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quarta-feira, 23 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27048: Recortes de imprensa (146): Suécia, Guiné-Bissau e Cabo Verde: já não vale a pena corrigir os jornalistas portugueses: o PAIGC nunca declarou a independência em Madina do Boé nem nunca teve 400 mil habitantes nas "zonas libertadas" - Parte I

 

Foto do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro, 2ª Classe, Autor desconhecido. Amílcar Cabral, que passou a visitar regulamente a Suécia, a partir de finais de 1968, era visto pelos seus admiradores suecos como ”um mestre da diplomacia [...], uma pessoa notável e uma grande figura internacional, que era portador de uma mensagem extremamente positiva”.

"O Partido Social-Democrata e a Liga da Juventude Social-Democrata, da Suécia, recolheram fundos para a produção, no final dos anos sessenta, por parte do PAIGC, dos primeiros manuais escolares em português.

"O primeiro livro (PAIGC: O Nosso Livro: 1ª Classe) foi impresso em 1970 pela Wretmans Boktryckeri em Uppsala, com uma tiragem de 20.000 exemplares. Nesse mesmo ano a Wretmans publicou O Nosso Livro: 2ª Classe, com uma tiragem de 25.000 exemplares.

"Ao lado do nome da editora, na capa do segundo livro, dizia-se que o livro era publicado pelo PAIGC nas zonas libertadas da Guiné." 

(Fonte: Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, pág. 152)




Capa do Livro da 1ª Classe do PAIGC... Um menino escreve no quadro preto: "Amo a minha Terra" | "3 + 2 = 5" | "P. A. I. G. C. "... 

Exemplar capturado pelo nosso camarada Manuel Maia no Cantanhez, possivelmente em finais de 1972 ou princípios de 1973. Vê-se que esse exemplar tinha uso. A capa teve de ser reforçada com uns improvisados adesivos (aparentemente autocolantes, que acompanhavam embalagens de apoio humanitário, vindas do exterior).  

Sabe-se que  foram impressos, na Suécia, 20.000 exemplares deste livro,  numa primeira edição. "Neste mesmo dia apanhei ainda duas cartas, uma escrita em árabe e outra em crioulo", diz-nos o nosso camarada Manuel Maia, ex-fur mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissau Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74).

Foto (e legenda): © Manuel Maia (2009).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Referência > João Diogo Correia (jornalista) na Suécia > "O aliado nórdico que ajudou a mudar o destino de Cabo Verde". Expresso, semanário, nº 2749, 4/7/2025, Revista (*)


Os 50 anos da independência de Cabo Verde foram um pretexto para o semanário Expresso, publicação prestigiada da nossa imprensa,  recordar o papel da Suécia que, "sem laços históricos nem afinidades culturais óbvias, (...) se tornou  um dos principais aliados das lutas de independência das ex-colónias portuguesas", com destaque para o apoio ao PAIGC.

Com o fim da guerra do Vietname e no rescaldo do Maio de 68 em Paris, a juventude sueca, universitária, mais politizada,  virou-se para a África e começou a gritar palavras de ordem como “Portugal ut ur Afrika” (“Portugal fora de África”). Sem saber onde ficava Portugal nem muito menos a Guiné portuguesa, os jovens suecos agarraram e abraçaram a causa do anticolonislianismo e da luta contra o "apartheid". 

Portugal era, em África, o último avatar do colonialismo europeu em África. A Suécia, mesmo com  tradição imperial e colonial (que o digam os "sami" e outros "vizinhos"...), não tinha "interesses" em África... 

Por outro lado, "país neutro", queria mostrar-se equidistante tanto em relação ao "imperialismo americano" (e aos demais "membros da NATO"), como ao "imperialismo soviético" e aos seus "satélites do pacto de Varsóvia". 

O mundo, desgraçadamente, estava polarizado, em plena guerra fria. Portugal era um estorvo, uma sucata da História. E a Suécia, pondo-se em bicos de pés,  podia fazer o papel de fiel da balança entre dois mundos em confronto.

 Os suecos, alardeando então o melhor do capitalismo e da social-democracia, gozavam com Portugal, país em vias de desenvolvimento, membro da EFTA (Associação do Comércio Livre), parceiro comercial da Suécia (!), mas com um império anacrónico e desmesurado para a sua capacidade política, militar, demográfica, financeira e económica:

  •  1/4 da área da Suécia; 
  • menos de 9  milhões de habitantes;
  • uma colônia como Angola que era “duas vezes o tamanho da Suécia”, com 6 milhões de habitantes, dos quais apenas 500 mil europeus;
  •  Guiné-Bissau e Cabo Verde, juntas, com um população de 830 mil habitantes,  dos quais apenas 6 mil  europeus (7,2%)

Upsalla, a Coimbra sueca,  onde se situava  a mais antiga universidade na Escandinávia, fundada em 1477, tornou-se então um dos principais centros do ativismo contra o colonialismo e o "apartheid". Em Upsalla tinha sede o Afrikagrupperna (Grupos África da Suécia) e o NAI (The Nordic Africa Institute).

A ida de Amílcar Cabral à Suécia em 1969 foi um dos momentos-chave. O Partido Social-Democrata (SAP), membro da Internacional Socialista, governava o país quase ininterruptamente desde entre 1932 (e até 1976). 

O jornalista, João Diogo Correia (JDC), autor do artigo supracitado, diz de Olof Palm (OL):

(...) figura central da social-democracia europeia, que aliava rebeldia, ao marchar ao lado do embaixador do Vietname do Norte em Moscovo, em oposição aberta aos Estados Unidos, com diplomacia e pezinhos de lã, fazendo valer a posição de não alinhado para não chocar de frente com nenhum dos blocos da Guerra Fria"...

