sim, meu tenente!

– Para onde?

– Para Bedanda, meu tenente!

– Pois, é tropa!

______

Notas do autor ou do editor ("copydesk")_

[1] Na recruta foi-me atribuído o nº 251. 25/A, i.e. 25 de Adidos.

[2] CICA (Centro de Instrução de Condução Auto). BAC (Bateria Artilharia de Campanha). 

[3] A CART 240 (Bissau, jul 61 / out 63) teve dois comandantes, o cap art Manuel Fernando Ribeiro da Silva (1932-2021) e o cap mil inf António Gomes de Oliveira e Sousa. O primeiro  fez três comissões de serviço no ultramar, a primeira na Guiné e as duas a seguir em Moçambique  (1966/68 e 1969/71). O Amadu Djaló pode estar, involuntariamemte, a cometer alguma injustiça ao referir-se ao "capitão da CART 240", sem mencionar o seu nome... 

Esta subunidade foi mobilizada pelo GACA 2. Mas havi autra companhia de artilharia, a CART 250: mobilizada pelo RAP2, esteve na Guiné, sempre em Bissau, entre agosto de 1961 e novembro de 1963. Teve 3 comandantes: cap art José Maria Eusébio Alves; cap inf Manuel Viegas de Sousa Lopes; e  cap mil art António Francisco do Vale... (Não sabemos se algum deles era de Angola, ou estivera antes em Angola.)

Em 1962, não há nemhuma CART a chegar à Guiné. E são apenas quatro as unidades e subunidades: BCAÇ 356 (Bissau, Cufar, Catió, jan 1962/jan 1964); EREC 385 (Bafatá, jul 1962 / juk 1964)... e duas companhais de infantaria: a  CCAÇ 273 (mobilizada pelo BII 17, tendo estado em Bissau, Catió, Cacine e Cabedé)  e a CCAÇ 274 (mobilizada pelo BII 18, esteve em Bissau e Fulacunda)...Comandantes: cap inf Jerónimo Roseiro Botelho Gaspar e cap inf Adérito Augusto Figueira, respetivamente.  (Nota de LG).

[Seleção / revisão / fixação de texto / subtítulos / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG. ]

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 22 de setemebro de 2022 > Guiné 61/74 - P23638: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte I: Não fomos todos criminosos de guerra: Deus e a História nos julgarão

Vd. também postes de:

19 de setemebro de 2022 > Guiné 61/74 - P23627: (In)citações (220): Homenageando os bravos do Batalhão de Comandos da Guiné (Raul Folques, em 15/4/2010, na sessão de lançamento do livro do Amadu Djaló, "Comando, Guineense, Português")

18 de setembro de 2022 > Guné 61/74 - P23625: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (12): A Op Ametista Real: o batalhão de comandos em Cumbamori, no Senegal, 19 de maio de 1973 (Amadu Bailo Djaló, alf graduado 'comando', 1940-2015)

14 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23615: Bedanda, região de Tombali, no início da guerra - Parte I: Testemunho de Amadu Djaló (1940-2015), relativo ao período de dezembro de 1962 a junho de 1963

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21250: Memórias cruzadas da Região do Cacheu: Plano (macabro) de assalto ao quartel de Varela, proposto por dois desertores das NT a Amílcar Cabral - Janeiro de 1963 (Jorge Araújo)


Foto 1> Guiné > Região de Cacheu > Varela > Praia de Varela, em Maio de 1968.  O quartel situava-se à direita.[Poste P18183 > Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-Alf Mil, CCS/BVAÇ 1933 (1967/69)], com a devida vénia. 

 


Foto 2  > Guiné > Região de Cacheu > Varela > Praia de Varela, Acesso à praia de Varela, em Maio de 1968 [P18183 > Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-Alf Mil, CCS/BVAÇ 1933 (1967/69)], com a devida vénia.

 

Foto 3 > Guiné > Região de Cacheu > Varela > Praia de Varela > Junho de 2011 > Vestígios do quartel de Varela (imagem retirada do Youtube [https://www.youtube.com/watch?v=ODFTcpeGwHQ] com o título: "Varela, Dégradation d'un site paradisiaque - Juin 2011 (Après la fête du 1º mai)" ["Varela, Degradação de um local paradisíaco - Junho de 2011 (após a festa do 1º de maio"), tradução do francês], com a devida vénia.





O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada, está atualmente nos Emiratos Árabes Unidos; tem mais  de 260 registos no nosso blogue.
 


