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quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21274: (Ex)citações (367): "O relógio da vida": uma prenda poética do Joaquim Pinto Carvalho e uma palavra de gratidão da aniversariante Alice Carneiro

 







1. O Joaquim Pinto Carvalho, advogado, natural do Cadaval, membro da Tabanca da Lourinhã, membro da Tabanca Grande desde 7/12/2013, ex-alf mil da CCAÇ 3398 (Buba) e da CCAÇ 6 (Bedanda), 1971/73, é também poeta de grande sensibuilidade. E costuma presentear os amigos e familiares com versinhos como este, que escreveu no aniversário natalácio da Alice Carneiro (*).

Seria uma pena este texto, uma pequena obra.prima,  não poder ser lido também pelos nossos leitores...Tem  um toque filosófico, e faz-nos lembrar o poeta António Aleixo, grande artesão da quadra popular. 

Com a devida vénia ao autor e com a autorização expressa da homeageada, aqui fica para apreciação dos amigos e camaradas da Guiné "O Relógio da Vida", do nosso camarada Joaquim Pinto Carvalho.





2. A nossa grã-tabanqueira Alice Carneiro pede-nos, entretanto,  para, aqui, publicamente agradecer, em seu nome,  as inúmeras mensagens de carinho, estima e amizade que recebeu, no dia do seu aniversário, não só da família, dos seus amigos e amigas, mas também  como dos camaradas da Guiné, alguns dos quais nem sequer conhece pessoalmente. Como o dia foi curto, só agora anda a ler a sua págna do Facebook, bem  como a página do Facebook da Tabanca Grande e ainda o nosso blogue, (*)

Quer agradecer em especial ao coeditor Carlos Vinhal pelo postalito de parabéns que nunca se esquece   publicar no nosso blogue, no dia 18 de agosto (**). E quer também os parabéns, atrasados, ao seu parceiro do dia, o António Melo Carvalho.

E  sente-se lisonjeada por ter recebido poemas como este, do amigo e vizinho Pinto Carvalho  (que ela  faz questão de partilhar, publicamente,  com malta da Tabanca Granda, om a devida vénia ao autor )  mas também  do José Teixeira, e naturalmente do seu próprio companheiro de uma vida e pai dos seus filhos (*). 

Em verso ou em prosa, em comentários emitidos  nas redes sociais,  ou em mensagens recebidos por email ou por telemóvel, foram belíssimas e tocantes as palavras que lhe dirigiram... A todos/as gostaria de poder responderm,. pessoalmente, se a tarefa não fosse hercúlea...

Deseja, isso, sim,  a todos/as  os/as que perderam um bocadinho do seu tempo para lhe dar os parabéns,  uma boa continuação deste verão do nosso descontamento mas onde continua a haver lugar para bonitas provas de amizade e apreço  como estas. Bem hajam! (***)

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(**) Vd. também18 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21264: Parabéns a você (1850): Coronel Inf Ref António Melo Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465 (Guiné, 1969/70) e Maria Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira

(***) Último poste da série > 9 de agosto de  2020 > Guiné 61/74 - P21239: (Ex)citações (366): Álcool e canábis na guerra colonial: o conteúdo e o "timing" do artigo da jornalista do "Público" não são "inocentes" quando desde o início do ano se fala do "estatuto do (antigo) combatente" (José Martins)

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19674: Tabanca Grande (476): João Fernando Congil Rosa, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2465 / BCAÇ 2861 (Có e Bissum Naga, 1969/70), nosso tertuliano 787

Via facebook Messenger, o nosso camarada e novo tertuliano João Fernando Congil Rosa, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2465 / BCAÇ 2861 ( e Bissum Naga, 1969/70), manifestou a sua vontade de aderir à nossa tertúlia.

Com muito gosto o recebemos à sombra do nosso poilão, onde ocupará o lugar n.º 787.

Lembramos que a CCAÇ 2465 foi comandada pelo Capitão de Infantaria António Melo de Carvalho, actualmente Coronel na situação de Reforma, também ele pertencendo à tertúlia deste Blogue.

