Guiné > Bissalanca > Base Aéreas nº 12 > 1969 > Linha da Frente dos Heli Al III. Foto de António Silva Vieira, Ex-Esp MMA 2ª/67, Guiné (BA12, 1968/70). (O nosso camarada Vieira, de 61 anos, alistou-se na Força Aérea na BA-2, no 2º turno de 1967, como recruta para especialista, jurou bandeira em 25/08/1968, ficou na BA-2 para tirar a especialidade de MMA, foi mobilizado para a Guiné, para prestar serviço na BA-12, embarcou em 02/10/1968, foi integrado na Esquadrilha de manutenção dos Allouette III, teve como Comandante da Base o Cor Tir Pilav Manuel Diogo Neto, ficou no CTIG até 17/05/70, coincidinmdo portanto a sua comissão com o Gen Spínola, enquanto Com-Chefe e Governador Geral).
Foto: Cortesia do blogue do Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 1965/74
Continuação da publicação das versões, em português e em inglês, do paper que o Matt Hurley, Ten Cor da USAF (na foto, à esquerda), teve a gentileza de nos enviar, com o resumo da sua tese de doutoramento, a decorrer na Universidade do Estado de Ohio, EUA. Tradução do nosso camarada e amigo Miguel Pessoa (na foto, à direita), antigo Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, Guiné (1972/74).
O nosso reconhecimento também aos membros do nosso blogue Alberto Branquinho, João Seabra e Vasco da Gama que puseram à nossa disposição as suas competências linguísticas e deram uma ajudinha ao Miguel, com sugestões de melhoria do texto, em português (*):
Súmula da tese de doutoramento de Matthew M. Hurley,Ten Cor da Força Aérea dos EUA:Departamento de HistóriaUniversidade do Estado de Ohio
Data: 23 de Fevereiro de 2009
Orientador: Prof Guilmartin John F., Jr.
Título do Trabalho:
"O ímpio Grail: O Poder Aéreo do Governo e a Defesa Aérea dos revoltosos na Guiné Portuguesa, 1963-1974". (**)
(...) 4. Questões para orientar a investigação.
A primeira questão que pretendo abordar diz respeito ao valor do Poder Aéreo numa campanha de contra-insurreição. Para atingir este objectivo, irei primeiro analisar os papéis e as missões da FAP na Guiné-Bissau, bem como as provas relativas ao sucesso ou insucesso das operações aéreas.
Talvez mais importante ainda, deve ser considerada a percepção do Poder Aéreo que existia por parte das forças terrestres, especificamente até que ponto elas contavam com o apoio da FAP, e o impacto subsequente, quando esse apoio foi retirado ou reduzido.
Correspondentemente, deve ser também considerada a importância da defesa aérea para os insurrectos. A percepção que o PAIGC tinha do Poder Aéreo Português - e a sua reacção a ele - pode dar-nos a bitola o proporcionar-nos talvez o melhor meio de medir a eficácia das operações da FAP.
Claramente, o PAIGC atribuía uma importância considerável à necessidade de defesa aérea, o que irei esforçar-me por demonstrar na dissertação. A título de exemplo, o PAIGC e o seu líder, Amílcar Cabral, investiram um capital diplomático considerável na aquisição de armas de defesa aérea.
Por conseguinte, também pretendo explorar o impacto do apoio externo aos movimentos insurrectos, bem como as razões que motivaram nações como a União Soviética a fornecer armas cada vez mais sofisticados a grupos de guerrilheiros no território de um membro da NATO.
De uma forma mais crítica, pretendo tentar avaliar a forma como a perda de um punhado de aviões da FAP provocou um impacto tão profundo nas operações aéreas dos portugueses, na guerra na Guiné-Bissau, e em toda a estrutura do império.
Esta questão torna-se ainda mais embaraçosa se se tiver em conta o número muito maior de perdas sofridas pela aviação americana devido ao SA-7, no Vietnam durante o ano de 1972, mas sem qualquer efeito apreciável no seu comportamento global na guerra naquele país.
