Mostrar mensagens com a etiqueta Brasil. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Brasil. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25727: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (2): "Quando tinha seis anos metera-se-lhe na cabeça que queria ser padre"



Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) 
(Lisboa, Chiado Editora, 2015, 582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, 
Colecção: Bíos, Género: Biografia).



Dedicatória autografada: "Para o Luís Graça, com muita amizade. 
A.Marques Lopes, 17.09.15"



Beja  > Penedo Gordo > 30 de setembro de 1951 > O A. Marques Lopes, 
aos sete anos, com a mãe e um "canito" ao colo.


"Lembranças de Julho de 1995. Eduardo, era o meu pai, avô do Francisco, morreu há 26 anos: Hélder António, meu sobrinho, filho do Fernando Vale, morreu há dois meses; Fernando Vale, meu cunhado, morreu há 13 anos. Francisco, meu filho, está vivinho da costa com 29 anos." (A. Marques Lopes, página do Facebook, 24 de dezembro e 2023, 18:57)

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2023). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


"O MEU HISTORIAL", por A. Marques Lopes (Lisboa, 1944-Matosinhos,2024)

(i) 1944-1951 – Nascido em Lisboa, na Mouraria, acabou por ir viver no Alentejo, até aos 7 anos (Penedo Gordo, arredores de Beja), por razões de saúde da mãe;

(ii) 1951/1955  – Instrução Primária nas Oficinas de S. José, em Lisboa;

(iii) 1955/1964  – Seminário;

(iv) 1964/1965 – Trabalha nos Armazéns da AGPL (Administração Geral do Porto de Lisboa) e frequenta a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;

(v) janeiro 1966/julho 1966 - COM (Curso de Oficiais Milicianos) na EPI (Escola Prática de Infantaria) em Mafra, onde tiru a especialidade de atirador de infantaria ( o seueu instrutor foi o tenente Chung Su-Sing);

(vi) julho 1966 /  dezembro 1966 – Aspirante no RI1 (Regimento de Infantaria nº 1) na Amadora;

(vii) dezembro 1966 / abril 1967 –  Instrutor de um pelotão da CART 1690 (Companhia de Artilharia nº 1690) em Torres Novas e Oeiras, unidade mobilizada para o Ultramar;

(viii) 15abril1967  – Chegada à Guiné como alferes da CART1690; a companhia foi colocada, logo no dia seguinte, na zona do Oio (Geba, Banjara, Cantacunda e Camamudo);

(ix) agosto 1967 – Ferido por uma mina AC/: nesse período tinha participado, como comandante de um Grupo de Combate, em oito operações: numa delas (24 de junho de 1967) foi dado como “desaparecido em combate”;

(x) setembro1967– Evacuado para o HMP (Hospital Militar Principal), de Lisboa por ferimentos em combate;

(xi) maio1968 – Reenviado para a Guiné e colocado na CCAÇ 3 (Companhia de Caçadores nº 3, de naturais da Guiné) em Barro, a 3 kms. do Senegal; participou em 36 operações como comandante de um Grupo de Combate;

(xii) março 1969  – Regresso à Metrópole e passagem à disponibilidade; depois disso e até ao 25 de Abril teve participação em acções contra o regime e a guerra colonial;

(xiii) reingresso no Exército por disposições estabelecidas após o 25 de Abril (Decreto-lei 43/76 do Conselho da Revolução); passagem à Reforma Extraordinária como Coronel em 2000;

(xiv) Membro da Direcção da Delegação do Norte da Associação 25 de Abril.

Fonte: Adapt. de A. Marques Lopes (página do Facebook, 2 de abril de 2024, 17:15)

  

O melhor de... A. Marques Lopes (1944 - 2024) (2) > 

Quando tinha seis anos metera-se-lhe na cabeça 
que queria ser padre


O pai e a mãe, bem como os seus avós, bisavós e trisavós nasceram todos no Alentejo, no Baixo, e talvez os de antes também, mas isso não sabia ao certo. Já falara sobre isso, sobre as raízes e a árvore genealógica da família, mas o pai riu-se dizendo-lhe que essa árvore era um chaparro com raízes fundas, como há muitos nos montados. 

Lembravam-se dos seus antepassados diretos mais chegados mas não conseguiam ir muito longe. A mãe foi ceifeira que andava à calma , lembrava-se bem desta canção, e o pai foi tratorista nos campos dos latifundiários, rasgando-os com aivecas . Pensa que foi por isso que lhe acrescentaram a alcunha Aiveca ao nome próprio, sendo conhecido lá na terra como Eduardo Aiveca. 

Mas a vida era má, contaram-lhe da miséria e da fome passada, razão por que tinham vindo para Lisboa na tentativa de encontrar melhor. Foi por isso que nascera na maternidade Magalhães Coutinho, ali para os lados da Estefânia. O pai quis pôr-lhe o nome de António Aiveca mas o registo civil do Socorro não deixou acrescentar Aiveca,  pois não era o apelido que ele tinha no bilhete de identidade. Mas a família sempre o tratou assim e assumiu esse nome toda a vida. 

Até porque, após o nascimento, só passara um anito na Rua da Mouraria. A mãe adoeceu dos pulmões e o médico disse-lhe para ir apanhar ares para o campo, lá para baixo. Fora com ela, ainda bebé, e ali ficou sete anos. Lá na terra sempre foi tratado por António Aiveca, o filho do Eduardo Aiveca. Não desgostava do nome.

Quando tinha seis anos metera-se-lhe na cabeça que queria ser padre. Não havia pároco a residir no Penedo Gordo, devido à extrema miséria dos assalariados rurais que constituíam a grande maioria da população da aldeia e porque a maior parte deles não ligava grande coisa às questões da religião. Só aos domingos é que o seminário de Beja mandava um padre para que os crentes pudessem cumprir os seus deveres dominicais. 