 O contexto, económico,  social, político e ideológico, torna-se pois favorável ao apoio (financeiro e humanitário) primeiro da sociedade civil e depois do Estado sueco aos "movimentos de libertação africanos", da Namíbia ao Zimbabué, passando pela África do Sul, na luta pelo fim do 'apartheid', aos territórios sob domínio português. 

JDC cita o livro, já nosso conhecido, “Sweden and National Liberation in Southern Africa” (“A Suécia e a Libertação Nacional na África Austral”), da autoria de  Tor Sellström (TS),  cientista político. (Já reproduzimos largos excertos deste livro, na sua versão portuguesa, em 9 postes da série "Antologia") (**). 

Na altura,  chamámos, logo no início, a atenção para alguns factos e dados que mereciam a nossa contestação ou reparo crítico, nomeadamente quando o autor, o TAS, fala do trajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se no essencial da propaganda do PAIGC (ou de fontes que lhe estavam muito próximas)...

Já apontámos alguns exemplos desse enviesamento político-ideológico (que iremos retomar em próximo poste):

 (i) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o alegado papel ativo do PAIGC;

 (ii) a batalha do Como;

 (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil habitantes por parte do PAIGC;

 (iv) as escolas, as clínicas de saúde e as lojas do povo nas "áreas libertadas";

 (v) o assassinato de Amílcar Cabral. etc. 

O jornalista JDC cita dados também já nossos conhecidos, relativos ao montante da ajuda sueca : 

(...) "Dos 67,5 milhões de coroas suecas, à época perto de 13,5 milhões de dólares, distribuídas aos movimento de libertação entre os orçamentos de 1969-70 e 1974-75, 45,2 milhões de coroas foram para o Partido da Independência de Guiné e Cabo Verde (PAIGC), ou seja, dois terços do total. " (...)  (JDC)

Enfim, é de há muito sabido por nós, que a partir de 1969 a Suécia passou a dar uma "ajuda humanitária" (sic) ao PAIGC, substancial, que se prolongou muito para além da independência (da Guiné-Bissau e de Cabo Verde), até meados dos anos 90.  

Citando TS, sabemos que "as exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau".

Estamos a falar de valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95

Pode então perguntar-se, como o faz JDC:

Porque é que os dois pequenos territórios, a futura Guiné-Bissau e o arquipélago de Cabo Verde, caíram no goto dos suecos ?

 A explicação estaria num conjunto de circunstâncias favoráveis: 

(i) a participação de Amilcar Cabral (AC) no congresso do Partido Social-Democrata (SAP), em setembro de 196;

(ii) a sua ida á Universidade de Uppsala, uns dias depois

(iii) As eleição de OP como  novo secretário-geral do  SAP,  tornando-se primeiro-ministro em 14/10/1969, e sucedendo a Tage Erlander.

JDC socorre-se das memórias de Pierre Schori, "membro do SAP", "um dos mais próximos de Palme, do qual viria a ser conselheiro para a política externa, e figura central desta história com 50 anos": 

(...) “A audiência perguntou ao Amílcar Cabral o que podíamos fazer por eles, e ele disse duas coisas: ‘a vossa própria revolução, porque tudo começa em casa’, e a segunda: ‘precisamos de um livro para que os nossos alunos comecem a ler corretamente’.” (...)

 Já conhecemos  o resto  da história, e fartámo-nos de apanhar, em operações no mato, exemplares do livrinho de capa amarela, impresso na Suécia, em 1970,  “O Nosso Livro, 1ª Classe”.  (Convenhamos que 20 mil cópias era pouco  para as necessidades do PAIGC, que reclamava ter o controlo de 400 mil habitantes (!) nas "áreas libertadas", ou seja, 80 % do total da população, quando o inverso é que era correto: os 20% da quota do PAIGC era obtida com os refugiados nos países vizinhos, Senegal e Guiné -Conacri mais os desgraçados que viviam, mal e porcamente, nas "regiões libertadas", Oio, Cantanhez e pouco mais).

Além do AC, há outro militante do PAIGC que entra nesta história,  o mindelense Onésimo Silveira (OS), que foi aluno de Lars Rudebeck (LR), talvez o académico sueco mais influente neste processo, para além de alguns dos político já citados  (é autor de Guiné-Bissau: A Study of Political Mobilization, Scandinavian Institute of African Studies, Uppsala, 1974).

(Continua)

__________________

Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 14 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26798: Recortes de imprensa (145): José Claudino da Silva (ex-1º cabo cond auto, 3ª C/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/73, nosso grão tabanqueiro nº 756): "O 25 de Abril deu-me voz, deixei de ter medo" (entrevista recente ao jornal "A Verdade", do Marco de Canaveses)... Um camarada que tem um espólio de c. 1800 cartas e aerogramas, escritos e recebidos, durante a comissão.

(**) 17 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24560: Antologia (98): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: O caso da ajuda ao PAIGC – IX (e última) Parte

Vd. em especial > 28 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24510 Antologia (93): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte IV

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26250: Os 50 Anos do 25 de Abril (31): O "virar da página" da revista católica "Flama", cujo diretor era o António dos Reis, bispo de Mardassuma e capelão-mor das Forças Armadas (1967-1975) - Parte I






Edição nº 1366, Ano XXXI, 10 de maio de 1974 | 
Preço avulso: 10$00 | Angola; 17$50 | Moçambique: 20$00


Excerto da capa da Flama, Edição nº 1367, Ano XXXI, 17 de maio d 1974 | 
Preço avulso: 10$00 | Angola; 17$50 | Moçambique: 20$00


1. Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (*) são também os 100 anos de nascimento de  homens que marcaram a história de Portugal (como Mário Soares, 1924 - 2017) ou a Guiné-Bissau e Cabo Verde (como Amílcar Cabral, 1924 -1973).