Algo provocou este impacto diferente nos dois casos, suspeitando eu que envolve uma complexa interacção entre a política nacional, a vontade militar, considerações tácticas, a tecnologia do armamento, a rivalidade das superpotências, a motivação dos insurrectos.
A guerra na Guiné-Bissau, tal como qualquer outra insurreição, foi ricamente complexa, porém cada insurreição é complexa à sua própria maneira. Ao desvendar alguma dessa complexidade, pretendo demonstrar a ligação entre o emprego de um míssil portátil de defesa aérea e o colapso de um império.
5. Esboço dos Capítulos.
Os dois primeiros capítulos de fundo irão explorar as motivações e os objectivos dos antagonistas a um nível global, institucional. No que diz respeito ao lado Português, vou basear-me fortemente na apresentação que escrevi para o mais recente seminário de História 801.2, do Prof Beyerchen, intitulado "A Metáfora do Império: Fazer Identidade, Guerra, e Revolução durante o período do Estado Novo em Portugal".
Este capítulo irá examinar as razões que levaram Portugal a combater para manter o seu Império Africano, com a convicção aparente do Estado Novo de que a futura sobrevivência de uma política portuguesa independente passava pela manutenção da estrutura do império.
Um capítulo idêntico, explorando as motivações do PAIGC, irá analisar o desenvolvimento dos seus programas político e militar, a sua campanha para mobilizar o apoio das populações, e o deliberado desenvolvimento de um nacionalismo inter-étnico para unir etnias antagónicas guineenses contra o inimigo comum colonialista.
Usando o programa do PAIGC como um trampolim, o terceiro capítulo de fundo analisará o início e a condução da guerra a partir de uma perspectiva macro. Em particular, este capítulo analisará as estratégias políticas e militares das forças Portuguesas e do PAIGC, detalhando a forma como as estratégias em conflito se influenciaram mutuamente ao longo do conflito.
O capítulo seguinte irá fazer o mesmo numa perspectiva centrada no campo aéreo. Com base nos trabalhos em curso para o seminário de História 767 do Prof. Mansoor, este capítulo analisará a evolução das operações aéreas da FAP e as actividades de defesa aérea do PAIGC. Requisitos operacionais e estratégicos fluidos, e a resposta do inimigo, todos eles condicionaram as actividades aéreas, com cada lado tentando obter ou manter um controlo suficiente do ar para permitir alcançar os seus objectivos estratégicos mais importantes.
O quinto capítulo irá divergir ligeiramente da narrativa global e examinar a guerra a partir da perspectiva das potências exteriores, sobretudo no que diz respeito ao Poder Aéreo.
Para os portugueses, este foi principalmente um estudo das limitações, dadas as restrições impostas pelos E.U.A. e NATO quanto ao material que a FAP podia desviar para a luta na Guiné.
Para o PAIGC, por outro lado, é essencialmente um avolumar de oportunidades à medida que Amílcar Cabral e os seus sucessores travavam uma cada vez mais bem sucedida campanha pela ajuda militar por parte do bloco comunista.
Este capítulo analisará também o desenvolvimento de sistemas específicos de defesa aérea que foram mais tarde usados na Guiné-Bissau, incidindo sobre a sua adequação à guerra de guerrilha e o seu uso em conflitos anteriores, a fim de fornecer uma perspectiva para o seu posterior emprego pelo PAIGC.
Esta utilização final é objecto do sexto capítulo, que vai analisar a guerra aérea na Guiné-Bissau de 1973 a 1974. Este foi o período em que o PAIGC usou pela primeira vez o míssil portátil soviético ZPRK Strela-2M (Código NATO SA-7 Grail), que inicialmente reduziu a eficácia da FAP; embora as tácticas usadas mais tarde limitassem a eficiência dos mísseis, as perdas sofridas inicialmente e o seu impacto na eficácia da FAP continuaram a limitar as operações aéreas dos portugueses até ao fim da guerra.
