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terça-feira, 12 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26144: Facebook...ando (66): Sessão de apresentação do livro de poesia "NA PENUMBRA DA MEMÓRIA, VIVÊNCIAS NA GUERRA COLONIAL", da autoria de José Luís Loureiro, levada a efeito no passado dia 9 de Novembro de 2024, no Casino da Figueira da Foz (Antero Santos, ex-Fur Mil Inf)


Obras sobre a Guerra do Ultramar

NA PENUMBRA DA MEMÓRIA, VIVÊNCIAS NA GUERRA COLONIAL
Poesia
Autor - José Luís Loureiro


Ontem, num dos salões do Casino da Figueira da Foz, decorreu a sessão de apresentação do livro de poesia do Combatente José Luís Loureiro, "NA PENUMBRA DA MEMÓRIA, VIVÊNCIAS NA GUERRA COLONIAL".

Foi uma cerimónia que contou com a presença na mesa da Sra. D. Isabel Tavares, escritora, poetisa e declamadora, além de ser Deputada Municipal na Assembleia Municipal da Figueira da Foz; de Antero Santos, autor do prefácio; de Vitor Carriço da Silva, autor do texto da badana e também do autor da obra, José Loureiro, que foram Combatentes na Guiné, em Moçambique e em Angola, respectivamente.

Na assistência estavam o Dr. Fernando Matos, administrador do Casino e esposa, o Dr. Jorge Lê, vários Combatentes de entre os quais destaco o Dr. Vasco Gama, residente em Buarcos, que foi comandante da CCAV 8351, Os Tigres do Cumbijã - 1972/74.

Abriu a sessão a D. Isabel Tavares. Depois dos convidados terem feito as suas considerações sobre a obra e de a D. Isabel Tavares ter declamado vários poemas, foi a vez do autor falar da mesma e dos seus estados de alma. Então a D. Isabel Tavares propôs um espaço de perguntas e respostas e aconteceu uma tertúlia entre todos os presentes sobre várias facetas da guerra no Teatro de Operações, sobre a forma como os Combatentes continuam a ser "destratados" pelos sucessivos governos e também sobre a regalia que foi decretada em 2021 sobre direito ao uso da bandeira nacional no velório e funeral dos Combatentes e que, tristemente, não é respeitada pela maioria das autarquias a quem compete a execução da medida. Foi muito positiva esta pequena tertúlia.

Quase a terminar, o José Loureiro agradeceu a presença de todos. Agradeceu também à Administração e Direcção do Casino, nas pessoas do Dr. Fernando Matos e Dr. Jorge Lê

Para finalizar a cerimónia, a administração do Casino presenteou-nos com um Porto de Honra e foi tempo de um animado convívio.


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Fotos: José António Silva Teixeira
Fixação do texto e edição das fotos: Carlos Vinhal

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Nota do editor

Último post da série de 11 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26033: Facebook...ando (65): Valter Santos, em Cucujães, relembrando coisas e gente do seu tempo, em Bissau, no HM 241 (1969/71)

domingo, 10 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26136: Agenda cultural (866): Convite para o lançamento do livro "Viagem de um Capitão de Abril", da autoria de Aniceto Afonso, a levar a efeito no próximo dia 12 de Novembro de 2024, pelas 18h00, na Associação 25 de Abril, Rua da Misericórdia, 95 - Lisboa. Apresentação a cargo de Lídia Jorge


Caros amigos (as),
Só para tomarem nota na vossa agenda. Quero dar-vos um abraço de muita amizade no dia 12 de novembro pelas 18h00 na Associação 25 de Abril, Rua da Misericórdia, 95, Lisboa, quando fizermos o lançamento do meu livro “Viagem de um Capitão de Abril”, da Colibri. O Prefácio é do meu amigo e camarada Carlos de Matos Gomes e a apresentação será feita pela amiga Lídia Jorge. O convite será enviado a seu tempo, mas não é necessário, a entrada é livre.
Aproveitarei também para apresentar um outro livro de poemas e desenhos “Este Eu que Eu Sou, Não Sou Eu”, com prólogo da Dulce Afonso.
Espero muito que possam estar presentes, pois será um dia muito especial para mim.
Ainda não há capas para vos mostrar.

Abraço amigo,
Aniceto Afonso

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Nota do editor

Último post da série de 8 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26125: Agenda cultural (865): Convite para o lançamento do livro "Lavar dos Cestos - Liturgia de Vinhas e de Guerra", da autoria de José Brás, a levar a efeito no próximo dia 1 de Dezembro, pelas 15h00, na Casa do Alentejo, Rua das Portas de S. Antão, 58 - Lisboa. Com a participação do Coronel Carlos Matos Gomes, representante da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo e do Grupo Coral Fora D'Oras (Cante)

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26098: Lembrete (48): Biblioteca Municipal de Gondomar, sábado, dia 9 de novembro de 2024, lançamento do livro "Crónicas de Paz e Guerra" (2014, 221 pp.; posfácio de Mário Beja Santos)







1. Recorde-.se que é já no já no próximo dia 9 de novembro, sábado, pelas 15 horas, que se vai realizar, na Biblioteca Municipal de Gondomar,  a apresentação pública do meu livro, com posfácio do camarada Mário Beja Santos~(*). 

A apresentação está acargo do dr.  Manuel Maria. Todos os meus amiogos e camaradas estão convidados (**).  

Edição: Lugar da Palavra Editora, Rua Guedes de Oliveira, 126, 4435-274 RIO TINTO | www.lugardapalavra.pt | editora@lugardapalavra.pt | telef  22 099 4591 / 91 54 16141 | Depósito legal nº 535279/24 | ISBN : 978-989-731-215-1C) | 1ª edição: setembro de 2024


CRÓNICAS DE PAZ E DE GUERRA

O SOLDADO

Nas sortes não se safou,
já homem bebeu e fumou,
em braços em casa entrou,
aa farda não se livrou.

A sorte Guiné ditou,
estúpida guerra enfrentou,
três gritos por quem lá ficou,
pelo povo se emocionou.



Posfácio 

Por considerar humanamente relevante

por Mário Beja Santos (pp. 219-221)


Quando Joaquim Costa e a sua unidade de intervenção, a briosa CCAV 8351, chegam à região de Tombali, no Sul da Guiné, decorriam modificações na manobra do Comando-Chefe, general António de Spínola, e já num quadro político-militar altamente inquietante, de profundo desalento. 

Para se entender as atividades impostas a esta unidade militar, inicialmente sedeada em Aldeia Formosa, a de reocupar posições na região do Cantanhez, onde o PAIGC circulava bastante à vontade, há que refletir sobre o que se estava a passar tanto do lado português como no pensamento estratégico de Amílcar Cabral.

Em 1972, Spínola já não tem ilusões sobre a vitória militar, disse-o frontalmente no final do ano anterior no Conselho Superior da Defesa Nacional, a situação é crítica, carece de mais recursos humanos e de novos armamentos para retomar a iniciativa, o Governo de Lisboa nada tem para oferecer. 

Na cena internacional, acentuava-se o isolamento português, a Operação Mar Verde gerou fortes anticorpos, inclusive junto de aliados tradicionais de Lisboa, levara a que a Marinha soviética estacionasse na República da Guiné. Spínola encontrou-se com Senghor, encontro amistoso, o presidente senegalês faz propostas, Spínola vem a Lisboa revelá-las, Marcello Caetano recusa categoricamente negociações, em caso extremo prefere a derrota militar. 

