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segunda-feira, 30 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26969: Notas de leitura (1815): Guiné - Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril; Âncora Editora, 2024 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
Não devemos esquecer que a cada um que aqui vem testemunhar a sua participação no MFA Guiné foi pedido um relato pessoal e daí parecer por vezes que se repetem as memórias de como todos eles se foram encontrando e atuando, como se institucionalizou o MAPOS, logo em 4 de maio, exigindo negociações com o PAIGC, a efervescência do ambiente social em Bissau depois do 25 de Abril, o papel da Voz da Guiné, a vida no mato, seja em Empada seja em Caboxanque, trata-se de um documento que se poderá classificar como de referência, na justa medida em que complementa tudo quanto já está escrito pelo lado de oficiais do quadro permanente e até de investigadores deste período, como é o caso dos trabalhos de António Duarte Silva. É pois de leitura obrigatória para quem pretende estudar quem foi quem no final do Império, no território da Guiné.

Um abraço do
Mário



Os milicianos no MFA da Guiné (3)

Mário Beja Santos

Na sequência do texto dado à estampa na semana anterior e referente ao livro recentemente publicado e intitulado "Guiné, Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril", Âncora Editora, 2024, onde se dá voz a um conjunto de depoimentos de milicianos, alguns deles ligados à crise académica de 1969 e a Coimbra, já deu para entender que por um feliz acaso ocorreu uma gradual convergência entre estes oficiais milicianos sediados em Bissau e o núcleo de oficiais do quadro permanente onde, entre outros, estavam ativos Sales Golias, Duran Clemente e Carlos de Matos Gomes e estreitamente relacionados com o capitão miliciano José Manuel Barroso.

Dada a diversidade de olhares, deu-se a palavra a um acervo de intervenientes como Álvaro Marques, Amaro Jorge, Canhoto Antunes, Celso Cruzeiro, Eduardo Maia Costa, João Teixeira, José Manuel Barroso e J. M. Correia Pinto. Põe-se termo a esta digressão pelos testemunhos destes oficiais milicianos, começa-se por José Pratas e Sousa, alferes-miliciano da CCAV n.º 8352, SRI e secretariado do MFA. Como outros intervenientes, Pratas e Sousa logo alude à derrota das tentativas de desenvolvimentos de soluções neocolonialistas, como foi repudiado o projeto de Spínola de manter a Guiné numa comunidade lusíada. Faz menção de que o que procura relatar é a sua experiência pessoal, como viveu e sentiu acontecimentos do período de abril a setembro de 1974. Mafra, a Escola Prática de Cavalaria, o Regimento de Cavalaria n.º 3 onde se formou a sua companhia, chegaram à Guiné em 4 de novembro de 1972, o destino era Caboxanque, na região do Cantanhez. “Tinha cerca de 800 habitantes e a nossa tropa instalou-se dentro da povoação que era habitada por velhos, mulheres e crianças. Não havia jovens. Estavam no mato com o PAIGC, que até então tinha controlado todo o Cantanhez. Esta situação contribuiu para acentuar a sensação de sermos ocupantes ilegítimos de uma terra que não era nossa.” Fazem patrulhamentos intensivos, são flagelados, normalmente sem consequências maior, terão dois mortos. Frutificaram amizades, que permanecem, refere Rui Silva, o capitão miliciano que comandava a companhia, com quem mais tarde se encontrará no secretariado do MFA em Bissau.

Deixa a companhia em agosto de 1973 (esta ir-se-á manter em Caboxanque até junho de 1974), foi transferido para Bissau, irá dirigir o Programa de Línguas Nativas, um programa de rádio militar integrado no Serviço de Rádio e Difusão de Imprensa. O noticiário oficial procurava iludir o agravamento da situação militar: os aviões derrubados pelo PAIGC eram noticiados em Lisboa como alvos de mísseis disparados a partir da Guiné-Conacri ou quedas devidas a acidentes. Dá-nos conta de como viveu o 25 de Abril, como foi determinante o papel do capitão Jorge Golias, era o oficial de maior prestígio dentro do MFA, não esquece o papel importante do capitão miliciano José Manuel Barroso, que desempenhou funções de adjunto de Carlos Fabião, Barroso foi o único miliciano que esteve desde o início envolvido nas reuniões conspirativas do Movimento dos Capitães da Guiné. Não esquece a referência ao MAPOS, o Movimento pela Paz que agregou oficiais, sargentos e praças, constituído em 4 de maio.

Observa que a guerra da Guiné acabou no dia 26 de abril. “É certo que ainda houve alguns combates, havendo a lamentar, nos cinco meses seguintes, cinco mortos entre os militares portugueses. Sem querer desvalorizar o significado destas mortes, ainda mais absurdas num tempo em que estavam abertos os caminhos da paz, é de lembrar que nos onze anos de guerra na Guiné morreram em média cinco militares portugueses em cada dez dias. O que houve foi o resultado de alguns incidentes provocados na sua maioria por comandantes do PAIGC, que no mato tomaram iniciativas individuais, que foram logo reprimidas pela direção do partido.” E lembra o papel que tiveram as sessões de esclarecimento em muitas unidades do interior.

Tem agora a palavra Luís Araújo, da Repartição da ACAP do Comando-Chefe em Bissau. Desembarcou em Bissau em março de 1973, engenheiro de formação, regista as primeiras impressões, a atuação dos oficiais milicianos, os acontecimentos do 25 de Abril e dias imediatamente posteriores. “A minha função era a recolha e processamento de informação que permitisse ao Comando-Chefe acompanhar a opinião da evolução pública, quer nacional, quer internacional, sobre a situação da Guiné. Produzia relatórios periódicos de divulgação interna reservada, baseados em fontes de informação internas do território e em posições expressas na imprensa portuguesa e nacional.” Irá colaborar depois com comissões de apoio às funções de Carlos Fabião.

