domingo, 3 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11188: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (27): 28.º episódio: Memórias avulsas (9): Do inferno para o céu

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 24 de Fevereiro de 2013, enviou-nos mais esta história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (27)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

(9) DO INFERNO PARA O CÉU

Confesso que me tem sido útil estar aqui a VIVER Guiné e por isso se foram alguns dos fantasmas que me incomodavam desde 1967. E tenho-o feito a brincar... a brincar com os momentos vividos, particularmente no que se refere aos doze meses no mato em Mansabá, Bissorã, Manhau, Pelundo, Jolmete e K3. Já os últimos oito meses da comissão foram passados em Bissau.

Tiro... e queda... e nem ainda hoje acredito... mas na verdade tive de abandonar a minha CCAÇ 1422.

Inicialmente, por motivos odiosos e alheios à minha vontade, "voluntariei-me" para fazer parte da 3ª Companhia de Comandos do Quartel General, só que essa integração após a aprovação dos exames a que me sujeitaram, não foi possível dada a chegada duma verdadeira, treinada e formada na Metrópole.

Enquanto aguardava o regresso ao ponto de partida, colocaram-me, para ajudar administrativamente, na Secção de Funerais e Registo de Sepulturas/1ª Repartição/QG e que acabei por vir a chefiar.
São-me disponibilizadas, residência militar junto à messe em Santa Luzia e também uma viatura descaracterizada, um mini moke.

Sem obrigações nem horários, competia-me unicamente, estar sempre disponível para enfrentar os funestos acontecimentos, inerentes à função que agora exercia. Ao saber destes, tinham de ser imediatamente tomadas as providências para que tais cruéis notícias fossem transmitidas para Lisboa, a fim de que, do HORROR, fosse dado primeiro, conhecimento aos familiares.
Impunha-se-me, que nalguns casos, fizesse o reconhecimento presencial, na morgue do Hospital Militar, se antes as Companhias onde o desenlace se dera, mo não comunicassem. Vinham a seguir, as cerimónias religiosas e toda a elaboração da documentação para a célere trasladação.

Como vêem, saíra do Inferno e estava agora no purgatório nada fácil e com tantos sentimentos contraditórios, a quererem destruir-me.

O CÉU Bissau pois. A cidade tinha de tudo... fui sócio da UDIB; ia ao cinema... ao aeroporto... ao cais ver quem chega, nem sonhando a que martírio..., contrastando com a alegria dos que partiam... nos : Uige... Niassa... Manuel Alfredo... Rita Maria... Ana Mafalda.

A minha presença era requerida no futebol... nos locais com boa comida... na piscina de Nhacra... nos camarões em Quinhamel... e tudo no maior sossego que por ali não se vislumbrava ainda a guerra ...nem haviam bolanhas para atravessar... nem percutores do morteiro para substituir ou sequer G3 para olear.

A relação com os cidadãos, de amizade mais tarde, era excelente e facilmente nos acolhiam nos seus seios. Existiam grandes armazéns que tudo vendiam desde agulhas a automóveis e nos mercados nada faltava.

As noites eram famosas e já apareciam simulacros de boites. Em momentos vagos, visitei a Sé... o Liceu... o palácio do Governador (Arnaldo Schutlz então)... o Pilão... a fábrica da gasosas... o café Portugal... o Pintosinho... a Ultramarina... a casa Gouveia... O BNU... a rádio... as tascas que serviam ostras ao natural... as...........enfim!!!

Sozinho rezei, sem o saber fazer, na capela do cemitério e aí então, esgotei as lágrimas enquanto "falava" com os amigos que já não me podiam responder.

(Continua)

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério Municipal > Talhão Militar Central > Abril de 2006 > Monumento que celebra os soldados portugueses, mortos nas diversas campanhas de pacificação da Guiné, desde a Campa do Geba (1890) à Campanha do Cuor (1907/08), passando pelas Campamhas do Oio e Bissorã (1913), onde se destacou o Capitão Diabo, Teixeira Pinto. 
Neste cemitério (que tem três talhões, reservados aos combatentes portugueses mortos em campanha), repousam os restos mortais do Sold António da Purificação Marques, morto no início do ano de 1966, em combate, em Darsalame, no Cantanhez. Campa nº 33. 
Foto: © Hugo Costa (2006). Direitos reservados.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 24 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11146: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (26): 27.º episódio: Memórias avulsas (8): Alto e pára a guerra

1 comentário:

tony Borie disse...

Olá Veríssimo.
Penso que era um trabalho que requeria uma certa "coragem", e também muita responsabilidade, mas como sempre nos teus escritos, colocas uma parte mais "divertida", mais agradável, saindo do "purgatório", fazendo saídas para locais de "sacrilégio", o que torna o texto agradável de ler.
Parabéns, e espero a segunda ou terceira parte.
Um abraço, Tony Borie.