MEMÓRIAS CRUZADAS

DA REGIÃO DO CACHEU ANTES DO INÍCIO DA GUERRA

O (CRUEL) PLANO DE ASSALTO AO QUARTEL DE VARELA, PROPOSTO POR DOIS DESERTORES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS

A AMÍLCAR CABRAL, EM JANEIRO DE 1963,

E QUE FELIZMENTE NÃO PASSOU DE UMA INTENÇÃO

 

 

1.   - INTRODUÇÃO


Sabemos todos que não existem sociedades sem história, o mesmo acontecendo com todas as «Guerras», onde a ciência militar produz as suas… "Histórias". Porém, convém referir que nos casos da nossa (continuada) investigação historiográfica, nem sempre é possível misturar "relato" e "explicação", mas tão só investir no aprofundamento do primeiro conceito, como condição de saber histórico do passado, tornando-o, assim, objecto da história através da sua reconstrução, na agregação «História e Memória».


Quanto ao "puzzle da memória da guerra colonial da Guiné", acredito que a sua História global continuará a escrever-se no plural, pela importância do papel que a memória colectiva desempenha. NÓS ("EU" e "TU"), todos observadores e actores nos diferentes "palcos da missão", constituímo-nos como um valioso espólio da história de década e meia, no mínimo, unindo e reforçando as fontes de informação privilegiada, num processo dinâmico "entre contrários", porque, como diz o povo, "na guerra não se combate sozinho".   


Por outro lado, o que não sei (nem ninguém poderá saber!) é "SE" os propósitos da "História" que está na origem desta narrativa, que hoje partilho no Fórum, tivessem sido concretizados com sucesso, "SE" o início da guerra colonial no CTIG, simbolicamente aceite com o ataque ao Aquartelamento de Tite, em 23 de Janeiro de 1963, 4.ª feira, onde efectivos do Batalhão de Caçadores 237 [BCAÇ 237] – [25Jul61-19Out63, do TCor Inf Carlos Barroso Hipólito] – se encontravam estacionados, teria sido o/a mesmo/a? Provavelmente não teria sido!


O que também sei (sabemos) é que na ciência historiográfica ou histórica o "SE" não existe.

No presente caso, o que faz parte da História são os registos documentais encontrados, uma vez mais nos arquivos de Amílcar Cabral existentes na CasaComum, Fundação Mário Soares, onde estão plasmadas crenças, atitudes, comportamentos, valores, mudanças e modos de vida…, como se prova no documento abaixo reproduzido.


Sabemos que antes do ataque ao Aquartelamento de Tite [23Jan63] haviam já ocorrido diversas actividades subversivas, as primeiras dois anos antes, por iniciativa de grupos armados sediados no Senegal, de que são exemplos as acções em S. Domingos, Susana e Varela.

 


Foto 4 > Guiné > Região de Cacheu > Varela >  Um dos edifícios existentes em Varela, propriedade do Banco Nacional Ultramarino, complexo vandalizado em 1961, por grupos de indivíduos oriundos do Senegal, e onde ficaram alojadas as primeiras forças militares portuguesas (um Gr Comb da CART 240). Foto do acervo documental do BNU (P18534), com a devida vénia.

 

Sobre estas actividades subversivas de Julho de 1961, sugiro a leitura do P18534 «Historiografia da presença portuguesa em África: imagens e relatórios dos actos de vandalismo praticados pelo MLG, na Praia de Varela, encontrados no acervo documental do Banco Nacional Ultramarino», trabalho elaborado pelo camarada Mário Beja Santos.


Na mesma perspectiva histórica segue o artigo de José Matos - O início da Guerra na Guiné (1961-1964) - publicado na «Revista Militar» n.º 2566, de Novembro de 2015.

 

 

Capa da Revista Militar – 2566 – Novembro de 2015

 


Mapa da região norte da Guiné (fronteira com o Senegal), assinalando-se as linhas de infiltração da guerrilha nos anos de 1961/1963 (fonte: op. cit), com a devida vénia.

 

Como fonte oficial, que naquele período era considerada confidencial, recupera-se parte do documento publicado no P15962 - "O que dizem os Perintreps: Violações da fronteira e assaltos no chão felupe, em Julho de 1961: S. Domingos (a 18, 21 e 24), Ingoré (a 21), Susana (a 24) e Varela (a 25)", da autoria de Nuno Rubim (Cmdt da CCAÇ 726 (Out64-Jul66) e CCAÇ 1424 (Jan66-Dez66) e, em segunda comissão, no Quartel-General (QG).