O último depoimento pertence a Rui Pedro Silva, nome já mencionado por José Pratas e Sousa. Ele comandava a companhia de Caboxanque, pela rádio ouviu falar no golpe de Estado. Vem de férias em março de 1974, no regresso é confrontado com a notícia da morte de dois soldados. Fazendo um balanço desse mês de março, observa que no Cantanhez houvera uma forte manifestação na capacidade do PAIGC. Faz uma alargada digressão sobre os acontecimentos políticos em Portugal, como correu a sua mobilização, foi enviado para Angola em 1971 e 1972, esteve nos Dembos, volta a Mafra para o curso de comandante de Companhia, como se processou em termos efetivos a operação Grande Empresa, encetada em 6 de dezembro de 1972. Tem importância o que escreve a seguir sobre a quadricula para Cafal, Jemberem, Cobumba e Chugué, lembrando que o relato detalhado desta operação é da lavra do Coronel Moura Calheiro no seu livro "A última Missão", ele foi o coordenador da operação desde o seu início. Em 27 de setembro de 1972, a CCAV n.º 8352 é transferida para Caboxanque. “Nos primeiros cinco meses em Caboxanque, a maioria dos militares dormia em valas, a comida era distribuída por uma viatura que percorria o limite do aquartelamento por onde estavam distribuídas as três secções de cada um dos quatro pelotões, cerca de quilómetro e meio, chegando já fria à últimas secções, utilizavam uma vala como latrina, partilhavam sem privacidade.”

Conta várias peripécias, até de um estranho acidente com uma arma de fogo, como se procedia a ação psicológica, desde a melhoria das habitações da população local à assistência de enfermagem. Também escreve a sua versão sobre os acontecimentos de 1973, e assim chegamos ao encontro com o PAIGC em maio de 1974, que ele descreve assim:
“Reuni os chefes da tabanca, poucos dias após os 25 de Abril, informei-os que íamos cessar as patrulhas na zona operacional, mas que queríamos manter contacto com a população que vivia fora de Caboxanque e pedimos que disso dessem infomação a essas populações. Cerca de duas semanas após o 25 de Abril, fomos visitados por um comissário do PAIGC, vinha fardado e naturalmente desarmado. Apresentou-se em Cufar e depois, a seu pedido, transportado em escolta até Caboxanque. O encontro foi muito cordial. Primeiro, pediu autorização para visitar a família que vivia em Caboxanque e que não via há bastante tempo. Depois dessa visita realizámos uma longa conversa, partilharam das dificuldades vividas. Concordámos que não haveria lugar a emboscadas, ataques ou minhas em toda a zona operacional. Para nós, a guerra tinha terminado. Na despedida, demos um abraço”.
A companhia é transferida para Bissau em junho, Rui Pedro Silva fica a trabalhar no secretariado do MFA.

O anexo inclui imagens da Voz da Guiné, de encontros entre as nossas tropas e as do PAIGC.

Obra de referência para o estudo das relações entre os oficiais do quadro permanente e milicianos na génese, organização do MFA Guiné e das ações posteriormente desenvolvidas em conjunto.


Gadamael, maio de 1974. A primeira visita do PAIGC à tabanca e aquartelamento de Gadamael: Em primeiro plano, ao centro, o Comandante do COP5 (Cap Ten Fuzo Patrício); do seu lado direito está o comissário político do PAIGC, de cigarro russo na boca. Imagem retirada do nosso blogue
Pirada, primeiros contactos com o PAIGC, junto à fronteira do Senegal com o fim de combinar a "passagem de testemunho", dirigido pelo Comandante Jorge Matias, do BCAV 8323. Fotografia de António Rodrigues, com a devida vénia
China, Amílcar Cabral e o PAIGC: um namoro em três tempos Delegação do MPLA e do PAIGC na China, em Agosto de 1960, a convite do Comité Chinês de Solidariedade com África e Ásia. Imagem da Associação Tchiweka de Documentação
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Notas do editor

Vd. post de 23 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26950: Notas de leitura (1812): Guiné - Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril; Âncora Editora, 2024 (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 27 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26962: Notas de leitura (1814): O fotógrafo Alfredo Cunha, a Guiné, o 25 de Abril no mais antigo museu português (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26950: Notas de leitura (1812): Guiné - Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril; Âncora Editora, 2024 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
O mínimo que se pode dizer deste conjunto de testemunhos é que pela primeira vez acorrem ao palco oficiais de milicianos que participaram de um modo ou do outro no MFA da Guiné, gente que tinha estado nas lutas estudantis, algum deles já tinha iniciado a sua vida profissional, coube-lhes relevantes funções desde o comando das forças militares até à coordenação dos serviços de comunicação e mesmo na direção de serviços da própria administração colonial. Contam como atuaram, formaram o núcleo inicial e este se desenvolveu, como tudo se estava a modificar depois da perda da supremacia aérea, como contribuíram para o 25 de abril. Fica demonstrado como todo este grupo de milicianos teve um papel marcante no fim do Império, como decorreram as negociações com o PAIGC, e todos são unânimes que Spínola era portador de um sonho anacrónico neocolonial que felizmente não houve condições para pôr em prática.

Um abraço do
Mário



Os milicianos no MFA da Guiné (2)

Mário Beja Santos

Na sequência do texto dado à estampa na semana anterior e referente ao livro recentemente publicado e intitulado Guiné, Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril, Âncora Editora, 2024, onde se dá voz a um conjunto de depoimentos de milicianos, alguns deles ligados à crise académica de 1969 e a Coimbra, já deu para entender que por um feliz acaso ocorreu uma gradual convergência entre estes oficiais milicianos sediados em Bissau e o núcleo de oficiais do quadro permanente onde, entre outros, estavam ativos Sales Golias, Duran Clemente e Carlos de Matos Gomes e estreitamente relacionados com o capitão miliciano José Manuel Barroso.

Dá-se a palavra a Eduardo Maia Costa, alferes miliciano do Serviço Geral da Força Aérea, colocado em Bissalanca. Chegou a Bissau no dia 20 de janeiro de 1973, dia do assassinato de Amílcar Cabral. Foi colocado no serviço de Justiça. A Força Aérea, no início desse ano, assegurava a superioridade da tropa portuguesa na guerra, tinha o domínio absoluto dos ares, cumpria sem sobressaltos a rotina que ia desde o apoio às operações, à evacuação dos feridos, ao transporte de pessoas, de géneros e materiais, até aos bombardeamentos.

