Cópia do aerograma (frente) enviado pelo comando africano Tala Djaló, com data de 21 de Outubro de 1970, enviada de Fá Mandinga (Zona Leste, Sector L1, Bambadinca) , onde estava colocada a sua Companhia de Comandos Africanos, à ordem do Com-Chefe, a um mês da sua trágica partida para Conacri.
Foto: © Hugo Moura Ferreira (2006).Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Luis:
Tal como me pediste para te informar quando soubesse algo do meu amigo Tala, depois de ter pedido ajuda ao nosso amigo tertuliano, José Carlos Mussá Biai, de que não recebi feedback (1), junto estou a enviar-te, em anexo Um desabafo.
Abraço.
Hugo Moura Ferreira
____________________
Luís:
Estou triste… Deixa-me desabafar…
Vou fazê-lo ao correr da pena sem rever para que o que aqui te vou contar se apresente como a forma mais pura do meu sentir.
Recordas-te de uma mensagem que enviei, de que te dei conhecimento, a solicitar ajudas no sentido de tentar encontrar o meu amigo Furriel Graduado Comando Tala Biu Djaló?
Pois o facto é que o encontrei.Mas parece-me que estou a viver um daqueles filmes que retratam os problemas entre as famílias dos desaparecidos na 2ª Guerra Mundial em que as viúvas (?) casavam, tinham filhos e mais tarde os maridos, dados como mortos, por desaparecidos em combate, apareciam.
Quem me dera que este fosse um filme e que, como tal, acabasse com um final feliz com o aparecimento do Tala. Mas eu sei que não vai ser assim! Isso dá-me uma tristeza tamanha e ainda mais quando sei, embora de forma oficiosa, e o compreenda, o seu nome, tal como o de outros nunca irá aparecer nas nossas listas de mortos nas Campanhas de África.
Pois ele faz parte de uma lista de mais de uma vintena (ele é o 3º) de militares da 1ª Companhia de Comandos Afriacanos que ficaram em Conacri, na Operação Mar Verde, que tem como titulo "Retidos pelo Inimigo".
Ao falar com quem está envolvido nesta operação de registo histórico, foi-me afirmado que, como os vários Governos, desde essa época até hoje, não podem (esta é a palavra exacta, dado que à face do Direito Internacional poder-nos-ia ainda hoje obrigar a pagar indemnizações elevadíssimas a um país estrangeiro – foi esta a explicação) assumir oficialmente o episódio. Como tal não poderemos envolver, nem sequer a diplomacia para saber de forma oficial o que aconteceu àqueles militares que todos nós sabemos foram fuzilados logo a seguir ao fiasco da Operação ou morreram durante a mesma, mas cujos corpos não atravessaram a fronteira.
Durante a conversa falaram-me de um Alferes Comando europeu, que teria sido morto em combate e que tinha ficado no terreno, mas que o pessoal voltou a trás para o ir buscar e que passou a fronteira às costas dos camaradas.
Perante esta situação de "Retidos pelo Inimigo", apenas me interrogo o porquê desta situação, que certamente será comum aos diversos teatros de operações, não fazer parte das listagens de baixas que tivemos com as nossas campanhas em África.
Poderia eventualmente ser uma listagem paralela às dos mortos em combate, em que constassem os "Desaparecidos e os Retidos”. Gostaria de ver essa lista publicada oficial ou oficiosamente, nem que fosse no nosso Blogue-fora-nada.
Realmente eu entendo que não podem ser dados como mortos porque o podem não estar. Conta-se nos vários departamentos por onde passei a ocorrência de um determinado militar de uma das Companhais de Comandos Africanos ter sido dado como morto e, quando da entrada em vigor da Lei 9, apareceu um requerimento de contagem de serviço para efeitos de aposentação, do referido militar que se veio a constatar que era vivo e residia em Portugal.
Bom, deixa-me viver a recordação do Tala… Para isso vou juntar, a título de curiosidade, a reprodução do último aerograma que o Tala me mandou e que periodicamente dou por mim a lê-lo.
Um abraço.
Hugo Moura Ferreira
PS – Estou a enviar-te isto desta forma para que faças uso dela da maneira que melhor entenderes. Era minha ideia, quando comecei, apenas desabafar, sabendo que tu compreenderias, mas se entenderes publicar alguma parte, já que não referencio ninguém, nem nenhum serviço, em especial, não haverá qualquer problema.
Gostaria, no entanto, de alvitrar que, como nós gostamos da Guiné, também de alguma forma seria interessante fazer referência aos que morreram do outro lado. Seria talvez o mínimo que nós, no Blogue-fora-nada, poderíamos fazer. Aliás seguindo a ideia que está expressa no ponto (vi) das Regras da Tertúlia dos Amigos e Camaradas da Guiné: "respeito pelo inimigo de ontem (que, sempre o disse pela boca do seu líder histórico, nunca lutou contra o povo português, mas contra um regime político)"...