Do lado do PAIGC, avança-se a todo o vapor para eleições para uma assembleia popular que diga sim a uma declaração unilateral de independência e à aprovação de uma constituição do novo país, peças que o líder do PAIGC considera fundamentais para angariar apoios na ONU, na Organização da Unidade Africana, junto dos países amigos, sobretudo do bloco liderado por Moscovo. 

É nesse contexto que Spínola decide uma mudança na quadrícula, escolhe a região do Cantanhez, onde não há tropas portuguesas em permanência, e muito menos populações afetas à soberania portuguesa; envolve o Exército, a Marinha e a Força Aérea, inevitavelmente as forças especiais – a Operação Grande Empresa é posta em marcha, Joaquim Costa e a tropa comandada pelo capitão Vasco da Gama vão subir o rio Cumbijã, fundar aqui um aquartelamento e procurar outro, de nome Nhacobá, onde o PAIGC tem sustento em arroz, tudo isto muito próximo do chamado corredor de Guileje, uma linha absolutamente vital para a circulação de homens, mantimentos e armamentos do Exército do PAIGC e suas populações. 

A Grande Empresa é uma iniciativa militar arrojadíssima, é dela que Joaquim Costa irá falar.

Mas o seu livro de memórias não se confina ao que ele viveu no Tombali, tem um muito antes, o seu meio familiar, a cultura que o embebeu e de que se orgulha, os usos e costumes do seu lugar, a religiosidade, todo aquele ambiente em que ainda era impensável falar-se na sociedade de consumo, naquela atmosfera havia baldios, mercearias e tabernas e viagens extenuantes até ao local de trabalho, como ele testemunha. 

E os preparativos para a guerra, para ser furriel percorreu Caldas da Rainha, Tavira, andou em recrutas em Chaves, especializou-se em Estremoz, juntou-se à sua unidade militar em Portalegre, daqui marchou para a Guiné, Cumbijã é o destino e Nhacobá é também outra lembrança para toda a vida.

Até esta narrativa do livro de memórias, estou absolutamente seguro de que o leitor ficará cativado pela ternura que emana destas recordações do pai José, da mãe Gracinda, do elenco dos manos, dos acontecimentos do quotidiano, tudo numa aldeia onde o Minho acaba e o Douro começa, vida dura, aliviada por feiras e romarias e o embasbacamento da descoberta do cinema e também da televisão.

O autor, também conhecido por o Furriel Pequenina, falará da guerra sem alardes de heroísmo ou farroncas de que andou de peito feito às balas. Em dado passo começará um parágrafo por dizer “Por considerar humanamente relevante”, considerei a expressão um achado de tudo quanto escreveu quer na primeira edição quer na segunda. 

Fez bem em enxugar a prosa, a literatura da guerra colonial tem centenas de relatos sobre as viagens da ida, o contacto com a temperatura tropical, a má comida, aos poucos a descoberta de África, as minas e emboscadas, a profunda solidão, a chegada do correio, os mortos e os feridos, lembrança irreprimível, uma dor nem sempre discretamente contida.

Lá foram numa LDG até Buba, daqui até Aldeia Formosa. Nada de excessos no batismo de fogo, mas muita ênfase será dada às minas, as anticarro e as antipessoal. E depois do Natal em Aldeia Formosa chega a hora de partir para Cumbijã, uma terra de ninguém, um posto abandonado, também aqui se vai reocupar um lugar do Cantanhez.

E assim nasce Cumbijã, confesso que me emociona imenso as imagens daqueles tijolos amassados, vivi peripécia semelhante noutras paragens da Guiné, mais propriamente no regulado do Cuor, no Centro-Leste, uma flagelação brutal reduziu a cinzas dois terços das moranças e assentos militares, tivemos de fazer algo análogo ao que o autor descreve, Cumbijã a sair do nada e com flagelações de canhão sem recuo bastante frequentes. 
E é muito bonito saber que o forno deixado em Cumbijã ainda hoje coze pão para toda a região. 

E segue-se uma descrição sumária da Operação Balanço Final, o assalto a Nhacobá, só que, depois de muita peripécia, os Altos-Comandos decidem o seu abandono. 

Estava a fazer esta leitura e assaltou-me à mente a recordação de um outro acontecimento militar análogo, que se passou em 1968, também perto do corredor de Guileje, ao tempo do governador Schulz foi determinado construir um género de fortim que ficou conhecido pelo nome de Octógono de Gandembel, deu para muito sofrer e muito morrer, a explicação que Spínola deu para o seu abandono é que não havia população para defender (no melhor pano cai a nódoa: também não havia população a defender nestes aldeamentos por onde andou Joaquim Costa, era tudo estratégia, uma tentativa de intimidação do PAIGC, um jogo do gato e do rato).

A Grande Empresa será um assunto arrumado pelos acontecimentos de 1973, nomeadamente com a Operação Amílcar Cabral, que levou à retirada de Guileje e aos terríveis acontecimentos de Guidaje e Gadamael. Tanto sofrimento para nada.

Se já houve o antes e o durante a guerra, temos o depois, as histórias do regresso, a vida de professor depois de acabar o curso, um saltitar por Santo Tirso, Portalegre, Santarém e muito mais, um encanto de memórias avulsas, mas aonde a questão central foi o que se viveu e como se fez homem naqueles pontos do Tombali, no aceso de uma temível guerra de guerrilhas, onde aquele jovem vindo de uma aldeia entre o Minho e o Douro aprendeu que há uma camaradagem que ficará para toda a vida.

Um abraço fraterno a este contador de histórias, um narrador de afetos, exímio no que deve ser o nosso dever de memória.

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sábado, 12 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26039: Agenda cultural (861): Convite para o lançamento do livro "CRÓNICAS DE PAZ E DE GUERRA, de Joaquim Costa, a ter lugar no próximo dia 9 de Novembro, pelas 16h00, na Bibliotaca Municipal de Gondomar, Av. 25 de Abril. Apresentação do livro a cargo do Dr. Manuel Maria

C O N V I T E



Este livro não é mais do que pequenas histórias (ou estórias), de uma viagem que se inicia nos anos cinquenta e termina em 2015. Não é o fim de nada, pois aqui se inicia uma nova caminhada, já carregada de estórias para um novo livro.

Reduzido à sua dimensão, pedindo desculpa aos leitores pela presunção, nestas 221 páginas se conta a história de Portugal dos últimos 70 anos, particularmente a da guerra colonial.

Citando Mário Beja Santos:

“… um encanto de memórias avulsas, mas aonde a questão central foi o que se viveu e como se fez homem naqueles pontos do Tombali, no aceso de uma temível guerra de guerrilhas, onde aquele jovem vindo de uma aldeia entre o Minho e o Douro aprendeu que há uma camaradagem que ficará para toda a vida.”

A sua apresentação pública mais não é do que o pretexto para reunir velhas e novas amizades.

A todos convoco para esta jornada de afetos.

Conto convosco.
Joaquim Costa.

