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terça-feira, 20 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24417: Convívios (966): Aquele que foi, historicamente, o último encontro da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), realizado em 5/11/2022, em Alenquer: os versos de despedida do Francisco Santos (o "Xico" do Montijo)


Alenquer, Restaurante D. Nuno > 5 de novembro de 2022 > CCAÇ 557 (Cachil,
Bissau, Bafatá, 1963/65): o último encontro, o último bolo...

Foto (e legenda): © José Colaço (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José Colaç0 (ex-Sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65):

Data: 19 jun 2023, 14:12:

Assunto: o último encontro da CCAÇ 557

Luís, cada vez temos menos assunto para dar vida ao nosso blogue, então lembrei-me de enviar estes versinhos que o nosso poeta popular Francisco dos Santos (o nosso Xico do Montijo) nos brindou naquele que terá sido no último almoço de convívio da CCaç 557 realizado em Alenquer (os entas não perdoam)

Abraço

Nota: Se achares que merece honras de blogue tens toda a liberdade para fazeres o melhor que entenderes.



Último Convívio da CCaç 557
 
Eu já doente, sou Xico, 
Mas parado ainda consigo, 
Porque, sem escrever, não fico,
Para este grupo amigo.

Nesta ida a Alenquer,
Encontros não temos mais,
Só aparece quem puder 
P'rás despedidas finais.

Neste encontro eu aconselho,
De todo o meu coração,
Não esqueçam do Coelho  (#)
Nem do nosso capitão,

Com a nossa missão cumprida,
Nunca esqueço a minha gente,
Pois com esta despedida
Ninguém irá ficar contente.

Eu estou muito esquecido
Sobre a façanha de então,
Sei que o grupo era unido,
Do soldado ao capitão.

Nosso encontro vai acabar,
Fica a saudade destes dias,
Mas podemos comunicar
Com as novas tecnologias.

Francisco Santos
Do fundo do coração,
Antigo radiotelegrafista,
Um grande abração,
Quem sabe até à vista !!?...

Francisco Santos 
(o "Xico do Montijo"),
ex-1º cabo radiotelegrafista (**)

(#) Um dos incansáveis organizadores 
dos convívios anuais da companhia
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23725: Convívios (947): Almoço anual de confraternização dos militares da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), no dia 5 de Novembro de 2022, no restaurante D. Nuno, em Alenquer (José Colaço)

(**) Último poste da série > 13 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24395: Convívios (965): Almoço / Convívio da CCAÇ 2701 - "Os 3'S do Saltinho", a levar a efeito no próximo dia 17 de Junho de 2023, em Cantanhede (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72)

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23725: Convívios (947): Almoço anual de confraternização dos militares da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), no dia 5 de Novembro de 2022, no restaurante D. Nuno, em Alenquer (José Colaço)




1. Mensagem enviada pelo nosso camarada José Colaço, ex-Sold TRMS da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), com data de 19 de Outubro de 2022, trazendo até nós a notícia do possível último convívio dos veteraníssimos da 557:
Os veteraníssimos militares da CCAÇ 557 na guerra da Guiné, 1963/65, voltam a reunir em mais um almoço anual de confraternização em 05 de Novembro de 2022 no restaurante D. Nuno, em Alenquer.

Por força dos 80 anos, é com muita tristeza, mas como tudo tem um fim, que se prevê seja este o último convívio.

Na foto: o Coelho à esquerda mais a sua equipa do Porto. Uma homenagem mais que merecida, pois a ele se deve em grande parte a organização destes almoços de convívio ao longo dos anos.

Mais informações: telemóvel 918 267 204.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23709: Convívios (946): Comemoração dos 55 anos do regresso da Guiné dos Falcões da CART 1525 (Bissorã, 1966/67) no próximo dia 12 de Novembro de 2022 na Mealhada (Rogério Freire, ex-Alf Mil Art MA)

terça-feira, 28 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23393: Blogoterapia (302): Uma história verídica com o seu quê de humano (José Colaço, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 557)

1. Mensagem enviada pelo nosso camarada José Colaço, ex-Sold TRMS da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), com data de 26 de Junho de 2022, trazendo até nós...

Uma história verídica com o seu quê de humano

Eu no Cachil, Ilha do Como, na Guiné, a tratar de dois tecelões que tinham caído do ninho numa noite de tempestade, do embondeiro,  que quase tinha mais ninhos que folhas, todos aqueles pontos mais escuros são ninhos. Ainda bebés, nem sequer abriam os olhos, por esse motivo quando viram a luz do dia eu era o seu querido progenitor. O que era difícil compreender é que eles não estavam em cativeiro, gaiola fechada, iam ter com os outros pássaros e à hora para comer e dormir regressavam à gaiola que tinha sempre a porta aberta.

"Batizeios" por "Xico 1" e "Xico 2". O Xico 2 não chegou a sair do Cachil, adoeceu e morreu.
O Xico 1, que a seguir à morte do irmão passou a ser só Xico, veio comigo para Bissau e foi para Bafatá onde teve um fim triste, um gato vagabundo filou-o e foi um adeus ao Xico.

O Xico tinha um óbi, rasgar papéis, prendia-os com uma pata e era um ver se te avias, eu pessoalmente tinha que ter muito cuidado com as mensagens que recebia via rádio para o Xico não fazer a sua tradução.
Também tinha muitas participações de camaradas que vinham ter comigo a fazer "queixa":
- Colaço o teu "pardal" tecelão rasgou-me o aerograma.

O sacana do passarinho era maroto, quando nós estávamos a escrever punha-se à espreita e logo que nós nos distraíamos dava uma bicada no papel e lá ia ele todo feliz com um bocadinho de papel no bico, voando para longe.

Nota: - Publiquei esta história na minha página do facebook e o Virgínio Briote incentivou-me que a enviasse para o blogue, porque na guerra também se passa o oposto e com mais gosto. Se vos parecer que deve ocupar um espaço no blogue, publiquem.
José Colaço

____________

Nota do editor

Último poste da série de 24 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23025: Blogoterapia (301): E a montanha pariu um rato... (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872)

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22633: (De)Caras (178): Viriato Madeira (1938-2011), ilustre cidadão da Ribeira Grande, ilha de S. Miguel, Açores, ex-alf mil, CCAÇ 557 (Cachil, Bafatá, Bissau, 1963/65), citado no "Diário de Guerra", do Cristóvão de Aguiar


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (1963/65) > 1964 > A contar da esquerda: o açoriano de Santa Bárbara, Ribeira Grande, ex- alferes miliciano Viriato Madeira, comandante do 1º pelotão; a seguir o também açoriano, picaroto, ex-alferes miliciano Mário Goulart, comandante do 3º pelotão que todos os anos faz questão de nos acompanhar no almoço de convívio da CCaç 557; o algarvio, ex-alferes miliciano, Ildefonso Leal, comandante do 2º pelotão; e, em primeiro palno, à direita, o aveirense, ex-tenente miliciano médico, Rogério Leitão [, já falecido, em 2010].