2.   - PLANO DE ASSALTO AO QUARTEL DE VARELA, ELABORADO EM DAKAR POR DOIS DESERTORES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS, E DIRIGIDO A AMÍLCAR CABRAL, EM 04 DE JANEIRO DE 1963


Os autores do "plano de assalto ao Quartel de Varela", elaborado em Dakar, em 04 de Janeiro de 1963, 6.ª feira, e dirigido a Amílcar Cabral (1924-1973) por intermédio de José Araújo (1933-1992), responsável do PAIGC do Bureau de Dakar, que felizmente não se concretizou, pertenciam às CART 240 e CART 250, respectivamente, António de Jesus Marques (1.º cabo enfermeiro) e António Augusto de Brito Lança (furriel mil de artilharia).


Uma vez que nos Arquivos do Exército nada consta, no que à "História" das duas Unidades diz respeito, pois essa prática não abrangeu o período inicial das "Campanhas", procedemos à elaboração de uma resenha histórica "a nível operacional" durante a sua presença no CTIG.


2.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG DA CART 240


Mobilizada pelo Grupo de Artilharia Contra Aeronaves 2 (GACA 2), de Torres Novas, para servir na província ultramarina da Guiné, embarcou em Lisboa, provavelmente por via aérea, em 30 de Julho de 1961, domingo, sob o comando do Capitão Art Manuel Fernando Ribeiro da Silva, tendo chegado a Bissau na mesma data.   


2.1.1 - SÍNTESE DA MOBILIDADE OPERACIONAL DA CART 240


A CART 240 foi colocada em Bissau, onde manteve a sua sede durante toda a comissão (30Jul61-19Out63), sendo integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 236 [21Jul61-19Out63, do TCor Inf José Alves Moreira], a fim de colaborar na segurança e defesa das instalações e das populações da área. 


Em princípios de Fev72, destacou um Gr Comb para guarnecer a povoação de Varela, em substituição da CCAÇ 74 [18Mar61-12Fev63, do Cap Inf Alcides José Sacramento Marques], o qual ficou integrado no dispositivo do BCAÇ 239 [06Jul61-24Jul63, do Maj Inf António Maria Filipe (1.º) e TCor Inf Hélio Augusto Esteves Felgas (2.º)]. Ao fim de um ano de permanência em Varela (finais de Fev63), este Gr Comb foi transferido para Susana, recolhendo a Bissau no mês seguinte.


A CART 240 destacou ainda Grs Comb para Quinhamel, de princípios de Ago62 a meados de Set62 e novamente a partir de Abr63, e para Nhacra, a partir de meados de Jul63. De 01 a 27Jun63, foi atribuída em reforço do BCAÇ 356 [23Jan62-17Jan64; do TCor Inf João Maria da Silva Delgado], com vista à realização da «Operação Seta», na região do Quinara-Fulacunda, nas áreas de Iusse, Bissássema, Nova Sintra e Jabadá.


Em 18Out63, foi rendida pela CART 564 [14Out63-27Out65; do Cap Mil Art Rodrigo Claro de Albuquerque Menezes de Vasconcelos (1.º) e Cap Art António Manuel Fevereiro Chambel (2.º)], a fim de efectuar o embarque de regresso (Ceca; p 433).


2.2 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG DA CART 250


Mobilizada pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 (RAP 2), em Vila Nova de Gaia, para servir na província ultramarina da Guiné, embarcou em Lisboa, no Cais da Rocha, em 10 de Agosto de 1961, 5.ª feira, sob o comando do Capitão Art José Maria Eusébio Alves, tendo desembarcado em Bissau na 4.ª feira seguinte, dia 16 de Agosto.

  

2.2.1 - SÍNTESE DA MOBILIDADE OPERACIONAL DA CART 250



A CART 250 foi colocada em Bissau, onde manteve a sua sede durante toda a comissão (16Ago61-06Nov63), sendo integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 236 [o mesmo da CART 240], em substituição da CCAÇ 52 [18Ago59-17Ago61; do Cap Inf Frederico Alfredo de Carvalho Ressano Garcia], a fim de assegurar a segurança e defesa das instalações e das populações da área.


Por períodos variáveis, a CART 250 cedeu pelotões para reforço de outros batalhões e intervenção em acções de nomadização e batida nas regiões de Mansodé/Mansabá, em Jul63, sob dependência do BCAÇ 507 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Hélio Augusto Esteves Felgas] e Xime, em Ago63, sob a dependência do BCAÇ 506 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Luís do Nascimento Matos].


Em 04Nov63, já na dependência do BCAÇ 600 [18Out63-20Ago65; do TCor Inf Manuel Maria Castel Branco Vieira], foi substituída no sector de Bissau pela CCAÇ 555 [03Nov63-28Out65; do Cap Inf António José Brites Leitão Rito], a fim de efectuar o embarque de regresso (Ceca; p 434).