Também durante este período, Portugal recebeu relatos de que a União Soviética estaria a treinar pilotos do PAIGC para pilotar MiGs baseados na vizinha Guiné-Conakri, um programa que teria neutralizado definitivamente a superioridade aérea dos portugueses se fosse implementada (a FAP não dispunha de aviões específicos para o combate ar-ar).
O capítulo seguinte, que é o capítulo de fundo final, irá explorar o impacto desses acontecimentos no moral dos militares portugueses, na estabilidade política e no golpe de estado de Abril de 1974 que praticamente trouxe um fim à guerra.
Um capítulo conclusivo tentará retirar lições relevantes para o actuais desafios de insurreição com que se defrontam hoje os Estados Unidos e os seus aliados.
6. Bibliografia corrente.
Por favor, veja o apêndice em anexo, "Bibliografia Provisória."
APROVADO:
O professor John F. Guilmartin, Jr. Professor Alan Beyerchen (...)
[A continuar - Parte III]
______
[Versão original, em inglês. Continuação]
Dissertation Prospectus for Matthew M. Hurley, Department of History, The Ohio State UniversityDate: 23 February 2009. Advisor: Prof. John F. Guilmartin, Jr.
Working Title: The “Unholy GRAIL: Government Airpower and Insurgent Air Defense in Portuguese Guinea, 1963-1974.”
(...) 4. Questions to Guide Research.
The first question I intend to address regards the value of airpower in a counterinsurgency campaign. In order to assess this, I will first examine the FAP’s roles and missions in Guinea-Bissau, as well as evidence pertaining to the success or failure of air operations. Perhaps most importantly, the Portuguese ground forces’ perception of airpower must be considered, specifically the degree to which they relied on FAP support, and the subsequent impact when that support was withdrawn or curtailed. Correspondingly, the importance of air defense to the insurgents must also be considered. The PAIGC’s perception of Portuguese airpower—and their reaction to it—provide perhaps the most persuasive metric by which to measure the effectiveness of FAP operations.
Clearly, the PAIGC attached considerable importance to the requirements of air defense, which I will endeavor to demonstrate in the dissertation. By way of example, the PAIGC and its leader, Amílcar Cabral, invested considerable diplomatic capital in the acquisition of air defense weaponry. Consequently, I also intend to explore the impact of external support to insurgent movements, as well as the factors that motivated nations such as the Soviet Union to provide increasingly-sophisticated arms to guerrilla bands in a NATO member’s territory.
Most critically, I intend to try to assess how the loss of a handful of FAP aircraft exerted such a profound impact on Portuguese air operations, the war in Guinea-Bissau, and the entire imperial enterprise. This question becomes more perplexing in light of the fact that US air arms suffered far more losses to the SA-7 system in Vietnam during 1972, but without any appreciable effect on its overall conduct of the war there. Something accounts for this difference in impact, and I suspect it involves a complex interplay between national policy, military will, tactical considerations, weapons technology, superpower rivalry, and insurgent motivation. The war in Guinea-Bissau, like any other insurgency, was richly complex; however, like Tolstoy’s unhappy families, each insurgency is complex in its own way. By unraveling some of that complexity, I intend to demonstrate the link between the employment of a shoulder-fired air defense missile and the collapse of an empire.
5. Chapter Outline.
The first two substantive chapters will explore the motives and objectives of the antagonists from a macro, institutional level. Regarding the Portuguese side, I will draw heavily from the paper I wrote for Prof. Beyerchen’s latest History 801.2 seminar, entitled “The Empire Metaphor: Making Identity, War, and Rebellion during Portugal’s Estado Novo Era.” This chapter will examine Portugal’s rationale for fighting to maintain its African Empire, including the Estado Novo’s apparent conviction that the future survival of an independent Portuguese polity necessitated the maintenance of imperial stature.
