Timor > Díli > c. 1945 > Ruínas de Díli após a II Guerra Mundial. Relatório do governo da colónia de Timor, 1946-47. Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino. Cortesia de RTP > 4.A II Guerra Mundial e o início das descolonizações (com a devida vénia...)
Capa do livro de José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, 208 pp. Cortesia de Internet Archive. O livro é publicado trinta anos depois dos acontecimentos. O autor terá nascido na primeira década do séc. XX. |
António Oliveira Liberato, capitão: capas de dois dos seus livros de memórias: "O caso de Timor" (Lisboa, Portugália Editora, s/d, 242 pp.) e "Os Japoneses estiveram em Timor" (Lisboa, 1951, 33 pp.). São dois livros, de mais difícil acesso, só disponíveis em alguns alfarrabistas e numa ou noutra biblioteca pública.
Mapa de Timor em 1940. In: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pág. 11. (Com a devida vénia). Assinalado a vermelho a posição relativa de Maubara e Liquiçá, a oeste de Díli, onde se situava a zona de detenção dos portugueses, imposta pelos japoneses (finais de 1942 - setembro de 1945)
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)
Timor Leste > Com c. 15 mil km2, e mais de 1,3 milhões de habitantes, ocupa a parte oriental da ilha de Timor, mais o enclave de Oecusse e a ilha de Ataúro. Antiga colónia portuguesa, tornou-se independente desde 2002, depois de ter sido invadida e ocupada pela Indonésia durante 24 nos, desde finais de 1975.
Infografia : Wikipédia > Timor-Leste | Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
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1. Estamos a publicar notas de leitura e excertos do livro do médico de saúde pública José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (*), disponível em formato digital no Internet Archive.
Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.)
Parte X: O ano de 1944, de intensos bombardeamentos dos Aliados sobre Díli (pp. 80-87)
(i) 1944 é mais um ano de martírio para a pequena colónia portuguesa de Timor, para a população timorense (que não seria mais do que 400 mil em 1940) e para a não-timorense (umas escassas 3 centenas de portugueses) com frequentes bombardeamentos da aviação dos Aliados, por um lado, e a continuação das arbitrariedades e prepotências dos ocupantes japoneses, por outro.
O ano fica marcado pela prisão de dois elementos-chave da população portuguesa da colónia, o engenheiro Artur Resende do Canto e o tenente António Oliveira Liberato. O primeiro pertencia à Missão Geográfica de Timor, e estava a exercer, voluntária, abnegada e corajosamente, as funções de administrador do concelho de Díli. O segundo era o adjunto da Companhia de Caçadores, que já tinha perdido, em 1942, o seu comandante, o cap inf Costa Freitas.
Há uma novo cônsul nipónico, que fala espanhol, e um vice-cônsul que fala português (sendo casado com uma brasileira). Mas nem por isso a situação dos portugueses, detidos na ilha, vai melhorar.
Nem muito menos a da população autótone,
que os japoneses insidiosamente tentaram virar contra Portugal.
Quando se comemora os 25º aniversário do referendo de 30 de agosto de 1999, em que 4 em cada 5 timorenses (78,5%) se manifestaram livremente pela independência do território, curvamo-nos à memória de todos aqueles que, durante a ocupação japonesa,
na II Guerra Mundial,
deram-nos exemplos de dignidade, coragem e patriotismo.
A questão de Timor chegou a ser um foco de tensão entre Portugal e os seus velhos aliados ingleses. A invasão por tropas autralianas e holandesas foi a gota de água e o pretexto de que os japoneses precisavam para, por sua vez, ocuparem o território, de importância estratégica para ambos os lados,
Portugal chegou a estar em risco (ou foi ponderada a hipótese pelos ingleses) de entrar na II Guerra Mundial por causa da minúscula e longínqua parcela do império que era Timor, segundo revelam documentos do arquivo do Foreign Office, estudados pelo diplomata e investigador português, Carlos Teixeira da Mota (1941-1984), "O caso de Timor na II Guerra Mundial : documentos britânicos", Lisboa, Instituto Diplomático, Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1997, 202 pp.
Timor é paradigmático: é aqui, no Sudoeste Asiático (mas também no norte de África, ambos sangrentos palcos de guerra) que, em boa verdade, começa(m) a(s) descolonização(ões)...
(...) A 23 de janeiro recebemos em Lahane comunicação de Liquiçá informando-nos que, no dia anterior, aviões australianos haviam atacado Liquiçá tendo metralhado a enfermaria onde estava hasteada a bandeira portuguesa!
