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terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24921: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (20): 10 de Junho (Só para Patriotas)


1. Em mensagem do dia 30 de Novembro de 2023, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), reapareceu volvidos três anos, enviando-nos esta Boa memória da sua paz, intitulada "10 de Junho (Só para Patriotas)".


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 18

10 de Junho
(Só para Patriotas)


Há um grupo de ex-combatentes da Guerra do Ultramar que se vem reunindo mensalmente em alegres convívios, usufruindo de excelentes “provas” de gastronomia, enriquecidos com admiráveis programas de lazer e de cultura. Neles se cimentaram grandes laços de amizade, solidariedade e camaradagem.

Chama-se “O Bando do Café Progresso” e deve a sua formação a um pequeno grupo de jovens que frequentava assiduamente o “Café Progresso” (o mais antigo do Porto), especialmente no período anterior ao seu ingresso no serviço militar e sua consequente mobilização para a Guerra do Ultramar. Por coincidência passaram maioritariamente pelo mesmo percurso (Caldas, Mafra, Vendas Novas, Tavira, Santarém, Espinho e… Guiné).

Muito mais tarde, o Facebook promoveu a reaproximação de uns e a adesão de outros. Quem fomentou mais a afirmação do grupo foi o saudoso Jorge Portojo. Os membros do “Bando” tratam-se por tu, convivem como irmãos, sem distinção militar, social, clubística, profissional e académica. Cada um vai-se integrando ou afastando livremente, conforme a sua disposição para adaptação à camaradagem, amizade, solidariedade e tolerância. Graças a isso, e a mais de uma dúzia de anos de vivências regulares, temos um bom núcleo de base de grande confiança e amizade. Aqui, ninguém impõe nada, nem é obrigado a nada. Apenas tem de se sentir bem sem chatear ninguém.

Portugal não respeita o dia da sua Independência. Deve ser o único país do Mundo que não festeja o dia da sua independência!

Há quem diga que na “corte” da nossa Capital nunca foi nem será aceite que a fundação de Portugal tenha sido antes da conquista de Lisboa aos mouros.

Graças à grandeza do Camões (muito anterior ao Eusébio, Ronaldo, José Sócrates e Pinto da Costa), os portugueses vêm assinalando a data da sua morte como ponto alto da nossa portugalidade.

E chegou mais um 10 de Junho. Nada de novo: uma descentralizaçãozita das cerimónias para o interior do País e para junto das comunidades lusas de emigrantes no estrangeiro, garantindo assim a participação popular, mais pura e mais patriótica. Oportunidade única para se mostrar alguns adereços locais, mais políticos, mais medalhas discutíveis, mais fardas de vários tipos, incluindo algumas orientadas pela anquilosada/estatizada/Salazarenta Liga dos Combatentes. Mesmo assim, temos vindo a assistir a desfiles de figuras do poder, suas selfies e seus discursos vergonhosamente desenquadrados da importância solene que este Dia de Portugal exige.

Nós, “Bandalhos” do “Bando”, que sempre nos honramos da Pátria que defendemos, que além da Guerra, nos preocupámos e lutámos pela dignidade, honra e solidariedade dos nossos Camaradas, infelizmente pouco conseguimos e muito nos desacreditámos.

Prevalece, isso sim, o espírito “Bandalho”, que nos proporciona a boa ambiência, a amizade e a óptima camaradagem. E sempre manteremos o sentido patriótico com orgulho e muito respeito.


10 de Junho de 2023

Sem políticos, sem fardas, sem desfiles e sem medalhas, o “Bando” poisou, mais uma vez (a 10.ª), na lindíssima povoação de Crestuma,

Concentrados no Miradouro deslumbrante do Largo da Igreja, pelas 12h00 fizemos a Romagem ao Cemitério onde foi depositado um lindo ramo de flores. O Romualdo Silva complementou a Homenagem aos ex-Combatentes locais, enaltecendo a sua prestação militar, espirito de sacrifício e dever patriótico, na defesa do seu País e da sua comunidade.

Seguimos para as instalações do Clube Náutico de Crestuma, onde tivemos a oportunidade de conhecer um dos principais clubes da Canoagem Portuguesa.
Na montra de Troféus do C. N. Crestuma, deparamos com o Troféu Olímpico, que é atribuido ao clube desportivo de maior destaque no período dos 4 anos de Ciclo Olímpico
Como Fundador e Primeiro Presidente (e Honorário) desta Colectividade, “deixaram-me” fazer o papel de Guia. O Clube (propriamente dito) estava ausente, a participar em Provas de Canoagem na Catalunha.

Subimos para a Esplanada, onde prosseguiu o nosso 10 de Junho “à nossa maneira”.
Ali, quase debruçados sobre as águas do Rio Douro, envolvidos numa belíssima paisagem e acarinhados pelo aconchego das nossas queridas, resolvemos homenagear (finalmente!) as nossas Madrinhas de Guerra
Ainda entretidos a “decidir opções” perante a excelente mostra das entradas, o Ricardo Figueiredo já aproveitava para citar Camões, a referência ao dia e o expoente máximo da nossa cultura.
“Eternos moradores do Luzente
Estelífero polo e claro acento,
Se do grande valor da forte gente
De Luso não perdeis o pensamento”


E referiu:
“…Ao longo da nossa história, muitos foram os exemplos de dedicação, altruísmo e coragem de militares que, em cumprimento do dever, sublimaram as suas capacidades ao serviço de Portugal. Foram heróis que connosco partilharam o quotidiano das suas vidas. Afinal, homens simples, capazes de feitos extraordinários.
Ao percorrermos a nossa memória, lembramo-nos dos cerca de 10.000 portugueses mortos e de mais de 54.000 feridos em combate e aí revemos os nomes de familiares e amigos.
E recordamos também aqueles que, ao longo de 9 séculos, deram a vida por Portugal.
Fomos Combatentes!
Somos ex-Combatentes!
Fomos soldados de excepção. Fizemos da distância e da saudade um desafio a vencer, aceitámos a falta de recursos como razão para a iniciativa e para a adaptabilidade fizemos da juventude o tempero da camaradagem.
E é desta lembrança de uma camaradagem fortalecida em tempos difíceis de guerra que resultam os nossos sentimentos de saudade.
Lembramos os nossos camaradas que sobreviveram e os que recentemente da lei da morte se passaram para outra dimensão.


Lembramos:
Jorge Portojo,
Carlos Peixoto,
Armando Santos,
Barreto Pires,
José Valente,
António Piteira,
Francisco Alen
Henrique Azevedo
Carneiro de Miranda
Manuel Maia
…”

Após o minuto de silêncio, procedeu-se à distribuição dos Diplomas de Homenagem às Madrinhas de Guerra, entregues pelos seus próprios afilhados. A nossa geração não esquece.

E a pedido, o Ricardo também leu:

Ex.mas Madrinhas de Guerra
Camaradas Combatentes
Desde miúdos, que nos habituámos a respeitar o 10 de Junho, como Dia de Camões, Dia da Raça. Dia de Portugal.
Era neste dia que se enalteciam os maiores feitos dos Portugueses!
Dia consagrado aos nossos heróis!
Vimos jovens, robustos, firmes, inteiros ou estropiados, garbosamente fardados.
Vimos pais, mães e filhos, vestidos de negro.
Vivos ou mortos, os nossos valorosos Combatentes estavam ali, orgulhosamente, para Honra e Glória da nossa Pátria.
Eram respeitados como a expressão máxima do nosso heroísmo.
Os tempos foram mudando, os combatentes foram esquecidos e as Cruzes de Guerra foram substituídas por grandes e abundantes Comendas.
Agora, os heróis são outros. São experts da política, da economia, da vigarice, do marketing e do chico-espertismo.
Curiosa e vergonhosa a situação reinante.
É que muitos deles (nós também), aguardam da verdadeira Justiça, a desejada e demorada condenação!
Volvido meio século da nossa história, nós, a geração que tudo sofreu,
A geração que em tudo acreditou,
A geração que sempre trabalhou,
Sente-se agora algo envergonhada pela situação a que chegamos.
Sem força, física e anímica, resta-nos a razão moral que nos alimenta vida fora.
Muito fizemos!
Mas muito deixamos por fazer!

É por isso, que, volvido tanto tempo, ainda vivemos preocupados com desejados acertos da nossa História.
Hoje, mais uma vez, lembramos o 10 de Junho, através de uma singela Homenagem.
A Homenagem às nossas Madrinhas de Guerra.
Sem elas, a guerra teria sido outra.
Sem elas, não teríamos vivido a Paz e o Amor.
Sem elas, não valeria a pena viver!
Obrigado Madrinhas de Guerra!
Obrigado Madrinhas no Amor!
Vós sois a razão da nossa existência.
VIVAM ÀS NOSSAS MADRINHAS !!!
VIVA PORTUGAL !!!