Esta e outras fotos, do Cachil,. 1964, sãoão de fraca qualidade devido aos meios que havia naquele tempo e, além disso, foram reproduzidas de slides de um DVD que tenho da estada, na Guiné, da  minha  CCAÇ 557. 

O quarto alferes miliciano, comandante do 4º pelotão e 2º comandante da companhia (, e que não aparece aqui neste fotograma,)  era o  José Augusto Rocha (1938-2018), destacado dirigente estudantil (em 1962) e depois advogado, defensor de muitos presos políticos sob o marcelismo. (Tinha uma posição radical sobre a guerra colonial, a da denúncia ativa, razão por que declinara, em 2015, delicadamente, o nosso convite para integrar a Tabanca Grande; era um hoem afável mas firme nas suas convicções.).

Foto (e legenda): © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados
. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O Viriato Madeira foi aqui citado no "Diário de Guerra", do Cristóvão de Aguiar (**):

Camamudo, 12 de Junho de 1965

Vim a este destacamento de Bafatá en­con­trar-me com o meu amigo Viriato Madeira, que está prestes a terminar a sua comis­são. Esteve anteriormente, com a sua companhia, na Ilha do Como, durante cerca de um ano, rodeado de arame farpado e sem poder sair do aquartelamento de cam­panha, im­plan­tado no chamado reino do Nino, onde ninguém se atre­via a entrar ou a sair. Vie­ram de lá todos bem marcados. 

Foi tal a nossa alegria, que chorámos como duas crianças perdidas que se reencontram e abraçam uma à outra. E, para festejar o nosso encon­tro, preparou-me uma bebida, que ele chama bomba, espécie de cocktail revolu­cio­nário, que me pôs a dormir ou em coma alcoólico quase ins­tan­tanea­mente. Quando des­pertei, já era tarde para seguir para Contuboel. Mandei um rádio a prevenir que passava a noite em Ba­fatá, na sede do batalhão.

2. Comentários ao poste P9360 (*):

José Câmara:

Caro Colaço: Por informação recebida de Carlos Cordeiro, o Alf Mil. Viriato Madeira faleceu o ano passado.

Segundo a mesma fonte, o Viriato mantinha grande actividade cívica. Por isso mesmo granjeou grande simpatia entre a população da Ribeira Grande, Ilha de São Miguel. (***)

Um abraço amigo,
José Câmara

16 de janeiro de 2012 às 04:14

Carlos Cordeiro:

Caros amigos,

De facto, o Viriato Madeira foi uma pessoa de notável intervenção cívica. A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou, por unanimidade, um voto de pesar pelo seu falecimento:
http://base.alra.pt:82/Doc_Voto/IXvoto354_11.pdf (que se reproduz emnoata de rodapé (***)

Um abraço,
Carlos Cordeiro

16 de janeiro de 2012 às 13:00

José Botelho Colaço: 

O ex-alferes Viriato Madeira era um grande comunicador,  sempre bem disposto, ultimamente os nossos contactos eram menos assíduos devido ao seu estado de saúde segundo me dizia era do foro pancreático-

Estive nos Açores não o visitei porque o programa não contemplava a visita à Ribeira Grande.
A sua deslocação aos almoços da CCaç 557 só uma vez esteve presente, primeiro por motivos de trabalho e ultimamente pelo seu estado de saúde não o permitir, iam ficando sempre adiado para o próximo ano.

O Viriato dizia-me sempre quando eu me deslocasse à Ribeira Grande que não me preocupasse com hotel porque punha a casa dele à minha ordem.

E assim é aqueles que da lei da vida se vão libertando, a roda da vida não pára. (***)

Um abraço, Colaço

16 de janeiro de 2012 às 14:17

_____________



(***) O seu nome foi dado, por exemplo, a um equipamento de grandes prestígio e utildiade público, o Coplezo de Piscinas Viriato Madeira. Entre outras funções cívias, foi presidemte da direção dos Bomabeiros Voluntários da Ribeira Gramnde (2001-2011).

A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou, por unanimidade, um voto de pesar pelo seu falecimento em 2011:






Disponível em: http://base.alra.pt:82/Doc_Voto/IXvoto354_11.pdf 

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21492: (In)citações (172): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

1. Em mensagem do dia 27 de Outubro de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos um texto a que deu o título: "Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano", do qual publicamos hoje a I Parte. 


Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I 

Manuel Luís Lomba

O blogue Luís Graça &Camaradas da Guiné constituiu-se o maior e o depositário mais fiel da história da Guerra da Guiné e os milhares de posts e de comentários a sua maior biblioteca e fonte. 

A chamada à colação pelo Jorge Araújo e pelo Luís Graça, no P21421, do livro “Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalú”, metáfora aplicada às sucessivas operações contra essa mata, redacção, revisão e edição da minha autoria (inclusive os erros ortográficos, gramaticais e outros), na evocação dos enfermeiros condecorados, incitou-me a evocar esse nosso passado. 

 A “Operação Tridente”, acontecida há quase 60 anos, foi a primeira grande manobra da Guerra da Guiné, o BCav 490 os seus actores principais, as ilhas do Como, Caiar e Catunco o seu palco, foram 72 dias de combates na mata e em campo aberto; a segunda grande manobra foram as Operações “Campo”, Alicate I e II”, a CCav 703 os seus actores principais, o eu palco foi Cufar, a sua malta escavou abrigos em todo o perímetro da sua desmantelada fábrica de descasque de arroz e viveu 63 dias como toupeiras, mais sob a terra que sobre a terra. 