A similar chapter exploring the PAIGC’s motives will examine the development of its political and military programs, its campaign to mobilize peasant support, and its deliberate development of an inter-ethnic nationalism to unite antagonistic Guinean ethnicities against a common colonialist foe.
Using the PAIGC program as a springboard, the third substantive chapter will examine the initiation and conduct of the war from a macro perspective. In particular, this chapter will consider the evolving military and political strategies of the Portuguese forces and the PAIGC, detailing how the contending strategies influenced each other over the course of the conflict.
The following chapter will do much the same from an air-centric perspective. Drawing on work currently in progress for Prof. Mansoor’s History 767 seminar, this chapter will examine the evolution of FAP air operations and PAIGC air defense activities. Available equipment, fluid operational and strategic requirements, and enemy response all conditioned these aerial activities as each side attempted to gain or maintain sufficient control of the air to enable the attainment of their larger strategic aims.
The fifth substantive chapter will diverge slightly from the overall narrative and examine the war from the perspective of outside powers, particularly where airpower was concerned. For the Portuguese, this was largely a study in constraints, given US and NATO restrictions on what the FAP was able to bring to the Guinean fight. For the PAIGC, on the other hand, it is primarily a tale of expanding opportunities as Amílcar Cabral and his successors waged an increasingly successful campaign for military aid from the Communist bloc. This chapter will also examine the development of specific air defense systems that were later used in Guinea-Bissau, focusing on their suitability to guerrilla warfare and their use in earlier conflicts in order to provide context to their later employment by the PAIGC.
That later employment provides the sixth substantive chapter, which will examine the air war in Guinea Bissau from 1973 to 1974. This was the period when the PAIGC first used the Soviet ZPRK Strela-2M (NATO SA-7 GRAIL) shoulder-fired missile, which initially hindered the FAP’s effectiveness; although subsequent Portuguese counter-tactics later curtailed the missile’s efficiency, the initial spate of losses and their impact on FAP effectiveness continued to limit Portuguese air operations for the remainder of the war.
Also during this period, Portugal received reports that the Soviet Union was training PAIGC MiG pilots to be based in neighboring Guinea-Conakry, a program which would have definitively neutralized Portuguese air superiority if implemented (the FAP had no dedicated air-to-air fighters in Guinea-Bissau). The following chapter, the final substantive one, will explore the impact of these events on Portuguese military morale, political stability, and the April 1974 coup d’etat that for all intents and purposes brought the war to an end. A concluding chapter will attempt to distill lessons relevant to the current insurgent challenges facing the United States and its allies today.
6. Current Bibliography.
Please see the attached appendix, “Provisional Bibliography.”
APPROVED:
Professor John F. Guilmartin, Jr. Professor Alan Beyerchen
ADVISOR COMMITTEE MEMBER
[To be continued - Part III]
__________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste 26 de Maio de 2009 >Guiné 63/74 - P4418: O poder aéreo no CTIG: uma pesquisa de Matthew M. Hurley, Ten Cor, USAF: Trad. de Miguel Pessoa (1): Parte I
Vd. também poste de 16 de Abril de 2009 >Guiné 63/74 - P4197: FAP (23): O poder aéreo no CTIG, 'case study' numa tese de doutoramento nos EUA (Matt Hurley / Luís Graça)
(**) Em inglês, "unholy Grail" também poderia ser traduzido por "ímpio Graal", por oposição a Santo Graal... O autor faz aqui uso de um trocadilho: Grail, nome de código do Strela soviético no campo da Nato, é também Graal... Nas lendas e na literatura da Idade Média, o Santo Graal pode designar várias coisas, mas normalmente refere-se ao cálice usado na Última Ceia por Jesus Cristo. Nas lendas do Rei Artur, cabe aos Cavaleiros da Távola Redonda encontrar o Santo Graal, talismã que vai permitir devolver a paz às terras do Rei... No caso da Guiné, para os portugueses o Graal (o Strela) não é santo mas ímpio, porque traz com ele não a paz, mas a escalada da guerra...