Não nos compete, a nós, individualmente, dizer quem fica ou não na História. Nem muito menos é essa a missão do nosso blogue. Não somos hstoriadores.  

Em todo o caso, devemos cobrir, sobretudo com os testemunhos, os escritos e as fotos, dos antigos combatentes, todo o período que abarca a guerra colonial (de 1961 a 1974, e que vai até para lá do 25 de Abril: até 1975 ainda hão de morrer, infelizmente, camaradas nossos, nos três teatros de operações).

De qualquer modo, o português Mário Soares, então exilado (tal como Álvaro Cunhal) foi capa de revista,  no  semanário "Flama", na sua cobertura noticiosa (tardia) dos acontecimentos que marcaram o fim do regime do Estado Novo e do princípio do fim da guerra do ultramar / guerra colonial. Foram dois líderes (vocábulo que não estava ainda grafado nos nossos dicionários, em 1974  usava-se
 o anglicismo "leaders"...) que marcaram fortemente a cena política do pós-25 de abril.

Tínhamos prometido voltar a essa edição (histórica) da "Flama"
 (1937-1983) (**),  que começou por ser um quinzenário, órgão oficial da JEC-Juventude Escolar Católica, nos primeiros anos, e que soube conquistar um espaço, talvez único, no segmento dos semanários, no final dos anos 60 e princípiso de 70.  Era uma revista que alguns de nós cebiam e liam na Guiné, juntamente com outras revistas como  a "Vida Mundial" e o "Século Ilustrado",  a brasileira "Cruzeiro", a francesa "Paris-Match" ou a norte-americana "Play Boy", a par dos jornais diários, de Lisboa e Porto, e pouco mais... (Alguns, mais politizados,  assinavam a "Seara Nova", o "Comércio do Funchal", o "Notícias da Amadora", o "Jornal do Fundão"...).

A "Flama" era então já uma das revistas mais antigas no panorama da imprensa escrita portugues, chegando a ter uma tiragem de 30 mil exemplares. 

 Já demos destaque ao seu nº 1000 (edição de 5 de maio de 1967). Era uma raridade ver, na imprensa portuguesa da época, o aparecimento de fotos, com algum dramatismo, de militares portugueses em pleno teatro de operações da Guiné, já então o mais duro das "três frentes" (**).

Nesse número especial (que,  num total de 116 páginas, dedicava 16 ao cinquentenário  de Fátima, na véspera da visita do Papa Paulo VI), era um "privilégio" ter 2 páginas com enfoque, essencialmente fotojornalístico, na guerra da Guiné (mesmo que as fotos fossem de... fotocines do exército!).

Enfim, era a "reportagem possível" de uma revista, respeitável, e até "arejada", originalmente ligada à Igreja Católica, mas que soube conquistar outras franjas do púbico leito. Para além dos assinantes, tinha uma boa fonte de receita na publicidade (muita dela já virada, nos anos 60/70, para um "público feminino" com poder de compra, com maior escolaridade e em ascensão social, ocupando no mercado de trabalho os lugres deixados vagos pelos homens chamados para a guerra).

Recorde-se que a "Flama" tinha nascido em 1937, da iniciativa de um grupo da JEC - Juventude Escolar Católica, com a benção de Salazar e do Cardeal Cerejeira. Era então marcadamente "masculina", e de teor "confessional". Começou a redefinir-se a partir de 1944... Em 1967, apresentava-se como  "semanário de atualidades de inspiração cristã" (sic)... Em 1974 era simplesmente uma "revista semanal de atualidades"...

E hoje é considerada um marco importante na história do jornalismo português,  um marco nomeadamente do jornalismo feito por mulheres e para as mulheres. Talvez mesmo uma escola. Por ela passaram mulheres, jornalistas e escritoras, como Maria Teresa Horta, Regina Louro, Edite Soeiro...mas também j0rnalistas de referência como o Afonso Cautela, o Cáceres Monteiro, o Joaquim Letria, o Cesário Borga, e outr0s.

Foi diretor (e muito influente) do semanário, entre 1964 e 1976, o dr. António dos Reis Rodrigues (1918-2009), nomeado em 1966 bispo auxiliar de Lisboa, sob o título de bispo de Madarsuma, e depois com as funções de capelão-mor das Forças Armadas (1967-1975)... Alguns capelões mais contestatários chamavam-lhe, nas costas, o "bispo de Merdassuma"... Mas teve a coragem de ir dizer missa, ao ar livre,  a Gandembel em 1968!

Foi também o António  dos Reis, enquanto diretor da "Flama", quem  "virou" e "fez virar" a página da revista (seguramente com a pressão dos seus jornalistas que, em 17 de maio de 1974, elegeram, "democraticamente" e "por voto secreto" um "conselho de redação")... Eis a seguir um excerto do que ele escreveu na edição de 10 de maio de 1974, duas semanas depois do 25 de Abril:


 Edição nº 1366, Ano XXXI, 10 de maio de 1974  (excerto, pág. 3)


 Edição nº 1367, Ano XXXI, 17 de maio d 1974  (excerto, pág. 3)


Em próximo poste selecionaremos algumas fotos da separata da "Flama", sobre o 25 de Abril. Cortesia da Hemeroteca Digital / Câmara Municipal de Lisboa, que conseguiu "salvar" 3 edições históricas da revista, desse ano de 1974 (as de 3, 10 e 17 de maio).