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Nota do editor

Último post da série de 22 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25968: Agenda cultural (860): Convite para o lançamento do livro "Poemas de Han San", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, dia 26 de Setembro de 2024, pelas 18h30, no Auditório CCCM, Rua Guerra Junqueira, 30 - Lisboa

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26017: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (13): Uma descida ao inferno do Anexo de Campolide do Hospital Militar Principal (onde visitou o ex-prisioneiro Manuel Fragata Francisco) e o regresso à guerra ("Cabra Cega", 2015, pp. 475 / 484)


Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > Senegal > Dacar > 15 de março de 1968 >


"[Da esquerda para a direita:] Eduardo Dias Vieira, José Vieira Lauro e Manuel Fragata Francisco, prisioneiros de guerra portugueses entregues pelo PAIGC à Cruz Vermelha do Senegal, na sede em Dakar." (Reproduzido com a devida vénia...)

Citação:
(1968), "Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44076 (2020-4-5)

 


1. Do livro de memórias do A. Marques Lopes, "Cabra Cega" (Lisboa, Chiado Editora, 2015, pp. 475/484) reproduzimos , com a devida vénia e em jeito de homenagem póstuma ao autor, o relato do seu reencontro, no anexo, em Campolide, do HMP (Hospital Militar Principal, na Estrela, em Lisboa) com o antigo soldado do seu pelotão, na CART 1690, o Manuel Fragata Francisco. Usámos a versão que   ele que nos deixou na sua página do Facebook, na postagem de 22 de setembro de 2019. (*)

No livro (de 2015) o Fragata aparece sob o nome fictício de Gabriel (pág. 476).

Recorde-se que o soldado Fragata (Manuel Fragata Francisco), "um alentejano de Alpiarça, do meu grupo de combate" , foi ferido e feito prisioneiro pelo IN no decurso da Op Invisível, em 19 de Dezembro de 1967. Na mesma ocasião, foi "dado como desaparecido" em companha (na realidade terá sido morto,  e o seu corpo nunca foi recuperado) o alf mil Fernando da Costa Fernandes, natural de Santo Tirso. (Este oficial tinha vindo para a CART 1690, para substituir o A. Marques Lopes, entretanto evacuado parta o HMP, na sequência da mina A/C acionada em 21/8/1967, na estrada Geba-Banjara, que vitimou mortalmente o cap art Manuel Guimarães).

O alferes Fernandes será mais tarde, substituído pelo alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, o "Aznavour", por ser parecido com o Charles Aznavour, que morreu também, em 8 de Setembro de 1968 num ataque a Sare Banda.

(...) "Mas a história toda [do Fragata ] foi-me contada pelo comandante Gazela [do PAIGC, em Bissau, ]: ficou furado por vários estilhaços de uma roquetada e foi levado, em maca, pelos guerrilheiros desde a mata do Óio até a um hospital de Ziguinchor, na Casamansa, Senegal. Foi obra, hão-de concordar, e não foi fácil, como calculam. Aí, em Ziguinchor, foi tratado pelo portugês dr. [Mário] Pádua, um médico desertor, e que me confirmou isto quando, há alguns anos, o encontrei em Lisboa.

Depois desse tratamento, o Fragata foi repatriado pela Cruz Vermelha Internacional e foi para o Anexo do HMP, na Rua Artilharia Um, em Lisboa. Disse o comandante Gazela que, com a simplicidade própria daqueles nossos soldados, o Fragata, ao apanhar o avião de regresso, disse: "Obrigado. Graças ao nosso partido – referia-se ao PAIGC - "posso voltar para casa".

Infelizmente, o Fragata, passado pouco tempo após a saída do Anexo, morreu num desastre de motorizada na sua terra. " (...) (**)

Quanto ao A, Marques Lopes, recorde-se que esteve em tratamento durante nove meses no hospital da Estrela. Voltou para a Guiné, em maio de 1968,  para cumprir mais 10 meses de comissão de serviço, neste casao na CCAÇ 3, que estava aquartelada em Barro, na zona do Cacheu. Foi comandante do grupo de combate "Jagudis",



 Uma descida ao inferno do Anexo de Campolide do Hospital Militar Principal (onde visitou o ex-prisioneiro Manuel Fragata Francisco)  e o regresso à guerra ("Cabra Cega", 2015, pp. 475 / 484)

por A. Marques Lopes (1944-2024) (*)




Fui depois à junta médica. Era um coronel e um tenente-coronel. Não sabia mas pensei que deviam ser médicos já que chamavam médica àquela junta. O coronel puxou duns papéis. Folheou-os, os dois olharam depois para eles e cochicharam. Devia ser do meu processo, pensei.

– O ouvido esquerdo tem 10% de incapacidade, no direito tem 20%. De resto está tudo bem - ouvi dizerem.

Foi tudo rápido.

O coronel juntou os papéis e disse:

– Está apto para todo o serviço.

O tenente-coronel abanou a cabeça que sim. Levantaram-se os dois.

– Vá ao Depósito Geral de Adidos. Leve isto.

Estendeu-me um dos papéis e vi que era a ordem para me apresentar lá.

Grande fantochada, fui pensando depois daquilo. Mera formalidade porque já tinham decidido que devia regressar à Guiné. Já sabia que os feridos, depois de curados tinham que ir terminar a comissão. Mas é se estivessem mesmo curados, em condições, também sabia isso. O grau de incapacidade por eles apontado não era verdadeiro. Como é que podia ser se o médico que me tratara dissera que o tímpano esquerdo tinha colado mas o direito não, que ia continuar com um buraco? Filha da putice.

Fui para o DGA, Depósito Geral de “Ardidos”, como a malta lhe chamava.

No primeiro dia decidi deslocar-me ao Anexo do Hospital Militar em Campolide para ver o Fragata. Não foi fácil entrar.

– Só os familiares é que podem visitar os doentes  
– disse-me o Oficial de Dia, um alferes.

 – Espera lá. Não sei se és do quadro ou se és miliciano, isso não interessa porque hás-de perceber uma coisa. Eu conheço esse homem há quase dois anos, foi sempre do meu pelotão e, na Guiné, do meu grupo de combate. O tempo que lá passámos tornou-nos da mesma família, fomos unha com carne em situações complicadas. Hás-de imaginar, não? Pergunta-lhe a ele.

Nunca me chegou a dizer se era ou não miliciano. Mas, uma coisa ou outra, nunca tinha estado na guerra, concluí. Senão ter-se-ia aberto logo também, era o normal quando dois combatentes se encontravam. Depois de mais alguma conversa e reticências acabou por ceder. Sobretudo depois de eu lhe dizer que ia voltar para a Guiné.

 
– É pá, vai lá, pronto. Mas, faz favor, se alguém te perguntar diz que és irmão ou primo, ou outra coisa qualquer da família.

Consultou uma lista, disse-me qual era o quarto em que o Fragata estava e indicou-me o caminho para lá.

À medida que ia andando espreitava para os quartos e camaratas. O que via deixava-me estarrecido e sem fala, não havia palavras perante tal panorama. Havia alguns que pareciam melhor, mas vi homens sem pernas, outros sem braços, uns cegos e, destes, alguns sem mãos ou sem braços também. Ainda bem que não era para falar com eles que ia. Só de ver já era impressionante. Se tivesse de os ouvir contar como foi, estavam stressados de certeza, devia ser terrível.