Nessa altura ia à igreja com a avó Rosário. Os avôs Salustiano e João, materno e paterno, não ligavam, nem os tios, a mãe não ia porque estava doente, dizia ela, mas sempre lhe pareceu a ele que também não ligava muito àquilo. A avó Violante, a mãe do seu pai, nunca a vira na igreja. Mas ele gostava de ver o senhor prior com aquelas vestes bonitas, as campainhas, a solenidade, e o respeito de todos os que lá estavam impressionavam-no muito. Todas aquelas cores, luzes e sons eram uma maravilha. Os revérberos do sol através dos vidros coloridos das janelas exerciam o mesmo efeito que qualquer coisa extraterrestre poderia exercer, encantamento, espanto e redobrado respeito. 

Era bonito, também queria ser padre. Tanto insistiu com a mãe que esta, num dia que teve de ir a Beja, levou-o ao seminário para lá ficar. O reitor ficou encantado, sorriu e afagou-lhe a cabeça. Mas recomendou-lhe, depois, com ar sério que tinha primeiro de tirar a 4ª classe e deu-lhe uma mancheia de rebuçados. Deixou-o contente e muito esperançado de um dia poder igualmente viver no meio de tantas maravilhas, numa casa enorme e bonita como aquela e ter sempre à mão quantos rebuçados quisesse.

Estas lembranças ainda agora eram agradáveis e o faziam sorrir. Mas queria ver mais algumas páginas.

A. Marques Lopes, quando 
jovem

Quando completara sete anos regressou a Lisboa. No período seguinte, até completar a instrução primária, andou pelas ruas da capital. O seu fascínio e bulício substituíram o anterior encantamento das luzes e colorido da igreja da aldeia alentejana. Não foi, no entanto, porque deixasse de estar em contacto com padres e igrejas. Pelo contrário. Através de umas senhoras protectoras dos pobrezinhos entrou para uma escola dirigida por padres. O contacto com as coisas sagradas passou a obrigatório. Missa diária, oração diária, e grandes castigos para quem faltasse. 

Mas o contacto com a cidade foi mais forte. Grandes e belas gazetas deram-lhe muitas tardes de brincadeira no jardim da Estrela, no Parque Eduardo VII, no Castelo de S. Jorge, por toda esta Lisboa, enfim. Com outros gazeteiros mais afoitos foram grandes caminhadas para tomar 
banho, em cuecas, na praia de Algés.

Na altura, os pais moravam numa parte de casa em Campo de Ourique. Sempre que conseguia uns tostões enfiava-se no Paris ou no Europa para ver filmes de aventuras. Mas o ambiente preferido era o jardim da Parada , aquele jardim era maravilhoso. Pequeno, mas cheio de gente, de rãs, de peixes e de carros a abarrotar de gelados era um jardim enorme para os miúdos. Permitia brincadeiras de índios e cowboys, polícias e ladrões, provas de resistência em corridas à volta do jardim, torneios de caricas nas bordas dos passeios, sessões de anedotas picantes promovidas pelos mais espigadotes, histórias de bruxas e lobisomens. Havia também jogos mais suaves com as miúdas da mesma idade, o jardim da Celeste, mais um par de jarras que na roda entrou, a vida do marujinho é uma vida amargurada, jogar aos casados…
 
Tinha saudades disso. Muitas recordações deixara naquele jardim. Célia, Maria João, Maria Emília, não conseguia esquecê-las. Nem queria. Principalmente a Célia com aquela trança caída sobre o peito, vestido de fantasia e olhos gaiatos. 

É triste ver tudo isso já atrás sem poder voltar, principalmente nos momentos em que a tristeza e o desalento ferem o coração e em que a vida real, com as suas vicissitudes, tortura o pensamento. Quem lhe dera voltar a ser criança como fora naquela altura, para não ser atormentado por pensamentos em luta, como estava agora.

A. Marques Lopes

(Seleção, revisão/fixação de texto, negritos, para efeitos de publicação deste poste: LG) (Com a devida vénia...)

PS - António Aiveca é o protagonista do livro "Cabra Cega", um "alter ego", do autor, que usou outro "alter ego", João Gaspar Carrasqueira, para "assinar" a obra... 

O recurso a pseudónimos literários é muito frequente entre militares: Carlos Vale Ferraz (cor cav 'cmd' ref Carlos Matos Fomes), Manuell Andrezo (ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, 1933-2024), João Gaspar Carrasqueira (cor inf DFA António Marques Lopes, 1944-2024)... E tantos mais, militares e civis: Carlos Selvagem (maj cav Carlos Tavares de Andrade Afonso dos Santos, 1890-1973), Miguel Torga (médico Adolfo Correia da Rocha, 1907-1995), Júlio Dinis (médico Joaquim Guilherme Gomes Coelho, 1839-1871), etc.

Nos últimos meses de vida, o António escreveu imenso no seu Facebook, e retomou algumas das melhoras páginas do seu livro autobiográfico, "Cabra Cega", entretanto publicado também no Brasil, com o seu nome verdadeiro, A. Marques Lopes, "Cabra Cega" (São Paulo: Paperblur, 2019).
__________

Nota do editor:

Último poste da série > 6 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25720: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (1): O meu cruzeiro no N/M "Ana Mafalda": ficámos contentes por saber que era só até à Guiné, e não até Timor...

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25435: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (32): Rio de Janeiro, como rececionista num hotel, numa fase difícil da minha vida; como emigrante não prestava, até 1996, grande atenção à política em Portugal (João Crisóstomo, Nova Iorque)



João Crisóstomo: (i) é natural de Torres Vedras; (ii) membro da nossa Tabanca Grande desde 26 de julho de 2010, sentando-se à sombra do nosso poilão sob o n.º 432; (iii) tem 225 referências no nosso blogue; (iv) é o régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona; (v)  foi alf mil inf, CCAÇ CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67); (vi) vive em Queens, Nova Iorque, desde 1975, mas vem cá com frequência, ao seu querido Portugal; (vii) conhecido ativista social, foi-lhe atribuido recentemente o Prémio Tágides 2023 (na categoria de "Portugal no Mundo")



Guiné >Zona Leste >  Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 1439 (1965/67) > Agosto de 1965 > O primeiro contacto com as terras do Xime...Em primeiro plano, o alferes Crisóstomo  e o picador...