 A “Operação Tridente”, entre Janeiro e Março de 1964, foi a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre aquelas três ilhas, então a “República Independente do Como” proclamada por Nino Vieira, abandonadas em 1962 pelo fazendeiro Manuel de Pinho Brandão, originário de Arouca (constava que passara a fornecedor do PAIGC); as operações “ Campo”, “Alicate I, II,´” e “Razia”, entre Dezembro de 1964 e Maio de 1965, foram a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre a “área libertada” de Cufar, começada com a ocupação da tabanca e das ruínas da fábrica de descasque de arroz, abandonada pelo fazendeiro Álvaro Boaventura Camacho, madeirense originário de Cabo Verde (patrão e o “passador” para Conacry do então alfaiate e futebolista Bobo Quetá), continuada com a expugnação da base da mata de Cufar Nalu, comandada por Manuel Saturnino Costa, ora aumentada e reforçada com a força retirada do Como, consolidada em 15 de Junho pelas CCaç 763, 764 e 728 (Operação Satan?). 

Ilha do Como (Jan1964) - «Operação Tridente». Desembarque das forças do BCAV 490.
Foto do camarada Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 498 (1963/1965) - P12386, com a devida vénia.

Chãos de balantas e nalus, gente laboriosa e guerreira, essas ilhas e a região continental de Catió eram terras úberes da produção de arroz e óleo de palma, a alimentação base dos guineenses, o “Celeiro da Guiné” e o garante da magra ração de combate dos seus combatentes da libertação, antes de o “espírito filantrópico” do governo do reino da Suécia lha ter melhorado. 

Amílcar Cabral tinha engravidado a Guiné Portuguesa com o sémen da “libertação”, nos mais de 10 anos da diacronia dessa luta armada, outras grandes manobras aconteceram, refiro apenas a “Operação Mar Verde” a Conacry e a escalada da “crise dos 3 G´s”, e o seu aborto terá falhado, mercê da miopia política, militar e diplomática do governo de Lisboa. 

Não se podia fazer nas bolanhas e matas da Guiné o que só poderia ser feito em S. Bento e no Terreiro do Paço, em Lisboa. 

De escalada em escalada a matarmo-nos e a estropiarmo-nos uns outros, a aniquilação mútua não aconteceu, mercê de uma deriva das FA Portuguesas, gerada, nascida e nutrida pela tradicional insatisfação corporativa da classe dos capitães, sob o “manto diáfano” do acrónimo MFA, que, para não a abandonar a Guiné nem como derrotados nem como vitoriosos, passou a aliado do PAIGC, tendo cometido dois pecados originais: primeiro, criou a situação de inferioridade, depois, avançou para as negociações, querendo resolver em Bissau o que só deveria ser resolvido em Lisboa. A política ultramarina foi, mas as FA Portuguesas não saíram derrotadas pelo PAIGC; portugueses houve que se derrotaram a si mesmos… 

Mas as maiores manobras da Guerra do Ultramar são activo do MFA: as aceleradas retracções dos dispositivos, retiradas militares para a Metrópole e a “ponte aérea” da materialização da “Descolonização exemplar” de Angola e Moçambique, que evacuou centenas de milhares de gente multirracial, a força criadora da sua riqueza estruturante, muitos com a roupa do corpo como único bem - os Retornados, para a insurreição/revolução ou os Devolvidos, para os outros. E, por ter degenerado em PREC e endossado a sua guerra ultramarina a outrem (Cuba, etc), o MFA não fez uma “Descolonização exemplar” e protagonizou a maior deslocalização mundial de gente, desde a II Guerra Mundial, só ultrapassada mais de 40 anos depois, pelos fenómenos dos refugiados, vítimas dos “prec´s” degenerescentes da Venezuela e da “Primavera árabe”. 

A par da sua revelação como estratega de alto nível, a partir de 1963, Amílcar Cabral (ora alçado a segundo maior líder mundial de todos os tempos, por um grupo de historiadores (?) a soldo da BBC), revelou também um talentoso criador de fake news militares, a base de sustentação do seu markting de que o PAIGC “libertara” e exercia a soberania em 2/3 da Guiné Portuguesa. Vontade e saber muito, mas verdade pouca… 

Passados 4 meses sobre o fim da “Operação Tridente”, o nosso BCav 705 chegou a Bissau estivado no cargueiro “Benguela”, concebido e equipado para o transporte de gado, e não no paquete “Índia”, erro piedoso da CECA. Entre meados de 1964 e meados de 1965, penamos em duras, demoradas e penosas “operações de intervenção”, por terra, água e ar, nas matas do norte, do sul da Guiné e colhemos duas evidências: a dinâmica doutrinal ou subversão cabralista irradiava por esses quadrantes, mas sem o domínio das suas dimensões territorial e social. A tropa andava (e nomadizava) em todo o lado e era a ela que generalidade das populações recorria. PAIGC significava sofrimento e problemas, a tropa significava segurança e soluções. 

Por que os revolucionários desse jaez são avessos ao sufrágio universal e livre? Porque o Povo não vota em organizações violentas! 

Os 2/3 de “áreas libertadas” não passavam de atoada propagandística. Tal dimensão corresponderia à totalidade das suas massas de água e florestais, isentas da colonização, condomínios da bicharada aquática e terrestre, a sua densidade humana era muito baixa, em crescimento com a instalação de bases revolucionárias e pelo êxodo das populações rurais (a relação da densidade populacional na Guiné seria de 15hab/km2). Teria fiabilidade, muito relativa, se se referisse às áreas colonizadas e habitadas, onde um ou dois dos seus guerrilheiros/sapadores infiltrados iam acrescentando valor de “libertação”, sabotando acessibilidades, equipamentos sociais, aterrorizando as tabancas com chefes hostis e indecisos, flagelando patrulhas e escoltas militares - actividades revolucionárias suficientes para condicionar autoridades, mobilizar meios militares, exponenciais em regra, confinar e condicionar a normalidade da vida a toda a gente. 

Província da Guiné. © Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

A partir da “Operação Tridente”, as FA portuguesas passaram a garante da soberania em toda a Guiné, desassossegando os revolucionários por todo o lado, por terra, água e ar, embargando-lhes a conquista e fixação em qualquer tabanca tradicional, sempre vencedoras - menos por combates, umas vezes pela desistência a meio do jogo, outras pela sua falta de comparência. A Guerra da Guiné foi paradoxal. As FA portuguesas nunca derrotadas, mas nunca vencedoras; o PAIGC sempre derrotado, mas nunca vencido. E o vencedor foi o derrotado!... 