Uma inédita e muito singela Homenagem que provocou momentos de grande emoção e ainda de …muito amor.

Foram Homenageadas as seguintes Madrinhas de “Bandalhos”:

Gilda Ferreira - de - José Ferreira
Virgínia Teixeira - de - Jorge Teixeira
Carminda Cancela - de - Jose Manuel Cancela
Margarida Peixoto - de - Joaquim Peixoto
Cândida Rainha - de - Ricardo Figueiredo
Almerinda Freire - de - José Freire
Constantina Silva - de - Fernando Silva
Rosário Guimarães - de - Manuel Cibrão Guimarães
Amélia Fonseca - de - Luis Bateira
Maria Inês Sá - de - Manuel David Sá
Isabel Encarnação - de - João Encarnação
Emília Silva - de - Romualdo Silva
Maria Anjos Ramalho - de - Alberto Moura
Júlia Gomes - de - Isolino Gomes
Eulália Oliveira - de - António Pimentel
Maria de Fátima Carvalho - de - Antonio Carvalho
Umbelina Carneiro - de - Joaquim Carneiro
Constança Lopes - de - António Moreira
Fátima Sousa - de - José António Sousa
Maria José Costa - de - José Sousa
Conceição Claro - de - Damião Carneiro
Fátima Anjos - de - Francisco Baptista
Ana Maria Marques - de - António Duque Marques
Quina Carmelita - de - Manuel Carmelita
Assunção Paupério - de - Rogério Paupério
Constança Maria - de - António Gonçalves
Manuela Campos - de - Eduardo Campos
Fernanda Soares - de - Alberto Godinho
Luísa Lopes - de - José Manuel Lopes

Dia de emoções fortes
No 10 de Junho destes “guerreiros”, o Amor sempre prevalece.
Alimentados os corações, há que abastecer o estômago com a “Paella do Marques”, complementada com mais umas lambarices.
Tudo bem regado com bebidas escuras, brancas e outras e bem-humorado, com destaque para a animação da dupla “Ricardo e Carneiro” e para o grupinho das “Tecedeiras de Crestuma”
Os animadores Ricardo e Carneiro
Grupo das “Tecedeiras de Crestuma”
Já o dia ia longe e ainda “restavam” vários Bandalhos, pacificamente “colados” à terra, quietinhos, quentinhos e em sonolenta recuperação.

“Estes guerreiros são bons
C´o copito no punho
Clamam em vários tons
Pureza no 10 de Junho”


Silva Da Cart 1689
José Ferreira da Silva

____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 DE AGOSTO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21260: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (19): O Sousa da Ponte… de Pedra

domingo, 16 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21260: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (19): O Sousa da Ponte… de Pedra



1. Em mensagem do dia 4 de Agostoo de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, intitulada "O Sousa da Ponte... de Pedra.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 17

O SOUSA DA PONTE... DE PEDRA

Quem não se lembra da história do “Sousa da Ponte”? Sim, o Sousa tripeiro que, “numa proba de nataçon, nos primeiros 50 metros já lebaba 100 d’abanço”? Esse mesmo, o que ficou para trás “debido ao inchaço da “âncora” que tocaba no fundo do rio Daouro”?
(https://www.youtube.com/watch?v=AC3EyhWpTTI)

Pois eu encontrei o Sousa da Ponte, mas da Ponte de Pedra, aquela d’ao pé da Ponte Duarte Pacheco, sobre o Rio Tâmega, perto da Barragem do Torrão.

Após almoço frugal (mas recomendável), precisamente junto a essa ponte mandada construir por um grande Ministro de Obras Públicas do antigo regime, fomos, eu e o meu amigo e vizinho Zé Pedrosa, à Barragem do Torrão tentar quebrar o enguiço desse mau dia de pesca.
O dia estava muito quente, a hora não era a melhor e resolvemos ir até Bitetos, ali perto de Alpendorada e muito próximo da Ilha dos Amores (fomos nós, os canoístas de Crestuma, que lhe demos esse nome), outrora chamada Ilha do Pecado.


Pois por mais modernices aplicadas nestes quarenta anos, onde se destaca o cais para os grandes e pequenos barcos de turismo, a implantação da praia fluvial, com parque de estacionamento à sombra das árvores e o grande bar de apoio, eu sempre “poisei” no tasco da curva, hoje um bar moderno com ar condicionado, luzes especiais e uma chuva miudinha interior, artificial, para refrescar. Para nós continua a ser um ponto de encontro, desde os tempos em que o “soalho” era de… terra batida.
Conhecemos bem aquela zona, dos encontros e provas da canoagem, das aventuras na praia,das investidas à ilha e das subidas do Rio Paiva.

A “etnia” do Náutico de Crestuma vem ocupando parcialmente a Ilha dos Amores ao longo de quarenta anos.

- Boa tarde – dissemos para a mesa onde estavam três reformados. (Via-se bem que eram).
- Boa tarde – responderam os três ao mesmo tempo, ao mesmo tempo que nos miravam com olhos de RX.

Pensando que eles gostariam de saber mais qualquer coisa sobre os estranhos forasteiros (nós), enfrentei-os provocadoramente:
- Então, como é isso, ninguém de máscara? Não me digam que estão vacinados pela injecção de cavalo que lhes deram antes de irem para a guerra?
- Claro, respondeu o careca de bigode à Lech Walesa. Andei lá no duro, no norte de Moçambique. Era guarda-costas dos Comandantes da CCS nº. XX.
- Guarda-costas numa CCS? - observei.
- Sim, Companhia de Comando… e Serviços!

Viu-me admirado e continuou:
- Como era cabo, tinha a responsabilidade de ir buscar os géneros para a Companhia. Eu é que mandava na coluna.
- Não me diga que também se “orientou” e gamou umas coroas?
- Eu não, mas os soldados que iam comigo abusavam. Traziam coisas e vendiam-nas. Mas isso era lá com eles. Eu… nem pensar!
- E andou mesmo aos tiros?
- Estávamos lá no norte, perto da fronteira. Quando vinha o avião que trazia o correio, punha-se às voltas, para irmos para a pista e às vezes demorávamos e os turras iam lá assaltar o avião. Tínhamos que disparar para eles fugirem.

E continuou:
- Mas quem deu muitos tiros, foi aqui o Afonso, que já fez oitenta anos e foi dos primeiros a ir para Angola. Não foi pá?
- Hã? Sim, sim. Mais um de maduro branco. - respondeu o Afonso dobrado sobre a mesa, enquanto levantava ligeiramente o copo vazio, com a mão direita.
O Afonso ouvia muito mal…

E voltou o Sousa (o tal de bigode à Walesa):
- Houve lá um combate em que só sobraram seis de uma Companhia! Foi por riba das Pedras Pretas, lá prós lados do “Nabugandongo”! Não foi, ó Afonso?
- Sim, já sabes. Branco fresco. Maduro.

As aventuras multiplicam-se nas proximidades da Ilha dos Amores

- É só “filmes”. – disse o Arlindo – Eu também estive lá fora, andei lá longe na de zona de Tomar. Ás vezes atacávamos no Castelo de Almourol. Mas que ricas tardes, que por lá passei!
- Então teve sorte?
- Não, eu acho que tive azar. Já não fui preciso. Mas gostava de ter ido defender a nossa Pátria. Aqueles cobardes fizeram a revolução do 25 de Abril para eles e só nos tem prejudicado.
- Olhe que não, olhe que não…
- Entregaram tudo aos movimentos comunistas, sem saberem o que lá se passava. Nem respeitaram a nossa História de 500 anos! Olhe que ainda hoje, a maioria daquela gente gostava de estar ligada com Portugal. E vivem pior.
- Não diga isso. Cada povo merece a sua independência. Veja que nunca mais houve guerra e vivemos todos em paz.
- Nós vivemos em paz, mas eles não. Foram abandonados e entregues a outros interesses, nada patrióticos. Fomos cobardes. Temos tido muito azar. Aqui também passámos mal. É só ladrões. Precisávamos de outro Salazar. Grande Homem aquele! O mal foi juntarem tanto ouro, com tanto sacrifício, para estes gajos o foderem todo.

Aí diz o Sousa:
- Sou todo vermelho por dentro; na política e no futebol. Mas o político português que eu mais admiro é o Salazar. E o outro Marcelo também não era mau. Assim como o Porto e o Pinto da Costa, também gosto muito. Grande clube e grande Homem do norte! É um bocado benenoso, mas tem toda a razão. Até parece mentira, mas é verdade: sou benfiquista porque dizem que um homem até pode mudar de mulher, mas de clube não. E como sou muito Homem, não vou virar a casaca.