Haviam ficado feridos quatro timorenses e a esposa do chefe dos correios Fortunato Mourão, senhora D. Aida Cassagne Mourão, que ali estavam internados, tendo esta última cegado de um dos olhos atingido por um estilhaço de bala.
No dia 17 de fevereiro, com evidente prazer nosso embora não isento de natural desconfiança sobre as suas intenções, retiraram os japoneses as guardas ao hospital e ao palácio, cessando daí em diante qualquer fiscalização do trânsito dos portugueses entre esses dois edifícios. (...)
Em princípios de março, o engenheiro Canto trouxe de Liquiçá para Lahane, acompanhada de sua mãe, uma menina de 17 anos, filha do velho colono sr. Gregório José Morato. Apresentava uma volumosa tumefacção sobre a omoplata esquerda que diagnostiquei ser um lipoma que facilmente seria extirpado por uma operação de pequena cirurgia, se os dois médicos portugueses a praticassem, dispondo dos meios normais que antes tinham, sobretudo de material asséptico.
Verificada por mim a impossibilidade de tratarmos a menina pediu o engenheiro Canto a ajuda nipónica, no respectivo consulado, conseguindo que a operação se viesse efectuar no hospital japonês, no dia 15, sendo a menina, logo após a operação, transportada para a nossa ambulância onde terminou o tratamento.
Por este tempo, constou à população portuguesa que o engenheiro Canto havia pedido a exoneração do cargo de administrador do concelho de Díli. De facto, ele há tempos me confidenciara que a sua atuação em Liquiçá e Maubara se apresentava cada vez mais cheia de escolhos, sobretudo por nada de importante poder resolver, no momento preciso e no local, pois todas as medidas necessárias que poderia aplicar para a resolução de problemas prementes e urgentíssimos tinham, obviamente, de esperar por despacho favorável do Governador, necessariamente moroso pela dificuldade de comunicações entre a zona e o palácio.
Assim, ele estava na disposição inabalável de se demitir, no caso de o Governador não o nomear seu delegado na zona de concentração. Confirmada a apresentação do pedido de exoneração do administrador do concelho de Díli, foram presentes ao Governador duas exposições, uma de chefes de família e outra de «mulheres e mães portuguesas» pedindo a sua não concessão.
Redigidas e assinadas pela grande maioria da população da zona, foi, a primeira, trazida ao hospital de Lahane onde lhe foram apostas as seguintes assinaturas (1) : José dos Santos Carvalho, Roque da Piedade Pinto e Rodrigues, António de Oliveira Oscar Lemos, Manuel da Costa, Júlio Madeira, Adão Exposto, Joaquim Francisco da Silva.
O despacho do Governador a estas petições (1) não pôde ser favorável, o que nele era lamentado, pelo que foi nomeado administrador do concelho o capitão Manuel do Nascimento Vieira, por portaria de 9 de março de 1944. (...)
(ii) A visita, de uma semana, iniciada em 19 de março de 1944, do cap art José Joaquim da Silva e Costa, ajudante do governador de Macau, fazendo-se transportar numa aeronave japonesa, não trouxe benefícios percetíveis à população do território.
Em 29 de abril, dia em que se comemorava o aniversário do imperador do Sol Nascente, Dília sofre forte bombardeamento por parte da aviação dos Aliados. O engº Canto e o tenente Liberato são presos. Sabe-se também da prisão do tenente Pires, antigo administrador de Baucau.
(...) Após estes acontecimentos foi a população informada de que estava para chegar a Timor um enviado do Governo de Portugal.
De facto, no dia 19 de março aterrou no campo de aviação de Díli um avião japonês que trazia o capitão de artilharia José Joaquim da Silva e Costa, ajudante do governador de Macau comandante Gabriel Teixeira, o qual vinha a Timor como delegado especial do Governo português.
Neste mesmo avião viajaram o novo cônsul japonês em Timor, senhor Sotaro Hossokawa e o vice-eônsul, senhor Suzuki.
O capitão Silva Costa demorou-se em Timor uma semana, tendo-se deslocado a Liquiçá e Maubara, para entrevistar vários portugueses e assistido a um almoço no palácio e a um jantar no consulado, para os quais o engenheiro Canto e eu fomos convidados e em que estiveram presentes o general comandante dos japoneses e os seus oficiais ajudantes, os dois cônsules, o Governador e o seu ajudante, capitão Vieira.