A relação do PAIGC com a verdade tornara-se tão impudica que até descuidava o encobrimento das suas grandes mentiras. A sua publicitação do cerimonial da Declaração da Independência ao mundo foi quase fiel: a inospitalidade do local, a hospedagem dos convidados internacionais não com 5 estrelas, mas com todas constelações da abobada celeste, a visibilidade da temeridade e improvisação do evento, ao ar livre, num outeiro periférico à tabanca de Lugajole (a Montanha de Cabral era expressão de caserna e situa-se na Guiné-Conacry), no pico da pluviosidade da estação das chuvas, – a “manobra” para embargar as manobras da tropa, por terra e ar. Mais tarde, o embaixador soviético escreveu que apresentara as suas credenciais ao Presidente Luís Cabral, não sabe onde, num “palácio presidencial” que era uma cabana, a estrutura de troncos de cibes, as ramagens das suas copas a fazer de telhado e paredes… 

O PAIGC agendara a Declaração da Independência para 24 de Setembro de 1973, mês da efeméride do nascimento de Amílcar Cabral, da sua fundação, o Dia Internacional da Paz, e, também, do fim da II Guerra Mundial. A sua logística estava montada na zona de Cubucaré, bem conhecida dos bastidores da ONU, onde, ente 1 e 8 de Abril de 1972, a sua “Quarta Comissão” se hospedara e dependurara a sua bandeira no galho duma árvore, para conceber o relatório probatório de que o PAIGC exercia todas as funções estatais e administrativas na Guiné-Bissau, com base no qual a ONU pronunciou Portugal de seu ocupante ilegal, com 500 anos de efeito retroactivo. Mas, na antevéspera a Força Aérea de Biassalanca foi destruir-lhe a festa…

Assim, os 2/3 de “área libertada” não era apenas retórica, era sofisma de justiça, instrumental à manobra da ONU. “Se possuis, assim possuirás”, jurisprudência do Tratado de Utreque, subscrita por Portugal, em 1713, da Conferência de Berlim, subscrita por Portugal, em 1886, da Sociedade das Nações, subscrita por Portugal, em 1919, em St. Germain-en-Laye, da Carta da ONU, subscrita por Portugal, em 1955. 

Redigido em Conacry e avalizado pela OUA (Organização da Unidade Africana), foi com base nesse relatório que a ONU expendeu a jurisprudência de que, considerando que havia uma dúzia de anos que o PAIGC era o Estado da Gguiné-Bissau, considerando que o domínio português estava de facto limitado a uma estreita faixa litoral da ilha de Bissau, do Geba a Safim (à margem esquerda do canal Impernal), a soberania de Portugal era considerada prescrita, de Facto e de Direito. E Cabral tornou-se um assíduo queixoso à ONU, queixas que nunca domiciliou nos ora mais de 2/3 de “áreas libertadas”, mas em Conacry, de que o Estado exercido a partir de Bissau e presente nos quatro cantos da Guiné, as milícias armadas de autodefesa e os militares portugueses da sua guarnição, porque “iam até o Estado fosse”, eram agressores, ocupantes estrangeiros da Guiné e ameaça à paz mundial (maestria do líder bissau-guineense e nódoa à “terceiro-mundista”, caída no melhor pano do que é a Comunidade das Nações). 

À data da Declaração de Independência, o PAIGC fizera zero de equipamentos sociais e mais não destruíra porque não conseguira, nesses 2/3 de “áreas libertadas”, ao passo que as FA portuguesas faziam guerra, mas também tinham expandido e requalificado a sua rede de estradas, construído cerca de 16 000 casas, 160 escolas, 40 postos médico-sanitários, 56 fontanários, 3 mesquitas e feito 145 furos de água potável… 

Na verdade, as ilhas do Como, Caiar e Catunco, dada a sua condição estratégica de encostadas à Guiné-Conacry, a adesão massiva das suas populações e por necessárias, como celeiro da alimentação dos seus combatentes, terão sido as únicas “áreas libertadas” pelo PAIGC, de curta duração, entre finais de 1962 e princípios de 1964, também porque, naquele tempo, a representação regional da autoridade do Estado sediado em Bissau residia em Catió e o administrador dessa circunscrição militava clandestinamente no PAIGC. 

Tendo provocado o abandono pelos colonos, Amílcar Cabral fez da ilha do Como a mãe de todas as bases no interior sul (a de Koundara, a sua primeira, e as em instalação em Cadigné, Boké e Sansalé situavam-se no estrangeiro), dotou as três ilhas com o efectivo de 400 combatentes, muitos recrutados no seu adversário político MLG (que iniciara a Guerra da Guiné, em Susana e Varela), equipado de armamento ligeiro e pesado de Infantaria, reforçou-os com cooperantes especialistas estrangeiros, protegeu o “espaço aéreo” com metralhadoras antiaéreas Goryunov 7,62 e Degtyarev 12,7, os aviões de pistão e a jacto vindos da Base de Bissalanca passaram a ser atingidos e afugentados, e, no relativo à problemática das acessibilidades marítimas, estava confiante da sua protecção – Sekou Touré acabara de decretar unilateralmente a dilatação das águas internacionais do seu país em 130 léguas. 

Reforçou o comando de Nino Vieira, um dos seus primeiros 12 “discípulos” e o seu mais importante comandante de campo, que tirocinara guerra revolucionária na China e armamento na União Soviética. O governo de Lisboa mandava os seus capitães tirocinar guerra contra-revolucionária em França, tendo por mestres os perdedores no Vietname e na Argélia; Amílcar Cabral mandava os seus básicos tirocinar guerra revolucionária na China, tendo por mestres os vencedores Mao Tse-Tung e generalíssimo Vô Neguyen Giap. 

Resultado: o PAIGC concebeu e executou uma guerra total, a partir das matas e dos campos sobre as povoações rurais e urbanas – e ganhou; as FA portuguesas conceberam uma guerra contra-revolucionária de orgânica convencional, a partir dos povoados sobre campos e matas – e não ganharam. 

A braços com a crise de Angola, o governo de Lisboa deu uma ajuda por omissão, não levantou ondas no relativo à dilatação unilateral das águas, o problema era o PAIGC não a Guiné-Conacry; confiante na utopia do ministro Franco Nogueira da negociação de um tratado de paz e cooperação com a Guiné-Conacry, Salazar deu luz verde à “Operação Tridente”, mas proibiu a violação das suas fronteiras e o exercício do “direito de perseguição”. 