E continuou:
- Tínhamos tanto ouro e tanto dinheiro mas o Passos Coelho fodeu tudo. Olhem que foi ele que deu as reformas de duzentos e tal €uros.
- Pois, e esses se calhar não deviam receber nada, porque não descontaram. Estão a tirá-lo a quem sempre trabalhou e sempre descontou.
- Ai foda-se! Eu trabalhei sempre legal e dei trabalho a dois filhos e os ciganos que não trabalham recebem mais que eu! A culpa é desse Coelho que deu tudo aos ricos e nos deixou sem ouro e sem dinheiro.

Interrompeu o Arlindo:
- Ó morcão, és tão amigo do Costa e ele não resolve nada?
- Q’ssafoda, pedi um exame médico lá em Valadares, para um apoio extra de cento e tal €uros e não mos deram. Se o Costa fosse esperto já tinha mandado fabricar mais dinheiro. Não se admite que neste governo tão grande não haja gente capaz de resolver isto. Tomo 22 comprimidos por dia, já minguei quinze centímetros e estou a ver que vou morrer à sede. Se não fosse a minha filha, estava refodido.
- Cuidado camarada, não vamos desanimar. Um militar não se deixa ir abaixo.
- Eu? Nem pensar! Fui sempre uma máquina! Casei com 19 anos e quando fui para a guerra já tinha 3 filhos. A mulher engravidou aos 15. O meu sogro queria me matar, mas, se me matasse, ia ser pior para a filha. Ou não era?
- Ah leão! Que perigo!
- Em Moçambique, dei muita foda. Com um cigarrito, já comia uma mulher. Um maço dava para vinte fodas. Até tenho saudades daquele tempo. Dava-me tão bem com o Alijó! Andávamos sempre juntos, até diziam que parecíamos um casal. Um dia, queríamos foder e fomos para o caminho onde as pessoas passavam e combinámos que eu ia com a primeira e ele com a segunda que aparecesse, fosse quem fosse. Calhou-me uma velhota com as mamas sequinhas, penduradas até aqui… abaixo da cintura. A ele calhou um gajo e a coisa não correu lá muito bem. Mas parece que se pegaram. Quando entrámos no quartel, o capitão olhou p’ra ele e disse: - Ó Alijó, que é que te aconteceu para andares assim com as pernas abertas? E eu respondi-lhe que ele se tinha pegado à porrada com um gajo.

A afluência à Praia de Bitetos, verificada na Quinta-feira, dia 06.Ago.2020, em plena crise COVID.

Uns dias depois, voltei lá a procurar o Sousa. Eu queria saber mais alguns pormenores da sua história. Em termos de provocação disse-lhe:
- Falei para Alijó e o seu amigo deu a entender que foi a ele que calhou a velhota, porque ele é que era o primeiro.
- O caralho é que foi! Ele não pode dizer isso porque sabe bem o que se passou e o que ficou combinado!

José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21241: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (18): Laurindo Arriaga, o retornado (Parte II)

domingo, 9 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21241: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (18): Laurindo Arriaga, o retornado (Parte II)

As Quedas do Duque de Bragança são quedas de água situadas na província de Malange. Estão localizadas no rio Lucala, o mais importante afluente do Rio Kuanza. Fica a 80 km da cidade de Malanje, capital da província e a 420 km de Luanda, a capital do país. Com uma extensão de 410 metros e uma altura de 105, são as segundas maiores de África.[1][2] 
Desde 1975 tomaram o nome de Quedas de Calandula


1. Em mensagem do dia 4 de Agostoo de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, desta vez dedicada ao "retornado" Laurindo Arriaga.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 16

LAURINDO ARRIAGA, O RETORNADO

PARTE II

O Manel, o filho mais velho, estava para Luanda, a estudar mecânica e os outros dois frequentavam a escola de Malange. E lá continuaram no Liceu Nacional Adriano Moreira. Estavam hospedados na casa da D. Palmira, cujo marido era o Pinto taxista. Como ele se meteu no negócio dos diamantes e enriqueceu rapidamente, despachou-os para casa da cunhada D. Rosa.


O Tio Quim ambientava-se facilmente com o pessoal indígena. Depois de uma relação ligeira com uma rapariga, abdicou dela em favor do irmão Tono, que era mais introvertido. Juntou-se então com a Mariquinha, com a qual tiveram um Quinzinho. O “Quissuto” não era branco nem negro, mas o pai gabava-se da sua semelhança, através do abonado pirilau.

O Tio Tono, que veio a casar por procuração com a Isaura, assumiu a paternidade de uma lindíssima miúda, a Madalena, que foi muito acarinhada. Em tons de brincadeira íntima (ou copito a mais), o Tio Quim confessava que não se sabia bem qual deles era o verdadeiro pai.
Foram tempos de grande progresso na fazenda que muito rentabilizava pela sua excelente produção. Vivia-se bem. Faziam-se bons piqueniques e grandes patuscadas. O Laurindo já mandara fazer o projecto para uma boa casa lá no cimo do monte.

Angola desenvolvia-se excepcionalmente, independentemente de se saber que existiam os chamados movimentos de libertação.
Naquela zona, apesar de se falar na força dos diamantes, não se sabia da dimensão política que ali se vivia. E na fazenda S. José ninguém se manifestava.

Quando surgiu a revolta do 25 de Abril, o Arriaga era mais conhecido pelo “Kambuta do Pungo Andongo”.
Aquele elo que o prendia ao nome do grande democrata português, quase há meio século, já não tinha o mesmo significado. Já se havia adaptado às circunstâncias e já não via necessidade de alterações no poder e na ordem pública. Julgava como crença generalizada, que Angola estava pacificada e no bom caminho e que, mesmo que se desligasse da administração portuguesa, continuaria no seu rumo de sucesso.
No entanto, sentiu alguma satisfação pelo acontecimento e pela esperança de melhoria dos portugueses.

Porém, na minha modesta opinião, as coisas afastaram-se muito das previsões. Os interesses internacionais sobrepuseram-se facilmente e o novo poder de Lisboa limitou-se a seguir pressões/orientações ideológicas, negociadas ao mais alto nível. Em pouco tempo, a revolta pelos interesses reivindicados pela classe dos capitães do quadro, que passou a ser a luta pelos ideais de Abril, foi habilmente instrumentalizada pela experiência e militância dos ex-perseguidos políticos.
A apologia aos regimes comunistas/socialistas propalada pelos detentores da revolução, levou-nos candidamente para uma orgulhosa alienação esquerdista. Assim, assistimos pacificamente à entrega das províncias ultramarinas aos movimentos de libertação ligados ao poder soviético, com o apoio incondicional das nossas forças armadas. E para que os portugueses (brancos) não pudessem contrariar ou reivindicar qualquer estatuto/direito, foi-lhes retirado o apoio devido, forçando-os a uma ponte aérea para Lisboa. 

Independentemente da sua possível justificação, interpretação ou desmentido, ficam-nos três testemunhos para perdurarem dessa fase terrível da nossa democracia:
1 – Os portugueses não brancos e não comunistas; “…ex-militares guineenses que permaneceram na Guiné-Bissau após a saída das tropas portuguesas e que acabaram massacrados pelas autoridades daquele Estado. Desta maneira, embora não se possa afirmar que Portugal se tenha furtado às suas responsabilidades para com aqueles militares portugueses (e que haviam sido assumidas no Acordo de Argel), a verdade é que não curou de acautelar os seus interesses e, no limite, a sua própria sobrevivência.” 
Fonte: OS MILITARES PORTUGUESES NA GUINÉBISSAU: Da Contestação à Descolonização

2 – Os detentores do poder político forçaram uma solução antidemocrática, sem nunca terem estado/convivido no terreno;

Publicação de “A Rua” em 2 de Junho de 1977, baseando-se num artigo de “O Estado de S. Paulo”, de 15 de Maio, que se referia a afirmações de Mário Soares, proferidas no Brasil em 1973. Acrescente-se que o Der Spielgel, de 19 de Agosto de 1974 publicou afirmações similares, obtidas ao mesmo Mário Soares, já como MNE.

Nota da Avaliação do Polígrafo em programa da SIC: Em suma, é muito difícil afirmar de forma concludente que Mário Soares efetuou esta afirmação - mas dizer o contrário também seria um exercício especulativo.

3º - A cobardia de um poder militar submisso, cruel e antipatriótico.


Referido por: António Barreto -13.04.08, artigo com o título “Angola é nossa!”, jornal Público
Documento pouco credível por ser desnecessário, para caracterizar a acção antipatriota do “Almirante Vermelho”.