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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quarta-feira, 27 de maio de 2009
Guiné 63/74 - P4423: O poder aéreo no CTIG: uma pesquisa de Matthew M. Hurley, Ten Cor, USAF: Trad. de Miguel Pessoa (2): Parte II
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segunda-feira, 21 de julho de 2008
Guiné 63/74 - P3079: Recortes de imprensa (8): Ex-combatentes batalham para sair da rua (Torcato Mendonça)
1. Mensagem do nosso camarada Torcato Mendonça:
Assunto - Ex-Combatentes batalham para sair da rua
É o título de um artigo saído hoje no JN Jornal de Notícias, Sociedade, página 28.
Leio e sinto a revolta, uma revolta a ser contida e um agradecimento ao JN, á jornalista (da Lusa) e à Comunidade Vida e Paz. Cito, talvez, abusivamente. Mas são três casos a juntar a tantos que desconhecemos. Talvez não desconheçamos assim tanto, talvez encolhamos mais os ombros, talvez… e nada mais digo e, menos ainda, adjectivo como queria. Leiam o artigo. Menos, vós, meus caros Editores, mais outros que por lá passaram ou outros que, não tendo lá ido, e responsabilidade tendo ou hipótese de influenciar, sintam ser assunto menor.
Leiam e olhem as duas fotos…um banco e um homem sentado pensa e fuma…ou na outra alguém de costas, muleta amparando coto da perna esquerda, olhos no chão ou no vazio, como o outro ao lado em cadeira de plástico, sentado, cigarro esquecido, olhar para onde? E penso… eu penso e vem-me à memória um escrito que fiz e enviei, nos poucos envios que há meses faço.
Em conversa telefónica, meu caro Luis Graça, falando de outro assunto, disse-te: Enviei um escrito, deve ser “pesado”. Agora leio e lembro os nossos camaradas, são os nossos camaradas que País fora a sofrer continuam. Pesado ou leve…a realidade ede ontem e de hoje…Até quando?
Anexo o escrito e a mensagem enviados. Tentem ler o artigo do JN.
Noutra altura podemos tratar do sexo do S. Gabriel e do S. Rafael…assexuados…? Podemos tratar disso!
Ainda bem que há espaço na Net, este e outros blogues e pessoas a preocuparem-se com os nossos camaradas, na Comunidade Social e Comunidades como esta citada no artigo.
Abraços do,
Torcato Mendonça
Apartado 43,
6230-909 Fundão
2. Ex-combatentes viraram sem-abrigo
HELENA NEVES, JORNALISTA DA AGÊNCIA LUSA
in JN - Jornal de Notícias, de 21 de Julhp de 2008 (com a devida vénia...).
Henrique, Eduardo e Francisco sobreviveram à guerra colonial. 30 anos depois travam uma nova batalha: reconstruir a vida perdida nas ruas do álcool e das memórias de combates que os fizeram sem-abrigo.
Na quinta-feira fez um ano que Henrique Castro entrou para o centro de reinserção social da Comunidade Vida e Paz, em Sobral de Monte Agraço, pondo fim a seis anos nas ruas de Faro em que a sua companhia diária foram "pacotes de vinho".
Com uma voz pousada e olhar cabisbaixo, Henrique, 59 anos, recordou com amargura esses tempos que o separaram da família, falou do sonho de reatar a relação com a mulher.
Os dias de Henrique na comunidade são ocupados a fazer pinturas em tecido - "antes pintava automóveis e electrodomésticos" - e a pensar na carta de amor que vai escrever à mulher para a pedir de novo em casamento, depois de já ter reconquistado a amizade dos dois filhos. "Sobrevivi a uma guerra e agora tenha outra pela frente: conquistar a minha mulher e retomar a minha vida perdida há 14 anos", sublinhou com um sorriso rasgado.