O Coronel António Melo de Carvalho escreveu o livro "Paz e Guerra Memórias da Guiné", já aqui abordado numa recensão feita por Mário Beja Santos em 2016. 

Abril/Maio 1967 - Construção do quartel de Bissum-Naga. 
Foto e legenda: © Carlos Ricardo. 


Sobre a CCAÇ 2465:


Desembarcou em Bissau em 11 de Fevereiro de 1969. Seguiu imediatamente para Có, a fim de efectuar o treino operacional e integrar as forças empenhadas na protecção e segurança aos trabalhos da estrada Bula-Có, na zona de acção do seu Batalhão.

Em 16 de Maio de 1969 foi substituída na missão pela CCAÇ 2584 e seguiu para Bissum a fim de render a CCAV 1747, tendo assumido a responsabilidade daquele subsector em 4 de Junho de 1969.

Em 30 de Novembro de 1970 foi rendida pela CCAÇ 2781 e recolheu a Bissau.

Regressou à Metrópole em 7 de Dezembro de 1970.
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Nota do editor

Último poste da série de10 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19663: Tabanca Grande (475): Fernando José Estrela Soares, cor inf ref, membro da Tabanca da Linha, senta-se à sombra do nosso poilão, sob o lugar nº 786: foi comandante da açoriana CCAÇ 2445 (Cacine, Cameconde e Có, 1968/70)

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16572: Notas de leitura (887): “Paz e Guerra, Memórias da Guiné", pelo Coronel António Melo de Carvalho, edição de autor, 2015 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,

Logo pelo título se percebe para onde pendem os maiores afetos do autor: para a obra deixada em Bissum Naga, veem-se aquelas imagens e sente-se que houve um formidável espírito de corpo a refazer no quartel e a tornar a vida das populações daquela porção do Chão Manjaco muito mais digna.
Relato pessoal e coletivo, dá-se voz a um apreciável grupo de intervenientes na discreta saga em que estiveram envolvidos, patrulhando, reconstruindo e formando. Dir-me-ão que estamos a falar de pequenos trabalhos, não terá havido ali obra militar de tomo. Mas concordo com o que sobre eles escreveu o então Tenente-Coronel Polidoro Monteiro, falando do extraordinário relevo da sua ação junto das populações a quem foi dado muito apoio e assistência. Foi uma unidade de escol e é bom lembrarmos aqui o que de tão bom aconteceu em Bissum Naga.

Um abraço do
Mário


Paz e guerra, memórias da Guiné, por António Melo de Carvalho

Beja Santos

O Coronel António Melo de Carvalho foi Comandante da CCAÇ 2465, tendo cumprido a sua comissão entre 1969 e 1970, primeiro na proteção dos trabalhos de reconstrução e asfaltagem da estrada Bula-Có-Pelundo e depois, no destacamento de Bissum (Naga), cabendo-lhe nesta porção do Chão Manjaco enfrentar a guerrilha, recuperar elementos da população, tendo reconstruído e reordenado a tabanca de Bissum.
Em “Paz e Guerra, Memórias da Guiné", edição de autor, 2015, Melo de Carvalho conta como foi. [É nosso grã-tabanqueiro, nº 688, desde 26/5/2015].

Os trabalhos no troço de Có para Pelundo não eram um petisco. Um elemento da Companhia faz a descrição:  ´

“Os soldados dormiam em abrigos semienterrados. Uma lona servia de teto a esses abrigos. Os habituais colchões de espuma deram lugar, desde o primeiro dia, a colchões pneumáticos. A mala de cada soldado estava arrumada no chão junto ao dito colchão pneumático. A maioria delas, porém também brindou os soldados com uma surpresa. De mala só tinha a parte visível. O fundo tinha desaparecido. No projeto da instalação improvisada do pessoal não se contou com a voracidade das formigas da Guiné”.