Pouco a pouco foi-se notando alguma preocupação quanto ao futuro de Malange. A partir de Março de 1975, quando se desentenderam, os movimentos de libertação passaram a lutar entre si pela sua afirmação. Apareceram então elementos ligados a movimentos de libertação que, mesmo sem experiência se exibiam a manejar armas modernas.
As fazendas grandes tinham algum armamento antiquado, ligado à OPVDCA. No caso da Fazenda S. José só havia duas armas de caça. Chegaram a ter duas armas e algumas granadas, mas enterram tudo isso, quando entregaram as caçadeiras. O Laurindo, por precaução, colocou em Malange, na casa da D. Rosa, a Barbara com o Zezito e a cunhada Isaura com a pequena Madalena e o bebé Joãozinho, nascido recentemente na sua deslocação à Metrópole para o parto.

Um dia em que o Laurindo havia saído, para os lados do Cacuso, houve escaramuças entre MPLA e UNITA e quando regressava, foi interceptado e impedido de prosseguir. Mudou de percurso outras vezes, e voltou a acontecer o mesmo. Em Malange, os familiares refugiaram-se no quartel militar. E quando o Laurindo lá chegou, eles já tinham seguido em coluna militar, para Nova Lisboa.
O Tio Quim e o Tio Tono ficaram na Fazenda sem saber o que fazer. Os empregados já não trabalhavam e alguns fugiram. O Laurindo conseguiu contactar com a Fazenda Cahombo e pediu-lhes que, de avião, recuperassem os seus cunhados e o filho Toninho, que lá continuavam isolados.
Em Luanda, o filho Manuel, que havia casado com a angolana Ana Maria acabava de ser pai do Zézinho, o primeiro neto do Laurindo. A criança ficou com a mãe e eles arrancaram de carro para Nova Lisboa.

Logo que se descobriram em Nova Lisboa, meteram-se a caminho de regresso, em coluna de carros em fuga, com destino a Luanda. Já lá estava o Tio Tono, mas choroso porque o pequeno avião não pudera trazer o Tio Quim e o Toninho. Viviam-se os momentos mais dramáticos daquela crise. O Laurindo teve muitas dificuldades em conseguir que os fossem buscar. Meteu-se na sede do antigo patrão Manuel Vinhas até convencer que um amigo piloto lhe resgatasse o filho e o cunhado Quim.
Este ficou bastante abalado porque lá deixara o Quissuto e sua mãe Mariquinha, sem saber o que fazer.

O Zézito, então com 13 anos, que sempre acompanhara a mãe Barbara, viveu momentos marcantes, que ainda hoje tem dificuldade em recordar.
Ele viu coisas horríveis. Ele recorda os mortos abandonados na via pública, os militares da Unita a divertirem-se disparando de cima do terraço para as ruas, sem oposição e as corridas que fazia no turbilhão de gente desesperada, atrás das viaturas dos militares, de onde atiravam pequenas embalagens de bolachas, batatas fritas, chocolates e outros alimentos apanhados em lojas e mercados.
Lembra ainda a última refeição preparada pela mãe Barbara. Lá em Malange, na casa da D. Rosa, ela havia feito um arroz malandrinho de lulas. Fez comida a mais para a poder oferecer a mais alguém. Só que a D. Rosa, que já tinha vários familiares e amigos ali refugiados, fê-los invadir a cozinha e pôs-se a matar a fome a todos eles, sem que a bondosa mãe Barbara reclamasse. E lembra o olhar da mãe como se lhe estivesse a pedir desculpa e a pedir sua compreensão.

Também viveu muito preocupado com a exposição do pai, que não parava, nem descansava, na procura de assegurar o salvamento dos seus. Por vezes, não se sabia dele, se comia e se dormia.
Em Luanda, despidos de tudo que possuíram, despidos do orgulho que os alimentava e despidos dos sonhos que os guiavam, apenas queriam sobreviver.


Vieram em 27 de Setembro de 1975, no auge da Ponte Aérea. Exactamente no dia em que o Zezito “festejava” o seu 14.º aniversário!
Pouco trouxeram além da roupa vestida. Os casados seguiram para junto das famílias das mulheres. Porém, o cunhado Neca, que veio mais cedo, limitou ainda mais o espaço na casa da Mãe Linda. O Laurindo, a Barbara, os três filhos, a nora e o primeiro neto já lá não cabiam. Mesmo assim, chegaram a dormir 17 pessoas naquela casa.


A boa fama de gente humilde e trabalhadora contribuiu para que, em poucos dias, muito se tenha resolvido. Como a casa do vizinho Sância era grande, foi-lhes facultado o abrigo durante alguns anos. A proprietária Dona Generosa justificava o nome, com a generosidade que demonstrava.

Todavia, ela soube bem aproveitar as aptidões dos Arriaga, dando-lhes trabalho nos seus terrenos.
No entanto, o Laurindo queria mais. Arranjou um pequeno tractor e nunca mais parou. Toda a gente admirava a vitalidade do Senhor Laurindo. Ele fazia de tudo com aquele tractor.

Dos terrenos ocupados (estaleiro dos camiões, caterpillars e campos de lavoura), ele quis destacar uma parte para fazer casa. Foi fácil o entendimento e a respectiva compra ao “Sôraugusto”, filho da Dona Generosa.
Em poucos anos, vimos aquele homem reconstruir exemplarmente uma grande família.


Foram anos de muito trabalho, mas também, de grande sucesso. Com alguma animosidade dos políticos de esquerda, os retornados também enfrentaram muito os invejosos. Possivelmente o maior invejoso de Crestuma, teve o azar de se meter com o Arriaga, junto à tasca do Arouca. Ainda hoje se ouve, lá no tasco: - "o baixote Arriaga, já com mais de 70 anos e uns 20 acima do invejoso, arreou-lhe duas lambadas no focinho que o pôs a gaguejar como um anjinho”


Como meus bons vizinhos, como admirador do seu grande trabalho e como solidário com o heróico esforço dos retornados, eu teria que ter uma boa relação com a família Arriaga. Ainda hoje, subo a escada, entro na porta, sem chave, na enorme sala, sento-me junto a uma grande mesa, onde raramente está vazia. É este tipo de abertura e de franca amizade que muito caracteriza quem viveu em Angola, independentemente da situação de maior ou menor poder material ou social de cada um.

Quando a “Sôrabarbara” caiu de cama, acentuaram-se as nossas visitas. O “Sôlaurindo” estava sempre por perto. Dessas carinhosas visitas temos muito gratas recordações. Ali, a pretexto de se ver os jogos do Porto juntos, vinham outros amigos que nos proporcionavam bons serões de convívio. Eram todos portistas, mas havia sempre discussões acesas, visto uns simpatizarem mais que outros nas decisões do treinador ou na “azelhice” de alguns jogadores. Porém, todos unidos no slogan “contra tudo e contra todos”. Até a “Sôrabarbara” murmurava baixinho: - O vermelho é cor do diabo.

O “Sôlaurindo” esforçava-se sempre por ter companhia. A sobrinha Emília – “Milita” (filha do tio Neca) que casara com o primo Zezito, também gostava de nos ver por lá e logo colocava na mesa excelentes petiscos caseiros. É uma joia de pessoa. Tem um coração de oiro. Está sempre a cuidar dos outros. Ela largou o emprego para se dedicar inteiramente ao cuidado dos tios (também sogros).
O Laurindo sentava-se sempre no mesmo canto, perto da lenha, para abastecer o fogão de sala. Estava sempre de ferro na mão, feito engenheiro de fogueiras, atento ao controlo das achas que iam ardendo. E eu, sempre friorento, colocava-me frente a ele. Gostava dele, porque o admirava muito. E gostava também quando ele contava coisas extraordinárias da sua vida. E sobre Angola, lamentava muito a sua difícil evolução. Dizia-me às vezes:
- Ó “Sôjosé”, aquilo nunca mais se endireita. Mandaram de lá para fora pr’aí um milhão de pessoas que lhes fazem muita falta. Meu Deus, ele há tanto que fazer naquela terra tão rica! Saíram de lá os que mais gostavam de trabalhar. E agora, o que vemos? Os amigos que lá voltaram, não aguentaram tanta corrupção e tanta miséria. Dizem que já ninguém respeita ninguém. É só vigários, pessoas sem escrúpulos e oportunistas. O dinheiro do petróleo, mesmo que fosse distribuído, não chega para alimentar tanta gente. Mas primeiro estão os políticos e os militares. Os que foram agora para lá roubar são acarinhados pelo governo como cooperantes e os que lá trabalharam honestamente, como verdadeiros angolanos, são apelidados de colonialistas. Coitados dos amigos quimbundos, tenho tanta pena deles!