Depois veio o abalo dado pelo uso dos mísseis terra-ar. Ponto importante para a ligação entre os milicianos foi a oferta feita por Barros Moura ao Major Coutinho e Lima de ser seu defensor, Spínola não gostou deste tipo de intervenção, Barros Moura foi empandeirado para S. Domingos. Em Portugal fermentava o MFA, na Guiné ele surge em agosto de 1973, implanta-se em Bissau, na Força Aérea aderem Jorge Alves e Faria Paulino. Sucedem-se os acontecimentos que outros autores já referenciaram, dá a sua nota pessoal:
“Realizaram-se na Força Aérea eleições para a escolha dos representantes do MFA das diversas categorias, tendo eu sido um dos eleitos dos oficiais milicianos. No dia seguinte apresentámo-nos ao comandante da Base. Ele recebeu-nos um pouco amedrontado, possivelmente pensando que o íamos prender. Foram-nos atribuídas tarefas específicas: substituir, com outros oficiais milicianos, os funcionários dos serviços de trabalho. Os funcionários coloniais receberam-nos de bom grado, eles não se entendiam com os novos tempos, queriam era regressar à metrópole, e logo desapareceram.” Vai passar férias e regressa a Bissau em 10 de agosto, aqui o ambiente era de fim do império, Portugal iria reconhecer no dia 26 a independência da Guiné.

Segue-se o depoimento de João Ferreira do Amaral, que chegou a Bissau em março de 1973, comenta a situação político-militar a partir dessa data. Ele está nos serviços de economia, recorda o aumento do preço de arroz, procurava-se a todo o transe garantir o abastecimento deste alimento básico; continuará nestes serviços até ao princípio de outubro. “Tive a oportunidade de transferir a administração dos serviços de economia para as novas autoridades, acompanhando o ministro Dr. Vasco Cabral, numa visita a uns serviços que estavam então a meu cargo, economia, estatística e planeamento.”

Dá-se agora a palavra a João Teixeira, alferes-miliciano com a especialidade de Engenharia, colocado na Base Aérea n.º 12. Chega a Bissau a 21 de janeiro de 1973, é esperado no aeroporto por José Manuel Barroso, especula-se sobre quem mandou matar Amílcar Cabral. Descreve a sua vida em Bissau, os acontecimentos posteriores aos abates dos aviões com os mísseis terra-ar, a adaptação dos voos à nova realidade, os apelos urgentes a Lisboa para se encontrar a competente defesa aérea para a Guiné. João Teixeira discorre amplamente sobre a evolução do MFA na Guiné, a tentativa neocolonial perpetrada por Spínola, e como foi derrotada, dá-nos um quadro do que foi a Assembleia Geral na Guiné em 1 de junho, e regressa a Lisboa em meados de setembro.

É o momento de ouvirmos José Manuel Barroso, capitão miliciano, parecia que ia para o mato, mas é nomeado para trabalhar com Spínola, a sua missão era acompanhar a atividade militar e governativa, e transformá-la em notícias a fornecer para o exterior, para os média nacionais e para as agências noticiosas internacionais, recorda algo que se ia aprofundando entre ele, Sales Golias e Matos Gomes. “A minha mais profunda surpresa inicial foi a descoberta no mundo da oficialidade que servia no Comando Chefe, na fortaleza de Amura. Uma boa parte dos oficiais falava abertamente da questão política da guerra, questionando-a, ouvi mesmo dizer a um dos meninos queridos de Spínola que aquilo só iria à força.” Viveu os acontecimentos ligados ao assassinato de Amílcar Cabral e pareceu-lhe sincera a atitude de Spínola, reagiu desalentado com esta perda.

Descreve a atitude de um punhado de oficiais do quadro permanente quando se souber da realização de um Congresso de Combatentes. “Quase a totalidade dos capitães do quadro permanente assinaram protesto dirigidos ao Governo central – e dezenas de milicianos também. Mas o episódio criou um clima de contestação aberta, que não pararia. Antes do Movimento dos Capitães, a Guiné era cabeça da contestação. O núcleo do que seria a comissão de militares do MFA estava constituído e preparado para qualquer ação. O nosso agora alargado grupo chegou a discutir uma hipotética ação militar contra Lisboa, sem sequer saber que algo idêntico, mas mais forte ainda, havia sido discutido por oficiais afetos a Spínola, como o Major Fabião revelaria depois. Estive no grupo que, na Guiné, ligado a Otelo e ao Movimento dos Capitães apoiou ativamente o golpe em Lisboa, despediu a 26 de abril as autoridades militares em Bissau que se não manifestaram favoráveis à Junta de Salvação Nacional. Depois, fui chamado, com o Tenente-Coronel Mateus da Silva para, em representação do MFA/Guiné, acompanhar o Ministro dos Negócios Estrangeiros no seu primeiro contacto com o presidente do PAIGC, Aristides Pereira, em Dacar. Dias depois de chegar a Bissau, fui chamado a Lisboa por Spínola, que me proibiu de regressar à Guiné. Fui o primeiro capitão do MFA saneado".

J. M. Correia Pinto era Segundo-Tenente do Comando de Defesa Marítima da Guiné, desembarcou em Bissau em 24 de maio de 1972. Faz um enquadramento do início da guerra colonial, do curso de oficial da Defesa Naval, acompanhou a evolução da situação da Guiné, ali chegara e ainda os ecos da operação Mar Verde estavam longe de estarem extintos, fora-lhe testemunhado por um oficial do quadro permanente ter participado na Mar Verde que o objetivo primordial era assassinar Sékou Touré, promover um golpe de Estado, sequestrar ou assassinar Amílcar Cabral mais dirigentes do PAIGC, destruir material bélico da República da Guiné, caso dos aviões MiG, quase tudo correu mal. E em 1973, a roda da fortuna desandou em favor do PAIGC, volta a falar na defesa do Major Coutinho e Lima, no significado do Congresso dos Combatentes, como se processou a ação do PAIGC no primeiro trimestre de 1974, o significado que se atribuiu ao livro de Spínola e descreve minuciosamente os acontecimentos do 25 de abril. “Chegado a Lisboa no dia 4 de maio, deparei-me com um convite de uns camaradas da Marinha, ir a Caxias ver os pides presos. Recordo que as primeiras pessoas que vi em Caxias, a consultar os arquivos, foram o Zé Manel Tengarrinha, o Oneto e o Jean Jacques Valente.”