Melo de Carvalho vive em meados de Abril uma experiência trágica. Andava na companhia do Alferes [Manuel Maria] Pires da CCAÇ 2312 a verificar a estrutura de segurança à capinação e obras da estrada quando, no corta mato, rebentou ali bem perto dele uma engenho explosivo:  

“Meio cambaleante, levantei-me, movimentei as pernas para me certificar de que ainda lá estavam. E então lembrei-me que não vinha só. Olho para trás à procura do Alferes Pires. Apesar da visão ainda meio turva, o quadro que se me deparava deixou-me atordoado. Na cratera da mina jazia uma figura de contornos imprecisos, imóvel e silenciosa, enrodilhada em poeira cinzenta. Era o Alferes Pires. Um dos pés tinha desaparecido. O que restava da perna, a seguir ao joelho, era uma banana meia descascada. A brancura da tíbia e perónio furava entre as massas musculares, toscamente arregaçadas em escuras tiras. Quase cobriam o joelho. Não se distinguiam olhos, nariz ou boca”.

O Alferes Pires cicia agonizante. Foi evacuado para Lisboa dois dias depois do rebentamento, aí expirou, a causa da morte teria sido uma pneumonia dupla. [Manuel Maria Pires, natural de Mirandela, é dado como morto em combnate em 18/4/1969]

Melo de Carvalho deriva por muitas memórias da sua preparação militar, procura interpretar o contexto político da guerra colonial e retoma à vida da CCAÇ 2465, aos meses de Có-Pelundo e depois apresenta-nos Bissum Naga, a Companhia estava integrada no setor do BCAÇ 2861, com sede em Bissorã.

“Em termos operacionais era como se fosse uma ilha, pois não tinha quaisquer ligações terrestres, quer com o comando do BCAÇ 286, quer com quaisquer outras unidades, devido ao domínio que o INE tinha sobre as áreas circundantes. O reabastecimento mensal era feito por lanchas dos fuzileiros, através do rio Cacheu". 

Enumeram-se patrulhamentos, operações, flagelações, estas muito mal sucedidas para as gentes de guerrilha: 

“De realçar que nunca aconteceu qualquer baixa na Companhia durante as flagelações ao aquartelamento. Não será de estranhar porque nunca conseguiram meter qualquer granada de morteiro dentro do perímetro do quartel. Aliás, foi esta a única arma utilizada em todas as flagelações”.

E depois ficamos a compreender como era o quartel de Bissum, um quadrado com cerca de 100 metros de lado, em que todas as instalações tinham cerca de dois terços de altura abaixo da quota da parada. Seguem-se diferentes depoimentos de intervenientes nas patrulhas, batidas e operações.

É tocante o episódio da evacuação de um militar altamente perturbado, o Mário, e depois o hoje General Nico descreve as peripécias de ter viajado num Dornier com um transviado da cabeça, sentindo-se ameaçado atirou o avião para cima e para baixo até chegar a Bissalanca para reduzir a fúria do Mário que porventura já estava esquizofrénico e que virá a ter um fim trágico.

Para além dos tiros, a relação desta Companhia com a população de Bissum Naga foi extraordinária, lê-se e veem-se as imagens, foi obra, a formação escolar da população, os apoios de toda a ordem, desde o apoio médico até ajudar um vitelo a nascer. Estão ali os dados fundamentais de uma vida quotidiana: a alimentação, a horta, o pão a saber a chouriço, a alfaiataria, as benfeitorias no quartel, o heliporto, a formação dos milícias do Pelotão de Milícias 284, tudo descrito com elevo discreto, até se chegar aos louvores e aos convívios. Aqui fica mais a história de uma Companhia que combateu e fomentou a paz e que ainda hoje tem orgulho em ter contribuído para construir um Bissum melhor.


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Nota do editor

Último poste da série de 6 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16566: Notas de leitura (886): Um"cheirinho" do livro do Paulo Salgado, "Guiné: crónicas de guerra e de amor", a ser lançado 5ª feira, dia 20, na A25A, em Lisboa

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P14996: Bibliografia de uma guerra (77): Do meu livro "Paz e Guerra - Memórias da Guiné", excerto para Luís Graça & Camaradas da Guiné (2) (António Melo Carvalho, Coronel Inf Ref)

1. Mensagem do nosso camarada António Melo de Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 ( e Bissum-Naga, 1969/70), actualmente Coronel Inf na situação de Reforma, com data de 16 de Junho de 2015:

Caro camarada,
Na sequência da colaboração prometida, junto envio mais um excerto do livro que publiquei recentemente sobre a Guiné.

