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sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21321: In Memoriam (369): o historiador Joaquim Veríssimo Serrão (1925-2020), meu mestre e meu amigo, que falou do meu "Diário da Guiné", em 2007, como sendo "uma 'jóia' de verdade histórica e de beleza literária incomparáveis" (António Graça de Abreu)



Joaquim Veríssimo Serrão (Santarém, 1925 - Santarém, 2020): homenagem do António Graça de Abreu a um dos seus grandes mestres e amigos, recentemente desaparecido aos 95 anos. Para admiradores e críticos, uma figura incontornável do nosso séc. XX português

O Historiador Joaquim Veríssimo Serrão e a Guerra na Guiné-Bissau

António Graça de Abreu

Tive a sorte, ao longo da vida, de ter como professores e mestres, no liceu e na universidade, alguns homens de enorme envergadura intelectual e humana, que muito me ensinaram e, de algum modo, contribuíram para ser o que sou, um ser aparentemente humilde, em busca do inalcançável entendimento do mundo, um permanente apaixonado pelas palavras, a caminhar pelo fluir das gentes da minha Pátria, da China e da língua portuguesa, a navegar pelo mundo, pela prosa, pela poesia, pela História.
Recordo Óscar Lopes, o excepcional professor de Português nos meus antigos 3º., 4º. e 5º. anos, no início da década de sessenta do século passado, no Liceu D. Manuel II, Porto. 
Trinta anos depois, Óscar Lopes e Eugénio de Andrade fariam a apresentação da minha tradução Poemas de Li Bai, na Galeria da Praça, no coração do Porto, obra depois galardoada com o Prémio Nacional de Tradução 1990, do Pen Club e da Associação Portuguesa de Tradutores.
Mantive, com Urbano Tavares Rodrigues, meu professor de Português em 1965/66, no 7º. e último ano do liceu, no Colégio Moderno, Lisboa, uma amizade saudável e entusiasmante que perdurou até ao fim da sua vida. Em 1997, Urbano Tavares Rodrigues fazia, na Missão de Macau em Lisboa, a apresentação do meu livro China de Jade e escrevia palavras de grande simpatia sobre a minha poesia. 
Quer Óscar Lopes, quer Urbano Tavares Rodrigues foram militantes de topo do Partido Comunista Português, com ambos aprendi a olhar melhor o mundo, que respeitei e admirei sempre, embora, depois de seis anos de vida na China Popular, de 1977 a 1983, eu já não acreditasse nos “amanhãs que cantam” e na superioridade dos regimes políticos socialistas.
Na Faculdade de Letras de Lisboa, nos anos sessenta e setenta do século passado tive a ventura de encontrar Fernando Mello Moser, mais um excelente professor, no 1º. e 4º. ano do meu curso de Filologia Germânica. Grande Mestre e amigo, precocemente falecido, faz parte dos não muito homens de eleição que conheci.
Em 1995, regressei à minha Faculdade de Letras, agora para um mestrado em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa. Dois professores se destacavam, António Borges Coelho e Joaquim Veríssimo Serrão. Bem diferentes nas suas opções políticas (Borges Coelho, ex-comunista, havia passado longos anos na cadeia de Peniche, Veríssimo Serrão era o grande amigo de Marcello Caetano). 
Unia-os a História e o rigor e seriedade com que transmitiam aos seus alunos as estórias da História. Aulas fabulosas com estes dois professores, tão diferentes e tão dentro da nossa viagem pelas gestas de um passado, tão presente.
            Joaquim Veríssimo Serrão, falecido há um mês atrás, com 94 anos, seria o orientador da minha tese de mestrado. Encontrávamo-nos na Academia Portuguesa da História, a que presidia, para conversarmos e melhorarmos o meu trabalho, a biografia de D. Frei Alexandre de Gouveia (1751-1808), bispo de Pequim. Diante de mim, a abertura permanente com um excepcional ser humano, um fabuloso homem da nossa História, um Amigo.
            Em 2004, era publicada pela Universidade Católica, a minha tese, a biografia D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim.