Gadamael, maio de 1974. A primeira visita do PAIGC à tabanca e aquartelamento de Gadamael: Em primeiro plano, ao centro, o Comandante do COP5 (Cap Ten Fuzo Patrício); do seu lado direito está o comissário político do PAIGC, de cigarro russo na boca. Imagem retirada do nosso blogue
Pirada, primeiros contactos com o PAIGC, junto à fronteira do Senegal com o fim de combinar a "passagem de testemunho", dirigido pelo Comandante Jorge Matias, do BCAV 8323. Fotografia de António Rodrigues, com a devida vénia
China, Amílcar Cabral e o PAIGC: um namoro em três tempos Delegação do MPLA e do PAIGC na China, em Agosto de 1960, a convite do Comité Chinês de Solidariedade com África e Ásia. Imagem da Associação Tchiweka de Documentação

(continua)

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Notas do editor

Vd. post de 16 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26925: Notas de leitura (1809): Guiné - Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril; Âncora Editora, 2024 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 23 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26949: Notas de leitura (1811): O livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (2025) (235 pp.) - Parte I: apresentação de Luís Graça

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26925: Notas de leitura (1809): Guiné - Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril; Âncora Editora, 2024 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Aparece finalmente uma coletânea de depoimentos dos milicianos que intervieram entre 1973 e 1974, em convergência com os oficiais do quadro permanente, na formação e atividade do MFA da Guiné, são depoimentos que em alguns casos forçosamente se repetem mas há em muitos deles a singularidade do testemunho, um olhar lúcido sobre a evolução da guerra, a participação nas conversações com os quadros do PAIGC, muitos deles dão conta do anacronismo das pretensões de Spínola fazer um referendum na Guiné quando já houvera o reconhecimento internacional para um Estado soberano que terá a liderança do PAIGC. Esta obra, que se saúda pela pertinência dos testemunhos, tem o poder de complementar um acervo de depoimentos e análises do MFA da Guiné, em que constam nomes como Sales Golias, Duran Clemente, Carlos de Matos Gomes e António Duarte Silva.

Um abraço do
Mário



Os milicianos no MFA da Guiné (1)

Mário Beja Santos


Muito se tem escrito sobre a formação e atividade do MFA da Guiné, intervenientes como Sales Golias, Duran Clemente, Carlos de Matos Gomes, investigadores como António Duarte Silva, são algumas das figuras mais salientes desse fenómeno original de um movimento altamente sigiloso formado em 1973 e que ganhou vida própria. É facto que a presença dos milicianos não é descurada da narrativa, aparece sempre a figura do capitão José Manuel Barroso, mas quanto à competição do desempenho dos milicianos ainda não existia um conjunto organizado de depoimentos, e daí saudar-se esta obra coletiva intitulada "Guiné Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril", com doze testemunhos de participantes, e aonde não falta a lembrança daqueles que já partiram como José Aurélio Barros Moura, Luciano Avelãs Nunes, Jorge Cabral Ventura e Joel Hasse Ferreira, Âncora Editora, 2024.

O primeiro depoimento cabe a Álvaro Marques que dá ênfase à crise académica de 1969 e à incorporação nas Forças Armadas. Esteve em Mafra e em Santarém, aí conheceu Salgueiro Maia, é amnistiado em 1970, reincorporado em 1972, tem uma troca de palavras com Spínola, este convida-o para um jantar no Palácio, não esconde ao general que aquela guerra perdeu sentido, segue depois para Aldeia Formosa, recebe o convite do capitão José Manuel Barroso para vir para Bissau trabalhar no PIFAS, vai fazer parte do Núcleo de Luta Anticolonial, irão juntar-se, entre outros, Celso Cruzeiro, Barros Moura, Sacadura Botte, estes pretenderam ser advogados de Coutinho e Lima, que estava preso no Cumeré, a ira de Spínola não se fez esperar, Barros Moura foi despachado para S. Domingos; o núcleo alargou-se, vão assistir à criação do MFA em Portugal, o MFA da Guiné passa a ter estatuto próprio, incluindo o projeto de desencadear o golpe de Estado, caso falhasse o de Lisboa.

Os milicianos terão desempenho na criação do MAPOS, um movimento para a paz que em 1 de julho aprovou uma moção onde se repudiava qualquer solução local e unilateral que não fosse aceite pelo Governo central em Portugal, exigindo que fossem imediatamente reatadas as negociações com o PAIGC e, ponto curioso, “Apelar para que os militares portugueses encarem a sua presença atual e estrutura na Guiné como uma forma de prestar a sua cooperação desinteressada ao povo da Guiné, assim contribuindo para o pagamento da dívida histórica criada pelo colonialismo português.” Álvaro Marques refere o seu trabalho na publicação Voz da Guiné.

O segundo depoimento pertence a Amaro Jorge, que foi alferes miliciano no Batalhão de Intendência de Bissau, também esteve ligado à crise académica de 1969, pertenceu aos Serviços Auxiliares, assim chega à Intendência de Bissau, colocado na chefia da Secção de Reabastecimentos, dá-nos conta da delicadeza do que era organizar a listagem de bens, combustíveis e outros, havia sempre comida a estragar-se ou a desaparecer. Foi destacado da Intendência para o Palácio do Governo, para adjunto do Governador, tendo ficado com os assuntos do pessoal e das relações de trabalho. Regressou a Portugal em 1 de setembro.

O terceiro testemunho vem de Canhoto Antunes, foi capitão miliciano, este em Madina Mandinga, Nema e Empada. Estagiou na Guiné integrado na CAOP 2 (Gabu), voltou a Mafra, forma a CCAÇ 4944, conta por onde andou, a atividade operacional, incluindo em 26 de maio de 1974 que houve 10 feridos numa emboscada. Chegou a Empada em 4 de junho, estabelecem-se contactos com o PAIGC. Regressa a Lisboa em 28 de setembro, em plena manifestação da “maioria silenciosa”, o que os obrigou a vários stops nas estradas até casa, até pensou que saíra de uma guerra para entrar noutra.