Um abraço
António Melo de Carvalho


Do livro Paz e Guerra - Memórias da Guiné

Excerto para Luís Graça & Camaradas da Guiné* (2)

António Melo de Carvalho

[ … ]
Na reacção às flagelações do IN, foi o 2.º GComb que mais se destacou. Por vezes em circunstâncias muito críticas, bem vivas ainda nas nossas memórias. Mais de quarenta anos depois, em Braga. O corpo do Peixoto, durante a comissão um dos melhores cabos do 2.º GComb, comandante de uma das Equipas da Secção do Fur. Barata, tinha acabado de descer à terra. Cumpriu-se nesse dia o pressentimento que me transmitiu pessoalmente, à despedida no final do último encontro anual em Mira, em 2010. Foi dos que nunca faltou a esses encontros.
- "Meu capitão, é a última vez…"  E acertou.
O recatado luto pelo nosso companheiro de guerra prolongou-se ao sabor de uma bica, num dos cafés na proximidade do cemitério. Partilhámos vivências várias. Umas ainda frescas e em primeira mão, outras repetidas, algumas já sumidas nos recônditos do consciente.

“…aquela em que o Barata saiu de calções e botas calçadas à pressa. Os primeiros cinquenta metros foram rápidos, mas depois tivemos que amochar, porque o fogo IN era muito intenso. Enquanto aguardava a cobertura do fogo de apoio ao nosso avanço, perpassou-me pela mente um “flash” de imagens dos contrastes da vida…”, dizia-me então o Magalhães, antigo comandante do 2.º GComb, “…uns mais pertinentes que outros. Pelos meus dez anos, a minha mãe fez-me a promessa de um bom chocolate se me portasse bem durante a próxima visita de uma pessoa amiga. Foi no início da década de 1950.

As reuniões familiares eram frequentes. Algumas vezes em casa dos meus pais, em Vilarinho das Paranheiras, concelho de Chaves, e noutras ocasiões em Casas Novas, freguesia de Redondelo, também do concelho de Chaves. Pois essa pessoa era agora o chefe máximo dos homens que estavam naquele momento a fazer-nos mergulhar pela terra dentro, em busca de protecção contra o intenso tiroteio das suas armas ligeiras, pensava eu. A chicotada ainda nos feria e irritava os ouvidos, apesar dos milhares que já nos tinham passado por cima. Por sorte os regos da mancarra foram abertos paralelamente à frente Sul do aquartelamento, de onde vinha o fogo mais intenso…”.

A direcção desses valados tinha a ver com o declive do terreno. Apesar de ser muito suave, o agricultor balanta sabia que tinha de preservar a terra da erosão das águas lançadas em torrentes na época das chuvas. O saber acumulado de gerações dizia para não se afastarem muito da configuração que nós na escola designamos por curvas de nível. Quando foi planeada a implantação do quartel, não se terá chegado a este detalhe, tão importante naquele momento de reacção ao ataque. E então os regos pareciam ter sido feitos mesmo à medida, tanto em profundidade, como em largura. As abundantes chuvas daquela terra assim o exigiam. Se o declive não se aproximasse do zero, as pesadas chuvas tropicais fariam desaparecer a terra em poucos anos. Abençoado clima tropical que tanta água despejava no solo em tão pouco tempo, pensaria o Alf. Magalhães [foto actual à direita], enquanto sentia no corpo os salpicos da terra projectada pelo impacto dos tiros do IN.