Não haverá ninguém que tenha sido do PAIGC e que queira, sem ressentimentos, entrar neste grupo? Certamente depois viriam mais, pois com toda a certeza veriam que seriam bem recebidos. Estou certo ou não? Se calhar isto é uma ideia utópica... ou talvez não.
_________________
Nota de L.G.:
(1) Cópia da mensagem enviada pelo Hugo Moura Ferreira, em 19 de Maio último, ao José Carmos Mussá Biai, com conhecimento ao editor do blogue:
Assunto - Operação Mar Verde
Caro Eng.
Começo por me apresentar e para tal faço-o da forma mais simples, indicando-lhe o link do nosso Blogue.
Depois desta cómoda apresentação queria, caso lhe seja possível dar-me algumas indicações ou se possivel me indicasse alguns contactos para o fim que tenho como objectivo. Mas passo a explicar-lhe, tentando ser sucinto.
Entretanto, embora leve esta mensagem ao conhecimento do Luís Graça, apenas por questões éticas, já que entendo que, tendo ele tanto trabalho com o Blogue, promovendo também estes contactos e ser justo que saiba o que cada um de nós anda a fazer, gostaria de lhe solicitar que não fosse levado ao conhecimento dos Tertulianos o seu conteúdo, visto que este é apenas mais um passo para eu ver se chego a alguma conclusão do que a seguir vou expor.
Assim, se o verificar no Blogue, eu já fiz algumas referências ao Tala Biú Djaló ou Manuel Talabiu Djaló. Então a questão coloca-se da seguinte forma:
Embora sabendo, de forma oficiosa, da morte do Tala, em combate, na Operação Mar Verde, em Conakry, nunca consegui encontrar o nome dele referênciado nas listagens até hoje publicadas, nem no Monumento do Bom Sucesso.
Perante tal, resolvi pesquisar e desloquei-me ao Arquivo Geral do Exército onde localizei a ficha dele como Alferes do Pelotão de Milícia 143, junto da minha CCAÇç 6, que terminava com a indicação de um ferimento em combate em 1967 e a transferência para a 1ª Companhia de Comandos Africanos.
Confirmo essa transferência porque já ele ali era Furriel, quando me enviou o último aerograma, em 23 de outubro de 1970 (ver anexo). A Operação Mar Verde foi em 22 de novembro de 1970. No entanto, continuando a pesquisa nada mais foi encontrado. Tive inclusivamente na minha presença uma listagem dos militares daquela Companhia , mas na mesma também não constava o seu nome.
Perante esta situação enviaram-me para o CECA (Comissão de Estudos das Campanhas de África), onde são tratadas as listagens relacionadas com estas matérias. Ali ainda não fui definitivamente esclarecido, tendo tal situação sido transferida para a próxima 4ª feira, quando ali voltar, mas foram-me avisando que se calhar haveria dificuldade em saber algo mais do que aquilo que eles já tinham. Vamos a ver.
Então o que me traz até si, muito objectivamente é o seguinte:
- Será que terá contactos com antigos elementos da 1ª CCmds Africanos ?
- Estaria disposto a colocar-me em contacto com esses elementos?
- Poderia dar-me alguma opinião acerca de outra forma de eu encontrar a memória deste meu amigo?
Desculpe trazer-lhe esta questão mas como verifiquei que o meu caro amigo está bem relacionado e é guineense, talvez possa proporcionar-me alguma ideia ou hipótese para eu, de forma oficiosa, me apresentar junto das entidades oficiais com elementos objectivos que possam, no caso do Tala que chegou a visitar Portugal, com o prémio Governador da Guiné, ser feita a justiça de o integrar nas listas dos que morreram, como neste caso, por algo em que acreditavam.
Ainda tenho presente, como se fosse hoje, a resposta que me deu quando eu lhe disse, referindo-me ao risco que ele corria com tantos anos de actividade operacional, que o "Cântaro tantas vezes vai à fonte que um dia quebra-se". Então disse ele, "Pois mas eu tenho que o fazer. Se eu vou ser o próximo Régulo do Cantanhez, os outros vêm-me perguntar: Então tu é que és o Régulo e nós é que andamos a defender aquilo que depois vai ser teu?".
Afinal, tinha dito que seria sucinto, mas parece que não o fui. Como tal, vou terminar aqui e agradecer-lhe antecipadamente qualquer ajuda que me possa prestar... E ao Tala, naturalmente.
E caso vá até ao Bom Sucesso no 10 de Junho... Quem sabe se não nos encontraremos. Eu não falho!
Cumprimentos.
Hugo Moura Ferreira