Foto (e legenda): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem do João Crisóstomo:

Data - segunda, 22/04/2024, 06:37
Assunto - 25 de Abril

Vejo já artigos, reportagens, descrições individuais fabulosas sobre este 25 de Abril. E quase estou na dúvida se devo mandar o que segue, que em comparação não tem muito por onde se lhe pegue, a não ser que o tédio também conte.

Ao fim e ao cabo estou a falar pouco desse dia, exceto dum ponto muito subjetivo e mesquinho, quase e apenas pessoal. Bom, talvez conte, para fazer vir o sono a alguns dos mais velhotes e como eu com dificuldades de dormir, antes de irem para a cama… 

Mas foi isto que me veio à ideia quando pensei no “meu’ 25 de Abril (*).

O 25 de Abril 1974 apanhou-me numa fase difícil da minha vida. Depois de ter regressado são e salvo da Guiné (**), decidi dar uma volta pela Europa para aperfeiçoar línguas, pois tinha posto na cabeça que o meu futuro em Portugal seria o turismo.

Dois anos na Inglaterra, um ano em França, sete meses na Alemanha e no meio deste encontrei a que viria a ser minha esposa.

Casados em Londres,  decidimos ir para o Brasil,  onde tencionávamos gerir um restaurante que teórica e oficialmente pertencia a um avô da minha esposa. Mas no Brasil isso não contava já nada.

Avisados para não nos metermos em sarilhos, pois se tentássemos sequer reaver o restaurante tudo nos podia acontecer, acabei por começar do zero, pois a tal lei de reciprocidade entre portuguese e brasileiros, nessa altura. na prática não passava de uma fantasia no Brasil.

A cunha de um português bem alicerçado no Brasil que tinha sido colega de escola da minha sogra, foi a minha salvação. 

E estava já trabalhando como rececionista num hotel, quando chegou a notícia : houve um golpe de Estado em Portugal.

A minha reação foi quase nula: "Oxalá não hajam mortos e apareça alguém com capacidade para governar", pensei eu.

Tudo o que me preocupava era encontrar maneira de dar à minha jovem família e a mim mesmo razão de esperança e confiança de um futuro melhor do que estava experimentando desde que tinha chegado ao Brasil.

Uma crise de meningite em crianças que subitamente pôs o Rio de Janeiro em estado de pânico,  levou-me a pôr a minha família no primeiro barco de regresso a Portugal, enquanto eu, que tinha sido promovido a subgerente, ficava, mas ainda procurando algo melhor.

Do Brasil vim aos Estados Unidos, convencido de que aqui podia tirar um grau superior em Hotelaria, que me ia abrir as portas no mundo do turismo, que era para mim a minha primeira escolha depois que voltei da Guiné.

Tudo saiu diferente do que esperava e acabei por ficar em Nova Iorque para onde trouxe depois a minha família, agora acrescida de um filho que tinha nascido em Portugal, seis meses depois do regresso do Brasil.

Como emigrante não prestava muita atencão à política em Portugal, sabendo apenas que, graças a Deus, tal golpe de Estado tinha sido quase pacífico, mas que havia muita confusão : que se tinha dado a correr a independência a todos os que a pediam; mas que a pressa em que tudo era feito não augurava bom futuro para ninguém, como se veio a verificar.

E lembro que em 1996 quando me pediram para me envolver na causa de Timor Leste, eu respondi imediatamente que não me queria envolver em guerras fraticidas e na confusão que essa concessão de independência total sem as preparações devidas tinha causado em toda a parte.

Mas a minha experiência na Guiné vinha-me frequentemente à memória e comecei a procurar saber notícias e mesmo literatura . Não encontrava nada.

Até que numa visita a Portuga encontrei numa feira do livro, na Gare do Oriente, o livro "em Terras de Soncó", do Mário Beja Santos. Esse livro , logo seguido pela minha entrada para a Tabanca Grande, e encontros com camaradas da Guiné e outros veio reforçar o interesse por assuntos portugueses que durante muito tempo eu tinha intencionalmente ignorado.

Minha opinião agora é de que o 25 de Abril possibilitou e desencadeou um despertar de consciências geral, que possibilitou a democracia que agora vivemos. Não é perfeita, mas parece-me que o é o melhor que já alguma vez tivemos. E isso faz dessa data uma das mais importantes da nossa história.

João Cisóstomo, Nova Iorque

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

__________

Notas do editor:

(*) ÚLtimo poste da série > 21 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25419: No dia 25 de Abril de 1974 eu estava em... (31): Lisboa, de licença de férias, e depois de uma noitada o meu cunhado acordou-me às 9h00: "Eh, pá, já não voltas mais para a guerra" (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

(**) Vd. poste de:

14 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23078: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - XIX (e última) Parte: Anexo B: Outros dados estatísticos: baixas, louvores e condecorações

terça-feira, 16 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25393: Efemérides (433): Ainda a recente homenagem em Nova Iorque a dois grandes humanistas lusofónos, diplomatas da II Guerra Mundial, que faleceram há 70 anos, neste mês de abril, o português Aristides de Sousa Mendes (a 3) e o brasileiro Luís Martins de Sousa Dantas (a 16) (João Crisóstomo)



Nova Iorque > Igreja Eslovena de São Ciro > Homenagem a dois grandes humanistas lusófonos > 7 de abril de 2024 >    Aspeto parcial da assistência


Nova Iorque >  Igreja Eslovena de São Ciro > Homenagem a dois grandes humanistas lusófonos > 7 de abril de 2024 >    Vilma e João Crisóstomo,  padre franciscano frei Krisolog,  embaixadora Ana Paula Zacarias e dom Gabriele Caccia.


Nova Iorque > Igreja Eslovena de São Ciro > Homenagem a dois grandes humanistas lusófonos  > 7 de abril de 2024 >  Arcebispo dom Gabriele Caccia e padre franciscano frei Krisolog durante a Missa.