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26149: Agenda cultural (868): Por ti, Portugal, eu juro!: documentário, de Sofia Palma Rodrigues e Diogo Cardoso (Portugfal, 2024, 98 minuto), sobre o drama dos Comandos Africanos da Guiné... Estreia mundial no doclisboa 2024, e agora nos Cinemas


 Cartaz do filme Por ti, Portugal, Eu Juro! | Realizadores: Sofia de Palma Rodrigues e Diogo Cardoso | Documentário: POR, 2024, 98 min, M/12  | Trailer (oficial) aqui, no You Tube.






(i) durante a Guerra Colonial, milhares de africanos combateram ao lado das Forças Armadas Portuguesas e arriscaram a vida por uma pátria que acreditavam ser a sua;

(ii) depois do 25 de Abril, quando Portugal se retirou dos territórios que ocupava em África, estes militares foram deixados para trás;

(iii) cinquenta anos depois, contam, pela primeira vez, a sua história e acusam o Estado português de abandono e traição.


Público > Cinecartaz > Sinopse (... com um disparate de todo o tamanho: "Portugal recrutou 1,4 milhões de militares africanos...")


(i) Diogo Cardoso, Sofia da Palma Rodrigues e Luciana Maruta, jornalistas da revista digital Divergente, publicaram a reportagem Por ti, Portugal, Eu Juro!

(ii) o trabalho, dividido em quatro capítulos, foi o resultado de uma longa investigação sobre como, durante a Guerra do Ultramar (1961-1974), Portugal recrutou 1,4 milhões de militares africanos para combaterem em Moçambique, em Angola e na Guiné, ao lado das tropas portuguesas;

(iii) esses homens, que lutaram por uma pátria que sentiam como sua, foram abandonados à sua sorte logo após a independência;

(iv) depois de muitos deles terem sido alvo de perseguições, prisões e fuzilamentos, ainda hoje aguardam o reconhecimento e as pensões de sangue e invalidez que lhes foram prometidas na altura:

(v) a reportagem, que recebeu o primeiro prémio na categoria de Meios Audiovisuais da edição de 2022 do prémio da Comissão Nacional da UNESCO e da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, foi entretanto transposta para este documentário, realizado por Sofia de Palma Rodrigues e Diogo Cardoso.  



(i) durante a Guerra Colonial (1961-1974), milhares de africanos combateram ao lado de Portugal e arriscaram a vida por uma pátria que acreditavam ser a sua.

 (ii) a mesma pátria que, depois da Revolução de Abril, os abandonou à sua sorte;

(iii) 50 anos depois, os Comandos Africanos da Guiné continuam a reivindicar as pensões de sangue e invalidez que lhes foram prometidas;

(iii) este grupo foi a única tropa de elite do Exército português integralmente constituída por pessoas negras, pessoas que tomaram a dianteira das operações mais difíceis e protegeram os militares oriundos da metrópole;

(iv) reivindicam, até hoje, um lugar na História. Contam relatos de guerra, perseguição e morte;

(V) dizem-se abandonados e traídos por um Estado que os usou, explorou e, por fim, descartou.


Livro > Por Ti, Portugal, Eu Juro! A história dos comandos africanos da Guiné",  de Sofia da Palma Rodrigues (Lisboa, Tinta da China, 2024, 104 
pp.)"


Wook > Sinopse

(i) durante a Guerra Colonial (1961-1974), Portugal recrutou 1,4 milhões de militares para combaterem em Moçambique, em Angola e na Guiné;

(ii) um terço destes soldados eram africanos, na altura cidadãos portugueses que foram obrigados pelo Estado a cumprir o serviço militar;

(iv) este livro foca-se num universo muito específico deste contexto: os comandos africanos da Guiné, que integraram as três companhias criadas pelo então governador António de Spínola e constituíram a única tropa de elite do Exército português integralmente composta por militares negros;

(v) depois do 25 de Abril de 1974, estes homens foram abandonados por Portugal, o país que os obrigou a cumprir o serviço militar e pelo qual lutaram;

(v) 50 anos depois, contam pela primeira vez a sua história;

(vi) querem que o Estado português lhes devolva os direitos ganhos no campo de batalha e cumpra as promessas feitas;

(vii)  este livro resulta de uma reportagem da Divergente.

(viii) o filme homónimo estreou no dia 19 de outubro de 2024 no âmbito do DocLisboa - 22º Festival de Cinema Internacional. 

Sinopse curta: um livro que foi uma reportagem e é também um filme, sobre os comandos africanos da Guiné que integraram as companhias criadas por António de Spínola e foram forçados a combater pelo exército português durante a Guerra Colonial.


“Fomos obrigados a ir para a guerra. Ninguém se podia esconder. Se o fizéssemos, a nossa mãe, o nosso pai, podiam ser presos e nós seríamos considerados fugitivos... Lutámos por Portugal, jurámos-lhe fidelidade e, depois da independência, fomos totalmente abandonados, como carne para canhão. Ficámos assim: filhos sem pai e sem mãe!” 

Julião Correia foi um dos mais de 400 mil militares africanos que combateram do lado de Portugal durante a Guerra Colonial (1961-1974). 

Homens que, na sua maioria, têm mais de 70 anos e correm o risco de desaparecer sem que os seus testemunhos tenham alguma vez sido filmados, sem que a sua história tenha sido documentada. 