O líder da Guiné-Conacry nem se dignou responder. A “Operação Tridente” afundou nessas águas uma embarcação que transportava militares do exército regular guinéu (seria o União, para o PAIGC e Mirandela, para o seu dono, a Sociedade Ultramarina?) e Sekou Touré absteve-se de se meter com a Armada portuguesa. Saberia que, na batalha do Como, a derrota do PAIGC vinha pelo mar. 

Considerando que essas três ilhas somam pouco mais de 300 Km2 de superfície, a sua efémera “área libertada” estava muito longe dos 2/3, apenas significava 1 % da superfície territorial da Guiné. A verdade que o “polígrafo” da história poderá apurar: a limitação da soberania portuguesa a Bissau e Safim foi uma descarada mentira do PAIGC (a encomenda da ONU?). 

Excerto de uma infografia, relativa à Operação Tridente. Reproduzida com a devida vénia. In: Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso: Os Anos da Guerra Colonial, Volumne 5: 1964 - Três teatros de operações. Lisboa Quidnovi. 2009. 17.

Derrota para o cabo de guerra Nino Vieira, o revolucionário Amílcar Cabral fez do fim da “República Independente do Como” um sucesso, a fazer jus às lições que, em 1960, recebera de Mao e do genial generalíssimo Giap (tinha derrotado o poderoso exército francês estava à beira de derrotar a poderosíssima América). Como não podia realizar o I Congresso na Cassacá da ilha do Como - “Operação Tridente” estava no auge -, mas salvou a face: realizou-o em Cassacá, na plataforma continental, entre 15 e 18 de Fevereiro, e ordenou a Nino Vieira a retirada e o acantonamento do remanescente dos 400 combatentes e famílias do Como para as bases das matas do Cantanhez e de Cufar Nalu.

Nino Vieira saiu com os seus companheiros para o Cantanhez, mas deixou no Como meia dúzia de guerrilheiros m/f, como chama residual da sua “libertação”, comandados pelo desenvolto e cabeludo jovem de 20 anos, Pansau Na Isna de nome, e pela amadurecida mulher balanta de “pistola na liga”, Sona Camará de nome, ambos heróis nacionais bissau-guineenses póstumos, que, cumprindo o “flagela e foge”, muito desassossegaram e desgastaram a malta da CCaç 557, subunidade que ficou na quadrícula em Cachile, comandada pelo Capitão João Ares (apelido do deus da guerra da mitologia grega).

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21485: (In)citações (171): Frei Henrique Pinto Rema, OFM, hoje com 94 anos, Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique (2018), autor da "História das Missões Católicas na Guiné" (1982) (João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, Nova Iorque)

sábado, 16 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20352: O Cancioneiro da Nossa Guerra (12): "Até p'ró ano outra vez", um "faduncho" do Francisco Santos (ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65; poeta popular de Sarilhos Grandes, Montijo): "Mas nós cá vamos passando, /As lembranças vão ficando, / Conservando alguma fé; / Nem que seja de bengala, / Eu reúno em qualquer sala / P'ra relembrar a Guiné"...


Francisco Santos, um dos bravos do Cachil, da CCAÇ 557 (1963/65), 
e um dos poetas  da nossa Tabanca Grande; nascido em Sarilhos Grandes, Montijo, em 1942.

"Em Sarilhos eu nasci / e fui como outros tantos, / no Montijo, perto daqui, / registaram Francisco dos Santos. // Comecei a ouvir depois, / ainda menino eu lembro, / que nasci em quarenta e dois / no dia quinze de Dezembro. // Sarilhos Grandes me criou, / só para a Guiné eu saí, / sou feliz aonde estou, / tudo o que tendo é aqui. " (...) 









O Francisco Santos, hoje com  77 anos, ex-1º cabo motorista rádio telegrafista, da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), poeta popular, residente em Sarilhos Grandes, Montijo, membro da nossa Tabanca Grande desde 12 de maio de 2009, todos os anos abrilhanta o convívio anual da companhia com uns versinhos da sua lavra. Este ano foi em Alenquer, e mais uma vez não falhou. Aqui ficam, para enriquecer o Cancioneiro da Nossa Guerra (**) . Os ficheiros chegaram-nos por mão do incansável  e sempre leal José Colaço.

O Chico é um notável exemplo, para todos nós, do ex.combatente que se recusa a "arrumar as botas".  Motorista de profissão, agora reformado, além da escrita criativa, está envolvido, tanto quanto sei, nas atividades da sua terra, e nomeadamente tem um grande carinho pela sua banda filarmónica, a da Academia de Música União e Trabalho (AMUT), de cujos órgãos sociais faz ou já fez parte.  Tem colaboração (poética) dispersa pelo nosso blogue. E eu há tempos, em resposta a uns versos de agradecimento ao nosso blogue, respondi-lhe também em verso:

"Foi p’ra connosco gentil / O poeta do Cachil, / Onde foi soldado de aço, / Vive agora em Sarilhos,  / Terra de paz, sem cadilhos, / E é amigo do Zé Colaço."

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Notas do  editor LG:

(*) Vd. poste de 10 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20331: Convívios (909): XXXI Encontro de Confraternização Anual da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), em Alenquer, no passado dia 9 de Novembro de 2019... Ou a usura do tempo... (José Colaço)

(**) Último poste da série > 7 de julho de  2019 > Guine 61/74 - P19953: O Cancioneiro da Nossa Guerra (11): o fado "Brito, que és militar" (Bambadinca, 1970, ao tempo da CCS/BART 2917 e CCAÇ 12) (recolha de Gabriel Gonçalves, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)

domingo, 10 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20331: Convívios (909): XXXI Encontro de Confraternização Anual da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), em Alenquer, no passado dia 9 de Novembro de 2019... Ou a usura do tempo... (José Colaço)



Foto nº 1 - Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 > 1964... "Esquálidos, esgrouviados..."


Foto n.º 2 > 2019 > Alenquer > 55 anos depois (em relação à foto n.º 1)...  31.º Convívio anual da CCAÇ 557... 20 presentes na "foto de família"... (Na  primeira fila, a contar da esquerda, o José Colaço é o 3.º, sentado... o  poeta da companhia, o Francisco Santos, é o quinto, de pé.)


Foto n.º 3 > 2018 > 30.º Convívio anual  da CCAÇ 557, em Sarilhos Grandes, Montijo... Vinte e dois os presentes na "foto de família".