Nova Iorque >  Igreja Eslovena de São Ciro >  Homenagem a dois grandes humanistas lusófonos >   7 de abril de 2024 >  João Crisóstomo, do Day of Consciense Committee, um dos promotores do evento


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo  (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem do nosso amigo e camarada João Crisóstomo (Nova Iorque):

Data - 14/04/2024 23:15
Assunto - Ainda a homenagem a dois humanistas em Nova Iorque


Caro Luís Graça,

Obrigado pela cobertura que fizeste antes de 7 de Abril e depois ainda sobre a mensagem enviada para a ocasião pelo Senhor Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.(*)

Permito-me fazer um follow-up (ou o que lhe quiserem chamar) para os que tiverem algum interesse no assunto. Já sabes que não sei ser sucinto do que peço desculpa. Se achares que vale a pena um outro post sobre isto, talvez queiras cortar o que achares menos pertinente, para ser menos tedioso.

A razão deste follow-up é sobretudo para falar sobre o outro humanista homenageado, o brasileiro Luís Martins de Sousa Dantas, cuja morte lembramos depois de amanhã , dia 16 de Abril .

Quando em 2004 com a ajuda da IRWF,   organizei a celebração do 50º aniversário da morte de Aristides de Sousa Mendes, vim a ter conhecimento dum outro grande humanista . E com grande surpresa verifiquei que eles pareciam gémeos. 

Reparem: 

  • são ambos de língua portuguesa;
  • ambos diplomatas servindo os seus países em França durante a II Guerra Mundial; 
  • ambos se encontram na mesma posição de terem de atender a refugiados fugindo dos nazis e de morte certa em camaras de gaz e fornos de incineração nos campos de concentração ; ambos decidiram ajudar estes refugiados; 
  • ambos agiram contra as ordens de seus governos que os proibiam de ajudar refugiados especialmente judeus; 
  • ambos foram acusados em tribunal e condenados ; 
  • ambos, talvez nem se conhecessem, explicaram ter agido assim porque tinham de seguir a sua consciência de cristãos;
  •  depois da sua morte foram ambos reconhecidos por Yad Vashem ; 
  • e como se carimbados com um selo de comum destino vieram a morrer a escassos dias um do outro, ambos em Abril do mesmo ano de 1954.

Decidi então que quando falasse de Aristides de Sousa Mendes não iria esquecer o outro humanista brasileiro Luís Martins de Sousa Dantas. E nos acontecimentos sobre o “Dia da Consciêcia” comecei a falar sempre dos dois.

O evento, dito para celebrar o 70º aniversario da morte de Aristides de Sousa Mendes e de Luís Martins de Sousa Dantas que ocorreu no dia 7,    correu muito bem. A Igreja e salão onde o evento teve lugar são pequenos, que a comunidade eslovena em Nova Iorque também é pequena. Mas era o suficiente para receber acima de 110 pessoas , representando 24 organizações que se fizeram representar. 

Como constava do convite o evento foi na verdade um triplo evento. 

A primeira parte foi uma Missa celebrada pelo Senhor Arcebispo Dom Gabriele Caccia, representante do Vaticano na ONU.

Depois seguiu-se um receção no salão onde o orador principal foi a Sra. Embaixadora Ana Paula Zacarias , nossa represenetnate diplomática  nas Nações Unidas.

Falaram também:
  • Embaixador Noberto Moretti, representando o Brasil e ainda o professor luso-americano Paulo Pereira, Presidente da Camara da cidade de Mineola;
  • Sandra Mendonça Pires representava o nosso embaixador nos US; 
  • Portugal US Chamber of Commerce;
  • All4Integrity;
  • Lions Club;
  • Sousa Mendes Foundation, US;
  • IRWF ( International Raoul Wallenberg Foundation:
  • Columbia University;
  • NYpalc (Associação de clubes de Nova Iorque);
  • Academias de Bacalhau de Nova Iorque e de Long Island;
  • Várias escolas e clubes de Nova Iorque e New Jersey,
... e ainda diversas outras associações num total de 24, enchiam o salão, onde além de bar eram servidos canapés passados em travessas.

A terceira parte foi a projeção do filme “O Consul de Bordeús” (Portugal, 2011). 

O seu sucesso era evidente pelo número de pessoas que não podiam esconder a sua emoção, enquanto outros teimavam em esconder teimosas lágrimas, e dezenas de pessoas , incluindo vários dignitários presentes me perguntavam onde podiam encontrar uma cópia do filme que acabávamos de ver. O evento foi objecto de cobertura pela SIC internacional e por outros jornalistas aí presentes.

Têm-me perguntado por vezes a razão porque continuo a lembrar e organizar eventos sobre Aristides de Sousa Mendes. O nosso grande humanista, argumentam , já deixou de ser um ilustre desconhecido , como atestam a sua introdução no Panteão Nacional e o seu reconhecimento pelo Papa Fancisco, que dele e do “Dia da Consciência” falou em Junho de 2020.

É que a memória humana parece ser por vezes de muito curta duração. Quando em 1996 ouvi falar de Aristides pela primeira vez, para logo decidir apresentá-lo ao mundo, dada a grande figura que descobri, em toda a Nova Iorque, de grandes jornais a rabinos e muitos simples indivíduos que contactei, ninguém ,salvo Elie Wiesel e Baruch Tenembaum, sabia quem ele era. 

 Depois da grande exibição nas Nações Unidas em que consegui que ele fosse homenageado com grande destaque, não deixei mais que ele voltasse ao esquecimento, organizando eventos nos Estados Unidos, em Portugal e outros países. E constatei com muita satisfação que o meu esforço era igualado por alguns membros da sua família e outras pessoas mundo fora como foram Jacques Riviere e Manuel Dias em França, Paulo Martins no Brasil enquanto Rui Afonso publicava o livro ‘Um Homem bom “ e Diana Andriga e outros da media se debruçavam sobre ele.

É importante que ele e outros não voltem a ser ignorados e esquecidos. Mas o mais importante é que lembrando-o, nós lembremos a sua consciência e a sua coragem em fazer o que devia ser feito. E, de que hoje, mesmo que isso exija esforço e sacrifício da nossa parte, temos de ter a mesma coragem para fazer o que precisa de ser feito, especialmente quando se trata de ajudar pessoas necessitadas e outras que, sem culpa deles e apesar de esforços, ainda precisam da nossa ajuda. Essa é a razão principal porque devemos continuar a lembrar Aristides de Sousa Mendes.