Das entrevistas que o capitão Silva e Costa teve comigo e com outras pessoas, depreendeu-se que ele estava a fazer um inquérito sobre os acontecimentos passados e a situação atual na Colónia. Bem informado, regressou a Macau no dia 26, seguindo no mesmo avião o ex-cônsul, senhor Yodogawa e o chanceler senhor Irie.
O novo cônsul japonês falava espanhol e o vice-eônsul senhor Suzuki, falava fluentemente português, pois, segundo referiu era casado com uma senhora brasileira. O novo chanceler do consulado, senhor Yanaguiwara, não comprendia ou falava senão o inglês.
A vinda do capitão Silva e Costa não trouxe melhoria de situação, como se esperava. Logo a seguir a ela, no dia 9 de abril, o tenente Liberato foi preso, na sua residência em Liquiçá, por três agentes da Kêmpy, dois dos quais eram o sargento Nerita e o cabo Kato, acompanhando-os como intérprete o chinês Há-Hói, filho do comerciante Mie-Hap de Díli, e três soldados armados de espingardas (2).
Levado de automóvel para Díli, pelo sargento Nerita, foi metido na cadeia de Díli e aferrolhado numa cela. No dia seguinte começaram os seus interrogatórios, sempre acompanhados de pancada e violências físicas, feitos pelo comandante da Kêmpy, tenente Akusawa, e pelo sargento Nerita, com o Ha-Hói como intérprete (1).
No dia 29 de abril, manhã cedo, apareceram as barracas dos aquartelamentos nipónicos, à roda do hospital de Lahane, ornamentadas com bandeiras japonesas, nas portas e outros espaços, inclusivamente nos telhados, sentindo-se bem um ar de festa e alegria da tropa. Mais tarde soubemos pelos criados timorenses que era o aniversário do Imperador do Japão que estava a ser comemorado.
Porém, ainda não eram nove horas a sereia japonesa anunciou a aproximação de aviões inimigos que não se fizeram esperar. Seguiu-se um terrível bombardeamento por dezenas de aviões que, conforme era de prever pelo tremendo estrondo e depois soubemos, reduziu a escombros a cidade de Díli, não havendo qualquer espaço que não tivesse sofrido a acção aliada.
As bandeiras nipónicas, escusado seria dizê-lo, logo desapareceram como por encanto e nunca mais as vimos em qualquer lugar, até ao fim da guerra.
Também, este bombardeamento deu origem à destruição por cargas de dinamitei das altas e elegantes torres da catedral de Díli, o que constou ter sido motivado por constituírem um precioso ponto de referência para os aviões atacantes.
Aquando do bombardeamento, estava o tenente Liberato aferrolhado numa cela da cadeia de Díli pelo que pôde num dos seus livros (2) descrever o terrífico espectáculo com um realismo que ainda hoje nos esmaga.
Atingido o compartimento onde se encontrava, transferiram-no para outra dependência menos danificada e onde já tinham sido reunidos os restantes presos, entre os quais reconheceu, a custo por estar magríssimo, ferido na cabeça, e coberto de cabeça, o chefe de posto Matos e Silva (2) .
Recebeu deste, então, algumas informações. O tenente Pires havia voltado da Austrália, num submarino americano e ficara em Timor, em serviço de observação, com um pequeno grupo de portugueses, oferecendo informações aos aliados (3).
Obrigado o grupo a fraccionar-se, para escapar às "colunas negras", haviam sido, sucessivamente, presos o tenente Pires, os chefes de posto José Tinoco e Matos e Silva, o enfermeiro Serafim Pinto e os irmãos, cabos Cipriano Vieira e João Vieira (3).
Presos, durante meses, em Baucau, foram mais tarde transferidos para Díli (3) e aí havia já falecido o chefe de posto José Tinoco e os irmãos Cipriano e João Vieira (2) . Quanto ao enfermeiro Serafim Pinto nada sabia, pois vira-o entrar um dia na prisão, de olhos vendados, mas desconhecia o destino que lhe haviam dado. Provavelmente, já não pertencia, também, ao número dos vivos (2) .
O senhor Matos e Silva, ferido na cabeça por um estilhaço de bomba, foi transferido, tempos depois, para uma casa de China Rate, onde se presume que tenha morrido (3), a 8 ou 9 de maio (2) .
«Fora de dúvida é que todos eles sofreram horríveis maus tratos e as agruras da fome, que os japoneses impunham a todos os seus prisioneiros» (3).