Julião morreu em outubro de 2017, com 75 anos, poucas semanas depois de o termos entrevistado em Bissau.

 Com o fim da Guerra Colonial, e a retirada da tropa metropolitana dos territórios ocupados além-mar, os militares africanos que integraram o Exército português foram deixados para trás pelo mesmo país que os obrigou a combater. Ao mesmo tempo, foram também considerados traidores de raça e de classe pelas novas ordens políticas. 

Enquanto em Angola a maioria destes homens foram integrados nas Forças Armadas locais, e em Moçambique se constituíram Comissões de Verdade e Justiça, na Guiné-Bissau estas pessoas foram perseguidas e torturadas, havendo relatos de centenas de execuções sumárias. 

Além disso, a Guiné tinha ainda mais uma especificidade: era a única colónia a ter uma tropa de elite composta, desde a base (soldados) até ao topo (capitães) por africanos negros.

 As Companhias de Comandos Africanos da Guiné foram criadas em 1971 sob a alçada do então governador António de Spínola, que fez destes homens o seu braço-direito. 

Era nos comandos que Spínola depositava a última esperança de Portugal poder sair vitorioso da guerra na Guiné. Homens altamente treinados, que conheciam bem o terreno e tinham um elevado nível de preparação e resistência física; e que, rapidamente, se tornaram numa arma essencial da resistência contra o Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) durante a guerra. 

Num contexto em que o serviço militar era obrigatório, todos os homens acima de 18 anos que recusassem ir à tropa eram considerados desertores, pondo as famílias à mercê das ameaças da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). 

Muitos destes militares eram analfabetos e não tinham qualquer convicção política, desconheciam as razões que motivaram o conflito

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26148: Agenda cultural (867): Joaquim Costa lançou, em Gondomar, o seu livro "Crónicas de Paz e Guerra", no passado dia 9: uma casa cheia de amigos, colegas e camaradas

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26143: Humor de caserna (81): "Há ouro em Bafatá ?!"... A imaginação febril dos serôdios "garimpeiros" coloniais... (Excerto do "Diário Popular", de 20 de outubro de 1951, suplemento especial dedicado às províncias ultramarinas que, em revisão constitucional, tinham acabado de deixar de ser colónias)

 


Excerto do Suplemento do "Diário Popular", edição de 20 de outubro de 1951, pág. 9



Capa do Suplemento do "Diário Popular", edição de 20 de outubro de 1951,



Capa da edição do "Diário Populae", de 20 de outubro de 1951. Era diretor o Luis Forjaz Trigueiros (1915-2000)


1. Na euforia do  fim do "Pacto Colonial", e da revisão constitucional (Lei nº 2048, de 11 de junho de 1951),  a imprensa lisboeta começa a olhar para o "ultramar português"  como um mercado cheio de potencialidades... 

É um número de "informação e propaganda", em que figuras-chave do Governo de Salazar (Sarmento Rodrigues, Ulisses Cortês, etc.) mas também historiadores alinhados política e ideologicmemte com o Estado Novo (Damião Peres, por exemplo, que a dirigiu a monumental História de Portugal, publicada entre 1928 e 1954) assinam artigos de opinião ou dão entrevistas...

 O "Diário Popular", na sua edição de 20 de outubro de 1951 ( e não de 20 de outubro de 1961, como vem escrito por lapso, na ficha da Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa), distribuiu um suplemento, dedicado ao Ultramar, desde Cabo Verde a Timor,  com 218 páginas (22 das quais são dedicadas à Guiné).  

É uma raridade bibliográfica, está disponível  aqui em formato digital. Merece uma leitura atenta.  E tem apontamentos deliciososos, como este que publicamos acima, na série... "Humor de caserna" (*).  (O "há ouro em Bafatá" faz-nos lembrar a rábula do saudoso e genial Solnado, na divertida comédia televisiva , de 1986,  "Há petróleo no Beato"...)

Um pensamento "seráfico" de Salazar dá o tom para esta edição "eufórica" sobre o ultramar português e a "nossa ancestral vocação civilizadora":

"Nós somos filhos e agentes de uma civilização milenária que tem vindo a elevar e converter os povos à conceçãoo superior da própria vida, a fazer homens pelo domínio do espírito sobre a matéria, do domínio da razão sobre os instintos"...

Dentro dos condicionalismos da época (a começar pela censura), temos de reconhecer, no entanto,  que o "Diário Popular" foi também um viveiro de grandes cronistas,  repórteres e jornalistas.

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segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25098: Historiografia da presença portuguesa em África (405): voyeurismo, exotismo, sexismo e racismo na exposição colonial do Porto de 1934: uma reportagem do jornalista de "O Comércio do Porto", Hugo Rocha (1907-1993), publicada no "Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro"


Porto > Exposição Colonial Portuguesa > 1934 > O Palácio de Cristal renomeado Palácio das Colónias.


(Cortesia da Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa)

Título da reportagem de Hugo Rocha, sobre a Exposição Colonial do Porto, publicada possivelmente  no "Ultramar . Órgão Oficial d I Exposição Colonail", e depois reproduzida no Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, n.º 9, Abril a Julho de 1934. Número Especial comemorativo da Primeira Exposição Colonial realizada no Porto, 1934, pp. 153-155


1. A Exposição Colonial Portuguesa, que decorreu no Porto, no  Palácio de Cristal (renomeado para o efeito "Palácio das Colónias"), no verão de 1934 (de 16 de junho de a 30 de setembro). Teve como comissário Henrique Galvão. E foi talvez a primeira grande realização mediática do Estado Novo, com a apologia do império colonial português. (*)

Teve grande destaque a "representação" da Guiné: a figura de régulo Mamadu Sissé, "um dos heróis das campanhas de pacificação", colaborador próximo do capitão Teixeira Pinto (o "capitão-diabo") (de que o pintor Eduardo Malta fez um soberbo retrato, a ele e ao seu filho, Abdullah); e a figura da Rosinha, balanta, imortalizada pelo fotógrafo Domingos Alvão.