Também me repetia orgulhoso a história de uma empresa de alfaias agrícolas que confiou nele, sem qualquer garantia. Creio que era de um Sr. Herculano, ali dos lados de Aveiro. Foi lá comprar umas aivecas para o ajudar a lavrar e veio de lá com um atrelado novo e cheio. Foi marcante e decisivo esse apoio inicial, que ele tanto agradecia.

Vivia orgulhoso pelo que fizera, mas mais orgulhoso pela família que o rodeava. Mesmo depois da crise da imobiliária, mantinham a boa ambiência. Dos três filhos e sete netos, destaco o filho Zezito que, com a Milita e os dois filhos: o Hugo (Conde das Cavadas) e a “Princesa” Bárbara (Babita) sempre viveram junto do exemplar Casal Arriaga, a quem dedicaram um carinho inexcedível e um amor enorme.

Lembro que o neto Zezinho, filho do Manuel e Ana Maria, nascido naquele Setembro negro de 1975, foi o primeiro a ser pai. Vive perto dos pais, desde que se instalaram lá para o Fundão.

Era uma alegria imensa vê-los todos juntos em dias especiais: aniversários, casamentos e baptizados. Também era agradável vê-los a visitar a Mãe Bárbara que acamara durante vários anos. Todos eles, pessoas de bem que muito honram a família Arriaga.

O filho Zézito sempre viveu com a mãe Bárbara e sempre lhe deu um carinho excepcional.

José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
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Nota do editor

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sábado, 8 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21236: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (17): Laurindo Arriaga, o retornado (Parte I)

As Quedas do Duque de Bragança são quedas de água situadas na província de Malange. Estão localizadas no rio Lucala, o mais importante afluente do Rio Kuanza. Fica a 80 km da cidade de Malanje, capital da província e a 420 km de Luanda, a capital do país. Com uma extensão de 410 metros e uma altura de 105, são as segundas maiores de África.[1][2] 
Desde 1975 tomaram o nome de Quedas de Calandula


1. Em mensagem do dia 4 de Agostoo de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, desta vez dedicada ao "retornado" Laurindo Arriaga.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 16

LAURINDO ARRIAGA, O RETORNADO

PARTE I

Nasceu em 1927, junto à povoação ribeirinha de Arnelas, com o nome de Laurindo Ferreira Pedrosa, mas logo ficou conhecido coma alcunha de Arriaga, herdada do pai, Manuel Ferreira Carvalho. O Manel Arriaga era casado com a Maria de Oliveira, ambos agricultores na Quinta do Casalinho. Mudaram-se para a Quinta de Rio do Lobo, onde permaneceram.
O pai Manel apanhou a alcunha de Arriaga ainda era adolescente. Entusiasmado com a efervescente e anormal movimentação política de então, chamava a atenção a sua forte simpatia pelo primeiro Presidente da República Portuguesa, Dr. Manuel de Arriaga, que tanto admirava.

Esse Grande Presidente, nascido no Faial, manifestou-se na oratória, nas letras e na política, mas afirmou-se pelo seu comportamento humano e como republicano e democrata. Filho de gente rica, fidalga, burguesa e monárquica, teve de trabalhar para continuar a estudar em Coimbra, quando lhe foi retirado o apoio por se manifestar activamente na luta política a favor da república e da democracia.

“Manuel José de Arriaga Brum da Silveira e Peyrelongue (Horta, Matriz, 8 de julho de 1840 — Lisboa, 5 de março de 1917) foi um advogado, professor, escritor e político de origem açoriana. Grande orador e membro destacado da geração doutrinária do republicanismo português, foi dirigente e um dos principais ideólogos do Partido Republicano Português. A 24 de agosto de 1911 tornou-se no primeiro presidente eleito da República Portuguesa, sucedendo na chefia do Estado ao Governo Provisório presidido por Teófilo Braga. Exerceu aquelas funções até 29 de maio de 1915 e é recordado em centenas de nomes de ruas e praças.” (Fonte: Wikipédia)

Manuel Carvalho e Maria Oliveira ”faziam” as terras da Quinta do Rio de Lobo, em Olival. Naqueles tempos era muito difícil sobreviver à luta pelo sustento familiar e, ao mesmo tempo, pagar as rendas ao senhorio. Por mais que se esforçassem, a Quinta não produzia rendimento para tanto encargo.
O Laurindo não queria aceitar tanto esforço familiar, não compensado. Gostaria de ir para a escola primária, mas a ajuda do seu trabalho na lavoura tornara-se imprescindível.

Por volta dos anos 40, ali perto de Olival, fervilhava de crescimento industrial a pequena freguesia de Crestuma, muito favorecida pelo Rio Douro como importante via fluvial e pelo aproveitamento da energia hidráulica produzida pelas quedas do Rio Uíma, ali perto da sua foz no Douro. Nessa altura, destacavam-se as indústrias têxtil, metalúrgica e do papel.



A Companhia de Fiação de Crestuma continuava a sua expansão e já muito longe das suas origens (1754). Tornara-se num pequeno império. Dava trabalho a largas centenas de pessoas ligadas e aí se especializavam e faziam carreira na indústria têxtil. Na sua origem dedicara-se ao fabrico de arcos de ferro para os pipos e, noutra fase, funcionou como fundição.
Também dava ocupação a lavradores, no aproveitamento dos vastos terrenos aráveis, adjacentes. Outra actividade permanente que ocupava muita gente era a do alargamento de instalações fabris (e sociais) e na construção de muros de suporte das terras e na vedação de quase toda a Quinta.

O Laurindo convenceu o pai que poderia auxiliar mais a família indo para lá como ajudante dos pedreiros do Silva de Lever. E ficou lá alguns anos. Tal como o pai, foi muito gozado devido ao uso do apelido Arriaga. Se, por um lado, sentia algum orgulho por ser portador do apelido tão honroso, por outro, lado notava o ridículo a que era exposto, dado o extremo contraste com a ilustre personalidade.
De vez em quando lá ouvia ele:
- Ó Arriaga, vê se vais a Lisboa prender os teus amigos, aqueles filhos da puta que nos governam.

Ele era muito interessado em tudo que o rodeava. Falava pouco, mas teimava nas suas opiniões. Por ser analfabeto, perdia quase toda a credibilidade, até que um dia, num contacto mais alargado com um senhor que andava a apontar a obra e a colher as horas de trabalho, falaram na possibilidade de ele o ensinar a ler e a escrever minimamente.
E foi através de galos, galinhas, ovos e coelhos, que ia subtraindo lá em casa, que iniciou a sua aprendizagem escolar. Ávido de conhecimento, logo que juntou as letras, devorava tudo que pudesse ler. Então, nem parecia o mesmo. Até de poesia falava.

Quando regressava a Olival, tinha que passar por Fioso, no alto de Crestuma. Ali, no lugar dos Aidos havia uma família numerosa, conhecida por Os do Estrada. O Serrador Jaquim do Estrada era casado com a Deolinda, a “Mãe Linda”.Também eram conhecidos pela sua boa disposição e pelo gosto de cantar.
Por vezes, nesses regressos do trabalho pelo Regato de Soutelo e Vale da Cana, coincidia serem feitos ao mesmo tempo que uma das filhas do Joaquim do Estrada, que vinha da fábrica do papel do Tavares da Fontinha. Era a jovem Barbara Francisca Gonçalves (1925) que, apesar de introvertida, evidenciava muita beleza e simpatia.

E um dia, quando ela cantarolava, em jeito de marcha, “Ó Crestuma tecedeira”, o Laurindo acrescentou, na sua voz grossa: “Das fitas que nos enlaçam”. Olharam-se e continuaram em coro: “Dos apitos a vibrar dos operários que passam…” Era uma marcha musical muito em voga naquela fase das consoadas, em favor da construção da igreja nova de Crestuma. A letra era do famoso poeta local Eugénio Paiva Freixo (1919) e a música do compositor António Ferreira Alves (1915).

Casaram pouco tempo depois. Ficaram a viver lá na casa dos do Estrada. Amavam-se intensamente e tiveram logo o filho Manel. Poucos anos depois, nasceu o Toninho.
A vida estava difícil e o Laurindo queria melhor e o seu tempo parecia que lhe estava a fugir. Ouvia falar muito das boas oportunidades em Angola e viu esse escape como a melhor solução para o salto que ansiava para a sua vida.
Foi pedir uma declaração profissional ao Delegado do Sindicato, mas, com grande surpresa, este não o atendeu. O nome Arriaga não o abonava junto dos lacaios do Estado Novo.

Chegado a Luanda, sem habilitação profissional, conseguiu trabalhar de ajudante de motorista. Já com alguma prática, conseguiu tirar a carta de pesado profissional. E foi trabalhar como motorista, para as estradas do Huíla.