“…Só nos terão detectado depois de termos progredido pelo menos duzentos metros. Por certo não esperavam este tipo de reacção. O agora líder do PAIGC, matutava eu, aquando dos meus dez anos, era o namorado da minha prima Maria Helena. As nossas mães eram irmãs. A família tinha uma grande consideração por ele e tinham medo que não me portasse à altura. Mas quando o encarei, não resisti ao medo que o seu rosto me infundiu. Fugi apavorado. Nunca tinha estado tão perto de um africano. Ainda para mais com um tom de pele tão escuro. Lá me conseguiram acalmar. Apesar de o não merecer, deram-me a oportunidade de saborear o meu doce preferido. A pouco e pouco, o contacto com esse senhor acabou por se intensificar. Por incrível que pareça, com o passar do tempo, comecei até a apreciar as visitas do namorado da minha prima, integrando-me assim no ambiente de grande simpatia e cordialidade com que o engº Amílcar Cabral era recebido por toda a família. Acabei por me tornar no seu principal fã. E a guerra não apagou esses laços com a família. Há registos que o comprovam. Nos princípios de Fevereiro de 1970, estava então a meio da comissão na Guiné, meu pai recebeu uma carta de condolências de Amílcar Cabral, com o carimbo dos correios de Paris e sem remetente, pouco depois da morte da minha mãe. Era tia e madrinha da mulher de Amílcar Cabral. Tenho pena de não ter comigo essa carta, hoje nas mãos de uma pessoa de família, porque ainda não se apagou da minha memória a confiança e admiração que aquela figura inspirava”.
[ … ]
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Nota do editor

(*) Poste anterior de 29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14808: Bibliografia de uma guerra (73): Do meu livro "Paz e Guerra - Memórias da Guiné", excerto para Luís Graça & Camaradas da Guiné (1) (António Melo Carvalho, Coronel Inf Ref)

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14808: Bibliografia de uma guerra (73): Do meu livro "Paz e Guerra - Memórias da Guiné", excerto para Luís Graça & Camaradas da Guiné (1) (António Melo Carvalho, Coronel Inf Ref)

1. Mensagem do nosso camarada António Melo de Carvalho(1), ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 ( e Bissum-Naga, 1969/70), actualmente Coronel Inf na situação de Reforma, com data de 16 de Junho de 2015:

Caro camarada,
Na sequência da colaboração prometida, junto envio um primeiro excerto do livro(2) que publiquei recentemente sobre a Guiné.

Um abraço
Melo de Carvalho


Do livro Paz e Guerra - Memórias da Guiné

Excerto para Luís Graça & Camaradas da Guiné (1)

António Melo de Carvalho

Agora, a mata era menos cerrada. Permitia um campo de observação e tiro razoáveis, fora de hipótese há umas centenas de metros atrás. Era assim possível colocar sistematicamente a segurança imediata à frente da área que estava a ser capinada.
Desde que há uns dias tínhamos ajustado o dispositivo de segurança às novas condições da vegetação, andava com o pressentimento de que algo de novo poderia vir a acontecer, por parte do PAIGC.
A aparente falta de iniciativa dos guerrilheiros perante a nossa estrutura, não estava a condizer com a sua habitual e quase diária agressividade. À distância de mais de quatro décadas, penso que andaríamos a ser observados, com o objectivo de identificarem as nossas novas rotinas.
Todas as manhãs, como responsável pela segurança, definia com os comandantes de pelotão, os respectivos sectores a ocupar, antes do início dos trabalhos. Para isso percorria com eles, a corta mato, a frente onde cada um se instalaria.
Tinha então que palmilhar umas centenas de metros na área que iria ser capinada e na que o fora no dia ou dias anteriores. Nestas caminhadas de preparação do dispositivo, tínhamos que nos desviar dos destroços mais volumosos das árvores e arbustos cortados, e do emaranhado da arborização que ainda aguardava os golpes certeiros das catanas desse dia.

Naquela manhã de 13 de Abril de 1969, procedia aos últimos retoques na estrutura de segurança à capinação e obras da estrada, com o alferes Pires da CCaç. 2312.
O Pires era na ocasião, na ausência do seu capitão, o substituto do comandante de companhia, como oficial mais antigo. Olhos bem abertos, como sempre, em particular com a máxima atenção aos pontos onde colocávamos os pés. O Pires atrás de mim a seguir as minhas pegadas, sempre que possível. Tinha de ser garantida a ligação entre os grupos instalados. Cada grupo não podia ter dúvidas sobre o posicionamento do grupo à direita e à esquerda, e conhecer bem os respectivos sectores de tiro. Percorríamos naquele momento a corta mato, era a regra sagrada a cumprir, a área que delimitava o fim da capinação do dia anterior, da que ia ser iniciada nesse dia.
Súbito como um raio, trovão violentíssimo, saído das entranhas da terra. Ficamos esmagados e sem respiração. Só a poeira, a envolver-nos por completo, ainda em movimento, perturbava o silêncio absoluto que se seguiu.
Numa fracção de segundo a consciência desperta.
Tinha sido um tremendo rebentamento mesmo por debaixo dos nossos pés. Senti-me projectado em frente e a cair de bruços. A visão reduzida a zero com a enorme e espessa nuvem de poeira à nossa volta. Respiração sufocada pelo pó e cheiro acre dos gases da deflagração.