No dia 4 de maio, o tenente Liberato foi algemado, vendaram-lhe os olhos, meteram-nos num automóvel e levaram-no para China Rate onde o meteram na casa que era das máquinas da T.S.F., num compartimento sem janela. Aí viveu ( !) sessenta e sete dias, completamente incomunicável, a juntar aos vinte e inco passados na cadeia de Díli (2) .
Por estes tempos e, infelizmente, nos que se lhe seguiram, o cabo Kato, chefe da polícia japonesa em Liquiçá, continuava fazer tropelias, insultando e vexando com prepotência os não- timorenses da zona de concentração.
No dia 5 de julho registou-se um ataque aéreo aliado, com fogo de metralhadoras, a Liquiçá e Maubara. Em Liquiçá ninguém foi atingido, mas em Maubara sofreram ferimentos graves (...).
Uma das mais infelizes e inexplicáveis prepotências da polícia japonesa surgiria, com uma bomba, a 10 de julho. Cerca do meio-dia, apareceu no hospital de Lahane o sargento Nerita acompanhado de alguns soldados armados, transortado num automóvel do exército.
Não procurando o engenheiro Canto, como costumava fazer, dirigiu-se à sala onde estava instalado o telefone que estabelecia comunicação com o palácio, arrancou-o e levou-o consigo.
Apareceu, então, o Engenheiro e logo compreendemos ser ele a vítima escolhida, pois o sargento não o cumprimentou, antes lhe disse qualquer coisa, com modos bruscos, que nós não ouvimos, por estarmos afastados.
O Engenheiro dirigiu-se, então, ao seu quarto, já acompanhado por soldados, enquanto c sargento foi procurar o gerente do Banco Ultramarino, senhor João Jorge Duarte, para o intimar a acompanhá-lo, também. Tal com estavam, em mangas de camisa, tiveram de seguir com os esbirros, levando o Engenheiro uma malinha de mão e despedindo-se com um olhar que, para sempre, ficou no nosso
pensamento.
Logo que o automóvel se afastou, o chefe de posto Torresão correu para o palácio com o fim de avisar ao Governador, seu primo, o sucedido. Mas, em vão atuou. Chegado ao cruzamento com a estrada que liga ao palácio aí encontrou um soldado japonês que lhe impediu a passagem, forçando-o a regressar ao hospital.
No dia seguinte já não houve entraves e o Governador pôde ser inteirado do acontecimento, não tendo os protestos que, pronta, enérgica e repetidamente, pessoalmente apresentou no consulado nipónico, obtido resultado favorável nem qualquer explicação para tão arbitrário ato. (...)
(iii) Surpreendente, ou talvez ou não, é a situação do tesouro público: o gerente do BNU é preso, e o seu quarto fica trancado...É lá que ele guardava parte do pecúlio da colónia, ou seja, o "mealheiro" do Governador, o cofre forte do banco... ~
Como pagar agora aos funcionários, civis e militares, que restam na colónia, incluindo os deportados (que também comiam à "mesa do Estado" )?... Sem esse dinheiro, agravar-se-ia a situação de miséria em que já todos viviam, apesar da solidariedade de muitos timorenses que, apesar de tudo, tinham os seus meios de subsistência...
Uma solução "ad hoc", expedidta, à portuguesa foi encontrada, o clássico "desenrascanço"... Um momento algo hilariante no meio de um drama coletivo...
(...) Entretanto, verificáramos no hospital de Lahane que o Gerente havia fechado a porta do quarto onde estava instalado e não pudera entregar a chave aos seus dois funcionários ali presente ou a qualquer de nós, pois nem sequer lhe fora permitido calçar uns sapatos em substituição das chinelas que trazia quando foi preso.
Conforme, então, o Dr. Tarroso Gomes (4) me contou, situação complicava-se porque o Gerente, visto lhe ser impossível ir ao edifício do Banco, situado em Díli, conservava guardados no seu quarto, uma parte dos fundos da Colónia.
Aguardaram-se vários dias, na esperança de a detenção ser temporária, mas como não houvesse indícios duma libertação próxima, o Governador, obrigado pelas circunstâncias e porque não era possível deixar a população sem dinheiro, porque isso representava a fome, determinou que se arrombasse a porta do quarto e se retirassem os fundos da Colónia que passariam à responsabilidade do Dr. Tarroso.