Um grande abraço
joão

PS - Espero que as fotos, que junto,   ajudem a visualizar o que foi este evento.
 
____________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 7 abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25353: Efemérides (432): Há 70 anos que morreu Aristides de Sousa Mendes (em Lisboa, 3 de abril de 1954): O Presidente da República Portuguesa associou-se à homenagem do dia 7, hoje, em Nova Iorque, na Igreja Eslovena de São Ciro

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25338: Tabanca da Diáspora Lusófona (23): Nova Iorque, Igreja Eslovena de São Ciro, domingo, 7 de abril: recordando e cebrando os 70 anos da morte de dois grandes diplomatas e humanistas do tempo da II Grande Guerra, o português Sousa Mendes, e o brasileiro Sousa Dantas (João Crisóstomo)






Convite, em inglês, para a celebração de dois grandes humanistas, os diplomatas, o português Sousa Mendes e o brasileiro Sousa Dantas, por ocasião dos 70 anos das suas mortes, e da sua acção em defesa das vítimas de perseguição na II Grande Guerra, convite esse da iniciativa doComité do Dia da Consciência, Missão Permanente de Portugal nas Nações Unidas, Igreja Eslovena de São Ciro, Fundação Internacional Raoul Wallenberg e Fundação Sousa Mendes.

Será celebrada missa, católica (pelo arcebispo Gabriele Caccia, observador permanente da Santa Sé nas Nações Unidas), às 10h30, do dia 7 de abril de 2024, domingo, na Igreja Eslovena de São Ciro, em Nova Iorque.

Às 11h30, haverá uma receção oferecida pela representante portuguesa nas Nações Unidas, a embaixadora Ana Paula Zacarias. E às 12h30 será projetado o filme  português (2011) "O Consul de Bordéus" (com legendas em inglês).
Esta iniciativa conta também com o apoio de "The Portugal-US Chamber of Commerce", a Câmara de Comércio Luso-Americana.


1. Excertos de mensagem  que nos enviou, de Nova Iorque, onde reside, o nosso amigo e camarada João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona:

Data - 30 de março de 2024, 12:30
Assunto - Good feeling, finally !

Creio que ainda não te falei sobre um evento que vai suceder em Nova Iorque no dia 7 de Abril. Eu não sei como fazer para te enviar um trabalho da Lusa sobre ele, mas creio que não terás dificuldade em o encontrar vd. aqui Nova Iorque, Estados Unidos, 30 mar 2024 (Lusa) > Legado de Aristides de Sousa Mendes celebrado em Nova Iorque em abril]

Mando-te porém o convite ( em inglês) que tenho enviado e que deu origem a este trabalho, de que gostei porque me parecer bem feito e preciso, sem aumentar nem diminuir. 

(...) Penso que há muito é do conhecimento geral que desde 2004 tenho trabalhado num projecto a que chamo o “Dia da Consciência”. Depois de muitos anos, em 2017 finalmente consegui a atenção do Vaticano e com muita teimosia da minha parte (vale sempre ser teimoso quando se está convicto de alguma coisa), como sabes,  em 17 de Junho o Papa Francisco reconheceu não só o nosso diplomata Aristides de Sousa Mendes como o “Dia da Consciência” por que eu tanto lutei. 

Disse Sua Santidade: "Hoje é o Dia da Consciência , baseado no testemunho do diplomata português Aristides de Sousa Mendes", etc, etc., de que tu deves saber o resto.

 (...) Continuei a trabalhar, duro e forte, podes acreditar, para continuar para que o reconhecimento do nosso humanista fosse traduzido na prática em resultados . Nao basta conhecer as pessoas e o que fizeram : o principal é que esses exemplos sejam inspiradores e levem as pessoas a imitá-los. 

No caso de Aristides de Sousa Mendes eu tenho mesmo dito que depois do seu reconhecimento pelo Papa Francisco e de honras de Panteão, além dos muitos reconhecimentos mundo fora, alguns, aliás muitos deles, organizados por mim, Aristides não é mais um "ilustre desconhecido". 

Mas impõe-se continuar a lembrá-lo para que,  lembrando a sua coragem em fazer o que sua consciência lhe dizia devia ser feito, nós sejamos inspirados e levados a proceder da mesma maneira. O mundo bem precisa de estímulos como este para contrabalançar a epidemia de falta de princípios e moral tão desenfreada nos dias de hoje, em que já querem que dois e dois não sejam mais quatro, mas cinco, se isso lhes for for mais conveniente dizer. É uma questão de repetir falsidades e as pessoas vão mesmo acreditar e agir de acordo. Para muita gente, radicalizada por razões que a razão não conhece, o senso comum e razão deixaram de existir.

Impõe-se despertar as consciências e o “ Dia da Consciência” vem a esse encontro. Como Aristides, temos de ter coragem de fazer o que está certo! É isso o objectivo que me leva a continuar. Mas a verdade é que … custa quando se trabalha e os resultados não correspondem e por vezes parece que nem o nosso trabalho é reconhecido como tendo algum valor. Mas a gente continua, mesmo que seja assim.
 
(...) Bom, estou cheio de trabalho, como podes ver pelo trecho da Lusa. É que até ao momento tudo o que lá está descrito é resultado saido deste pequeno endereço, meu e da Vilma. Mas também já não é novidade para mim.
 
Um grande abraço para ti e a Alice e mais alguém que por acaso venha a ler isto ou parte disto.

João ( e Vilma).

PS - E aqui está o convite como o tenho enviado ( incluo as partes em português) (vd. convite em inglês, acima):

(...) À entrada, por favor assine o 'livro de presenças', testemunho da sua participação e da organização que representa e de que o reconhecimento a nível mundial de Aristides de Sousa Mendes foi resultado do empenho das comunidades luso-americanas e não apenas de dois ou três indivíduos.

A presença de cada um, seja a título individual ou representando uma associação é uma prova de que não diminuiu, antes pelo contrário continua forte o nosso interesse pelos valores culturais, humanitários, e outros de carácter local, que sempre foram e são a razão da própria existência dos nossos clubes e outras associações.(...)