Foto n.º 4 >  2017 > 29.º Convívio anual da CCAÇ 557, Sobral de Monte Agraço, 23 os presentes na "foto de família"...  À porta, do lado esquerdo, de camisola cinzenta, vemos o nosso saudoso camarada Jorge Rosales (1939-2019), que se associou ao evento.

Fotos (e legendas): © José Colaço (2019). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem enviada pelo José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), fidelíssimo membro da nossa Tabanca Grande desde junho de 2008:

Data - 10/11/2019
Assunto - Almoço anual de confraternização da  CCAÇ 557: o tempo e a sua verdade.

No dia 09/11/2019 teve lugar o evento de confraternização do almoço anual de convívio da companhia de CCAÇ 557, cognominada com vários “epitáfios”.:

(i) a começar, foi batizada pelos nativos da Guiné como a "companhia do Como"

(ii)  a seguir também lhe chamaram "os audazes do Cachil", "os invencíveis do Cachil";

(iii) a CCAÇ 728, que nos rendeu no Cachil,  batizou-nos como "esgrouviados e esquálidos". 

Passados cinquenta e cinco (55) anos (!!!),  o tempo desmistifica tudo: se hoje perguntassemos a um qualquer guineense qual era a companhia do Como a resposta seria não sei, ou um encolher de ombros. 

Audazes ou invencíveis hoje mais parecem o antónimo dessas palavras. Por fim esgrouviados e esquálidos comparem as fotos que anexo, uma do tempo de 1964, e a última tirada ontem, em 9 do corrente..

Dá para rir.

José Colaço

PS1- Segue, por outro mail, os versinhos que o nosso bardo, Francisco Santos, nunca se esquece de fazer, antes, durante e depois [, e que serão publicados amanhã, noutro poste]

PS2 - Este ano foi no Carregado, Alenquer, Quinta do Canavial,  restaurante Dom Nuno. Aconselho, estava muito bem servido e confecionado: entradas, prato de peixe e carne, com lanche 30 € tudo sem restrições. E temos um camarada, de nome João Casímiro Coelho, que traz sempre um garrafão de vinho do Porto, bolos, figos para aqueles que chegam mais cedo, além disso traz também um saco de castanhas para o restaurante assar para acompanhar com o lanche e este ano trouxe para todos os camaradas uma garrafa de tinto reserva da quinta da Veiga, ou seja da quinta dele, e para mim, que sou aquele amigo extra.
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Nota do editor:

Último poste da série >  9 de setembro de 2019   > Guiné 61/74 - P20158: Convívios (908): Os "meninos da Linha": estão bem e recomendam-se... Parabéns ao José Miguel Louro e ao João Pereira da Costa, a quem se cantou hoje os parabéns (Luís Graça)

Vd. também poste de:

22 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19221: Convívios (882): Almoço anual da CCAÇ 557, levado a efeito no passado dia 10 de Novembro, em Sarilhos Grandes (José Colaço, ex-Soldado TRMS)

6 de novembro de  2017 > Guiné 61/74 - P17941: Convívios (830): Os "últimos moicanos", o pessoal da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), fizeram prova de vida em 4 do corrente, em Sapataria, Sobral de Monte Agraço (José Colaço / Francisco Santos)

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20065: Notas de leitura (1209): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (19) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
Prossegue a batalha do Como, é óbvio que o bardo dá prioridade à sua gente mas a operação teve farto envolvimento, foram de primordial importância tanto as forças navais como os meios aéreos. Neste episódio se releva a singularidade do diário de Armor Pires Mota, tem páginas comoventes, importa não esquecer que foram escritas em cima dos acontecimentos, é de questionar a fibra deste homem, as suas orações tocantes, o sofrimento compartilhado, o horror que viu, como aqui descreve.
E volta-se a falar de Alpoim Calvão e das forças navais, há que dar o seu a seu dono, no termo desta operação o Coronel Fernando Cavaleiro percorrerá a pé toda a ilha, era vitória de pouca dura, sina da guerra de guerrilhas, setenta dias de duros combates.
O bardo, como veremos, ainda tem muito a contar sobre a batalha do Como.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (19)

Beja Santos

“Quando a gente cá chegou
junto ao Batalhão lutavam
as tropas desembarcadas.
Bons serviços prestavam.

Muito fogo teve de atirar
a 2.ª Companhia
porque aquela patifaria
custava a recuar.
Depois de a Cauane chegar
a luta continuou.
Debaixo do fogo se trabalhou
para construir os abrigos.
Eram muitos os inimigos,
quando a gente cá chegou.

Algum tempo se passou
e em Catunco tudo normal:
com ordem do Sr. Cap. Cabral
a Ilha se patrulhou.
Um pretinho se apanhou
e para mascote o levavam.
Quando um dia caminhavam
apanhou-se um dos bandoleiros
e em todo o lado os fuzileiros
junto ao Batalhão lutavam.

Em Caiar se encontrava
o Alferes de Artilharia
que com boa pontaria
nos malvados acertava,
de noite ou de dia jogava
uma porção de granadas.
Media bem as coordenadas
não atingindo as Companhias.
E decorreram 70 dias
as tropas desembarcadas.

O pelotão dos paraquedistas
encontraram alguns bandos
junto aos homens dos comandos
que também deram nas vistas.
Mataram muitos terroristas
e alguns vivos apanhavam.
Um dia à praia chegavam
com prisioneiros na mão
e durante toda a operação
bons serviços prestavam.”

********************

É o momento propício para se dar voz a quem sobre esta batalha escreveu em forma de diário. “Tarrafo”, de Armor Pires Mota, é uma das obras incontornáveis da literatura da guerra da Guiné. O livro foi alvo da censura, retirado do mercado livreiro, reeditado mais tarde. É um legado de páginas densas, emocionantes, temos aqui a guerra em direto que o Alferes de Cavalaria enviava em forma de crónicas para o Jornal da Bairrada.
É um testemunho sem paralelo sobre a Batalha do Como:
“Atravessámos o riacho e o tarrafo, de saco às costas, muito a custo, curvados e encobertos pela vegetação, quase impotentes e amachucados porque a viagem fora penosa, difícil. E debaixo de fogo intenso, a rastejarmos, entrámos no objectivo… Sinto-me em baixo. A alma pesa-me como chumbo. E causa-me calafrios a morte daquele dois moços que ao entardecer, foram encontrados nus. Só lhes deixaram as meias enfiadas nos pés, por algum motivo religioso. De resto, levaram-lhes tudo. Tinham o sexo mutilado, o nariz arrancado e os olhos e pelos rasgões, espalhados pelo corpo, tudo leva a crer que lutaram corpo-a-corpo, quando se viram sós e sem munições. Não quero que ninguém fique com a impressão de que este diário é pura ficção nem, tão pouco, que me mascarem de valente. Escreverei para mim e não para a eternidade. E aqui estarei para chegar até ao fim”.