O quarto testemunho pertence a Celso Cruzeiro, da chefia do serviço de Justiça do Quartel-General, redator do Voz da Guiné. Chamo a atenção para o reconhecimento que os jovens capitães cedo fizeram do papel desempenhado pelos milicianos, eles contribuíram para melhor compreender a guerra como fenómeno dependente dos interesses do poder económico e do sistema de influência geopolítica. Salienta a importância dos encontros na Guiné em 1973 entre os jovens oficiais do quadro permanente e o conjunto dos oficiais milicianos ali presentes, ao longo dos primeiros meses de 1974 foram-se estreitando os laços. Recorda o abaixo-assinado lançado no dia 28 de abril de 1974 e dirigido ao Presidente da Junta de Salvação Nacional, solicitando um cessar-fogo imediato e conversações prontas com o PAIGC; fará um historial das etapas subsequentes, as conversas havidas entre Fabião e Spínola, a importância dos Movimento para a Paz, à institucionalização do MFA da Guiné, a ira de Spínola que convocou para Lisboa vários oficiais do quadro permanente e milicianos e recorda, em jeito de conclusão, que a participação dos milicianos tinha a dupla preocupação de colaborar com o MFA no processo de descolonização da Guiné e, por outro lado, fornecer uma base mínima de politização ao contingente dos soldados portugueses. Não deixa de lamentar como o novo país independente vestiu rapidamente o manto dramático da tragédia em que permanece.
Gadamael, maio de 1974. A primeira visita do PAIGC à tabanca e aquartelamento de Gadamael: Em primeiro plano, ao centro, o Comandante do COP5 (Cap Ten Fuzo Patrício); do seu lado direito está o comissário político do PAIGC, de cigarro russo na boca. Imagem retirada do nosso blogue
Pirada, primeiros contactos com o PAIGC, junto à fronteira do Senegal com o fim de combinar a "passagem de testemunho", dirigido pelo Comandante Jorge Matias, do BCAV 8323. Fotografia de António Rodrigues, com a devida vénia
China, Amílcar Cabral e o PAIGC: um namoro em três tempos Delegação do MPLA e do PAIGC na China, em Agosto de 1960, a convite do Comité Chinês de Solidariedade com África e Ásia. Imagem da Associação Tchiweka de Documentação

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 13 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26916: Notas de leitura (1808): Lembranças do que foi o Museu da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

sábado, 3 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26760: No 25 de Abril eu estava em... (40): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte V



Guiné > Bissau > QG / CTIG > s/d (c. 1973/74) > Carlos Filipe Gonçalves

Foto (e legenda): © Carlos Filipe Gonçalves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1

 Carlos Filipe Gonçalves (n. 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente): ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74... Radialista, jornalista, historiógtrafo da música da sua terra, e escritor, vive na Praia, Cabo Verde. É membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, sentando-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 790. Tem c. 20 referências no nosso blogue.


1. Continuação do seu depoimento sobre o 25 de Abril em Bissau (*), disponível na sua página do Facebook (Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque) e também na página do Facebook da Tabanca Grande.


No 25 de Abril eu estava em... (40): Em Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG - Parte V (*)


por Carlos Filipe Gonçalves,
ex-fur mil amanuense
(natural do Mindelo,
vive hoje na Praia, Cabo Verde)


Ainda, extractos das "Recordações - Guiné 73/74" nos meses de Junho, Julho de 1974. 

Atenção, neste trabalho procurei ter depoimentos de todos os lados envolvidos, consultei outras fontes, que dão uma outra dimensão e visão dos acontecimentos, conforme as situações. Eu, como disse em poste anterior, sou o militar que lá esteve, viu e ouviu e agora restitui, numa posição de repórter/jornalista, cumprindo o dever da imparcialidade

Estes encontros entre a tropa portuguesa e os guerrilheiros do PAIGC, quanto a mim marcaram o final da guerra e foram algo «espectacular»,  noticiado pela imprensa na metrópole. 

No seu livro o autor John Woollacott (in “A luta pela libertação nacional na Guiné-Bissau e a revolução em Portugal”, 1983) refere sobre tais encontros, que:

(...)  “a iniciativa era normalmente tomada, embora nem sempre, pelos comandantes do PAIGC, que saíam do mato para conversações. Trocavam-se opiniões acerca da guerra e das negociações enquanto se bebiam uns copos e, à medida que a confiança e as amizades cresciam, os inimigos de ontem convidavam-se mutuamente para 'jantares e convívios intermináveis'. Realizavam-se jogos de futebol entre equipas de ambos os lados. (…) Os soldados tiravam fotografias de braço dado com os seus parceiros guerrilheiros.”

Manecas Santos, comandante do PAIGC numa entrevista à rádio DW (Deutsche Welle), diz:

“Foi interessante que, após o 25 de Abril, tanto os nossos soldados como os portugueses fizeram o possível para se encontrarem no terreno. Em Maio e Junho já estávamos a nos encontrar no terreno.”

A 1 de Julho de 1974 realizou-se a 1ª Assembleia Geral do MFA, com cerca de 1000 militares na qual se aprovou uma moção histórica que exigia:

 “ (…) se reconheça imediatamente e sem equívocos a República da Guiné-Bissau e o direito à autodeterminação e independência dos povos de Cabo Verde, única política susceptível de conduzir à paz verdadeira; exigir que sejam imediatamente reatadas negociações com o PAIGC, não para negociar o direito à independência, mas tão-só os mecanismos conducentes a transferência de poderes.”

O Comandante do PAIGC Manecas Santos na entrevista à rádio DW comentou mais tarde aquela reunião, desta forma:

“O general Spínola teve uma tentativa, não sei se de continuar a guerra, mas de arranjar instrumentos de pressão ameaçando com a continuação da guerra. Neste momento, no entanto, houve um manifesto escrito pelos oficiais portugueses na Guiné, assinado por mais de mil oficiais portugueses que se encontravam aqui, a dizer que a guerra havia acabado.”

Aguardávamos (nós,  da tropa) com impaciência o desfecho das negociações, entre delegações do Governo português e do PAIGC que decorreram nos meses de Maio e Junho. Na cabeça de nós todos reinava o seguinte pensamento: não tenho nada a ver com isto, quero é ir embora para casa! Aliás, «Para a peluda já!» é a palavra de ordem que circula entre os militares. Mas ocorre a marcação de mais rondas de negociações!

Entretanto, corre a informação: o PAIGC reforçou as suas posições no mato e vai suspender o cessar-fogo que vigorava desde a confraternização tropa/guerrilheiros. Sobre esta situação de tensão, o tenente-coronel Jorge Sales Golias (referido anteriormente) recordou:

(...)  o PAIGC “se mostrava dialogante e ao mesmo tempo lançava comunicados de guerra, mesmo depois do cessar-fogo. Tão depressa confraternizava com as NT (Nossas Tropas) como lançava ultimatos a unidades portuguesas. O primeiro foi a Cuntima, dando 48 horas à Unidade de Cavalaria local para retirar e o segundo foi a Buruntuma.”