Ia tão com intenção de só ver o Fragata que não me passara pela cabeça que, no quarto dele, podia encontrar igual panorama. E encontrei mesmo quando lá cheguei e vi as quatro camas. Fiquei especado à porta, atónito. O Fragata estava com uma perna engessada, numa cama estava um sem mãos e a cara com manchas esverdeadas, noutra um sem pernas e, fora o que me deixara estarrecido, vi numa das camas um tronco de homem com uma cabeça.

 
– Olha o meu alferes!

Foi assim que o Fragata me fez voltar a mim e dar uns passos até à cama dele.

– Como é que estás, Fragata? 

Ainda tinha a voz entaramelada, não me recompusera ainda daquela visão.

– Não estou mal, meu alferes. Tenho braços e pernas. Aqui sou o que estou melhor, como vê.

– Mas o que é que tens?

– Levei uma rajada e fiquei com um joelho todo lixado. Foi naquele sítio onde estivemos primeiro, em Sinchã Jobel, lembra-se? O meu alferes até ficou lá toda a noite.

Disse-lhe que me lembrava. Os outros do quarto ouviam com atenção.

– O meu alferes lembra-se daquela chapada que me deu?

Fora uma vez em que tinha ido ver como estavam as sentinelas da noite no quartel e tinha visto que o Fragata não estava no posto em que devia estar. Tinha ido ter com uma bajuda. Fora ter com ele todo chateado e perguntara-lhe se queria uma chapada ou uma participação por abandono do posto. Ele ficara à rasca e preferira levar na cara.

 
– Era melhor não ma ter dado – continuou o Fragata. – Preferia ter levado uma porrada e mudar de companhia. Já não me tinha metido nisto.

 – Foi o que foi. Não te metias nesta metias-te noutra. Mas ouve lá: o alferes Domingos Maçarico Zé Pedro, que também foi ferido numa operação a esse sítio e foi evacuado, disse-me que os gajos te levaram para um hospital deles. Como é que foi isso?

O Fragata ficou uns segundos silencioso.

 
– Olhe, meu alferes  –acabou por dizer – os mandões proibiram-me de contar mas eu estou-me cagando, quero que eles se fodam. Desculpe, meu alferes  – mera por causa da linguagem. –  A estes aqui e à minha família já contei e vou-lhe contar a si também. Aquela operação foi muito má para nós. Fui ferido, a nossa malta pensou que eu estava morto e não me pôde apanhar. Os do PAIGC,  sim, apanharam-me e quiseram-me levar para o hospital deles mas, como eu não podia andar, tiveram de me levar numa maca até Ziguinchor.

Quando o Domingos Maçarico me contara cheguei a interrogar-me como o teriam feito, não achava que fosse possível. Agora ficara admirado, fora mesmo.

 
– Desde a mata central da Guiné até ao Senegal, cuidado!

–  Foram dez dias a atravessar matas, bolanhas e rios, e a fugir dos nossos também. Nem queira saber o que eu passei.

 
– Imagino, sim, imagino. Não deve ter sido nada fácil. E como é que foste tratado lá?

 – Foi um médico português desertor, o doutor Pádua, que me tratou do joelho. E muito bem. Eu tinha a rótula partida, ele arranjou-ma e pôs-me a andar de muletas. Disse-me que tinha já uma infecção e que teria morrido de certeza se eles não me tivessem levado e tivesse lá ficado.

– Estava lá mais algum português ferido?

– Não. Onde eu estava era só malta do PAIGC, também feridos da guerra.

 
– Só!? E davam-se bem?...

Estava curioso e interessado em saber como era que os feridos pelo lado do Fragata o aceitavam ali com eles.

– Demo-nos bem. Olhe, até fiz lá amigos. O chefe deles, o Luís Cabral, levava-me, às vezes, cigarros e eu dava alguns aos outros. Era malta porreira. E olhe, meu alferes, devo agradecer ao Luís Cabral porque foi ele que conseguiu que a Cruz Vermelha me trouxesse para Portugal. É mesmo um gajo porreiro.

Espanto ouvir isto de um inimigo de um lado sobre inimigos do outro lado. E ver que estes não hostilizavam o outro. Mais uma vez me tinha de interrogar sobre o significado da palavra inimigo naquela guerra. Mais uma prova que o eram à força, que alguém é que queria que fossem inimigos.

Enquanto falava com o Fragata, ia dando umas miradas aos outros que lá estavam e via-os interessados na conversa. Acabei por ficar familiarizado com aquele ambiente e mais calmo. Senti-me mais à-vontade.

 
– Como é que foste ferido?  –perguntei ao que não tinha mãos.

 – Era o furriel de minas e armadilhas e… já sabe. Estava a desmontar uma armadilha e ela rebentou-me nas mãos.

– Aí o Quim está fodido. Nem uma punheta pode bater – disse o Fragata.

E riu-se, o sem pernas também. Menos o tronco com cabeça. Mas o Quim não se desmanchou.

 
– Trabalho mais e melhor sem mãos do que vocês com elas. Quando a minha Zulmira cá vem vocês vêem bem quanto tempo passo com ela ali no quarto do truca-truca.

Admirei-me pois não imaginava que a tropa se preocupasse em cuidar desse aspecto com os feridos que ali tinha. Se calhar era um esquema organizado por eles, também podia ser. 

Virara-me para o que não tinha pernas e ia-lhe perguntar mas ele antecipou-se.

 
–Era condutor auto-rodas e uma mina que rebentou por baixo da GMC,  levou-me as pernas. Mesmo assim, meu alferes, tive mais sorte que ali o Casqueiro  – apontou para o de tronco e cabeça. – Ele conduzia um Unimog, que é muito mais leve, e a mina levou-lhe tudo. Pernas, braços e tomates. E até o deixou surdo.

Fiquei silencioso. Além dos mortos, até tinha entre eles uns amigos, havia estes jovens com a vida desfeita, sem hipóteses do futuro que podiam vir a ter se não os metessem naquela guerra. O Casqueiro sobretudo. Estava ali, rosto fixo sem ouvir nada da conversa deles. Era um homem-saco só podendo abrir a boca para lhe meterem comida e água. Já reparara que devia ter uma fralda, de certeza que era onde fazia as necessidades. As deste muito mais, mas os outros também tinham ficado com grandes limitações. O Fragata safara-se, e graças ao inimigo. À vista disto já não era a estupidez ou as barbaridades como se fazia a guerra que me perturbavam, era a guerra em si, e sobretudo esta sem sentido que deixava tantos sem futuro.

Os outros notaram como eu estava. O Fragata quis amenizar. Era palerma, às vezes, mas era bom rapaz. Eu sabia disso.

– Eu aqui, meu alferes, sou o anjo deles  
– disse –. Ali ao Quim sou eu que lhe abro a carcela quando ele quer mijar. Mas não lhe pego na gaita! – os outros riram-se.  – O Fragoso não, que o gajo tem mãos para arrear as calças. O Casqueiro não é preciso tratar dele, ele faz tudo sozinho  – riram-se todos. – Tenho é que chamar o enfermeiro quando o gajo se borra e mija todo. É cá um pivete!  – os outros riram-se novamente. –  E à noite? Nem queira saber.  Quando estes gajos se põem a sonhar com minas e emboscadas não me deixam dormir. Tenho de os acordar e chamar o enfermeiro para lhes espetar uma agulha.