Capa do livro de memórias do António Graça de Abreu,

"Diário da Guiné" (Lisboa, Guerra e Paz, 2007)



Em Junho de 2007, eu recebia esta carta do Prof. Dr. Joaquim Veríssimo Serrão, então com 82 anos:

Santarém, 8 de Junho de 2007
Exmo. Sr. Dr. António Graça de Abreu
                        
 Meu querido António

            Há muito que formei em mim a concepção de que a velhice não corresponde apenas ao último degrau da vida. Pelo contrário, deve ser vista como uma época de permanente actuação, para nela ainda fazermos o que se torna possível no campo da actividade creadora. 
            No dia 4 de Junho, adquiri na Feira do Livro de Santarém uma “jóia” de verdade histórica e de beleza literária incomparáveis. Fiel aos princípios acima enunciados, a obra foi logo objecto de leitura e apreciação, e esse agrado, fiz sentir no telefonema que lhe dirigi para o Estoril. Agora, no regresso de uma deslocação a Madrid, onde fui acompanhar o Professor Juan Velarde Fuertes, nos seus 80 anos. Mais novo do que eu que vou nos 82 anos! Mas todos os dias a ler, a escrever e a fazer livros.
            Pois hoje voltei ao belo e dramático “Diário da Guiné”, da sua autoria, e lá pude esclarecer a tonteria do General Spínola de deixar ir a um encontro com guerrilheiros 3 majores…desarmados, que foram feitos em postas. 
            Como se a moral dos “libertadores” fosse a mesma que a nossa: bons ou maus cristãos que sejamos! E não custa tampouco compreender a renúncia do General Spínola em 28 de Setembro de 74. Valente a lutar, inexperiente como político. E o coronel Fabião, que alinhavou a paz com os guerrilheiros, mas deixou que 2000 fulas tivesses sido fuzilados por “traição” à Guiné que nem sequer era ainda um país independente!
            As suas crónicas da Guiné de 1972-1974 são das mais lindas e comoventes que jamais foram escritas por um combatente. Que o Prof. Marcello Caetano tinha razões para desconfiar dos guerrilheiros, dá-a o António, na página 44. “Não era essa – nem é hoje – a linha política do governo de Lisboa, nem do PAIGC, que lutava pela independência total e expulsão dos colonialistas brancos.”
            Que lindas páginas que fazem chegar as lágrimas aos olhos!, da cor dos olhos dos meninos guinéus, da doçura tropical das mulheres do território que amenizavam a solidão dos combatentes, da beleza de uma Guiné que não merecia os libertadores que teve, nem o Luís Cabral, nem o Nino, talvez o Amílcar que era amigo dos portugueses, mas que abatido pelos radicais do PAIGC…
            O seu “Diário da Guiné” é uma obra prima de sinceridade, de enlevo pela terra, de ternura pelas crianças de olhos azuis e coração de ouro. Mas ganharam elas com a libertação, quando continuam a andar nuas, sem sapatos e esfaimadas, mas antes eram amadas pelo colonizador que as erguiam nos braços?
            Um grande abraço, cheio de ternura e admiração, do seu muito amigo, e a dedicação,
                                                           Joaquim Veríssimo Serrão


Cópia da carta, de 8 de junho de 2007. dirigida por Joaquim Veríssimo Serrão ao nosso camarada António Graça de Abreu, elogiando o seu livro, "Diário da Guiné" (Lisboa, Guerra e Paz, 2007).

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Nota do editor:

Último poste da série de 22 de julho de 2020 Guiné 61/74 - P21192: In Memoriam (368): José Barreto Pires (1945-2020): "termina uma vida, nasce uma saudade", a de um homem bom, grande camarada e indefetível barrosão, que muito amou a sua aldeia, Gestosa, Couto Dornelas, Boticas... Era membro da primeira hora da nossa Tabanca Grande.