 O referido militar explica que:

 “Em Cuntima, acabámos por ir ao encontro do Comandante da Guerrilha, Baiô Camará, já em território do Senegal. Fomos recebidos com aspereza e com alguma arrogância (…). Em Buruntuma foi diferente. A renitência do Comandante local levou-nos a negociar a retirada, que foi feita pouco depois, mas com uma digna cerimónia de transferência de poderes.” 

Esta descrição demonstra que ao mesmo tempo que decorrem negociações, há movimentações no terreno, com o início de retirada da tropa portuguesa! Outra versão deste «quiproquó» é que “o PAIGC simulou um ataque ao quartel de Buruntuma, no Leste.” 

O combatente do PAICG Bobo Keita recorda:

“As tropas portuguesas não estavam com vontade de combater. Em conversa com o comandante do quartel (de Buruntuma) ele disse-me que queriam ir embora, mas não tinham meio de transporte. Respondi que não havia problemas, arranjei-lhes dois dos nossos camiões, que os transportaram para uma outra zona.” 

Comentário nosso, esta descrição parece fantasiosa, uma vez que há regras rígidas no funcionamento da tropa, as operações têm de ser planeadas com a devida informação de todas as estruturas de comando… mas, naquela situação… tudo é possível!

Entretanto, o PAIGC tem posições firmes sobre o futuro e não aceita as soluções «spinolistas» que andam no ar, como a ideia de uma «comunidade lusíada» e rejeita liminarmente uma divisão do poder com os partidos que surgiram depois do 25 de Abril.

Num encontro realizado a 1 de Julho de 1974 na zona da bolanha de Nenecó (junto da fronteira com o Senegal, a norte de Bigene) entre PAIGC e COP3 (Comando da tropa portuguesa na zona norte) elementos do PAIGC informam claramente;

 “Que, se o general Spínola visitar a Guiné, (isso) dará origem ao reinício da luta. Que o cessar-fogo por parte do PAIGC é da responsabilidade dos combatentes, dado não terem recebido directivas do S. G. nesse sentido, pelo que poderão recomeçar a luta quando o entenderem.” 

Note-se que a acção do general Spínola durante a guerra foi relevante a tal ponto que,  anos mais tarde,  o comandante do PAIGC Manuel Santos lhe fez o seguinte elogio:  “(…) foi, de longe, o melhor comandante-chefe português que passou aqui na Guiné.”— com José Luiz Ramos e 10 outras pessoas.

(Revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 30 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26744: No 25 de Abril eu estava em... (39): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte IV

sábado, 21 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26295: Os 50 Anos do 25 de Abril (34): O "virar da página" da revista católica "Flama", cujo diretor era o António dos Reis, bispo de Mardassuma e capelão-mor das Forças Armadas (1967-1975) - IV (e última) Parte

 


"Foram longas, longas as esperas que os familiares dos presos políticos tiveram de aguardar junto ao forte de Caxias. Mas foram horas quer valeram a pena. Depois viriam os abraços, o recordar de uma lembrança antiga de muitos anos" (Flama, separata, 10/5/1974,  pp. XXII /XXIII)



(Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXIII)


"A multidão já não tem dúvidas que de Caxias irão sair os familiares, os amigos,. os conhecidos há muito detidos. E mesmo com chuva não arredou pé. Tranquilamente. Aproveitando as horas para convívio. (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXIV)


"Uma cena das imedfiações de Caxias. Quem aguardará o menino ? Talvez um pai que não conheça ainda"... Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXV)





"O general António Spínola chega ao quartel-general da Cova da Moura. Eram 16:25 do dia 25 de Abril" (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXVI)


"Naq Cova da Moura, no Ministério da Defesa Nacional, ficou instalado  o novo Quartel-General que até ao dia 26 funcionara no Regimento de Engenharia 1, na Pontinha" (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXVII)



(Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXVII)






(Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXIX)






"A zona da Cova da Moutra encontrava-se guardada por quatro carros blindados: um AML Panhard e três Chaimites. Naturalmente as atenções da miudagtem foram despertadas" (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXIX)





"Às 17:50  do dia 26 apresentaram-se à porta de armas do Ministério da Defesa duas das mais (infelizmente) conhecidas figuras da PIDE/DGS: Bernardino Leitão (inspetor) e Mortágua (chefe de brigada). Segundo soubemos terão ido colocar-se às ordens da Junta, terão sido mandados entrar pelo general Spínola que teria ordenado a sua prisão".  (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXX)



"A chaimite Bula que levou do quartel do Carmo o prof. Marcelo Caetano, transporta agora três elementos da PIDE/DGS reconhecidos e detidos no Bairro Alto" (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXX)



(Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXXI)


"25 de Abril : o povo esteve com as Forças Armadas" (Flama, separata, 10/5/1974,  pág. XXXII)

Fonte: Excertos de Flama: revista semanal de actualidades, nº 1366, ano XXXI, 10 de maio de 1974, XXXII páginas. (Cortesia da Hemerateca Digital / Câmara Municipal de Lisboa)


(Seleção, revisão / fixação de texto, reedição das imagens: LG)


1. Quarta (e última) parte da publicação de uma seleção de fotos da separata que o semanário "Flama" dedicou, tardiamente, em edição de 10 de maio de 1974, ao histórico dia de 25 de Abril. É uma das mais interessantes, belas e completas reportagens feitas pela nossa imprensa semanal da época. (Repare-se, todavai,que a revista concorrente, "O Século Ilustrado", adiantou-se, publicando logo, em 28 desse mês,  uma edição especial: Suplemento. ao n.º 1895, 28 de Abril de 1974)

Estas fotos, menos conhecidas, serão também de fotojornalistas talvez menos conhecidos  (do grande público) que o Alfredo Cunha e o Eduardo Gageiro, mas algumas são de grande interesse documental e de qualidade estética. 