A esloveno-americana Vilma Kracun e o luso-americano João Crisóstomo. (Aqui em Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras, num convívio com familiares e amigos, em 15 de outubro de 2013.) 

Foto: Luís Graça (2013)


2. Excerto das declarações de João Crisóstomo à agência Lusa, sobre o motivo de juntar, 
na mesma celebração, Sousa Mendes e Sousa Dantas, que morreram há 70 anos (o primeiro a 3 de abril, o segundo a 16 do mesmo mês):

(...) "Ambos de língua portuguesa, ambos diplomatas, encontravam-se ambos em França no início da Segunda Guerra Mundial, ambos resolveram desobedecer às diretrizes dos seus Governos e deram vistos aos refugiados que desesperados os procuravam para fugir aos nazis e campos de concentração onde a maioria acabava asfixiada e logo incinerada".

"Mais tarde ambos foram condenados em tribunais pelo que fizeram. E, nas suas defesas, em anos e locais diferentes, sem saberem um do outro, ambos declararam ter agido assim porque assim lhes mandava a sua consciência de cristãos. 

"Os dois vieram a ser reconhecidos e honrados pelo Yad Vashem [memorial oficial de Israel às vítimas do Holocausto]. E, como que com carimbo de comum destino, vieram a morrer no mesmo mês e no mesmo ano, a escassos dias um do outro: Aristides a 03 de abril e Souza Dantas a 16 de abril de 1954. Portanto, fazia sentido falar dos dois" (...)
____________

Nota do editor:

Último poste da série > 1 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25228: Tabanca da Diáspora Lusófona (22): Vilma Crisóstomo está de parabéns pelo seu aniversário natalício e porque a partir de hoje é cidadã americana (João Crisóstomo)

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25223: Historiografia da presença portuguesa em África (411): A primeira exposição colonial portuguesa contada numa revista do Rio de Janeiro (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2023:

Queridos amigos,
Jamais em tempo algum tinha ouvido falar deste boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, dois investigadores brasileiros dão porquês para o seu aparecimento e falam da vida acidentada que a publicação teve, a maior colónia portuguesa no mundo ainda recebia afavelmente gente republicana, como Norton de Matos, e acresce que naqueles anos de 1930 os próceres do Estado Novo desconfiavam das doutrinas de Gilberto Freyre no que toca ao luso-tropicalismo. Tudo teve o seu tempo, mas acho que vale a pena dar uma vista de olhos ao que o escritor e jornalista Hugo Rocha publicou sobre a presença guineense na primeira exposição colonial portuguesa e é bom deixar no nosso arquivo as duas páginas com imagens de Bolama daquele tempo que era capital da colónia.

Um abraço do
Mário



A primeira exposição colonial portuguesa contada numa revista do Rio de Janeiro

Mário Beja Santos

Com a preocupação de vasculhar quanto a referências da Guiné portuguesa, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa alertaram-me para o Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, publicação que vingou entre 1932 e 1939, primeiro com o título de África Portuguesa e depois referenciada como Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro. Que pretendiam? No n.º 1 de África Portuguesa, janeiro de 1932, com o título a que vimos, faz-se a seguinte apresentação:
“A que vem África Portuguesa? Sentar praça nas hostes dos paladinos do Novo Renascimento Colonial Português. Este Novo Renascimento da expressão política devia-se a várias sacudidelas: a fundação da Sociedade de Geografia de Lisboa e às epopeias de Silva Porto, Serpa Pinto, Capelo e Ivens. E à ocupação efetiva: Mouzinho, Alves Roçadas, João de Almeida, António Enes, Norton de Matos. África Portuguesa vem contribuir com a sua quota parte, cá deste lado do Atlântico, para essa obra de ressurgimento colonial, proporcionando aos nossos patrícios e a todos quantos se interessam pelas coisas coloniais uma resenha dos principais acontecimentos e factos mais notáveis da vida das colónias. Enfim, pôr em relevo a obra colonizadora dos portugueses.”

Mas pode-se apurar mais quanto aos intentos deste projeto, veja-se um artigo de Mateus Silva Ikolaude e Marçal de Menezes Paredes sobre as questões da lusofonia no n.º 48 da Revista Portuguesa de História, Coimbra, 2017.
Escrevem os autores:
“Na década de 1930, Portugal e Brasil constituíram na esfera diplomática importantes espaços de aproximação política. Se, por um lado, em Portugal existia um colonialismo com pretensões nacionalistas e que pensava o exemplo brasileiro como referências às colónias africanas, por outro, no Brasil havia nacionalismo que mobilizava componentes internacionais para com África e para com Portugal. O Rio de Janeiro constituía-se no principal centro de emigração portuguesa do mundo e a colónia lusitana organizada buscava afirmar e recriar a sua identidade a partir de duas estratégias principais: o associativismo e a imprensa. A visão do Brasil enquanto obra máxima da ação colonizadora portuguesa refletia-se na representação assumida pelos emigrantes residentes na antiga colónia, ao passo que a constituição da maior comunidade portuguesa fora de Portugal, em pleno século XX, reforçava simbolicamente os laços estabelecidos historicamente de uma predestinação lusitana. No dia 22 de maio de 1930 foi fundada a Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro. Em 1934, a tiragem da revista era de dois mil exemplares que eram gratuitamente distribuídos para intelectuais, políticos, além de escolas, centros culturais e prefeituras.”

Haverá inúmeras tensões com o Estado Novo, basta pensar que uma das figuras mais admiradas na colónia era Norton de Matos, opositor do novo regime, curiosamente na década os próceres dos Estado Novo olhavam de viés as doutrinas de Gilberto Freire sobre o luso-tropicalismo, a doutrina será recuperada com a questão colonial posta nos anos 1950 e 1960.