2.3 - O PLANO DE ATAQUE AO QUARTEL DE VARELA – JAN1963


A ideia perversa e macabra que levou à elaboração do projecto (plano) de "ataque ao quartel de Varela" é atribuída a dois desertores do Exército Português, conforme referido anteriormente: o António de Jesus Marques, da CART 240, e o António de Brito Lança, da CART 250.

Essa prova pode ser conferida no documento que abaixo se reproduz.


Chegados ao CTIG no início do 2.º semestre de 1961, um Gr Comb da CART 240, onde estaria incluído o António de Jesus Marques [?], seguiu para Varela, com o objectivo de guarnecer essa povoação situada na região do Cacheu (Norte), enquanto o António de Brito Lança, da CART 250, permaneceu em Bissau, provavelmente em instalações situadas nos arredores do Aeroporto, em Bissalanca.


Em função de outras informações de que dispomos, mas que não se enquadram na presente narrativa, é de acreditar que destes dois militares, o primeiro a desertar para o Senegal tenha sido o António Lança, durante o Outono de 1962, e o António Marques, algumas semanas depois, mas ainda no decurso do mesmo ano. Portanto, antes do início do conflito armado.


Considerando que o António Marques estivera destacado em Varela, é de admitir (!?) que tenha sido ele o autor do croqui do "quartel a atacar" (o seu, em Varela). 


   

Esboço da planta do quartel de Varela em 1962/1963, atribuível ao desertor António de Jesus Marques, da CART 240

 


 

Fotos 5 e 6 (Varela, Junho de 2011) – Vestígios do quartel de Varela (imagem retirada do Youtube [https://www.youtube.com/watch?v=ODFTcpeGwHQ] com o título: "Varela, Dégradation d'un site paradisiaque - Juin 2011 (Après la fête du 1º mai)" [Varela, Degradação de um local paradisíaco - Junho de 2011 (após a festa do 1.º de maio), tradução do francês], com a devida vénia.

 


Quanto à descrição apresentada na proposta, não nos é possível identificar o seu autor (moral), na medida em que a carta foi dactilografada (em máquina portátil), acto realizado em Dakar, com data de 4/1/963, 6.ª feira, mas assinada por ambos.


 

Citação: (1963), "Plano de assalto ao quartel de Varela", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível http: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40296 (com a devida vénia)

Aqui vai um excerto do plano (!) dos desertores que conheciam os hábitos dos seus camaradas da guarnição de Varela: 

(...) "Como eles costumam fazer o café de véspera e guardá-lo dentro de um armário na cozinha, nós íamos lá uma noite e envenenávamos o café e a água que se encontram onde a figura indica.

"Depois de o fazermos. deixávamos um sentinela onde ele pudesse ver as sentinelas do quartel. Logo que o nosso sentinela visse cair o sentinela da porta principal, procurava prestar-lhe socorro e ir comunicar lá dentro para ver o ambiente. Logo que ele visse que poderíamos entrar, dar-nos-ia um sinal. Traríamos um soldado connosco e enterravamo-lo para eles virem a pensar que o que faltava teria sido o autor do sucedido. 

"O material la existente é:  cerca de trinta armas automáticas de marca  G-3; oito  pistolas metralhadoras de marca UZI: três  bazucas ou lança granadas-foguete;  três metralhadoras de marca Drise. Têm ainda munições suficientes para fazerem fogo durante vinte e quatro horas seguidas" (...) .


► Em suma:

1.    - Não estando explícitos, na carta/plano, os objectivos do "ataque ao Quartel de Varela", creio que da sua leitura se pode inferir que o alvo principal seria o "roubo de armas": 30 G-3; 8 pistolas UZI: 3 bazucas; 3 metralhadoras Drise e uma determinada quantidade de munições que "dariam para vinte e quatro horas de fogo".

 

2.    - Na prática, para que os autores deste plano pudessem ser bem-sucedidos, alguns dos seus antigos camaradas com quem fizeram a viagem até à Guiné, em Agosto de 1961, e com quem viveram e conviveram durante alguns meses, seriam envenenados... e um deles seria enterrado.

 

3.    - Felizmente que tal não aconteceu.

 

4.    - Caso contrário teria sido uma "cena" Brutal… Cruel… e… e… e…

► Fontes consultadas:

Ø  Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07061.032.004 Título: Plano de assalto ao quartel de Varela. Assunto: Plano de assalto ao quartel de Varela apresentado a Amílcar Cabral por dois elementos do Bureau de Dakar, António Brito Lança e António de Jesus Marques. Contém ainda uma apresentação destinada a acompanhar uma brochura com a declaração de Amílcar Cabral perante a IV Comissão da ONU. Data: Sexta, 4 de Janeiro de 1963. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.

 

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); pp 433-434.

 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço

Jorge Araújo.

23JUL2020