Temos no nosso blogue dez referências a este evento que, de resto,  seguiu o paradigma de outras exposições congéneres, realizadas  por outras potências coloniais da época, em cidades como  Marselha (1922), Antuérpia (1930) e Paris (1931).

(...) "No recinto da exposição reproduziram-se aldeias indígenas das várias colónias, construiu-se um parque zoológico com animais exóticos, edificaram-se réplicas de monumentos ultramarinos, divulgou-se a gastronomia, enquanto centenas de expositores da metrópole e das colónias atestavam o dinamismo empresarial do Império." (...) (Fonte: Hemeroteca Municipal de Lisboa >  Exposição Colonial Portuguesa).

2. Sobre a peça, que selecionámos hoje, assinada por Hugo Rocha (**)... O título e subtítulo, extensíssimos, dizem tudo: "Antes de abrir a Exposição...Da Guiné a Timor, sem sair do Palácio de Cristal: sessenta e três pretos e pretas da mais próxima e nove pardos da mais afastada das colónias de Portugal já dão ao recinto do grande certame o tom colorido e exótico da vida tropical"

Hugo Rocha (1907-1993)  foi um jornalista e escritor do Porto: entrou aos 18 anos para a redação de  "O Comércio do Porto" (fundado em 1854, extinto em 2005), e do o qual será diretor durante muitos anos. Já antes, em 1933, escrevera uams crónicas sobre o ultramar português. 

Fez parte do corpo redatorial do quinzenário "Ultarmar - Ógão Oficial da I Exposição Colonial", de que se publicaram 18 números,entre 1 de fevereiro e 15 de outubro de 1934, números1 , O direteor da publiação era o Henrique Galvão.

Teve, talvez por isso,  o privilégio de ser um dos primeiros a visitar a exposição, na fase ainda do seu "making of", antes da sua abertura oficial. O texto que escreveu, há 90 anos merece ser lido ou relido com atenção e precaução. Tem observações e expressões que hoje nos chocam. Tem de ser contextualizado. Estamos nos anos 20/30,  a época da consagração do racismo nas suas diversas vertentes (biológico, cultural, etc.) e da subida ao poder dos nazifascismos e demais ditaduras. (Em boa verdade também não sabemos  como daqui a 90 anos os nossos vindouros irão  ler o que aqui escrevemos, e olhar para as nossas fotos...)

Repescámos, da reportagem do Hugo Rocha, alguns destes "estereótipos sociais" de que é feito o racismo, de ontem  e de hoje, e o desconhecimento do outro, da sua cultura, da sua história, da sua terra. (Estranhamente o jornalista não chegou a pôr os olhos na Rosinha, balanta, "o  animal mais belo daquele zoo humano"... e que se virá   a tornar a coqueluche da exposição. )

  • Ontem, a meio da tarde, para matar saudades, fui ao Palácio para ver os pretos (...)
  • A aldeia da Guiné, que é a mais típica do certame , porque é lacustre, como grande  parte das aldeias da Guiné (...)
  • Vinte negros - dezoito homens e duas mulheres da raça fula (..:)
  • Arde  uma fogueira no centro da sanzala (..:)
  • Não sabe o que é ciúme, sior (...)
  • Algarávia gentílica em todas as bocas (...)
  • O cheiro é perfeitmente colonial (...)
  • A preguiça equatorial domina todos os repentes (...)
  • Henrique Galvão (...) não quer que os indígenas da Guiné estejam ociosos (...)
  • (...) aqueles corpos nus e besuntados (...)
  • Olha, aquilo é o cheiro da carne preta
  • E o leão, enquanto as negras não lhe desaparecem da vista, parece devorá-las com os olhos (...)
  • Pretos da Guiné. Pardos de Timor. Portugueses de outras cores e doutras raças (...)  (Citações de Hugo Rocha)

 





(Seleção, recortes,  introdução: LG)


__________

Notas do editor:


(**) Hugo Rocha, de seu nome completo Hugo Amílcar de Freitas Rocha (Porto, 11 de novembro de 1906 - Porto, 24 de fevereiro de 1993) foi  jornalista e escritor (e também espirita).

(...) Fez os estudos na sua cidade-natal. Empregou-se numa firma comercial, ao mesmo tempo que exercia o professorado no ensino livre. A sua vocação, porém, havia de orientá-lo para o jornalismo e assim, aos 18 anos de idade, principia a colaborar na edição de "O Comércio do Porto" (1924).

Em 1929 ingressou definitivamente para o quadro redactorial daquele diário portuense, e anos depois foi escolhido para chefe de redacção, lugar que ocupava em 1952.

Em paralelo ao trabalho absorvente no jornal, desenvolve projetos próprios, como o demonstram as diversas obras literárias que deixou, tendo ganho vários prémios literários e jornalísticos.

De 1949 a 1951 foi o diretor do "Actualidade", jornal semanal cultural e associativo, de propriedade da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. (...)