No número dedicado à primeira exposição colonial portuguesa, que decorreu no Porto em 1934, o escritor e jornalista Hugo Rocha prendeu-se de amores com a Guiné e redigiu um apontamento digno de reflexão:
“Ontem, a meio da tarde, para matar saudades, fui ao Palácio ver os pretos e buscar assunto para esta reportagem à margem do noticiário quotidiano. E a primeira impressão, forte, dominadora, absoluta, foi a de que entrara em pleno território colonial. Desde há poucos dias, 63 pretos e pretas da Guiné fazem vida africana em pleno recinto da Exposição Colonial Portuguesa. Fulas, Bijagós, Mandingas, Balantas. A melhor, a mais completa representação etnográfica que a Guiné, guarda avançada de Portugal na África, podia enviar à metrópole.
Pronta para receber tão imensa embaixada, a aldeia da Guiné, que é a mais típica do certame, porque é lacustre como grande parte das aldeias da Guiné e porque se situa entre uma paisagem admirável, não chegou, todavia, para acomodar todos os indígenas. Houve que dividir, como soe dizer-se, o mal pelas aldeias. E, assim, no bosque, em sítio escuso, de aspeto tropical, novas cubatas houve que erguer. E fez-se nova sanzala. E 20 negros – 18 homens e 2 mulheres – de raça Fula, passaram a habitar, ali, dando-se, também, a ilusão de que não estão no Porto, de que estão na Guiné…”


Interrompo aqui a citação para referir que há uma conversa entre Hugo Rocha e um guineense a quem ele chama Mony, fala-se do tempo em Portugal e na Guiné, e há para ali uma alusão maliciosa, Mony era casado com aquelas duas mulheres, uma delas estava a pentear um dos homens, para o observador havia para ali uma cena de sedução e perguntou-se a Mony se ele não tinha ciúme, a resposta foi portentosa, Mony não sabia o significado da palavra ciúme… E vamos continuar com o texto de Hugo Rocha:
“Henrique Galvão, com admirável sentido prático pelo que deve ser a preparação do certame, não quer que os indígenas da Guiné estejam ociosos. Sendo, alguns deles, trabalhadores excelentes, o melhor sistema de os tornar úteis ao certame, enquanto as portas não se abrirem ao público, era, evidentemente, empregá-los nas obras.
E assim, mal chegados, os negros começaram a faina, auxiliando os trabalhadores brancos que labutam, ali. Acarretam. Limpam. Auxiliam. Elas, enquanto os homens não perdem o seu tempo, estabelecem o ménage. Transportam lenha para as fogueiras, águas para a cozinha. Ao fim da tarde, quando eles estão disponíveis, a ilha oferece o quadro mais completo da Guiné que possa conceber-se. Quase todos vestindo – despindo será melhor dito… - à boa usança do sertão, eles estendem-se pelo chão, sobre as esteiras ou na terra dura. E elas, com uma paciência de Job, penteiam-nos, engorduram-nos, fazem das suas carapinhas baças um emaranhado inextrincável de fios embebidos de tacula, que parecem, pronto o toucado, barretes avermelhados e um tudo nojentos…

Depois, o batuque. Horas seguidas, enquanto a multidão de empregados e operários forma barreira compacta no continente, defesa como é a entrada na ilha, o tantã soa entre as árvores, a que uma ou outra palmeira, refletindo-se no lago, dá o ar tropical…
E a algazarra do dialeto, que ninguém entende, e as risadas sonoras, e o cheiro pronunciado a sertão, e aqueles corpos negros, nus e besuntados, que se agitam como se aquele fosse o seu verdadeiro meio, dão, a quem olhar a cena e a considerar, atentamente, a sugestão completa, farta, dominadora, de África…”


Foi o único artigo sobre a Guiné que encontrei. No entanto, dei com imagens de Bolama e seis imagens do interior da primeira exposição colonial portuguesa que aqui vos mostro.

____________

Nota do editor

Último post da série de 21 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25194: Historiografia da presença portuguesa em África (410): Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (7) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25173: Faceboook...ando (50): seleção do álbum fotográfico de Nicolau Esteves, o "brasileiro de Cinfães", ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 797 (Tite, São João e Nhacra, 1965/67) - Parte I

 

Foto nº 1 > Cartão de Boas Festas e Feliz Ano Novo.  Ao canto superior direito o brasão da CCAÇ 797. Na foto, o 1º caboradiotelegrafista Esteves a escrever para a famíçia e amigos. Local: tudo indica que seja Tite (onde a companhia esteve cerca de um ano, até abril de 1966). 


Foto nº 2 >  o 1º cabo radiotelegrafista Esteves lendo, na cama,um livro, cujo título não onseguimos identifiar


Foto nº 3 > O T/T Uíge que transportou o pessoal da CCAÇ 797 em abril de  1965



Foto nº 4 > O  1º cabo radiotelegrafista Esteves no regresso de saída para o mato com "banho de bolanha"... A G3 sem carregador...
 


Foto nº 5 > Na capela do quartel de Tite, sector sul,  Se  (Tite)

 A N. Sra. de Fatima também  nas matas da Guiné. . 


Foto nº 6 > Mais uma foto para a família... em Cinfães, na serra de Montemuro.


Foto nº 7 > Brindando à vida, à camaradagem, à amizade


Foto nº 8 > "A nossa equipa de futebol" (o Esteves  usa o termo "time", à brasileira)


Foto nº 9 > "Beira rio em São João" (já em 1966)... O Esteves será o camarada da  direita. 


Foto nº 10 > Quartel de Tite (c. 1965/66)

Fotos (e legendas): © Nicolau Esteves (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Nicolau Esteves, Susano, São Paulo, Brasil


1. Uma seleção do álbum fotográfico do ex-1º cabo radiotelegrafista Nicolau Esteves. A apresentação é dele, de acordo com a sua página no Facebook. As fotos (menos de 3 dezenas, de qualidade muito desigual, algumas delas riscadas), foram disponibilizadas em 20 de junho de 2016 na sua página do Facebook.  Foram selecionadas e editadas por nós. Os créditos fotográficos continuam a ser, obviamente,  do nosso camarada Esteves.

