
Queridos amigos,
Fui encontrar-me com o coronel Nuno Mira Vaz à porta do Colégio Militar, na manhã de 1 de maio de 2024, entreguei-lhe o espólio de um valoroso alferes paraquedista há pouco falecido, que ficará no museu em Tancos, ele ofereceu-me o livro de que é autor, li-o com imensa emoção, dele vos estou a dar conhecimento, insere um vasto reportório sobre a participação dos paraquedistas na Guiné, o autor nunca esquece o blogue e cita amigos nossos como o coronel Moura Calheiros, termina no seu depoimento com a referência à medalha de Cruz de Guerra de 1ª classe conferida ao BCP 12. Escreve o autor na contracapa do seu prestimoso trabalho, um paraninfo a esta tropa de elite: "Têm os seus motivos de orgulho, de que não abdicam: por terem sido os primeiros a voar para os Dembos em 16 de março de 1961; por terem estado entre os últimos a sair de África e de Timor; por não terem deixado nenhum camarada para trás; por terem respeitado nos campos de batalha os que contra eles se bateram; por terem agido guiados pela Honra, pelo Dever e pela Camaradagem."
Um abraço do
Mário
Paraquedistas em combate na Guiné (1)
Mário Beja Santos
A obra intitula-se Pára-quedistas em Combate 1961-1975, por Nuno Mira Vaz, Fronteira do Caos Editores, 2019, abarca o histórico da participação dos paraquedistas nos teatros de Angola, Guiné e Moçambique, e não esquece a extremosa e indispensável intervenção das enfermeiras no decurso da guerra. Houve um grupo de trabalho que desafiou o autor a coligir a obra destinada a guardar a memória desta tropa de elite. O autor mostra que acompanha assiduamente o nosso blogue, dele recolhe um bom punhado de citações, logo a do alferes Vítor Junqueira, dizendo:
É uma longa viagem que mete preâmbulo sobre os primórdios da luta de libertação, chegamos a 1971 e temos os Páras em Angola, é um denso inventário de operações, fala-se das operações com salto em paraquedas e é nesse contexto que o autor irá falar da mais emblemática operação aerotransportada, decorreu na Guiné, e tinha a ver com a proteção que se queria dar ao General António Spínola, que se reuniu em 27 de abril de 1972 com o presidente senegalês Senghor, em Cape Skirring, a poucos quilómetros a Norte da fronteira com a Guiné. Montou-se um dispositivo militar capaz de resgatar o Governador e Comandante-Chefe e a sua comitiva, vivos ou mortos.
Tudo teria de ser feito sem o conhecimento das autoridades senegalesas. Houve um envolvimento impressionante: o Grupo Pperacional da Base Aérea 12 com as Esquadras 121 (Fiat), 122 (helicópteros) e 123 (Nord Atlas) e o BCP 12 com duas companhias e meia, num total de cerca de 300 paraquedistas.
Detalham-se os acontecimentos de Angola, a narrativa culmina com a atribuição da Medalha de Ouro de Valor Militar, com Palma ao Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 21, em fevereiro de 1973.
Passamos agora à Guiné onde os primeiros militares paraquedistas chegaram em junho de 1963, a sua missão principal consistia na defesa imediata do Aeródromo/Base n.º 2 (futura Base Aérea n.º 12). Era o Pelotão de Paraquedistas n.º 111, que teve o seu batismo de fogo em Agosto. O agravamento da situação exigiu o aumento do efetivo para o escalão Companhia. É referida a operação em que morreu em combate o Capitão Para-quedista Tinoco de Faria, em abril de 1966; enumeram-se as operações ao Cantanhez entre 1967 e 1968, com baixas da guerrilha e material capturado, os resultados mais impressionantes situam-se nestes primeiros meses de 1968.