Curvas da Serra da Leba 

Como não era essa a vida que desejava viver com a família por perto, aproveitou uma proposta para trabalhar numa fazenda agrícola, a Fazenda Dona Amélia, junto ao Pungo Andongo, perto de Cacuso.


Em pouco tempo, o Laurindo mostrou gratas qualidades e foi nomeado encarregado nessa Fazenda. Com a vida estabilizada, veio a Crestuma buscar a mulher e os dois filhos.


Viveu, então, alguns anos felizes. E foi ali que lhe nasceu o filho mais novo (27.09.1961). A cerca de 80 Km de Malange, onde a Bárbara esperava vir a ter a assistência médica desejável no parto, teve que se limitar à ajuda momentânea e inesperada da Mãe Nêga, uma velhinha muito experimentada na matéria. Mas a Bárbara, sempre serena, confiante e resistente, mostrou bem o calibre da sua raça.

Gratos às forças divinas, festejaram o baptismo do Zézito, precisamente no cume mais sagrado das Pedras Negras do Pungo Andondo, junto à Fonte dos Passarinhos, depois da cerimónia religiosa na capelinha.


Entretanto, convidaram o Laurindo para a grande Fazenda Cahombo, do grande empresário Manuel Vinhas, o dono da cerveja Cuca.

O Laurindo como anfitrião de um grupo de Furriéis que vieram ali caçar. 

Estava no melhor das suas capacidades e gozando a estabilidade que sempre ansiou. Mandou “chamar” os cunhados Manuel, Joaquim e António (Neca, Quim e Tono).
O Neca, que era fundidor, ficou em Luanda e o Tono (carpinteiro) e o Quim (enfardador) foram se juntar ao Laurindo.



Faltava-lhe ainda concretizar um sonho: criar uma fazenda. E como conhecia bem a zona, chamou para sócios os dois cunhados, que ali viveram nessa fazenda. Deu-lhe o nome de Fazenda S. José, em homenagem ao filho mais novo, o 100% angolano. Tinha a água do Rio Céu e espaço arável mais que suficiente para o cultivo de girassol e de algodão. Caça também não faltava.
No seu início, o Laurindo construiu a casa com adobes de barro negro, feitos pelas suas próprias mãos e cobriu o telhado com chapas de zinco. Ainda sem casa, a família cozinhava à sombra de uma enorme figueira brava e dormia na carrinha Austin.

Esta carrinha viria a ser apelidada de “Carrelha dos Mausmosteiros”, em homenagem aos carros de bois que circulavam na rua da “Mãe Linda”, a matriarca da família dos “Do Estrada”. Já fora das picadas, a carrinha funcionou muito bem como galinheiro. 

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21115: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (16): A DGS boa ou má e outras siglas, ou Lembrando a resistência dos meus conterrâneos

sábado, 27 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21115: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (16): A DGS boa ou má e outras siglas, ou Lembrando a resistência dos meus conterrâneos



1. Em mensagem do dia 8 de Junho de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, desta vez dedicada à sigla DGS, antes de má memória, hoje um serviço que olha pela nossa saúde.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 15

A DGS boa ou má e outras siglas ou 
Lembrando a resistência dos meus conterrâneos 

Como vulgar cidadão, assumidamente como pouco culto e pouco informado, não sou mais que um Zé-ninguém, Zé português do Norte e mais um fruto da minha geração. Por isso, lamento não esticar mais os comentários, para os quais não tenho a pretensão nem a capacidade de os desenvolver. Resta-me, apenas, recordar a minha “leve ligação” a alguma destas siglas.

Por via do Covid-19, esse vírus que alegadamente veio da China, direcionado para matar os “cotas” ou gente de deficiente qualidade, possivelmente inspirado em critérios próximos do famigerado Nacional Socialismo (National Sozialistische Deutsche Arbeiterpartei), somos levados a repensar na sigla que outrora tanto nos atormentava: a DGS - Direcção Geral de Segurança.

A DGS foi uma inovação promovida pelo “governo de abertura” de Marcelo Caetano em 1969 que, com desmedido destaque publicitário, “acabou” com a PIDE – Polícia Internacional da Defesa do Estado. Pelo que se sabe, apenas a sigla foi substituída.

A PIDE, em 1945, substituiu a PVDE - Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, que havia sido criada em 1933.

Ora, os “cotas” da minha geração, sabem bem do que estamos a falar. Podem ser poucos os que sofreram na pele o verdadeiro “tratamento” dessa “segurança”, mas são muitos os portugueses que foram condicionados por ela.

São milhares as histórias contadas, umas mais reais que outras, mas quase todas apontadas para a aversão e o ódio ao comportamento dessas organizações.
Com o 25 de Abril, assistimos a uma certa luta pelo controlo dos arquivos da PIDE/DGS. Diz-se que houve um trabalho muito eficaz por parte do PCP que,até, os fizera deslocar para Moscovo. Por outro lado, também houve pressões que levaram à destruição e desaparecimento de documentação. Curioso o facto de recentemente a PJ ter apreendido mais de 700 fichas pessoais dos mesmos arquivos, que estavam à venda.

(“Fonte: Publico de 23 de Abril de 2020, por Luís Miguel Queirós”)

“A DGS foi extinta a 25 de Abril de 1974. No entanto em Angola os serviços desta Polícia continuaram a funcionar até à independência daquele território em 1975, embora sob a designação de Polícia de Informação Militar e de Gabinete Especial de Informação, e com outras atribuições.
Quanto à integridade do Arquivo, são de assinalar os efeitos negativos das destruições e anulações de processos efectuadas pela própria PIDE/DGS, as destruições ou desvios ocorridos entre 1974 e 1990, e o desmembramento de algumas séries de processos, levado a cabo pelo Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e Legião Portuguesa, seguido da integração desses processos noutras séries do Arquivo da PIDE/DGS ou em séries do próprio Arquivo dos Serviços de Extinção.”

(“Fonte: História custódial e arquivística da Pide, na Torre do Tombo”)

Fichas aparecidas à venda na internet “Fonte: Público de 23 de Abril de 2020, por Luís Miguel Queirós”

Fui habituado a olhar permanentemente para o grande quadro negro da escola, em cuja parede se destacavam os retratos de Oliveira Salazar e de Óscar Carmona, tendo, no meio deles, uma cruz com Jesus Cristo crucificado. Ainda apanhei Craveiro Lopes, que substituiu Carmona em 1951.
Nessa altura tinha um sentimento patriótico acentuado, por influência da Profª. D. Irene, uma figura marcante no Ensino Primário de Fiães. Ela ensinou-nos a cantar o Hino Nacional e punha-nos de mão estendida a cantar as várias canções- marcha de adoração à Pátria, à semelhança do que se fazia na Mocidade Portuguesa. Sempre que entrava alguém na escola, tínhamos que nos levantar e fazer a saudação nazi, até que nos mandasse o “à vontade”. Todavia, em criança, eu não ligava esse patriotismo a qualquer idolatria aos governantes. Já se sentiam, então, os murmúrios de familiares e amigos, pondo em causa essas lideranças.
Nesses anos seguintes à instrução primária, o que se sabia da polícia política era em segredo e muito devido à audição da Rádio Moscovo. Ainda poucos tinham aparelho de rádio e muito poucos tinham a coragem de sintonizar essa rádio comunista. Nessa altura, todos estavam bem informados quanto à noção do espaço e das limitações sobre esse assunto melindroso.
O medo e a desconfiança estavam amplamente instalados. O respeito pelo professor e pelo padre, também era acentuado. E também eles seriam importantes nos costumes pidescos.
O certo é que todos sabíamos que a PIDE nos controlava e nos poderia castigar à menor acusação. E todos sabiam dos vários exemplos marcantes que nos rodeavam.

Na minha terra, em Fiães da Feira, sempre houve tradição relacionada com a política de oposição. Conheci pessoas vigiadas e perseguidas, na sua vida pessoal e profissional. Porém, mais que isso, tenho que destacar várias personalidades que marcaram a história da nossa democracia.

Começo por uma que, apesar de não estar referida nas prisões e perseguições como outros estão, merece todo o realce pela importante evidência política que mostrou na sua difícil geração.

Em 6 de Janeiro de 1869 nasceu o Dr. Elisio Pinto de Almeida e Castro, filho de António Pinto de Almeida e Castro e de D. Marcelina Barbosa. Seus pais viviam em Fiães, No Palacete da Quinta das Camélias, que o pai mandara construir quando regressou, rico, do Brasil. Todavia, em registos (alguns contraditórios), aponta-se que o nascimento de Elísio e de sua irmã Amélia, ocorreram no Porto, na freguesia de Cedofeita, onde foram baptizados na Igreja de S. Martinho. Mais informam que foram considerados filhos de pai incógnito (os pais ainda não haviam casado), e que só viriam a ser perfilhados em 1880, pouco antes do pai António falecer.