Já vira, já vira a malta inutilizada e traumatizada ali despejada. Aquelas piadas eram um intervalo curto nas suas horas longas de angústia e desespero. Tinha de sair dali.

–  Vou-me embora. Mas antes diz-me lá, ó Fragata, ainda bebes mijo?

– Não goze comigo, meu alferes. Agora é só cerveja.

 
– É melhor. Conta lá essa do mijo aos camaradas.

Apertei a mão ao Fragata e ao Fragoso, um coto ao Quim e dei uma palmada no ombro do Casqueiro. Este fez um esgar de saudação. Não ouvira nada mas já devia estar habituado a imaginar.

Dois dias depois, no DGA, meteram-me nas mãos uma guia de marcha para embarcar no Uíge e apresentar-me no Quartel-General do CTIG. O embarque era daí a três dias. Ardera mesmo, concluí. Da primeira vez ainda fora embalado na ignorância, mas agora não, já sabia bem como era aquilo, até já vira as consequências. Porque não fazer como alguns fizeram, o Gonçalves por exemplo, dar o salto para França? Andei todo esse dia em que me deram a guia de marcha a pensar nisso.

À noite marquei um encontro com o meu novo contacto. Falei-lhe da ideia de dar o salto mas ouvi-o dizer o mesmo que já o Herculano Carvalho já me dissera. Que era melhor não desertar, que havia trabalho a fazer na Guiné.

 
– Tens guia de marcha para o QG do CTIG, não é? Ali é que é porreiro. Não vais para o mato e, ali no QG, podes conversar sobre a situação com muita gente. É ótimo sítio para tal.

***

Grande navio, não era nada como o Ana Mafalda. Como não ia integrado em nenhuma companhia era só dormir, comer, jogar às cartas, apanhar sol. Ia um grupo em rendição individual e foram todos bons parceiros. Foi uma viagem magnífica.

Desta vez não foi como da primeira, quando tivera de saltar do Ana Mafalda para uma LDG e seguir logo rio Geba acima. Agora desembarquei em Bissau e fui apresentar-me na Repartição de Pessoal do Quartel General.

–  Você vai ser colocado numa companhia do recrutamento da Província que está lá em cima, ao pé do Senegal  – disse-me um capitão.

Abri a boca de espanto. Mas que merda era esta?!

– Mas, meu capitão, eu vim do hospital da Estrela. Não estou em condições de ir para uma companhia operacional.

– É, pá, tem de ser. Há um alferes de lá que teve de ser hospitalizado e é preciso substituí-lo urgentemente.

– Mas eu estou à rasca dos ouvidos. Como é que vai ser?

– Paciência, nosso alferes. Amanhã, logo de manhã, sai uma DO para levar os frescos e o correio, você vai nela. O capitão de lá já está avisado.

– E não posso ir para a companhia onde estava antes?

 
– Você já foi substituído lá há uma data de tempo. Pensa que tinham lá um lugar em aberto para si, é?  – fez um sorriso irónico. – É o que você vai fazer agora, vai substituir outro.

– Mas o que me foi substituir na outra companhia morreu, eu sei…

– E também já foi substituído, é assim. Prepare-se para partir amanhã.

Que merda! Que fazer? Nada, não podia fazer nada. Apenas ficar furioso e desforrar-me com uns uísques no bar de oficiais.  (...)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)



Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo de A. Marques Lopes, 1944-2024) (Lisboa, Chiado Editora, 2015,  582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, Colecção: Bíos, Género: Biografia).

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Notas do editor:


terça-feira, 13 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25837: Verão 2024: olá, nós por cá todos bem! (2): O novo livro de Joaquim Costa, "Crónicas de Paz e de Guerra" (Rio Tinto, Lugar da Palavra Ed., 2024, 221 pp.): "A sorte a Guiné ditou,/ Estúpida guerra enfrentou, / Três gritos por quem lá ficou, / Pelo povo se emocionou"

 


Dedicatória do editor do blogue: "Para o camarada e gransde amigo Luís Graça, o meu novo livrpo sobre a paz e sobre a guerra, em que esta cada vez mais se sobrepõe àquela. Um grande abraço, 6/8/2024".


Capa e contra capa do novo livro do Joaquim Costa, "Crónicas de paz e de amor: do Minho a Tombali (Guiné)... e o Porto Por perto". Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 2024, 221 pp, il



1. Mensagem do Joaquim Costa: (i) ex-fur mil at armas pesadas inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74); (ii) membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021, com mais de 7 dezenas de referências no blogue; (iii) engenheiro técnico (ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto), foi professor do ensino secundário, tendo-se reformado como diretor da escola secundária de Gondomar: (iv) minhoto, de Vila Nova de Famalicão, vive em Rio Tinto, Gondomar, e adora o Alentejo; (v) tem página no Facebook;  e, por fim, e não menos importante,  (vi) perdeu recentemente a sua querida Isabel.


Data - Terça, 6/08/2024, 19:35
Assunto -Livro: Crónicas de Paz e de Guerra

Boa tarde,  Luís

Espero que tudo esteja bem contigo.

Acabei de te enviar, por correio, o meu novo livro: "Crónicas de Paz e de Guerra". 
Integra parte do primeiro, com alguns textos revistos.

Há novos textos sobre as vivências na minha aldeia, onde o Minho acaba e o Douro começa, bem como crónicas sobre as minhas andanças por várias escolas, algumas já publicadas no Blogue.

Como já te tinha referido,  o nosso camarada e amigo Beja Santos teve a gentileza de deixar a sua marca num posfácio.

Podes colocar este por cima da pilha que vais levar para férias!

Boas leituras e boas férias

Um grande abraço, Joaquim Costa

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terça-feira, 30 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25792: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte I: Maçaricos, periquitos, checas...



SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal- In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.




Fafe > Monumento aos combatentes da guerra colonial, inaugurado em 5 de novembro de 2005. Foto: Artur Coimbra (2012) (*)
   

1. Já reproduzimos, em tempos, o prefácio do Mário Beja Santos a esta obra de autores vários (Artur Coimbra, Artur Magalhães Leite, Daniel Bastos, José Manuel Lajes e Jaime Bonifácio da Silva) e que serviu de base à sua apresentação pública, em Fafe, em 12 de dezembro de 2014 (**).

Uma louvável iniciativa de um concelho onde foram mobilizados cerca de 1500 jovens para a a guerra de África / guerra do ultramar / guerra colonial. E desses perderam a vida 41:  16 em Angola, 14 em Moçambique e 11 na Guiné, segundo as listas publicadas pelo Jaime Silva (Angola, pp. 44/45; Guiné, pp. 58/59; e Moçambique, pp. 62/63).

Vamos reproduzir, por cortesia do autor,  alguns excertos do  extenso estudo do Jaime Silva, na parte sobretudo que diz respeito a: ((i) introdução e contextualização (pp. 25-39); (ii)  mortos do concelho de Fafe, e nomeadamente no TO da Guiné, incluindo alguns testemunhos recolhidos pelo autor  (pp. 39-84).



Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): (i)  foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii)  tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii)  viveu em Angola até 1974; (iv)  licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v)  professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de cultura e desporto; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte;  (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 84 referências no nosso blogue.


Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal   Excertos ]  

Parte I: Maçaricos, periquitos, checas... (pp. 25-39)

por  Jaime Silva


1. Resumo


A realização do II Curso Livre de História Local de Fafe, sob a temática “O concelho de Fafe e a Guerra Colonial (1961-1974)”, realizado entre 24 de outubro e 21 de novembro de 2013, foi uma excelente oportunidade para se evocarem os cinquenta anos do início da guerra (4 de fevereiro de 1961) e os quarenta anos da Revolução de Abril de 1974, que lhe colocou um ponto final.

Os jovens de Fafe, como todos os jovens de Portugal, foram, igualmente, obrigados a contribuir para o esforço da Guerra e, alguns deles, doaram à sua Pátria o seu bem supremo: a própria vida. Desde o soldado atirador Artur de Sousa, o primeiro a morrer em Angola, a 3 de junho de 1961, ao 1.º cabo José Pereira Dias, o último a tombar na guerra, a 27 de setembro de 1975, também em Angola, mais de mil e quinhentos jovens de Fafe passaram por um dos três teatros de operações em África.

O objetivo da minha comunicação terá como preocupação prioritária dar a conhecer o enquadramento e as circunstâncias da participação dos militares de Fafe, particularmente dos que morreram no decorrer da sua comissão de serviço em África. 

Para o efeito, fundamentar-me-ei nos processos individuais de alguns deles, que consultei no Arquivo Geral do Exército, no testemunho pessoal de outros combatentes ou de suas famílias e na minha vivência pessoal nesta guerra em Angola, enquadrado nas tropas paraquedistas. [...] 

 
Depois, apresentarei documentos e testemunhos que nos dão a conhecer as diferentes formas de participação de um grupo de militares de Fafe no decorrer da guerra e, finalmente, referir-me-ei às ações desenvolvidas no concelho de Fafe no âmbito da “evocação da memória” da Guerra Colonial.

Agradeço à Direção do NALF (Núcleo de Artes e Letras de Fafe) e à Câmara Municipal de Fafe a oportunidade que me deram de poder contribuir com algumas pistas para aqueles que, melhor do que eu, dominam o conhecimento nesta área, a da História de Portugal, e tenham a intenção de vir a investigar o percurso dos jovens de Fafe que foram obrigados a combater em África, entre 1961 e 1974.


2. Introdução

A Guerra de África, Guerra do Ultramar ou Guerra Colonial   [...]  desenrolou-se entre 1961 e 1974 em África, em três teatros de operações diferentes: Angola (1961), Guiné (1963) e Moçambique (1964).

Estão a decorrer, portanto, os cinquenta anos do início de uma Guerra que entrou pela porta das famílias portuguesas sem ser convidada. Lembro, a este propósito, o comentário feito pelo Dr. José Lino Barros, um dos participantes no Curso de História Local, durante a sessão de 31 de outubro:

 "Na minha casa, como na casa de muitas famílias, rezava-se o terço à noite e evocava-se, em intenção particular, Nossa Senhora, para que livrasse os nossos filhos da guerra do Ultramar. Eu teria talvez sete anos".  [...] 

Do concelho de Fafe perderam a vida durante o conflito 41 jovens: 16 em Angola, 14 em Moçambique e 11 na Guiné.

Poderemos interrogar-nos hoje, meio século volvido após o início da guerra, da oportunidade de resgatar, sob o ponto de vista histórico, a memória daqueles que foram obrigados a fazer a guerra, sacrificando, muitos deles, a sua própria vida em nome de Portugal.

Pensamos e acreditamos que esta evocação histórica tem todo o sentido e justifica-se. Acreditamos que o resgate da memória das causas, consequências e incidências vividas pelos combatentes participantes nesta guerra, e neste caso particular, pelos naturais do concelho de Fafe, é um ato de cidadania e deverá ser uma obrigação das instituições governamentais a nível nacional, regional e local.  [...] 
 
Será este, também, o meu propósito: o de não fazer esquecer as consequências do flagelo da Guerra Colonial e de lutar contra a cultura do esquecimento que se instalou em Portugal após o final da Guerra Colonial contra aqueles a quem Portugal tudo exigiu.


3. Enquadramento da minha intervenção – questão prévia


A “pesquisa histórica” exige rigor e objetividade na análise e descrição dos factos históricos, se queremos conhecer e compreender com objetividade os fatores políticos, sociais, militares, económicos e religiosos, entre outros, que justificaram e suportaram a Guerra Colonial durante catorze anos.

Procurei, por isso, na revisão da literatura algum suporte que sustentasse, orientasse e justificasse o caminho que decidi tomar nesta modesta pesquisa que iniciei há algum tempo para abordar o tema da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar.

Segundo o historiador António José Telo (2007, p. 11), a História é uma explicação, e continua, a História nunca está acabada e não existe uma obra definitiva sobre qualquer assunto, tanto mais que, quando fazemos a História de um período recente, ainda “não temos o distanciamento” bastante dos acontecimentos e as fontes disponíveis são muito parciais. (…). Falta outro tipo de fontes essenciais: os estudos e documentos centrais onde a decisão se baseou, que ainda não são públicos; as memórias, testemunhos, sínteses e elaborações posteriores, que demoram anos e décadas a surgirem, se é que surgem.

Face às exigências que o processo de investigação exige nesta área, deparo-me, por isso, com uma dupla dificuldade. 

A primeira será de nível académico. Não sou um investigador na área da História e, sobretudo, não sou um observador neutro da Guerra Colonial, uma vez que participei nela, sempre no “gastalho”, e não é fácil deixar as imagens e as emoções de lado. 

A segunda refere-se às limitações do tempo histórico. Já passaram cinquenta anos do início da guerra e quem testemunha e relata os factos reais vividos já tem dificuldades de memória, emociona-se, ainda tem medo em relatar alguns momentos menos felizes, perdeu ou destruiu os documentos. [...] 

A sustentabilidade dos factos históricos narrados, analisados e inseridos por mim no texto fundamentar-se-á nas seguintes fontes: 

(i) na documentação que consultei no Arquivo Geral do Exército (ao abrigo do Dec. Lei n.º 46/2007 de 24 de agosto; 

(ii) na bibliografia consultada, em suporte papel ou audiovisual;

 (iii) nos testemunhos, relatos e documentos pessoais que muitos dos combatentes de Fafe ou as suas famílias fizeram o favor de me ceder; e

( iv) e na minha participação e vivência durante a comissão de serviço que prestei no Norte e Leste de Angola como comandante do 3.º Pelotão da 1.ª Companhia do BCP21 (Batalhão de Caçadores Paraquedistas N.º 21), sediado em Luanda, entre 8 fevereiro de 1970 e 30 de julho de 1972.


4. A decisão política do Governo de Portugal: “Para Angola, rapidamente e em força”

A documentação disponível permite-nos, hoje, com segurança, perceber algumas das circunstâncias que rodearam e sustentaram a decisão do Governo de Portugal em avançar para a guerra em África, apesar da discordância da corrente dos “militares atlantistas” existente dentro do quadro das Forças Armadas e da pressão da comunidade internacional junto de Salazar, para a evitar. 

Apesar de não ser este o tema do painel em que intervim, gostaria de fazer referência a essas duas questões que considero importantes para melhor se compreender e enquadrar a atividade dos militares portugueses, particularmente dos de Fafe, durante a guerra.