O autor reza o terço quando rebenta a fuzilaria, estão metidos num cerco em ferradura, o ataque é repelido, renasce a atmosfera de silêncio enquanto um vento húmido traz o cheiro horrível da carne a apodrecer algures, entrecortado pelos estrondos da artilharia. É uma batalha como não haverá igual, em tudo o que se passou na Guiné, tomam-se posições, por vezes recua-se, derrubam-se acampamentos, há rompantes desse combate que ganham uma dimensão apocalíptica, vive-se permanentemente à espera de um contra-ataque, como Armor Pires Mota escreve:
“Há quarenta dias que o mundo para nós é a incerteza da hora seguinte a devorar-nos a fronte atormentada. Há refeições em branco, porque não apetece senão a paz, o regresso. Uma grande parte da tropa está já inoperacional. As semanas são uma eternidade. Até parece que nascemos na tropa, na guerra”. 
 E é neste diário emocionante que no dia 1 de março de 1964, Armor Pires Mota faz uma oração como não vi escrita outra igual:
“Só Tu sabes, Senhor, a minha hora.
Mas tenho medo porque sou homem e tenho o destino de mãos vazias.
Que as minhas mãos não façam correr sangue inocente, mas que não sejam cobardes se for preciso castigar, matar ou morrer.
Mas tenho medo, Senhor!
Tu bem sabes que eu tenho uma mãe que chora e reza a minha ausência e que a saudade chora dentro de mim como uma criança longe dos braços maternos.
Tu sabes que eu tenho sonhos de ouro e espero de olhos azuis no futuro.
Tu sabes que eu tenho um amor na vida de mãos cheias de primavera e cabelo preto, da candidez dos lírios. E Tu bem sabes como dói cair uma rosa no chão só porque não choveu…
E só Tu sabes o segredo da noite: para a vida?, para a morte?
A hora é de luta para vencer ou morrer.
Mas tenho medo sem ser cobarde e tremo todo como cana agitada ao vento.
Espero em Ti.”

A batalha parece interminável, sangrenta, com casas de mato a arder, paraquedistas perdidos, um certo caos nas ordens e contraordens.
O autor escreve nova página do diário:
“Tivemos missa, como antigamente nas manhãs das grandes batalhas. O altar era feito com duas caixas de cerveja e montado por detrás da casa velha a ruir. De tronco nu ou descalços, mas alma cheia de esperança nos desígnios eternos, todos quanto ali estavam confiavam ao Senhor dos Exércitos as suas angústias, as horas más, as vitórias e as derrotas, as saudades da terra e da família, da noiva… Deus desceu à guerra para a paz”.

O diário de Armor Pires Mota não finda aqui, quando saem da Ilha do Como ruma para Jumbembem, de outras coisas falará.

Retornemos a “Alpoim Calvão, Honra e Dever”, e ao mês de fevereiro, as forças do PAIGC continuam a oferecer feroz oposição, o DFE8 não tem descanso e a 27 desse mês este DFE e o DFE7 embarcam com destino a Cachil, trabalhando em conjunto pela primeira vez na Tridente.
Vai prosseguir o relato dos acontecimentos:
“Chegaram à cambança do Brandão pelas duas da manhã, quedando-se aquartelados pouco depois no estacionamento de Cachil. Mas é curto o descanso, pois às 4h30 é dada a alvorada e uma hora mais tarde inicia-se o movimento simultâneo das duas unidades, seguindo o DFE7 pela orla este da mata grande de Cachil e o DFE8 pela orla oeste. Chegados ao limite sul, o DFE7 entra em contacto pelo fogo com o inimigo, enquanto o DFE8 permanece sem ser detectado. O DFE7 manobra então de modo a ocupar um esporão mais a sul, enquanto os F-86 da Força Aérea bombardeiam o tarrafo e a orla da mata de Cassaca onde o inimigo se continua a manifestar com alguma violência.
As secções avançadas entram em contacto com o inimigo que, tento retirado aquando o ataque aéreo, voltara às suas posições e esbarrara com o fogo dos dois destacamentos, responsável pelo abate de alguns guerrilheiros e pela apreensão de material de guerra. Em estreita colaboração, as restantes secções de fuzileiros ocupam a orla norte da mata de Cassaca, enquanto a retaguarda é protegida por um grupo de combate da CCAÇ 557 e uma secção do DFE2. O DFE8 assume depois a vanguarda e progride a oeste da picada, em direção a Cassaca, onde já estão instaladas a CCAV 487 e o grupo de Comandos. Juntas as forças, inicia-se o regresso a Cauane, progredindo na vanguarda o DFE8, seguido pelo DFE7, pelo grupo de Comandos e pela CCAV 487. O inimigo não se torna a manifestar.

Alpoim Calvão não mostra grandes preocupações quanto à sua defesa pessoal. Usualmente armava de G3, mas muitas vezes optava por levar apenas uma pistola-metralhadora UZI, ou até mesmo uma simples pistola, e não costumava carregar com muitas munições. Entendia que a missão de um comandante não era estar deitado a dar tiros, como um simples atirador, mas sim permanecer de pé enquanto o tiroteio chicoteava as copas das árvores ou ceifava o capim e lhe assobiava aos ouvidos. Procurava estar o mais protegido que fosse possível, qualquer tronco de árvore, por mais estreitinho que fosse, servia. Mas de pé, sempre de pé, a única maneira de ver a ação, intervir, poder dirigir a manobra, comandar.

Numa das fases da Operação Tridente seguia como observador o Capitão-Tenente Melo Cristino, Diretor de Instrução da Escola de Fuzileiros, que, nunca tendo participado em qualquer campanha, pretendia sentir ao vivo o comportamento das unidades em combate, razão por que entendera visitar o teatro de operações da Guiné e fizera questão em acompanhar pessoalmente uma acção. Nessa ocasião, quando algumas secções do DFE8 progrediam na retaguarda de um pelotão de paraquedistas, a Unidade caiu debaixo de fogo inimigo, responsável por duas baixas.
Durante o intenso tiroteio travado de seguida e enquanto o Tenente Calvão de pé procurava orientar a manobra dos seus homens, o Comandante Melo Cristino, surpreendido pela violência do fogo e pela chuva de metralha que caía em seu redor, gatinha desorientado pelo chão sem saber muito bem o que fazer. A admiração e o respeito que passou a sentir pela coragem de Alpoim Calvão e dos seus fuzileiros deixou de conhecer limites.