Na minha modesta opinião, esta disparidade em relação ao registo do nascimento dos filhos, no Porto (Cedofeita), poderá ter a ver com a “indesejável/intolerável” situação do casal aos olhos do clero e dos bons costumes locais.

O Dr. Elísio Castro que ficou órfão de pai com 11 anos, licenciou-se em Direito em Coimbra, com 21 anos.
Casou em 22.08.1892, com D. Maria Emília Bessa de Carvalho, no mesmo dia que sua irmã Amélia casou com o irmão de sua noiva.


O Dr. Elísio absorveu, logo em criança, o espírito aberto a novas ideias trazidas pelo seu pai do Brasil e, mercê dos bons relacionamentos por ele criados, procurou dar-lhes continuidade, atingindo o mais alto nível da política e dos poderes.

Apesar de o pai militar na área do Partido Regenerador e de vir a salientar-se mais entre as doutrinas republicanas, o Dr. Elísio conviveu bastante com a Corte, tendo participado em caçadas e torneios de tiro com o próprio Rei D. Carlos. A taça que se mostra na foto ao lado diz respeito a uma finalíssima de tiro aos pombos, ganha pelo Dr. Elísio ao Monarca.
Quando ocorreu o regicídio, o Dr. Elísio manifestou-se grandemente contra esse ignóbil acto que, quanto a ele, não resolveria os problemas do País.

No dia 23 de Janeiro de 1907, sob a coordenação do Dr. Elísio de Castro, realizou-se, em sua casa, em Fiães, no Palacete da Quinta das Camélias, mais uma reunião, que culminou com a criação da Comissão Republicana Municipal da Feira. Na acta divulgada no dia 30 desse mês, verifica-se que o Dr. Elísio de Castro foi eleito Presidente. Nessa Comissão, composta por 10 elementos eleitos, consta, também, outro Fianense, o Médico António Mota.

A implantação da República foi muito desejada em Fiães.
Em 15.05.11, o Dr. Elísio foi eleito Deputado à Assembleia Nacional Constituinte e, em 08.07.11, deixa a Comissão Municipal para acompanhar e colaborar melhor a Assembleia Constituinte de 1911.
Em 02 de Setembro de 1911 o Dr. Elísio de Castro foi eleito o Senador, para um período de 6 anos. Foi condecorado com a Medalha Comemorativa da Revolução do 31 de Janeiro de 1891.

Vista parcial da Avenida Dr. António Mota, de Fiães e a Escola primária de Macieira

Em 27.04.12 foi aberta a Avenida de Fiães, graças à doação de terrenos pelo Dr. Elísio de Castro que, além disso, pagou de seu bolso as expropriações a outros proprietários.

Foto de Abril de 1918, com a presença do Dr. Afonso Costa.

Dadas as boas relações deste Fianense com os seus ilustres colegas republicanos Dr. António José de Almeida e Dr. Afonso Costa (e outros), eles hospedavam-se, periodicamente, na sua casa, em Fiães.
O Dr. Elísio fez parte da Comissão de Honra da candidatura do General Norton de Matos.
Teve dois filhos, ambos licenciados; o Fernando e o Elísio. O Fernando veio a casar com D. Maria Costa, que era filha do Dr. Afonso Costa, que foi Presidente da República.
Faleceu a 12 de Novembro de 1942.

(“Fontes: Publicações no Jornal “Correio da Feira”, Manuel Strecht Monteiro em “Um Fianense na Ascensão e Queda da I República” e José Rodrigues em “Palacete da Quinta das Camélias”).


Nota: O Palacete da Quinta das Camélias veio a funcionar como Escola Preparatória. Ali trabalhou, como Professor de Educação Física, Bernardino Ribeiro, quando chegado de Moçambique, da Guerra do Ultramar. O Bernardino veio a destacar-se como excelente autarca, durante mais de 30 anos.

Lembro o Inspector Escolar Adelino Soares Bastos, a quem, diziam, arrancavam as unhas e as sobrancelhas nas torturas da PVDE. A sua casa, hoje um Infantário, ainda tem os esconderijos nas suas próprias paredes.

Nasceu em Fiães da Feira, no dia 30-11-1882.
Foi empossado como Inspector Escolar em 28-10-1919.
Foi preso, provavelmente, em Abril de 1928. Passou a ser encarcerado/perseguido/fugitivo periodicamente.
Em Maio de 1938 é detido pela Delegação da PVDE do Porto que o leva para o Aljube de Lisboa.
Voltou para a Delegação do Porto, mas regressou ao Aljube em 24-04-39.
Foi julgado pelo Tribunal Militar Especial em 27-06-39 e em 19-08-39.
Transferido para Caxias em 21-05.40.
Libertado por amnistia, em 03-06-40

(“Fonte: João Esteves em “Silêncios e Memórias”)

Casa do Inspector Adelino Soares Bastos. Hoje funciona como Infantário do Centro Social do Pe. José Coelho

O Dr. Alcides Strecht Monteiro, nasceu no lugar do Souto, Fiães da Feira, no dia 1910.
Foi casado com Ana Celeste Ferreira da Silva
Destacados lutadores no MUD - Movimento de Unidade Democrática e nas candidaturas de Norton de Matos e de Humberto Delgado.
Estão ligados no apoio à ASP (1964) e à fundação do PS (1973).
Foi sempre o chefe da oposição no Distrito de Aveiro.
Foi Deputado de 1975 a 1977.
Faleceu a caminho da Assembleia da República na tarde de 14 de Junho de 1977.
Foi condecorado com a Ordem da Liberdade.
Este ilustre Fianense era o Advogado dos pobres e o abrigo dos perseguidos politicamente.

(“Fonte: Prof José Rodrigues em “Biografias de Ilustres Fianenses”)

O PS substituiu a ASP em BadMunstereifel, Alemanha, em 19-04-73.

A Drª. Alcina Bastos nasceu em Fiães, concelho de Vila da Feira, a 7 de abril de 1915. Era filha do Inspector Escolar Adelino Soares Bastos e da Dr.ª Filomena de Sousa Vilarinho Bastos.
Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde colaborou com o Socorro Vermelho Internacional (SVI).
Exerceu a advocacia no Porto, Espinho e Vila da Feira. Aí aderiu ao Movimento de Unidade Democrática (MUD).
Influenciada por motivos familiares já que o pai, republicano, muito lutara e muito sofrera nas prisões. Alcina Bastos preencheu a sua vida em actividades em prol da liberdade, sendo, não raras vezes, a única mulher a marcar presença nas mesas das sessões políticas então realizadas, apesar de se omitir a sua identificação.
Em 1949, empenhou-se na candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República e, em 1958, integrou, juntamente com o irmão Joaquim Bastos, também advogado, a equipa que promoveu e organizou a candidatura presidencial do general Humberto Delgado
Reconquistada a liberdade, empenhou-se no julgamento dos assassinos de Humberto Delgado, marcando presença nas audiências dos agentes da PIDE e na trasladação dos restos mortais do general para Portugal. Integrou a Liga Portuguesa dos Direitos do Homem

O Tenente Armando Agatão Lança, aqui de espada em punho, evidenciou-se na Revolta dos Marinheiros

Foi casada com o militar republicano Armando Pereira de Castro AgatãoLança (19/08/1894-23/05/1965), também interveniente ativo nas conspirações para derrubar o regime que pôs fim à I República (1927 e Revolta dos Marinheiros em 1936).
Teve uma filha (n. 1955) que seguiu o mesmo trajeto profissional da mãe.
Faleceu em 17-08-1993. Quis ser enterrada com a sua toga no Cemitério dos Prazeres e, um ano depois, a título póstumo, foi-lhe atribuída a Ordem da Liberdade.

Alcina Bastos sentada, à direita, durante o comício do general Humberto Delgado no Liceu Camões a 18 de Maio de 1958.

(“Fonte: João Esteves em “Silêncios e Memórias”)

Também Antero Canastro, o “Regedor da Mamoa”, que casou com uma sobrinha do Inspector Adelino Bastos, esteve preso. Por altura de um movimento revolucionário em Lisboa (8 de Setembro de 1936 - Revolta dos Marinheiros), o Inspector que talvez beneficiasse do contacto optimista do seu futuro genro, Tenente Armando Agatão Lança, envolvido no comando dessa revolta, estava convicto do seu êxito e, empolgado, entregou a Bandeira Nacional a Antero:
- O Salazar foi com o caralho, vais hastear a bandeira na Capela da Nossa Senhora da Conceição, a Padroeira de Portugal!