Vê-se que estavam a trabalhar, pela primeira vez, sem o medo da censura, apresentando por isso um belo e entusiástico trabalho de fotojornalismo. Sabemos que, em 1974, os  fotógrafos de reportagem da "Flama" eram o António Xavier,  o António Vidal e o Carlos Gil, justamente a equipa que assina (em grupo) as fotos desta separata (sendo o texto dos jornalistas António Amorim, Alexandre Manuel, Fernando Cascais e Dionísio Domingos).  É justo destacar aqui pelo menos  o Carlos Gil (1937-2001), que tão precomente nos deixou e que está esquecido: um "reporter da guerra e da paz", como ficou conhecido.

Com a devida vénia aos autores e à revista (que já não existe), são fotos que pertencem à memória de todos nós,  merecendo ser divulgadas em especial pelos antigos combatentes, alguns dos quais ainda estavam na Guiné, e outros eram leitores da "Flama".

É também uma homenagem a esta revista, que foi escola de jornalismo e fotojornalismo e que nos ajudou, a alguns de nós, na Guiné,  a mitigar a saudade de casa e a preencher o tempo de solidão e lassidão que foi o nosso, naquela guerra.


Revista fundada a 5 de fevereiro de 1937, como fonte de informação da Juventude Escolar Católica, autointitulando-se como “jornal ilustrado de actualidades”. Era dirigida, em 1974, por António dos Reis, que começara como repórter do "Novidades". 

Contava, na época, com Edite Soeiro (chefe de redação), Carlos Cascais e António Amorim (subchefes de redação), para além de António Amorim, Alexandre Manuel, Fernando Cascais, Dionísio Domingos, António Xavier, António Vidal e Carlos Gil, estes três últimos fotógrafos de reportagem, precisamente a equipa que assinou a principal peça jornalística dos acontecimentos, composta na rua Rodrigues Sampaio (50), em Lisboa. 

No número de 17 de Maio, é apresentado um novo Conselho de Redação, constituído por Alexandre Manuel, António Amorim e António Xavier. A revista tinha atingido a sua maior tiragem, no início destes anos 70, com 30 mil exemplares e privilegiando os assuntos políticos importantes, ao mesmo tempo que dava destaque às figuras do mundo do espetáculo, em páginas muito ilustradas. 

De vez em quando, tentava transgredir e passar ao crivo da Censura. O seu diretor preocupava-se, essencialmente, com a parte administrativa e com o tema e a imagem de capa. Ora, precisamente, chegados ao “virar da página” (Flama, 3 de Maio de 1974), nos três números posteriores ao 25 de Abril (3/10/17 de maio) outras tantas capas sugestivas. 

Na primeira, a chaimite é o centro das atenções, e o povo à volta, tal como na edição seguinte, mas onde os protagonistas centrais são outros, Mário Soares e Álvaro Cunhal. 

No número seguinte, as “Três Marias” [Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa] suspiravam pelo “fim de um escândalo” que abalara a sociedade por causa do livro "Novas Cartas Portuguesas" (Flama, 17 de maio de 1974). Regina Louro e António Xavier fizeram a reportagem. 

Nas primeiras páginas da Flama, em Liberdade, há notícias sobre a libertação das mulheres e, também, sobre as dificuldades agrestes que assolavam os agricultores portugueses. Reportagens que já estavam escritas antes da mudança, pelo menos iniciadas. Esta mudança, porém, devolveu o sorriso a muitos portugueses, expresso nos textos e fotos das horas desse dia sem fim – “Dá resultado… vê-se na sua cara!”. Não, este não é o slogan do 25 de Abril, mas podia ser! É, tão-somente, o anúncio do creme anti-rugas que acompanha a coluna do primeiro editorial em Liberdade. 

Mas, efetivamente o “virar a página”, de que esse editorial nos fala, devolveu aos portugueses a esperança e um novo ar nos rostos. Na Flama, lemos um dos mais expressivos conjuntos de reportagens dos novos tempos da imprensa nacional, nas páginas e separatas dedicadas ao 25 de Abril e ao 1.º de Maio. 

Dos tempos que não deixaram espaço a uma mudança não revolucionária, tal como foi o fim desta revista (2 de setembro de 1976), provocada por decisão da administração, dois anos depois, sem margem para a redação ainda se organizar para mais um número, na senda do que se passava noutros casos, em que quando uma publicação era suspensa eram os seus jornalistas que comunicavam o fim aos leitores.

Jorge Mangorrinha
Hemeroteca Municipal de Lisboa


Números disponibilizados na Hemeroteca Digital: 1365 (3 de Mai. 1974) a 1367 (17 de Mai. 1974)
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Nota do editor:

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26270: Os 50 Anos do 25 de Abril (32): O "virar da página" da revista católica "Flama", cujo diretor era o António dos Reis, bispo de Mardassuma e capelão-mor das Forças Armadas (1967-1975) - Parte II

"O chaimite 'Bula' prepara-se para transportar o ex-Presidente do Conselho que, entretanto, setinha renido incondicionalmente ao General Anónio de Spínola,Presidente da Junta de Salvação Nacional"  (Flama, separata, 10/5/1974, p. III)


"Para os populares aglomerados nas imediações do Largo do Carmo tudo serviu para observar a ação das Forças Armada: estátuas, árvores,blindados".  (Flama, separata, 105/1974, pág. II)




Flama, separata, 10/5/1974, pág. II


Capa da separata da Flama: revista semanal de actualidades, nº 1366, A
ano XXXI, 10 de maio de 1974, XXXII páginas.


Flama documento : 25 de Abril : o virar da página
I II III
25 de Abril : o assumir de um compromisso
IV-V
25 de Abril : uma linha de abertura a soluções de evolução
VI VII
25 de Abril : perfeita coordenação no processo de controle
VIII-IX
25 de Abril : o país despertou com outra face
X-XI
25 de Abril : o Largo do Carmo foi o último reduto do regime
XII-XIII
25 de Abril : uma reacção agonizante
XIV-XV
25 de Abril : durou nove horas a tomada do Carmo
XVI XVII XVIII
25 de Abril : a D.G.S. estrebuchou até rebentar
XIX
25 de Abril : a população lembrava-se (bem) da polícia política
XX-XXI
25 de Abril : presos políticos reencontraram a liberdade
XXII-XXIII XXIV-XXV
25 de Abril : um posto de comando tranquilo
XXVI XXVII
25 de Abril : nunca se desejou o derramamento de sangue
XXVIII-XXIX
25 de Abril : quem com ferro mata...
XXX
25 de Abril : o virar da página
XXXI
25 de Abril : o povo esteve com as Forças Armadas
XXXII

Cortesia da Hemerateca Digital / Câmara Municipal de Lisboa

Este número da Flama e a sua separata também estão disponíveis, em formato digital,   no Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra.