E o autor dá-nos um quadro de combates sem tréguas à volta da Operação Júpiter, a missão era proceder à reorganização do dispositivo das forças terrestres aquarteladas em Guileje, Gandembel, Mejo e Porto Balana, era uma tentativa de dificultar ao PAIGC a utilização do “corredor de Guileje”, a operação decorreu em quatro períodos. O “corredor de Guileje” era utilizado pela guerrilha duas a três vezes por semana, por aí transitava boa parte dos combatentes e carregadores, transportava-se material de guerra entre a Guiné-Conacri e as bases situadas no interior da Guiné Portuguesa, no regresso transportavam-se géneros alimentícios.
Este trânsito de colunas era precedido por patrulhas com efetivos variáveis entre 20 a 50 homens, eles percorriam os caminhos de acesso ao corredor sinais da presença das forças militares portuguesas – e sempre que eram detetados sinais desta presença, as movimentações da guerrilha conheciam adiamento para o dia seguinte pois o PAIGC sabia que estas emboscadas raramente duravam mais do que 24 horas consecutivas. Sucederam-se as ações de combate, o inimigo dispersava e contra-atacava, as marchas eram extenuantes, os paraquedistas regressavam a Gandembel com os seus feridos e mortos e muito material de guerra capturado, e o autor dá-nos a seguinte citação:
“Formados na parada do quartel, sombras cambaleantes curvadas pela dor e exaustão, escutam o seu comandante que pede voluntários para bater na madrugada próxima toda a zona onde se tinham desenrolado os combates. Aqueles que se sentissem capazes, que dessem um passo em frente.
Perfilando-se orgulhosamente, olhos cintilando nas faces cavadas, cansaço vencido, todos avançam como se fossem um só homem.”
No final do primeiro período da Operação Júpiter, as tropas paraquedistas tinham causado à guerrilha 35 mortos, 1 prisioneiro e um número incontrolado de feridos. E nova observação do autor:
Depois de uma acalmia, a 16 de setembro, o PAIGC volta a bombardear com violência Gandembel e também Guileje. Regista o autor:
“O bombardeamento a este aquartelamento começou pelas 01H00 e só terminou às 05H10 depois de mais de 300 granadas de morteiro e de canhão sem recuo terem explodido no interior do perímetro defensivo ou nas zonas limítrofes. Após um curto período sem fogo, a tensa expetativa dos defensores foi bruscamente quebrada pela tentativa de assalto lançada pelo PAIGC cerca das 05H50. A decidida reação da tropa, porém, forçou os guerrilheiros a retirar, mais uma vez a coberto de granadas de fumo.
“Faltavam oito dias para regressarmos a Lisboa com a nossa missão cumprida. Entre nós já ninguém pensava na guerra, os dias eram contados a cada instante. Mas o inesperado aconteceu. O nosso Comandante Coronel Sigfredo Ventura da Costa Campos mandou formar a companhia de caçadores paraquedistas 122 e disse o que passo a citar: "Meus senhores, nós vamos embora daqui a oito dias, mas os camaradas que nos veem substitui, vão precisar de um mês para ficarem 100% operacionais. O problema é que os rapazes de Tite estão constantemente a ser atacados. Eu sei onde estão as armas pesadas com que eles os flagelam... Vocês querem ir lá buscá-las?" - E aqueles 120 rapazes responderam em uníssono, "Queremos!".
Fomos de novo cumprir com o nosso dever e trouxemos os canhões sem recuo, os morteiros 82 e armas ligeiras; e para além de algumas baixas infligidas, ainda trouxemos ferido o irmão do chefe do grupo que ali atuava. E assim aliviámos os nossos irmãos, pelo menos por algum tempo. No final fomos condecorados com a medalha de Cruz de guerra de primeira classe coletiva. Mas se me perguntassem se faltou alguma coisa... Bem, diria que faltou alguém com bom senso dizer: Obrigado, Pá! A Pátria está-te agradecida!”
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 6 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26771: Notas de leitura (1795): "Um preto muito português", da luso-angolana e antiga "rapper" Telma Tvon (Lisboa, Quetzal, 2024)... Parte II (Luís Graça): Uma dedicatória que vale um poema: "Para os meus de sangue e coração. Para os meus de rua e coração"