O Antero gritava de alegria, enquanto corria e atravessava o centro da freguesia. De braços abertos, alternava e corrigia a posição da imagem da esfera armilar, por forma a honrar e valorizar condignamente a feliz referência ao acontecimento nacional.

Capela de Nª. Sª. da Conceição, Padroeira de Portugal

Já tinha atravessado a Ponte de Chão do Rio, sobre o Rio Azavessas, e seguia subindo o Monte de Stª. Maria, aproximando-se da Capela, quando lhe gritaram:
- Cuidado Antero, olha que o filho da puta, afinal não morreu! Não morreu e os bufos vão-te foder.

Passados uns dias, o Antero saiu da prisão. Só esteve lá três dias. Perguntavam-lhe uns amigos:
- Porque é que já vieste embora? Não nos digas que te vais armar em bufo da “Pevide”? Nem penses no tal! Enterramos-te vivo, seu caralho!

E o Antero, revoltado afirmava:
- Foi o sacana do Professor Reinaldo que me acusou. Eles só me perguntavam quem me deu a bandeira. Eu disse-lhes que nem reparei a quem a tirei das mãos. Mas eles não me querem fazer mal. Penso que querem mostrar à família da minha mulher que são uns gajos porreiros. Se calhar, até pensam que vou melar e colaborar com eles, esses filhos da puta.

Há dias, o amigo Zéquita do Calvário, que foi aluno do Professor Reinaldo, contava-me que ele pendurava os alunos, pelas orelhas, com os seus braços enormes, levando-os junto do quadro do Salazar enquanto os “acusava” de incumpridores e de falta de patriotismo.

Desde a infância que fomos tomando conhecimento destes lutadores pela democracia e das implicações que sentiriam os seus seguidores.

Aquele ano de 1958 ficaria marcado para o resto das nossas vidas. Meu pai faleceu a 11 de Abril e as eleições realizaram-se a 8 de Junho. Eu completava os 15 anos, mas já era um entusiasta pelo élan de vitória de Humberto Delgado. Parecia que ele iria ganhar e bem. Porém, vivi ainda uma outra frustração, porque não conseguia convencer a minha mãe, a votar Humberto Delgado, apesar da miséria em que tínhamos caído. A influência da igreja e das “pessoas de bem” faziam-na vergar para a habitual condição de subserviência.
O nosso grupo restrito constava de uma lista “fornecida” pelo Padre Inácio ao Presidente da Câmara. De JOCistas, passámos a perigosos vadios que ficavam fora da igreja durante a missa. É verdade que o padre aparentava a preocupação de nos condenar publicamente. Por vezes, suspendia a missa e vinha insultar-nos cá fora.

O Bernardino Ribeiro foi chamado à PIDE e só tinha 17 anos. Quando o viram na sede, no Campo 24 de Agosto, um dos “gorilas”, exclamou:
- Que caralho vem a ser isto, agora mandam canalha para aqui? Isto não é nenhum infantário. Temos mais que fazer.

Mandaram-no embora dizendo:
- Ó miúdo, tem juizinho e quando disseres mal do Salazar, olha bem para os lados.

Ao Carlos Fontes também lhe disseram a mesma coisa. Tinha sido chamado por ter afirmado no café que as despesas das festas políticas da Câmara Municipal eram legalizadas com camiões de pedra ou de areia.

Chegado da guerra, em Março de 1969, estive, juntamente com o Bernardino, na crise estudantil de Coimbra e assistimos parcialmente ao II Congresso Republicano, realizado em Aveiro, 15 a 17 de Maio, distrito onde predominava a luta pela democracia.

Nesse ano da “abertura Marcelista”, regressou dos 10 anos de exílio D. António Ferreira Gomes, o famoso Bispo do Porto. Como o Pe. Artur da Paróquia de Espinho, regressou ao Secretariado da sede Episcopal, o “afastado” Pe. Manuel Henriques Ribeiro, foi para esse lugar, em Espinho. Este Fianense, visitante assíduo do amigo D. António Ferreira Gomes no exílio, em Espanha, também sofria da descriminação no próprio clero. Salazar, por mais que insistisse junto da Santa Sé, para que o lugar do Bispo do Porto fosse preenchido, nunca o conseguiu, mas o nomeado como Delegado Adjunto, D. Florentino Andrade fazia de sua a justiça mais conveniente ao poder civil.

E em Outubro, votámos para as eleições legislativas.

O Dr. Alcides Strecht Monteiro era o chefe da oposição de Aveiro e, como candidato, enviou o seu boletim, pelos CTT, para quem estava inscrito nos cadernos eleitorais. Porém, nos últimos dias, o “bufo” de cada lugar, dirigiu-se às pessoas pedindo a entrega desse boletim, alegadamente por indicação do Sr. Presidente da Câmara. Penso que todas as pessoas lhe fizeram essa vontade.
O Dr. Alcides ainda editou novos boletins que, perigosamente, andámos, durante a última noite, a distribuir pelas pessoas da oposição e de maior confiança, num esforço inglório para suavizar a anormal derrota. Numa dessas ruas e vielas, acabei por embater com o carro do “Inhecas”, num meco de granito.

O Inhecas - José Henriques Ribeiro, que havia sido ferido em 1967, na guerra da Guiné, continuou muito activo na oposição ao regime que nos governava. Militou no MDP, salientou-se como autarca, professor e dirigente associativo. Foi participante no III Congresso da Oposição (e último), realizado, também, em Aveiro. Não o incomodavam, talvez por recearem a firmeza do seu carácter e a sua utilização contínua da cadeira de rodas.

O jovem Dr. Manuel Lima Bastos, que era o nosso mentor revolucionário, foi sempre perseguido e controlado pela DGS. É sobrinho-neto do Inspector Adelino Soares Bastos. Foi ele que nos levou às crises de 68 e 69 em Coimbra, aos Congressos da Oposição e aos seus Comícios. O seu irmão Ângelo seguia-o sempre que podia.
Ligado ao MDP, veio a ocupar lugares de responsabilidade política após o 25 de Abril.
Hoje dedica-se à escrita, tendo publicados cerca de duas dezenas de livros.

Havia, ainda, o médico Carlos Ferreira Soares, de Nogueira da Regedoura, grande amigo e camarada do Inspector Adelino Bastos nessa luta antifascista.

Nasceu em 1903 e faleceu em 1942.
Era conhecido por Dr. Prata, o médico dos pobres. Dizem que, além das consultas grátis, dava e comprava medicamentos para os mais necessitados.
Tal como o seu amigo, andou clandestino e em fuga da PVDE. É célebre o seu esconderijo numa pequena japoneira situada no meio do cemitério.
Foi condenado à revelia em Tribunal Militar Especial do Porto, em Agosto de 1937, com multa elevada e um ano depois, com 4 anos de prisão correcional.
Foi assassinado em 4 de Julho de 1942.

(“Fonte: Antifascistas da resistência”)

Sempre que eu, adolescente, passava no autocarro da Feirense, junto à igreja de Nogueira, a caminho de Espinho, e olhava para o cemitério anexo, fixava a japoneira e prolongava essa visão, imaginando e admirando a bravura desses meus vizinhos patriotas antifascistas a quem muito devemos.

Os restos mortais do Dr. Carlos Ferreira Soares jazem junto da Japoneira (entretanto a primeira já foi substituída) que o escondeu muitas vezes da perseguição da PVDE.

Em 1970, quando eu seguia de barco para Angola, fui chamado à DGS para complementar as informações que pretendiam e ouvir algumas advertências.
Vim a verificar que todos os funcionários públicos eram “obrigados/aconselhados” a preencher a ficha de filiação na União Nacional. Sem negar essa inscrição, fui protelando e prometendo fazê-la. Porém, nunca o fiz.
Passei a ser visitado periodicamente na Câmara Municipal de Cabinda e sempre com o “convite amistoso” de passar por lá, pela DGS.
Por último, foram à Câmara no dia 20 de Abril de 1974, intimar-me para comparecer nas suas instalações “na próxima Quarta-feira, dia 24”.
Como não o fizeram por escrito, eu entendi que ainda não deveria lá ir “voluntariamente”.
Durante a noite, senti alguma preocupação. Apesar de não esconder a minha antipatia ao regime, estava convicto de que não havia nada de comprometedor no meu comportamento de cidadão português, cumpridor e patriota.

A manhã raiou com o desejado 25 de Abril. Quando tive conhecimento da revolta, senti uma satisfação indescritível.

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Felizmente que hoje, a sigla DGS, ao contrário da outra, é a de uma organização que muito orgulha os portugueses.


E é nesta luta que enfrentamos contra a Covid-19 que a ela mais nos sentimos ligados.
Obrigado DGS – DIREÇÃO GERAL DA SAÚDE!

José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21094: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (15): Os Carolos