De acordo com o "livro da família Maçarico", o Horácio é meu parente, as nossas bisavós, nascidas por volta de 1860, eram irmãs...
O Júlio, que foi missionário em Moçambique (João Belo, Mavila, Zvala, Maxixe) e depois foi para o Canadá, já morreu. Saiu da ordem, franciscana, em 1970. Também era do clã Maçarico, e portanto meu parente... Fui de resto à missa nova de ambos, em agosto de 1959 (se não erro).
Fonte: Américo Teodoro Maçarico Moreira Remédio - Vila de Ribamar e as famílias mais antigas: Família Maçarico: Árvore genealógica: 500 anos de história. Ribamar, Lourinhã: ed. autor. 2002, pag.123
(i) alferees graduado capelão, no CTIG (1967–1969)
Horácio Fernandes serviu como alferes graduado capelão integrado no BART 1913, tendo estado colocado em Catió, no sul da Guiné (entre setembro de 1967 e maio de 1969).
Foi uma comissão difícil num dos setores mais fustigados da guerra. A sua presença é recordada pelos camaradas (c0mo o Alberto Branquinho) como a de um homem simples e solidário, que vivia de perto as angústias e as contradições dos soldados.
Em maio de 1969, o BART 1913 acaba a sua comissão e regressa a casa... Como o Horácio é de rendição individual, e ainda lhe faltam alguns meses para terminar a sua comissão, é colocado em Bambadinca, num batalhão que não tinha capelão, o BCAÇ 2852 (1968/70)...
Em conversa com ele, conclui que não se lembrava do ataque, m 28 de maio de 1969, a Bambadinca. Pode ter chegado mais tarde... Eu e os meus camaradas da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 estávamos a chegar a Bissau no T/T Niassa... Em 2 de junho, passei por Bambadinca a caminho de Contuboel. Menos de dois meses depois, a minha companhia é colocada em Bambadinca, setor L1, como subunidade de intervenção. Nem eu nem o capelão Horácio Fernandes nos haveremos de encontrar nos meses em que estivemos no mesmo sítio, comendo e dormindo a escassos metros um do outro... Lembrava-se de sítios como o Xime, o Xitole, Saltinho...
Eu por lá ficarei, em Bambadinca, até março de 1971. O Horácio só até dezembro de 1969, altura em que, acometido por uma crise de paludismo, teve de ser evacuado, de heli, para o HM 241, em Bissau.
Razões possíveis para o nosso desencontro em Bambadinca: (i) eu tive um 2º semestre de 1969 de intensa atividade operacional; (ii) não ia à missa; (iii) já não via o Horácio desde 1959; (iv) o capelão passava boa parte do seu tempo das unidades de quadrícula do setor L1...
Mesmo assim, ainda hoje não me posso perdoar o facto de, a milhares de quilómetros de casa, nunca ter sabido da presença, em Bambadinca, de um conterrâneo meu, e para mais meu parente.
O Horácio participava nos convívios anuais do pessoal do BART 1913, não tendo ficado com ligações afetivas com o pessoal do BCAÇ 2852.
(ii) Livro de memórias, "Francisco Caboz: A Construção e a Desconstrução de
um Padre" (Papiro Editora, Porto, 2009) (esgotado) (imagem da capa à direita)
É um testemunho raro e corajoso. Nele, o Horácio usa o heterónimo "Francisco Caboz" para descrever:
- a sua formação no seminário e a "construção" da sua identidade como padre franciscano;
- o impacto da Guerra Colonial nas suas convicções
- o processo de "desconstrução" que o levou a abandonar o sacerdócio em 1972, pouco depois de regressar da Guiné (tendo ainda chegado a ser capelão da marinha mercante antes da rutura definitiva);
- o início de uma nova vida laica, tendo-se casado na Igreja de Cedofeita, no Porto, cidade onde se radicou;
- casado com a Emília ("Milita"), natural de Fafe; o casal têm 3 filhos, Ana, Joana e Ricardo (que vive em Inglaterra).
Após deixar a Igreja, Horácio Fernandes investiu fortemente na educação e na vida académica:
foi professor dos três níveis de ensino (básico, secundário e superior); foi orientador pedagógico,
inspetor superior coordenador na Inspeção Geral da Educação;
licenciado em história (Universidade do Porto); mestre em Ciências da Educação (Universidade do Porto; a sua disseração de mestrado de 1995 foi a base para o seu livro posterior);
doutor em Ciências da Educação (Universidade de Santiago de Compostela);
autor ainda de diversos livros didáticos na área das ciências sociais e humanas...