"Manter a população ao corrente da evolução dos acontecimentos foi preocupação constante do general Spínola". (Flama, separata, 10/5/1974, pág. IV)



"O generaql Spínola, com as individualidades que formam a Junta, no momento em que lia perante as câmaras de televisão a histórica declaração". (Flama, separata, 10/5/1974, pág. V)



"Os generais Costa Gomes e António de Spínola".  (Flama, separata, 10/5/1974, pág. V)




Aeroporto de Lisboa (Flama, separata, 10/5/1974, pág. VI)



"O Terreiro do Paço e o aeroporto de Lisboa  foram dos dois pontos estratégicos a ser ocupados pelas tropas do Movimento das Forças Armadas. A população transitou calmamente junto aos carros blindados, manifestando total conpreensão e civismo".  (Flama, separata, 10/5/1974, pág. VII)


(Flama, separata, 10/5/1974, pág. VII)





(Flama, separata, 10/5/1974, pág.VIII)


(Flama, separata, 10/5/1974, pág. IX)


"Foi longa a noite, mas às primeiras horas do dia já a esperança reinava entre os militares. Depois veio o povo disse o seu 'sim' apoteótico. O Governo caía às mãos dos militares". (Flama, separata, 10/5/1974, pág. IX)




(Flama, separata, 10/5/1974, pág. IX)


"Primeiro foi a ocupação (militar), depois a proclamação (popular). Estas foram as duas imagens de uma revolta que, em poucas horas, mudou a face de um país e fez reacender as esperanças de um povo desconhecedor, na sua quase totalidade, dos direitos democráticos".(Flama, separata, 10/5/1974, pág. X)





(Flama, separata, 10/5/1974, pág. X)


1. Tínhamos prometido voltar a esta edição (histórica) da "Flama" (*), revista semanal de actualidades que se publicou até 1976.

Alguns de nós recebiam e liam na Guiné esta revista, a par de outras como a "Vida Mundial", e dos jornais diários, de Lisboa e Porto, mais a " Bola"...Um ou outro mais "politizado" assinava a "Seara Nova", o "Comércio do Funchal", o "Notícias da Amadora", o "Jornal do Fundão"... E, excecionalmente, algumas revistas estrangeiras. 

A "Flama"  era uma revista simpática, que sabia conjugar o "light" com os assuntos mais sérios, "respeitada", origtinalmente ligada à Igreja Católica, mas nem por isso menos sujeita à sanha e arbitrariedade  dos "coronéis da censura"... Soube "refrescar-se", e adaptar-se aos sinais de mudança no mundo e na sociedade portuguesa. Era também lida pelo público feminino, com escolaridade de nível médio ou superior.  E conseguiu uma notável qualidade técnica e estética em muitas edições. 

Recorde-se que a "Flama" tinha nascido em 1937, da iniciativa de um grupo da JEC - Juventude Escolar Católica, com a benção de Salazar e do Cardeal Cerejeira. Era então marcadamente "masculina", e de teor "confessional" ou "religioso". Começou a redefinir-se a partir de 1944... Em 1967, apresentava-se como "semanário de atualidades de inspiração cristã" (sic)... Em 1974 era simplesmente uma "revista semanal de atualidades"... Custava 10 escudos o número avulso (17$50, em Angola, 20$00 em Moçambique) (*)

Dizem os estudiosos da história do jornalismo português, que foi também um marco importante no panorama da comunicação social portuguesa, nos últimos anos do Estado Novo: era uma revista em parte feita por mulheres e para as mulheres, mas também foi escola para conhecidos jornalistas da nossa praça.

Era dirigida, desde 1964 até ao fim,  por  um intelectual católico, com prestígio,  o dr. António dos Reis Rodrigues (1918-2009), nascido em Ourém, concelho a que pertence Fátima.  Padre, será, em 1966, nomeado  bispo auxiliar de Lisboa, sob o título de bispo de Madarsuma,  capelão-mor das Forças Armadas (1967-1975)., etc..  Entre 1947 e 1963 tinha sido capelão e professor na Academia Militar (ensinava ética e deontologia militares). Foi também procurador à Câmara Corporativa, na legislatura de 1961/65. 

Foi também com o  António dos Reis, enquanto diretor, que a revista conheceu o seu apogeu e  sucesso da "Flama". Foi também ele que "virou" e "fez virar" a página da revista (seguramente sob  a pressão dos seus jornalistas que, em 17 de maio de 1974, elegeram, "democraticamente" e "por voto secreto",  um "conselho de redação")...  Mas também com ele e a nacionalização da banca, que a revista conheceu a snetença de morte.

Com o 25 de Abril de 1974, os jornalistas portugueses, libertos do lápis azul da censura, tiveram que "reaprender" a pensar e a escrever...(Não só os jornalistas, como todos nós.) E a prova disso é a separata que o semanário "Flama" dedica, tardiamente, em edição de 10 de maio de 1974, ao histórico dia de 25 de Abril. É sobretudo um trabalho de fotojornalismo, com relativamente pouco texto (para além da declaração histórica do MFA, lida nesse dia perante as câmaras da televisão pelo presidente da Junta de Salvação Nacional, gen Spínola)... 

Infelizmente não sabemos  quem são os autores individuais da fotos,quer a preto, quer a cores, mas quisemos fazer aqui uma seleção desse documento, quer para os nossos camaradas que nessa data estavam ainda na Guiné,  quer para os outros que não tiveram, na altura,  oportunidade de ler este número especial da  "Flama". 

A reportagem é assinada coletivamente por António Amorim, Alexandre Manuel, Fernando Cascais, e Dionísio Domingos (texto), e António Xavier, António Vidal e Carlos Gil (fotografia). (O deparatmento de fotografia da "Flama" era considerado pioneir0.)

A revista vai ter, de resto,  uma vida efémera no pós-25 de Abril: encerrou em 2 de setembro de 1976, por decisáo unilateral e arbitrária  da administração, ligada à banca.

(Seleção, revisão / fixação de texto, reedição das imagens: LG)