Apaixonado pela Música, dirigiu durante anos o mensário de canto coral "Orfeu" e foi crítico musical de "O Comércio do Porto". (...) (Fonte: Wikipedia)

(...) Em 1933 publicou seu primeiro livro, de crónicas africanas, intitulado Bayete,  e um volume de poemas intitulado Rapsódia Africana. Logo no ano seguinte publicou um ensaio intitulado Espiritualismo e a novela O homem que morreu no deserto.

Ao longo das décadas seguintes publicou numerosas obras, incluindo relatos de viagens de carácter impressionista aos Açores, à ilha da Madeira, à Índia Portuguesa e à Galiza. Também publicou alguns romances e várias obres sobre temas do esoterismo (...)  e do espiritismo.

A sua obra de viagens mais notável é um relato de um périplo pela Galiza, intituladas Itinerário na Galiza, obra complementada em 1961 e 1963 com os dois volumes intitulados Encontros da Galiza. A obra mereceu excelente colhimento à época. (...) (Fonte: Wikipedia)

sábado, 4 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24821: As nossas geografias emocionais (15): o reordenamento de Nhabijões (ou Nha Bidjon), 300 casas de zinco que terão custado mais de 2700 contos (c. 700 mil euros a preços de hoje), fora a mão-de-obra, civil e militar, e ainda os custos indiretos e ocultos


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca / CAOP 2) > Nhabijões (ou Nha Bidjon) > c. 1973 > Vista aérea do reordenamento de Nhabijões: o maior ou um dos maiores do CTIG, com 300 casas de zinco...(Fonte:  CECA, 2015, pág. 276)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca / CAOP 2) > Nhabijões (ou Nha Bidjon) > 197 2> Vista aérea do reordenamento de Nhabijões (Fonte:   "Diário de Lisboa",   31 de Agosto de 1972, com a devida vénia)


1. Ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) /CAOP 2), o redordenamento de Nhabijões tinha, a defendè-lo, um pelotão (da CCS) mais um 1 Esq do Pel Mort 2268, com morteiro 81. 

Continuou, no tempo do batalhão, que veio a seguir, o  BART 3873 (1972/74), com 1 pelotão (da CCS) mais 1 Esq do Pel Mort 2268... E por fim, no final da guerra,  com o BCAÇ 4616/73 (1974),  havia só 1 pelotão (da CCS).

Ainda lá estive, uma semana ou duas, a comandar um pelotão de "básicos" da CCS... Uma noite apareceu alguém, no destacamento, a gritar, histérico, "Turras no Nha Bidjon"... Veio,  em meu socorro, o piquete de serviço, de Bambadinca, comandado pelo Beja Santos (que estava em fim de comissão, e era uma força da natureza).

No final, não fora nada: os gajos do PAIGC entravam e saíam a seu bel prazer em Nhabijões, iam visitar os parentes, beber vinho de palmeira ou aguardente de cana, dormir com as bajudas, recolher as compras feitas em Bambadinca na loja do "tuga" Zé Maria (a quem chamávamos "turra"), estudar as rotinas da tropa  e, quando muito bem lhes apeteceu, puseram duas minas A/C, à saída do reordenamento, accionadas por duas viaturas nossas no dia 13 de janeir0 de 1971...

Nhabijóes tem 55 referências no nosso blogue. É um dos topónimos míticos da guerra no leste. O reordenamento foi um dos maiores sucessos da política spinolista "Por Uma Guiné Melhor"... 

Mas também pagámos (a CCAÇ 12 e a CCS/BART 2917) um alto preço por este êxito: recordemos as duas minas A/C accionadas no dia 13 de janeiro de 1971, vitimando mortamente o sold cond auto da CCAÇ 12, Manuel da Costa Soares, e ferindo, com gravidade,  o alf mil sapador Luís Moreira (da CCS/BART 2917), os fur mil Joaquim Fernandes e António F. Marques (este, esteve dois anos no hospital), os sold Ussumane Baldé,  Tenen Baldé, Sherifo Baldé, Sajuma Baldé (todos da CCAÇ 12, 4º Gr Comb) e ainda um soldado da CCS / BART 2917 (cujo nome não me ocorre agora). 

No meu caso, foi o meu dia de sorte, ia na GMC, no lugar do morto, que accionou a segunda mina, a explosão deu-se n0 rodado duplo, traseiro, do meu lado...  Já aqui escrevi, "ad nauseam": 

(...) "Eu também nunca mais esquecerei aquela data e aquele nome. Nunca mais esquecerei a correria louca que fiz com um Unimog 404, carregado de feridos, pela estrada fora, de Nhabijões até Bambadinca, até ao nosso aeródromo onde nos esperava o helicóptero para uma série de evacuações ipsilon. 

"Ainda hoje não sei explicar por que razão fui eu, além do condutor, o único do meu Gr Comb (a duas das secções) que fiquei praticamente incólume mas inoperacional: umas contusões na cabeça (por projecção contra a parte inferior do tejadilho da GMC); a G-3 danificada; tonto e cego de tanta poeira; etc." (...) 


2. Da história da CCAÇ 12, reproduzo estes excertos:

(...) "A partir deste mês, novembro de 1969, 1 Gr Comb da CCAÇ 12 passaria a patrulhar quase diariamente as tabancas de Nhabijões cujo projecto de reordenamento estava então em estudo, a cargo da CCS/BCAÇ 2852.

"Nhabijões era considerado um centro de reabastecimento do IN ou pelo menos da população sob seu controle. As afinidades de etnia e parentesco, além da dispersão das tabancas, situadas junto à bolanha que confina com a margem sul do Rio Geba, tornava-se impraticável o controle populacional. 