(iv) A ligação a Ribamar, Lourinhã, e ao "Clã Maçarico"
Capa do livro sobre a família Maçarico, que tem centenas de descendentes, originários de Ribamar, Lourinhã. Estão hoje espalhados pela diáspora lusitana (por ex., Brasil, Estados Unidos, Canadá). Há um rano em Mira, que deve ter emigrado para lá no séc. XIX. Uma das caraterísticas dos Maçaricos é que sempre viveram junto ao mar, e ligados a atividades maritímas (desde a marinha mercante à marinha de guerra, desde a pesca à construção naval).
Na sua página na Net pode ler-se:
"Ribamar na época dos Descobrimentos era já um importante centro de construção naval, tendo ainda existido até cerca de 1930 um estaleiro que situava no local onde está hoje a escola primária.
"E já nesses tempos idos os Maçaricos eram reconhecidos como especialistas nessa área tendo acompanhado diversas expedições navais. E provavelmente estabeleceram-se também noutras localidades onde existiam estaleiros, possível explicação para haver outras famílias Maçarico espalhadas pelo Pais, como por exemplo em Mira."
Apesar de viver no Porto há décadas, o Horácio Fernandes manteve sempre a ligação à Lourinhã. O nosso blogue regista a sua participação em convívios da "Tabanca de Porto Dinheiro" (em que participaram, entre outros, o seu grande amigo João Crisóstomo, o Eduardo Jorge Ferreira, o Rui Chamusco, o Jaime Bonifácio Marques da Silva, o Joaquim Pinto de Carvalho, entre outros),.
O facto de ser do clã Maçarico reforça essa identidade de uma família resiliente. A sua vida foi um exemplo de como é possível servir o país, questionar as instituições quando a consciência o exige e construir uma segunda vida de sucesso e respeito no mundo civil.
De acordo com o "livro da família Maçarico", supracitado, o Horácio é meu parente, as nossas bisavós, nascidas por volta de 1860, eram irmãs... A sua bisavó paterna era a Maria da Anunciação e a minha, a Maria Augusta (1864-1920), as duas únicas mulheres de uma família de 7. Eu e o Horácio somos parentes... Os seus pais, nascidos por volta de 1830, eram Manuel Filipe e Maria Gertrudes... Os seus avós, nascidos no virar do séc. XVIII, eram Joaquim Filipe e Rosa Maria, pelo lado paterno, e Joaquim Antunes e Maria Rosa, pelo lado materno...
É uma perda significativa para a nosssa memória histórica e familitar, para a nossa terra, para o clã Maçarico, e para a comunidade de veteranos da Guiné.
Em meu nome pessoal e da Tabanca Grande, desejo que descanse em paz. Infelizmente só agora nos chegou a notícia. Aqui fica a minha solidariedade na dor à família (Milita e filhos), e demais família e amigos do peito (com o João Crisóstomo). (**)
(Seleção, revisão / fixaçãpo de texto, negritos, título: LG)
Lourinhã > Ribamar > Tabanca de Porto Dinheiro > 12 de julho de 2015 > Restaurante O Viveiro > Convívio anual da Tabanca de Porto Dinheiro. Régulo: Euardo Jorge Ferreira > Três grandes amigos: João, Horácio e Milita
Foto: © Álvaro Carvalho (2015) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor LG:
(*) Vd. postes de:16 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14885: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (6): Convívio da Tabanca de Porto Dinheiro, 12 de julho de 2015 (Parte III): Álvaro e Helena do Enxalé, sejam bem-vindos à Tabanca Grande!...Oxálá / inshallah / enxalé nos possamos voltar a reunir mais vezes para partilhar memórias (e afetos)... Vocês passam a ser os grã-tabanqueiros nºs 695 e 696
(**) Último poste da série > 21 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27448: In Memoriam (562): José António Sousa (1949-2025), ex-sold cond auto, CCAV 3404/BCAV 3854 (Cabuca, 1971/73): o funeral é hoje, dia 21, às 16h00, no cemitério da Foz do Douro, Porto