Apesar de meio cambaleante, levantei-me de imediato. Por instinto, movimentei as pernas para me certificar de que ainda lá estavam. Elas e os pés. Felizmente vi-as a mexer, obedecendo à minha vontade. E então lembrei-me que não vinha só. Olho para trás, à procura do Alf. Pires. Apesar da visão ainda meia turva, o quadro que se me deparava deixou-me atordoado. Na cratera da mina que esperava por nós, no intervalo da minha passada, deduzi depois, jazia uma figura de contornos imprecisos, imóvel e silenciosa, enrodilhada em poeira cinzenta. Se alguém mais nos estivesse a acompanhar naquele momento, ser-me-ia totalmente impossível identificar a quem pertencia aquele corpo. Mas estávamos só nós dois. Era o Alf. Pires. Um dos pés tinha desaparecido. O que restava da perna, a seguir ao joelho, era uma banana meia descascada. A brancura da tíbia e perónio furava entre as massas musculares, toscamente arregaçadas em escuras tiras, quais tentáculos de cefalópode depois de dominado pelo pescador. Quase cobriam o joelho. Por detrás de uma máscara de terra e pó tentava-se adivinhar um rosto. Não se distinguiam olhos, nariz ou boca. A farda, um farrapo esburacado. À primeira vista, não aparentava encobrir mais ferimentos graves. Por estranho que pareça, e para mim foi, não se via sangue naqueles instantes. Nem na perna nem no rosto, nem em qualquer outra parte do corpo. Estaria vivo, estaria já morto? Fiquei na dúvida, naquele momento. Enquanto há vida há esperança, pensaria eu. De facto havia. Um quase sopro de vida diz-me que o Pires ainda cá estava. E uma tentativa de sílabas. Quase uma palavra. E mais outra. Um fio de voz muito baixa e resignada. Daquela vida que pressenti em fase terminal, começava-se agora a perceber um ténue lamento,
Meu capitão vou morrer …, meu capitão vou morrer …,
Era o murmúrio sereno que lhe saía da boca.
[...]
Mas aqueles vinte e dois anos que, por ironia do destino, se completavam naquele dia 13 de Abril de 1969, não acabaram ali.
[...]
Assalta-me agora o consciente, a mais de quarenta anos de distância daquela manhã, a conversa recente com uma irmã do Pires. Vive em Lisboa. Foi localizada graças à internet e ao meu amigo Magalhães, antigo comandante do 2º GComb. Com ela tive oportunidade de conhecer algo mais do Pires do que os contactos esporádicos durante cerca de dois meses permitiram, no início da nossa comissão na Guiné. Cego das duas vistas, sem testículos, sem uma perna, foi evacuado do Hospital Militar de Bissau para o Hospital Militar da Estrela, em Lisboa, dois dias depois do rebentamento, por sinal no mesmo voo em que regressava a Lisboa o então Presidente do Conselho de Ministros, Professor Marcelo Caetano, após uma visita à Guiné. Ainda falou durante a primeira metade da viagem. Depois calou a boca para sempre.
Era o mais novo de quatro irmãos. Ficaram sem mãe quando o Pires tinha dois anos. Foi a irmã, Margarida Pires, que a partir daí passou a ser sua mãe. Enquanto falava comigo, os olhos fugiam-lhe com frequência para a fotografia em ponto grande, do irmão fardado de uniforme nº1. Enchia o “hall” de entrada da casa, em Lisboa. “O ingénuo entusiasmo com que o meu irmão foi para aquela guerra!…”, lembrava ela. Era todo força e desenvoltura física. Tinha feito o curso de rangers em Lamego. Passado o primeiro ano de comissão na Guiné, veio de férias. O irmão que tinha partido para a guerra não voltou. No final desses dias de descontracção, se pudesse não regressaria. Nunca o disse explicitamente. O rosto e os prolongados silêncios, não deixavam margem para dúvidas sobre o seu estado de espírito, recordava a irmã.
[...]
Em meados de Maio de 1969, chegou-nos a notícia do fim do Alferes Pires no Hospital Militar de Lisboa. Segundo o relatório médico, a causa imediata da morte teria sido uma pneumonia dupla.
[...]
Após este contacto directo com a crueza da guerra, durante muito tempo na minha cabeça:
-Porquê ele e não eu?
Até esse dia 13 de Abril de 1969, uns tiros de arma ligeira e uma ou outra roquetada ou morteirada, sem consequências graves. Agora era o contacto com a morte iminente. Na ocasião, recebi este acontecimento como um cartão de visita das mãos do PAIGC, dando-me as boas vindas àquele palco. As rotinas estavam identificadas. Hoje tenho a certeza que o alvo da mina não era o Pires.
Foi a primeira e uma das principais situações, em que a estrela da sorte me acompanhou naquela guerra.