A sua publicitação nesta série ("Facebook...ando") e no nosso blogue ("Luís Graça & Camaradas da Guiné" ) permite que cheguem a um público mais vasto, e nomeadamente aos antigos combatentes da Guiné (1961/74), incluindo os seus camaradas de armas da CCAÇ 797, que passaram por Tite, São João e Nhacra. Publicaremos proximamente a II (e última) parte.

Na sua maioria as fotos não trazem legendas, e algumas estão em mau estado,  mas no essencial foram tiradas em Tite e em São João. Ficamos a  saber que o Esteves é natural de Cinfâes (portanto, vizinho da Quinta de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses; a quinta fica em contato visual com Cinfães, com o rio do Douro pelo meio, estando em frente à serra de Montemuro). 

Emigrou para o Brasil, muito provavelmente depois da "peluda". Faz anos  a 27 de janeiro. Casou com a Cilinha Esteves em 7 de setembro de 1973. O casal tem filhos e netos já criados no Brasil. Este "brasileiro de Cinfães" é pois mais um portuguès das sete partidas que foi engrossar a diáspora lusitana. Vê-se, pelo que vai postando, que tem orgulho e saudades da sua/nossa terra.

Fica convidado a integrar, de pleno direito, a nossa Tabanca Grande, juntando-se aos 884 camaradas e amigos da Guiné que já lá estão (entre vivos e mortos). Até ao momento é apenas amigo do Facebook da Tabanca Grande (temos alguns, poucos, amigos comuns).

Temos escassas 15 referências à CCAÇ 797 (Tite, São João e Nhacra, 1965/67). Não há nenhum camarada desta subuniddae reistado formalmente na Tabanca Grande. Em tempos (11 e 13 de dezembro de 2022) fomos contactdos pelo ex-furriel miliciano, da CCAÇ 797, a propósito do malogrado Julio Lemos Martins (que era de Ponte de Lima), desaparecido no rio Louvado. 
 "Sou o nº 8 da foto e fui camarada do Júlio Lemos no infortúnio do rio Louvado. Vivo desde 1976 no Canadá. Eu e o Júlio éramos os responsáveis desse grupo de combate nesse fatídico dia. A partir dai nunca mais vivi"....

Também temos referência ao ex-fur trms, Henrique A. Mendes, através de correspondência com a filha. (Ele seguiu depois a carreira militar.)

Sobre o antigo cap inf Carlos Fabião temos 60 referências. (Fez 3 comissões na Guiné.)


"Fotos do período em que estive em combate na Guiné-Bissau (1965/1967)" 

 (Nicolau Esteves)


(i) "Desembarcou em Bissau em 29/04/1965, tendo viajado no barco Uíge;

(ii) Foi "inicialmente enviado a Tite, passando por São João e finalmente Nhacra";

(iii) Em Tite pertenceu ao BCAÇ 1860 e passou a integrar a Companhia de Caçadores 797 (CCAÇ 797), "Camelos";  o lema era: "O inimigo teme sempre quem não o mostrar temer";

(iv) Exerceu "a função de 1º Cabo Radiotelegrafista do Comando da Companhia, liderada pelo Comandante Carlos Alberto Idães Soares Fabião";
 
(v) Vive em Susano, Estado de São Paulo, Brasil;

(vi) Tem página no Facebook e é amigo do Facebook da Tabanca Grande;

(vii) Há dias comentou,  num um dos nossos postes: "No meu tempo, 65/67, um soldado ganhava 450 escudos, o cabo 900 e eu ganhva maís 300 de prémios de especialidade no caso, 1º cabo radiotelegrafista. Naquele tempo, não tendo onde gastar ainda deu para juntar uns trocados" (Facebook da Tabanca Grande, 13 fev 2024, o1:48)

Em suma, à volta (ou a pretexto) de umas fotos do nossos álbuns, podemos sempre contar mais umas histórias, colmatando lacunas dos registos oficiais ou oficiosos da nossa guerra A CCAÇ 797 teve uma atividade operacional intensa. Sabemos muito pouco das suas histórias, a não a ser o que já se escreveu sobre o desastre no rio Louvado.


Guião da CCAÇ 797 (Cortesia: Coleção Carlos Coutinho, 2009)


2. Ficha de unidade > Companhia de Caçadores n.º 797


Identificação: CCaç 797
Unidade Mob: RI 1 - Amadora
Cmdt: Cap Inf Carlos Alberto Idães Soares Fabião
Divisa: -
Partida: Embarque em 23Abr65; desembarque em 28Abr65 | Regresso: Embarque em 19Jan67

Síntese da Atividade Operacional

Após o desembarque, seguiu imediatamente para Tite, onde substituíu a CCaç 423, em 29Abr65, ficando com a missão de intervenção e reserva do BCaç 599 e depois do BCaç 1860 e guarnecendo com um pelotão o destacamento de Enxudé

Na função de intervenção, tomou parte em diversas operações efectuadas no sector, de que se destacam as acções nas regiões de Gã Saúde e Jufá, em que capturou 2 metralhadoras e 14 espingardas e nas regiões de Bissa0lão, Gampari e Gã Formoso.

Em 20 e 26Abr66, por troca por fracções com a CCav 677, foi colocada em S. João mantendo o pelotão de Enxudé e destacando ainda um pelotão para Jabadá, de 13Mai66 até 30Mai66. 

Em 30Mai66 e 03Jun66, foi rendida pela  CCaç 1566, por fracções, deslocando-se então para Nhacra.

Em 6Jun66, assumiu a responsabilidade do subsector de Nhacra, com destacamentos em Sanfim e João Landim, rendendo a CCav 1484 e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1876, com vista à segurança e protecção das instalações e das populações da área.

Em 16Jan67, foi rendida no subsector de Nhacra pela CCaç 1487, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n.º 94 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 339
___________

Nota do editor LG:

Último poste da série > 14 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25070: Facebook...ando (49): O Fernando Moreira (1950-2021), ex-fur mil trms, CCS/BCAÇ 3883 (Piche, 1972/74) terá sido o último militar do exército a falar pela rádio com o ten pilav Castro Gil (1950-1979) antes do abate do seu Fiat G-91 R/4, "5437", por um Strela, em 31/1/1974, sob os céus de Canquelifá