A nível nacional, a documentação comprova que o Governo e os altos comandos militares, no momento em que decidem lançar o país na Guerra, conheciam as reais dificuldades para suportar as duras exigências logísticas para a fazer e para a manter, simultaneamente, em três teatros de operações diferentes, ao nível dos meios humanos, económicos, militares e técnicos.

A nível da comunidade internacional, os documentos dão-nos a conhecer a forma como tentaram convencer e pressionar o Governo de Portugal para avançar com o processo de independência das Províncias Ultramarinas. Na linha da frente estiveram países como a Inglaterra, França, Estados Unidos, bem como a NATO, ONU, OUA, Movimentos Africanos de Libertação (UPA, MPLA, UNITA, FRELIMO, PAIGC), países africanos, asiáticos e a Santa Sé.  [...] 

Pertenço ao grupo daqueles que estão convictos de que os historiadores, em relação à explicação da História da Guerra do Ultramar, poderão, ainda, não ter em seu poder a informação suficiente que lhes permita conhecer, no seu todo, as consequências das estratégias delineadas pelos políticos e Altos Comandos Militares instalados nos gabinetes de Lisboa, Luanda, Lourenço Marques, Beira ou Bissau, mas conhecem, no entanto, com segurança absoluta, dois factos históricos concretos, resultantes da tomada de decisão política de Salazar quando ordena: "Para Angola, rapidamente e em força."

O primeiro facto histórico é que Portugal inicia em 1961 uma guerra em África, cuja decisão política foi da responsabilidade do Presidente da República Almirante Américo Tomás e do governo presidido por Oliveira Salazar, e que este só realizou o reforço da defesa militar das colónias africanas já depois do início dos confrontos, numa defesa tardia, forçada e há muito evitada (Stocker, 2005, p. 254).

O segundo facto histórico, objeto da minha comunicação, é que, a partir de março de 1961, todos os jovens de Portugal chamados a cumprir o serviço militar obrigatório nas fileiras de um dos três ramos das Forças Armadas, e os de Fafe não foram exceção, começaram a ser treinados e mentalizados para cumprirem um único objetivo: fazer a Guerra em África.

Confrontados com esta nova realidade e de acordo com a minha própria experiência na guerra, parece-me muito importante refletir, ainda hoje, sobre o que significou para cada um dos jovens portugueses, que íamos à missa todos os domingos, esta nova experiência de vida: treinar para fazer a Guerra.

Por definição, guerra é um conflito armado cujo objetivo é o esforço dos exércitos em confronto no terreno para conseguir destruir e aniquilar o inimigo. No entanto, a Guerra em África revestiu uma característica especial, uma vez que o Exército português não travou uma Guerra Convencional, mas sim uma Guerra de Guerrilha, caracterizada por uma grande mobilidade das forças, uso de emboscadas, ataques surpresa, ataques rápidos seguidos de fuga, sabotagem e terrorismo, táticas de atrito e confronto indireto (Teixeira, 2010, p. 62).  [...] 
 
Objetivamente, foi para fazer a Guerra (dominar e destruir o inimigo) que o Presidente do Conselho de Ministros António de Oliveira Salazar, dois meses depois dos primeiros incidentes em Angola, a 4 de fevereiro de 1961, ordenou no dia 13 de abril de 1961 aos portugueses: “Para Angola, rapidamente e em força”.

5. O início da Guerra e as consequências imediatas para os jovens portugueses

A realidade, entretanto, já era bem diferente para os militares portugueses:

 "Distante da propaganda oficial, estava a realidade das companhias que seguiam para Angola nesses dias: sem roupas apropriadas para a guerra, com treino ineficaz e armamento ultrapassado, e desconhecedores da realidade da guerra subversiva que os esperava" (Silva, 2011, p. 110).

Teixeira, 2010, p. 21, escreve:

 "No que toca ao armamento utilizado pelos militares as suas características principais são a fraca qualidade e a dispersão de origens, quando não obsoleto. O material bélico português tem basicamente um caráter vetusto e de refugo."   [...] 


Durante catorze anos o fantasma do Ultramar “entranhou-se” nas famílias portuguesas, sem um “ai”, exceto os que deram o “salto”, tal o controlo e a repressão da Polícia Política (PIDE) e da propaganda do regime. 

Nem a vinda dos primeiros estropiados ou dos primeiros mortos foi suficiente para alterar a capacidade de resignação das famílias portuguesas. Povo dócil e subjugado, que atribuía à Providência e à vontade divina o destino dos seus filhos: "Deus mo deu, Deus mo tirou". Paciência. É a sua vontade!

Sobre o soldado português, Teixeira (2010, pp. 26-27), afirma: 

"É um ser pouco marcial, já que treinado à pressa, mal-amanhado, mal armado, mal alimentado e negligenciado pela hierarquia. Obrigado a passar cerca de dois anos e meio, mais do dobro do tempo do soldado norte-americano no Vietname, dentro do arame farpado.

Durante os catorze anos de Guerra Colonial, a rotina para todos os jovens portugueses era sempre a mesma. No ano em que completava 18 anos de idade, devia apresentar-se na Administração do Concelho ou bairro, durante o mês de janeiro, para tratar da sua inscrição no recenseamento militar. 

Depois de “ir às sortes” (junta de recrutamento militar) e uma vez “apurado para todo o serviço militar”, o mancebo era chamado no ano seguinte para “assentar praça”, sendo incorporado numa das unidades pertencentes a um dos três ramos das Forças Armadas (Exército, Marinha ou Força Aérea) e iniciava o seu primeiro período de instrução militar, a recruta. Esta tinha a duração de três meses e, no final, o recruta fazia o “Juramento de Bandeira”. 

Perfilado na parada com os seus camaradas de curso, na posição de sentido, a arma na posição de “ombro arma” e de braço direito estendido, era-lhe solicitado que, bem alto, declarasse: 

"Juro, como português e como militar, guardar e fazer guardar a Constituição e as leis da República, servir as Forças Armadas e cumprir os deveres militares. Juro defender a minha Pátria e estar sempre pronto a lutar pela sua liberdade e independência, mesmo com o sacrifício da própria vida."

Após o Juramento de Bandeira, o soldado iniciava um segundo ciclo de instrução militar específica, designado por “especialidade”. Esta variava de acordo com o ramo das Forças Armadas onde iria prestar serviço: Exército (Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia e Transmissões), Marinha ou Força Aérea. 

Cada ramo dispunha, ao tempo da guerra colonial, de “Forças Especiais”: Companhias de Comandos, no Exército; Regimentos, Batalhões e Companhias de Paraquedistas na FAP;  e Destacamentos de Fuzileiros (equivalentes a Companhias) na Marinha. 

Existiam ainda os vários corpos de Polícias que, no âmbito das Forças Armadas, controlavam o pessoal militar. A PM (Polícia Militar), orgânica da Arma de Cavalaria; a Polícia Naval (PN) constituía a polícia militar da Marinha e organizava-se como Unidade de Polícia Naval (UPN) na dependência do Comando do Corpo de Fuzileiros; e a PA constituía a polícia militar da Força Aérea.

As piores “especialidades” eram as de combate (as que nos atiravam para o mato), sobretudo a de “atirador” (a minha especialidade), e tanto fazia sê-lo de infantaria (a minha arma), como cavalaria ou artilharia .