Afinal também havia minas fora dos trilhos!
[...]
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Notas do editor

(1) - Vd. poste de 26 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14665: Tabanca Grande (464): António Melo de Carvalho, Coronel Inf na situação de Reforma, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 (Có e Bissum-Naga, 1969/70), Grã-Tabanqueiro 688

(2) - Paz e Guerra - Memórias da Guiné, por António Melo de Carvalho (http://www.memoriasdaguine.com)

Último poste da série de 30 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14548: Bibliografia de uma guerra (72): Do meu livro “O Corredor da Morte”, rebentamento de uma mina PMD 6 (Mário Vitorino Gaspar)

terça-feira, 26 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14665: Tabanca Grande (464): António Melo de Carvalho, Coronel Inf na situação de Reforma, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 (Có e Bissum-Naga, 1969/70), Grã-Tabanqueiro 688

1. Mensagem do nosso camarada e novo amigo tertuliano, António Melo de Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 ( e Bissum-Naga, 1969/70), actualmente Coronel Inf na situação de Reforma, com data de 21 de Maio de 2015:

Caros camaradas,
Sou um leitor assíduo do vosso blogue.
Julgo que chegou a hora de me juntar à vossa Tabanca Grande, que afinal também tem vindo a ser minha desde há anos.

- Nasci em Barcouço, em 18-8-1940.
- Frequentei o ensino primário em Barcouço e o liceal em Coimbra.
- Entrei para a Academia Militar em 1960.
- Sou coronel na situação de reforma.
- Cumpri 2 comissões no Ultramar. Uma na Guiné, em 1969/70, como comandante da Companhia de Caçadores 2465. Pertencia ao Batalhão de Caçadores 2861.
- Outra comissão em Moçambique, de Out 1973 a Abril 1975, no Serviço de Reconhecimento das Transmissões.
- A última unidade que comandei foi o Batalhão Infantaria Mecanizado, da Brigada Mista Independente (Santa Margarida).
- Depois de passar à situação de reforma, a meu pedido, desempenhei várias funções na empresa MCG durante 13 anos, no Carregado. A última foi a de Director Administrativo e Financeiro.

E agora digo mais duas palavras sobre a comissão da Guiné.
Estivemos em Có durante três meses, integrados na segurança à construção da nova estrada Bula - Teixeira Pinto. Depois, até final da comissão, a CCaç 2465 ficou como responsável pelo sector de Bissum – Naga. Era a área mais problemática do Batalhão, que tinha o comando em Bissorã.
A actividade operacional em Có e de modo particular em Bissum, até final do ano de 1969, foi muito dura.
Em 1970 diminuiu de intensidade. Então, o acento tónico da nossa actividade ficou inscrito em acções de paz, bem vivas ainda hoje na memória daqueles que então ainda continuavam a fazer a guerra. O apoio dado à população de Bissum, na formação escolar das crianças, no campo sanitário, habitacional e outros, a valorização escolar e profissional dos soldados da CCaç 2465, teimam em não deixar de afirmar-se, nas recordações desses dois anos, como o mais gratificante que fizemos na Guiné.
Apesar de largas dezenas de contactos com os guerrilheiros do PAIGC, regressámos todos.