Coube esta tarefa a uma comissão, nomeada pelo mesmo espacho que determinou o arrombamento, constituída pelo capitão Vieira, o Dr. Tarroso, o secretário e o tesoureiro do Banco Nacional Ultramarino, senhores Anselmo Bartolomeu e Almeida e Fausto do Amaral e eu e o sargento Vicente, como testemunhas.
Encontrou-se bastante dinheiro em gavetas e malas, mas havia vários cofres que só mais tarde o deportado, senhor Serafim Martins, habilíssime serralheiro, vindo de Liquiçá para o efeito, conseguiu arrombar e depois tornar a reparar à força de muito trabalho e competência técnica.
(iv) A "zona de concentração" fica agira reduzida a Liquição, com a transferência forçada dos portugueses "residentes" em Maubara, que perdem os seus parcos haveres e as suas pequenas hortas...
Os bombardeamentos continuam, mais intensos em outubro e novembro. Díli é agora um monte de ruinas.
Timorenses e portugueses vão entrar no último ano da guerra, sem saber qual é o seu desfecho, completamente isolados do mundo...
(...) Em meados de setembro surgiu mais uma grande crise para a população não-timorense de Maubara que na sua totalidade, não poupando as mulheres e crianças, foi obrigada pelos japoneses e abandonar a vila, onde tinha todos os seus haveres e cultivava hortas pelos próprios meios, e seguir para a já superpovoada Liquiçá, fazendo o percurso a pé!
Chegaram esses desgraçados, mortes de fome e de cansaço, Liquiçá, no dia 15, tendo pernoitado na noite da véspera em palhotas de timorenses caridosos que fraternalmente os acolheram (5).
Assim, na vila de Liquiçá mais se agravou o problema alimentar que só não se tornou completamente desesperado por os japoneses permitirem que alguns nossos serviçais timorenses se dedicassem a trabalhos agrícolas na Granja Eduardo Marques, fornecendo géneros alimentícios.
Outra grande ajuda foi sempre a da plantação de Fátu-Béssi que nunca foi ocupada los japoneses, embora eles requisitassem daí o melhor para as suas tropas. Porém, a diplomacia do senhor Jaime de Carvalho conseguiu furtar-lhes quantidades preciosas para entregar aos seus famintos compatriotas.
No mês de outubro, violentos bombardeamentos aéreos incidiram sobre a área onde os japoneses se tinham instalado em Lahane, bem junto do nosso hospital, os quais só por milagre não nos atingiram. Ficaram memoráveis para nós os realizados nos dias 14, 29 e 30 (de setembro).
Continuaram os ataques aliados em novembro, ainda a Lahane, mas, agora, nas proximidades da residência do governador. Assim, no dia 8, caíram dezoito bombas a uma distância, entre 20 e 50 metros; no dia 10, sete bombas, à mesma distância; e no dia 15, mais nove, oito das quais muito próximas (entre 20 e 30 metros) e uma que providencialmente não rebentou, a dois metros de um dos torreões da frente da residência, onde cavou um buraco. (6) .
(Continua)
(Seleção, revisão / fixação de texto, itálicos, negritos, comentários, reordenação das notas de rodapé: LG)
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Notas do autor (JSC):
(1) As exposições da população ao governador Ferreira de Carvalho, pedindo para não conceder a exoneração ao engenheiro Canto, podem ler-se no In Memoriam a Artur do Canto Resende, publicação do Sindicato Nacional dos Engenheiros Geógrafos, Lisboa, 1956, pp. 37 a 41.
(2) Vd. Capitão António de Oliveira Liberato, "Os japoneses Estiveram em Timor". Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade. Lisboa, 1951.
(3) Vd. Carlos Cal Brandão: "Funo: guerrra em Timor". Porto, edições "AOV", 1946, 200 pp.
(4) O Dr. Tarroso Gomes, desde Dezembro de 1942 que vinha regularmente a Díli, uma vez por mês, a fim de levantar da caixa de tesouro os fundos necessários para as despesas oficiais do mês e despachar com o governador os assuntos da Repartição de Fazenda. Hospedou- se sempre no hospital.
(5) A odisseia dos portugueses de Maubara foi-me relatada pelo Dr. Tarroso Gomes que assistiu à sua chegada a Liquiçá onde o seu mísero estado provocou, em todos a maior indignação e profundos desejos de vingança.
(6) Os efeitos dos bombardeamentos da zona vizinha do palácio do governador, foram por mim directamente observados. O número de bombas caídas foi-me referido pelo próprio governador.
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Nota do editor LG:
(*) Vd. postes anteriores da série >