O percurso de Henrique assemelha-se ao de Eduardo, 57 anos. Também combateu em Angola e o vício do álcool arruinou-lhe a vida. "Já bebia antes de ir para a guerra", contou este homem magro e com o rosto marcado pelo sofrimento.
Durante anos, a rua foi a sua casa. Um dia teve um acidente, partiu a clavícula e foi parar à cama de um hospital. "Não sei como vim parar à comunidade e já cá estou há quatro anos. Se não fosse isto já estava morto", disse Eduardo, enquanto dava os últimos retoques numa jarra de barro na olaria, onde trabalha diariamente.
Da vez em quando visita os amigos em Alfama, o bairro onde nasceu. A irmã é a família mais chegada que tem, mas já não a vê há 10 anos.
O combate na Guiné-Bissau deixou também marcas profundas em António Pereira, 57 anos. "É o sistema nervoso", comentou, contando que teve de abandonar um tratamento de desintoxicação de álcool no Júlio de Matos porque não conseguia aguentar o barulho dos aviões a passar por cima do hospital.
"Aqui é mais sossegado", frisou. Os dias de António são passados a tratar da roupa da comunidade, mas já tem em vista um emprego em Lisboa. "Já fui a uma entrevista de emprego em Lisboa para motorista através do centro", disse, com um sorriso de orgulho.
O director da Comunidade Vida e Paz, em Sobral Monte Agraço, Alfredo Martins, adiantou à agência Lusa que é "muito importante que as pessoas que vivem na comunidade se sintam activos, produtivos e estimulados".
A maioria destas pessoas foram recolhidas da rua pelas equipas do centro e outras foram indicadas por várias instituições. As pessoas chegam com vários problemas psicológicos, de alcoolismo, droga e têm 30 técnicos para os acolher e tratar, disse Alfredo Martins, acrescentado que cada caso merece uma "atenção diferenciada".
O tempo máximo que um utente deve estar no centro é 13 meses, mas há muitos que ultrapassam esse tempo. "Nós não somos um lar, mas as pessoas precisam de paz", comentou o responsável, admitindo que é difícil "romper os laços" com estas pessoas. "Fazemos uma caminhada de relacionamento e depois é difícil a separação. Temos de garantir que as pessoas não saem daqui para o desamor", concluiu.
Assunto - Ex-Combatentes batalham para sair da rua
É o título de um artigo saído hoje no JN Jornal de Notícias, Sociedade, página 28.
Leio e sinto a revolta, uma revolta a ser contida e um agradecimento ao JN, á jornalista (da Lusa) e à Comunidade Vida e Paz. Cito, talvez, abusivamente. Mas são três casos a juntar a tantos que desconhecemos. Talvez não desconheçamos assim tanto, talvez encolhamos mais os ombros, talvez… e nada mais digo e, menos ainda, adjectivo como queria. Leiam o artigo. Menos, vós, meus caros Editores, mais outros que por lá passaram ou outros que, não tendo lá ido, e responsabilidade tendo ou hipótese de influenciar, sintam ser assunto menor.
Leiam e olhem as duas fotos…um banco e um homem sentado pensa e fuma…ou na outra alguém de costas, muleta amparando coto da perna esquerda, olhos no chão ou no vazio, como o outro ao lado em cadeira de plástico, sentado, cigarro esquecido, olhar para onde? E penso… eu penso e vem-me à memória um escrito que fiz e enviei, nos poucos envios que há meses faço.
Em conversa telefónica, meu caro Luis Graça, falando de outro assunto, disse-te: Enviei um escrito, deve ser “pesado”. Agora leio e lembro os nossos camaradas, são os nossos camaradas que País fora a sofrer continuam. Pesado ou leve…a realidade ede ontem e de hoje…Até quando?
Anexo o escrito e a mensagem enviados. Tentem ler o artigo do JN.
Noutra altura podemos tratar do sexo do S. Gabriel e do S. Rafael…assexuados…? Podemos tratar disso!