Com um abraço
Melo de Carvalho

Vista aérea de Bula
Foto: © Carlos Ricardo.

 Estrada Bula-Có-Pelundo-Teixeira Pinto - Vd. Carta da Província da Guiné 1:500.000

Abril/Maio 1967 - Construção do quartel de Bissum-Naga. Como se pode ver, estas construções davam-nos cá uma qualidade de vida...
Foto e legenda: © Carlos Ricardo. 


2. Comentário do editor:

Caro camarada Melo Carvalho, bem-vindo à nossa caserna virtual de ex-combatentes da Guiné.
Uma vez que nos segues atentamente, não estranharás o nosso tratamento menos informal, por tu, que é uso na nossa tertúlia, independentemente da nossa idade, dos nossos postos antigos e/ou actuais, formação académica, profissão e outras circunstâncias que "lá fora" podem fazer diferença mas que entre camaradas são irrelevantes.

Saberás que este blogue é um repositório de memórias escritas e fotográficas dos momentos mais ou menos marcantes dos combatentes da Guiné. São relatos escritos na primeira pessoa e fotos, elas próprias também falantes.
No teu caso, poderás, se assim o entenderes, deixar um ou outro apontamento da tua passagem por Moçambique, esta última vivida nos tempos conturbados da passagem do testemunho da soberania nacional para aquele novo país independente e soberano.
Claro que o que mais nos interessa são apontamentos da História da CCAÇ 2465, da qual, além de ti, só temos na tertúlia o ex-Alf Mil Aníbal Magalhães que em tempos nos disse:

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A nossa estadia na Guiné, no ambiente de guerra, foi difícil como deve calcular. Mas havia uma grande união entre todos, nos bons como nos maus momentos. 
É de realçar que fomos comandados superiormente pelo Capitão António Melo Carvalho a quem tudo devemos. Mas, como o Luís tem dito, todos temos uma história para contar. 
A minha (história) começou no início da década 1950, quando conheci Amílcar Cabral. Conheci como? Pois Maria Helena, primeira mulher de Amílcar era minha prima. As nossas mães eram irmãs. As reuniões familiares eram frequentes e algumas vezes em casa dos meus Pais. 
Tenho de Amílcar Cabral grandes recordações,uma grande simpatia, uma grande amizade. Toda a família o respeitava. Eu pessoalmente fiquei impressionado com aquela figura que apresentava uma grande confiança. 
Esta história como deve calcular teve muitos episódios sobretudo quando fui mobilizado para a Guiné. Estive na Guiné sem complexos e como afirmou Amílcar, a sua luta não era contra o povo português. A morte de Amílcar deixou-me triste, perdi um amigo e sua morte nada resolveu. 
[...]

Militam também na tertúlia: da CCS/BCAÇ 2861, o ex-Fur Mil Enf Armando Pires; da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861: o ex-Fur Mil António Nobre, o ex-Sold Apont AP Alexandre Cardoso e o ex-Sold Radiotelegrafista (DFA) José Maria Claro.

Se ainda não leste e quiseres aceder às suas memórias, clica nos nomes na cor laranja.

Os editores ficam ao teu dispor para esclarecer qualquer dúvida que tenhas e desejam que te sintas bem entre nós porque é com o maior prazer que te recebemos. Poderás conhecer alguns de nós no nosso próximo Encontro de 2016, muito provavelmente a levar a efeito no dia 16 de Abril em Monte Real.

Aqui fica um abraço em nome da tertúlia e dos editores
Carlos Vinhal
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 Nota do editor

Último poste da série de 5 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14568: Tabanca Grande (463): Joviano Teixeira, grã-tabanqueiro nº 687... É natural de Tavira, e pertenceu à CCAÇ 4142 (Gampará, 1972/74)