"Impunha-se, pois, reagrupar e reordenar os 5 núcleos populacionais, dos quais 4 balantas (Cau, Bulobate, Dedinca e Imbumbe) e 1 mandinga, e ao mesmo tempo criar "polos de atracção" com vista a quebrar a muralha de hostilidade passiva para com as NT, por parte da população que colabora com o IN." (...)

A CCAÇ 12 participaria directamente neste projecto de recuperação psicológica e promoção social e económica da população dos Nhabijões, fornecendo uma equipa de reordenamentos e autodefesa, constituída pelos seguintes elementos (que f
oram tirar o respectivo estágio a Bissau, de 6 a 12 de Outubro de 1969):
  • alf mil at inf António Manuel Carlão (1947-2018) (originalmente o cmdt do 2º Gr Comb, que passou a ser comandado por um fur mil);
  • fur mil at inf  Joaquim Augusto Matos Fernandes (comdt da 1ª secção 4º Gr Comb):
  • 1º cabo at inf Virgilio S. A. Encarnação (cmd da 3ª secção do 4º Gr Comb);
  • e sold arv at inf Alfa Baldé (Ap LGFog 3,7, do 2º Gr Comb)
e ainda 2 carpinteiros (na vida civil):
  • 1º cabo at inf Sousa (?)
  • e 1º cabo aux enf Carlos Alberto Rentes dos Santos.
A CCAÇ 12, além de ficar desfalcado de seis importantes elementos operacionais (e dois grupos de comnbate desfalcados),  participou ainda indirectamente neste projeto.  criando as condições de segurança aos trabalhos.

Numa primeira fase estava previsto levar a efeito:
  • a desmatação do terreno;
  • a fabricação de blocos de adobe;
  • a construção de 300 casas de habitação com portas, janelas e cobertura de zinco;
  • a construção de equipamentos sociais  (1 escola, 1 mesquita, fontes, acessos, etc.).
(...) "Durante este período a CCAÇ 12 realizaria várias acções, montando nomeadamente linhas descontínuas de emboscadas entre os núcleos populacionais de Nhabijões, além de constantes patrulhas de reconhecimento e/ou contacto pop.

"A partir de Janeiro/70 seria destacado um pelotão da CCS/BCAÇ 2852 a fim organizar a autodefesa de Nhabijões. Admitia-se a possibilidade do IN tentar sabotar o projecto de reordenamento, lançando acções de represália e intimidação contra a população devido à colaboração prestada às NT.

"A partir de abril de 1970, o reordenamento em curso passaria a ser guarnecido por 1 Gr Comb da CCAÇ 12. Na construção de novo destacamento estiveram empenhados o Pel Caç Nat 52 e a CCAÇ 12, a 3 Gr Comb, durante vários dias.

"A segunda fase do reordenamento (colocação de portas e janelas e cobertura de zinco em todas as casas, abertura de furos para obtenção de água, etc.) começaria quando o BART 2917 passou a assumir a responsabilidade do Sector L1 (em 8 de junho de 1970).

"A partir de Julho, a CCAÇ 12 deixaria de guarnecer o destacamento de Nhabijões, tendo-se constituído um pelotão permanente da CCS/BART 2917 enquadrado por graduados da CCAÇ 12." (...)


3. Uma estimativa grosseira do cust0 deste reordenamento aponta para 2700 contos, em 1972 (300 casas de zinco x 9 mil escudos).

Este valor, em 1972, equivaleria, a preços de hoje, a €703.942. Não se incluem os custos de mão de obra, gratuita (civil e militar) nem outros custos indiretos e ocultos (planeamento, formação, ferramentas, segurança,  etc.)... Falta ainda contabilizar a escola, a mesquita, as fontes e outros equipamentos sociais como o posto sanitário, os caminhos, etc.  (**)

O jornalista do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues (que vim a conhecer pessoalmente há uns anos), convidado especial de Spínola, para ver as "obras" do seu consulado, escreveu (**):

(...) "As aldeias de zinco, ordenadas e reluzentes, surgem por todo o lado, com a colaboração dos nativos que ambicionam casa melhor, à prova de incêndio e mais parecida com a casa dos brancos, embora menos defendida do calor do sol.

"Dantes só os régulos conseguiam ter casas de zinco. Mas agora 70 reordenamentos foram executados desde 1969, e muitos outros estão em construção, Nove contos cada, não contando a mão-de-obra gratuita. 

"Só na época seca de 1972, de janeiro a junho, foram construídas pelo exército 1642 casas de zinco e 689 casas de c0lmo, além de 42 escolas e 5 postos sanitários. Há reordenamentos de 200 ou 300 casas. 

"Os primeiros eram aldeias estratégicas onde se juntava a populção dispersa de várias tabancas, perto dos quartéis que asseguravam a defesa, e evitavam as infiltrações do PAIGC.  Neste momento   - garantiram-me em Bissau - os reordenamentos são instalados onde houver terreno arável, e, de preferència, nos locais indicados pela população.

"Segundo a doutrina do general Spínola, o reordenamento é um dos dois 'grandes marcos' da política de desenvolvimemto da Guiné" (...)

(...) "Infelizmente ainda tenho que dar tiros,  - explicou-me o outro dia o general - mas a guerra não se ganha aos tiros". (...) (***)
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Notas d0 editor:

(**) Vd. poste de 10 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23252: 18º aniversário do nosso blogue (14): até meados de 1971, o Serviço de Reordenamentos do BENG 447, com o apoio das unidades militares e as populações locais, construiram 8 mil casas cobertas a colmo e 3880 cobertas a zinco