Às especialidades que não eram de combate, dificilmente os filhos do “zé-povinho” tinham acesso e eram, quase sempre, vocação dos “filhos família” afetos ao regime ou com grande “cunha” (consta que esta área deu azo a um negócio chorudo, aliás, como o “safar” o pessoal da tropa ou do Ultramar).

O objetivo dos dois períodos de instrução a que o mancebo era sujeito, como é evidente, visava dotar os militares de capacidades que lhes permitissem suportar e desempenhar com êxito as missões de combate ou de apoio que lhes seriam conferidas durante a sua Comissão de Serviço em África, ou seja, matar os guerrilheiros que lhes faziam frente e destruir-lhes todos os meios de sobrevivência (acampamentos, culturas, habitações, contactos com as populações dos aldeamentos que os apoiavam, capturar e destruir o armamento, etc.).

Concluída a especialidade, o soldado era dado como “pronto” (“nosso pronto”, era assim designado) e após ser mobilizado para o Ultramar era sujeito, finalmente, a um último “apronto”, recebendo a guia de marcha para Unidade Mobilizadora.

Uma vez nesta e juntamente com os outros militares vindos dos vários centros de instrução, os graduados e os comandantes davam início à formação da sua nova unidade: o seu Batalhão  
 [...]  ou Companhia Independente, aos quais já tinha sido atribuído um número de código. 

Este último período de preparação era designado por IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional) e tinha como objetivo principal organizar a viagem do pessoal para o Ultramar. 

Era a fase de tomar as vacinas, dar os últimos conselhos sobre o que fazer em África para sobreviver, afinar e treinar a especificidade da sua especialidade e das tarefas que cada um iria desempenhar e responsabilizar-se na orgânica do seu Batalhão, Companhia, Pelotão ou Secção durante os dois anos de duração da sua Comissão. 

No final deste período, o militar recebia as últimas vacinas, o camuflado e, por fim, a unidade estava pronta, constituindo esta a sua grande família que o acompanharia durante todo o seu percurso no Ultramar, desde a partida para África ao desembarque, de novo em Lisboa.

Ainda na Unidade Mobilizadora e após chegada a ordem de embarque, o batalhão formava na parada do quartel

O capelão (que entretanto se juntara ao contingente) rezava uma missa campal; o comandante da unidade mobilizadora, um coronel, proferia umas palavras alusivas à missão e entregava o guião ao comandante do batalhão mobilizado, um tenente-coronel, ou então da companhia, um capitão; as tropas desfilavam ao som da música Angola é nossa.

Nesta altura, era concedida a licença de dez dias antes de embarque. O militar ia a casa, despedia-se da família (alguns casados e com filhos), e voltava à Unidade Mobilizadora (alguns não regressavam, porque decidiram dar o “salto”) para daí iniciar verdadeiramente a viagem rumo a África. 

Primeiro, embarcavam nas viaturas militares para a estação de caminho de ferro mais próxima. Na estação, quase sempre de noite, o contingente embarcava num comboio especial em direção a Lisboa. O navio que os iria levar estava atracado e as famílias apinhavam-se nas varandas da gare marítima com lenços de acenar e lágrimas da despedida.

Em direção ao barco, a tropa voltava a desfilar, agora em continência perante um alto representante militar, com as senhoras do Movimento Nacional Feminino e da Cruz Vermelha a distribuírem lembranças. 

Chegava o momento do embarque. Subiam-se as escadas e arrumava-se a bagagem junto ao beliche armado nos porões, transformados em casernas. Depois, voltava-se ao convés e, por volta do meio-dia, o navio recolhia as escadas e os cabos, a sirene apitava, a instalação sonora tocava a marcha intitulada Angola é nossa

O navio afastava-se lentamente, virava a proa à foz do Tejo, passava por baixo da ponte Salazar deslizava diante da Torre de Belém e fazia-se ao mar rumo ao objetivo. [A ponte sobre o Tejo começou a construir-se em 5 de novembro de 1962 e foi inaugurada em 6 de agosto de 1966. (LG)]

Durante a viagem, comia-se a céu aberto sentado no convés, local onde nos dias calmos se jogava às cartas, se recebia alguma instrução sobre o destino, tiravam-se fotografias e procedia-se à cerimónia da praxe, a pretexto da passagem do Equador.

Entretanto, chega-se ao objetivo. Era o tempo de refazer as malas e do desembarque. Nova formatura, agora ao calor desconhecido de África, um desfile e um discurso. 

Depois, a partida para um campo militar, o Grafanil, em Luanda, o Cumeré, em Bissau. Aqueles para quem o Norte de Moçambique era o destino, prosseguiam viagem de Lourenço Marques até à Beira, Nacala ou Porto Amélia.

 A partir daqui, seguiam-se os dois anos da comissão.

Chegados a África, os jovens militares, enquanto não tivessem o seu primeiro batismo de fogo, eram alcunhados pelos “velhinhos” por “maçaricos” (Angola), “periquitos” (Guiné) ou “ checas” em Moçambique e, uma vez instalados na sua nova unidade, situada algures no meio do nada, rapidamente verificavam que a realidade e os factos demonstravam que na Metrópole não tinham sido treinados e mentalizados para fazer ação psicológica junto das populações africanas, como, por exemplo, lançar bombinhas ou balões de S. João, dar santinhos com a figura de Sto. António ou de nossa Senhora de Fátima, andar com os “pretinhos” ao colo ou ensinar-lhes a ler e a escrever Angola é Portugal, mas que tinham sido mentalizados, instruídos e treinados para fazer a guerra  [...] 

(Continua)
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Referência bibliográficas:

Silva, J. (2011). 1961 - O ano que mudou Portugal. Porto Editora. 

Stocker, M. M. (2005). Xeque-Mate a Goa. Ed. Temas e Debates

Teixeira, A., A. (2010). A Guerra de Angola – 1961/1974. Edição Quidnovi.

Telo, A. (2007). História Contemporânea de Portugal. Do 25 de Abril à Actualidade, Vol. I., Editorial Presença.


(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos com reticências:  LG)


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Notas do editor:

(*) Informação reproduzida, com a devida vénia, no blogue de Artur Coimbra, Sala de Visitas do Minho > 3 de julho de 2012 > Viagem pelos Monumentos da cidade de Fafe (VIII) > Monumento aos combatenets da guerra colonial

(...) "Da iniciativa da Delegação de Fafe da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra, e em especial do activista Jaime Silva, o Monumento aos Combatentes da Guerra Colonial foi inaugurado em 6 de Novembro de 2005.

Localizado no jardim central da Avenida do Brasil, o monumento tem a assinatura da escultora Andreia Couto e consiste numa estátua em bronze, representando um soldado equipado conforme os militares portugueses operavam nas antigas colónias, em cima de um pedestal, de forma quadrangular, nos lados do qual se inscrevem os nomes dos 37 soldados fafenses que morreram na guerra.

O objectivo é exactamente prestar homenagem aos jovens oriundos deste concelho que tombaram para sempre ao serviço da Pátria nos confrontos que decorreram entre 1961 e 1974 nas províncias de Moçambique, Angola e Guiné.

A Câmara de Fafe contribuiu com 15 mil euros para que a associação conseguisse concretizar o sonho – que vinha já de 2001 – de erguer o memorial aos mortos da guerra colonial, orçado em cerca de 20 mil euros. As juntas de freguesia também colaboraram nesta iniciativa". (...)