Ainda bem que há espaço na Net, este e outros blogues e pessoas a preocuparem-se com os nossos camaradas, na Comunidade Social e Comunidades como esta citada no artigo.
Abraços do,
Torcato Mendonça
Apartado 43,
6230-909 Fundão
2. Ex-combatentes viraram sem-abrigo
HELENA NEVES, JORNALISTA DA AGÊNCIA LUSA
in JN - Jornal de Notícias, de 21 de Julhp de 2008 (com a devida vénia...).
Henrique, Eduardo e Francisco sobreviveram à guerra colonial. 30 anos depois travam uma nova batalha: reconstruir a vida perdida nas ruas do álcool e das memórias de combates que os fizeram sem-abrigo.
Na quinta-feira fez um ano que Henrique Castro entrou para o centro de reinserção social da Comunidade Vida e Paz, em Sobral de Monte Agraço, pondo fim a seis anos nas ruas de Faro em que a sua companhia diária foram "pacotes de vinho".
Com uma voz pousada e olhar cabisbaixo, Henrique, 59 anos, recordou com amargura esses tempos que o separaram da família, falou do sonho de reatar a relação com a mulher.
Os dias de Henrique na comunidade são ocupados a fazer pinturas em tecido - "antes pintava automóveis e electrodomésticos" - e a pensar na carta de amor que vai escrever à mulher para a pedir de novo em casamento, depois de já ter reconquistado a amizade dos dois filhos. "Sobrevivi a uma guerra e agora tenha outra pela frente: conquistar a minha mulher e retomar a minha vida perdida há 14 anos", sublinhou com um sorriso rasgado.
O percurso de Henrique assemelha-se ao de Eduardo, 57 anos. Também combateu em Angola e o vício do álcool arruinou-lhe a vida. "Já bebia antes de ir para a guerra", contou este homem magro e com o rosto marcado pelo sofrimento.
Durante anos, a rua foi a sua casa. Um dia teve um acidente, partiu a clavícula e foi parar à cama de um hospital. "Não sei como vim parar à comunidade e já cá estou há quatro anos. Se não fosse isto já estava morto", disse Eduardo, enquanto dava os últimos retoques numa jarra de barro na olaria, onde trabalha diariamente.
Da vez em quando visita os amigos em Alfama, o bairro onde nasceu. A irmã é a família mais chegada que tem, mas já não a vê há 10 anos.
O combate na Guiné-Bissau deixou também marcas profundas em António Pereira, 57 anos. "É o sistema nervoso", comentou, contando que teve de abandonar um tratamento de desintoxicação de álcool no Júlio de Matos porque não conseguia aguentar o barulho dos aviões a passar por cima do hospital.
"Aqui é mais sossegado", frisou. Os dias de António são passados a tratar da roupa da comunidade, mas já tem em vista um emprego em Lisboa. "Já fui a uma entrevista de emprego em Lisboa para motorista através do centro", disse, com um sorriso de orgulho.
O director da Comunidade Vida e Paz, em Sobral Monte Agraço, Alfredo Martins, adiantou à agência Lusa que é "muito importante que as pessoas que vivem na comunidade se sintam activos, produtivos e estimulados".
A maioria destas pessoas foram recolhidas da rua pelas equipas do centro e outras foram indicadas por várias instituições. As pessoas chegam com vários problemas psicológicos, de alcoolismo, droga e têm 30 técnicos para os acolher e tratar, disse Alfredo Martins, acrescentado que cada caso merece uma "atenção diferenciada".
O tempo máximo que um utente deve estar no centro é 13 meses, mas há muitos que ultrapassam esse tempo. "Nós não somos um lar, mas as pessoas precisam de paz", comentou o responsável, admitindo que é difícil "romper os laços" com estas pessoas. "Fazemos uma caminhada de relacionamento e depois é difícil a separação. Temos de garantir que as pessoas não saem daqui para o desamor", concluiu.
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