A partir de certa altura, após a passagem dos aviões da Força Aérea, os fuzileiros ouviam fortíssimos rebentamentos na mata e o solo estremecia com a violência de um tremor de terra. Era mais um bombardeamento, mas de invulgar potência. Na sua origem encontrava-se o Comandante da LFG “Dragão”, Primeiro-Tenente Lopes Carvalheira, que via com preocupação a operação arrastar-se durante muito tempo e pensou numa maneira de abreviar o esforço exercido na Ilha do Como. Tinha conhecimento que nos paióis de munições em Bissau estavam estivadas bombas de profundidade para a guerra antissubmarina. Eram cargas poderosíssimas de 350kg de trotil que se encontravam atribuídas às fragatas em serviço na província, mas que, não só por serem desnecessárias naquele teatro de operações como também por representarem um perigo acrescido, eram desembarcadas no início das comissões.
Lopes Carvalheira fez então um teste com as cargas utilizadas para repelir ataques de mergulhadores e confirmou que as espoletas tinham um retardo de 20 segundos. Foi pois fácil ao seu Imediato, Oficial da Reserva Naval, licenciado em Matemática, estabelecer os cálculos da altitude a que deveriam ser largadas de avião para rebentarem a escassos metros do solo. Lopes Carvalheira pede licença para se deslocar a Bissau, embarca num helicóptero Allouette II a bordo da ‘Nuno Tristão’ e expõe a sua ideia, que conta com o apoio inequívoco do Governador da Guiné, Comandante Vasco Rodrigues.”

Ver-se-á a seguir como este dispositivo beneficiou Alpoim Calvão e os seus homens na Batalha do Como.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 9 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20046: Notas de leitura (1207): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (18) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 12 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20054: Notas de leitura (1208): “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, por Luís Barbosa Vicente, Chiado Editora, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19971: (De)Caras (133): Faz hoje um ano que morreu um dos "bravos do Cachil", o ex-alf mil José Augusto Rocha (1938-2018), destacado dirigente estudantil (em 1962) e depois advogado, defensor de muitos presos políticos sob o Marcelismo. Tinha uma posição radical sobre a guerra colonial, a da denúncia ativa, razão por que declinara, em 2015, delicadamente, o nosso convite para integrar a Tabanca Grande.


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (1963/65) > 1964 > Fotos falantes...que não precisariam de legenda... Um dos piores lugares do inferno verde e vermelho que foi, para muitos de nós, a Guiné... Fotos do álbum do José Colaço (ex-Soldado Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (*)

Foto (e legenda): © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) >  'Trabalho forçado': o transporte dos toros para a construção da paliçada e casernas. Foto do fur mil Vitor Neto, da CCAÇ 557.

Foto (e legenda): © Victor Neto / José Colaço (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (,Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > 1964 > Mata destruída e a vista parcial do quartel do Cachil do lado do cais....É visível a  paliçada, vista da  entrada com cavalo de frisa, para quem vinha do cais .... porque no lado oposto seria muito perigoso para o fotógrafo, nunca se sabia quando é que um turra poderia estar na mata grande do Cachil... Uma das baixas que a companhia teve logo quase à chegada foi de um tiro isolado quando o soldado estava a cavar o abrigo. Além disso era uma zona que estava armadilhada e pessoal estava avisado para não a usar, embora durante o dia e nos dias em que havia batidas à mata do Cachil, as armadilhas eram desactivadas para evitar acidentes.

Foto (e legenda): © Victor Neto / José Colaço (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (,Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > 1964 > A construção da paliçada...

Foto (e legenda): © José Colaço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (,Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) >  1964 > Tourada no Cachil... Um camarada a demonstrar os seus dotes tauromáticos.. A malta dava largas à imaginação para se distrair...e não dar em doidos!...

Foto (e legenda): © Victor Neto / José Colaço (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > 1964 > Abrigo "Cova do Comando" da CCAÇ 557 no Cachil. Alguém chamou a esta subunidade, que também participou na Op Tridente (jan/mar 1964), "a esquálida e esgroviada Companhia de Caçadores 557". Por detrás desta foto estão cinquenta e cinco dias a ração de combate, cerca sessenta dias sem mudar de roupa nem tomar banho, e com água racionada para beber

Legenda: a começar da esquerda para a direita o 1.º Cabo Enfermeiro Leiria; 1.º Cabo Radiotelegrafista Joaquim Robalo Dias; Dr. Rogério Leitão, que já partiu; atrás o 1.º Cabo Enfermeiro António Salvador, e por último, de quico, a sair do buraco, eu, Soldado de Transmissões José Colaço. As barbas com cerca de 90 dias. Os cabelos já tinham levado um corte para melhor se aguentar o calor. Aquela "divisória" entre o 1.º Cabo Dias e dr. Rogério, é uma cobra que durante a noite se lembrou de nos assaltar o abrigo e que só de manhã com a luz do dia foi detectada a um canto da cova. Foi condenada à morte pela catana de um milícia.

Foto (e legenda): © José Colaço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A notícia da morte do José Augusto Rocha, amplamente noticiada pela comunicação social , (Público, Expresso, Diário de Notícias, RTP...), chegou-me, em primeira mão, por mail do José Colaço de 12/7/2018, às 13h32, a dizer telegraficamemte o seguinte: "Morreu o Dr. José Augusto Rocha, ex- alferes miliciano e 2º comandante da companhia de CCAÇ 557, 1963/65." (**)

 É justo que relembremos aqui, um ano depois, a sua morte deste nosso camarada que, depois da Guiné, acabou o curso de advocacia e foi um dos mais notórios defensores de presos políticos ao tempo do Marcelino. Defendeu gente de diferentes quadrantes político-ideológicos da esquerda, sem nunca levar um tostão.  Reproduzimos também parte do seu depoimento sobre a sua vida na tropa e  no TO da Guiné.

Algumas notas biográficas sobre este nosso camarada:

(i) foi director da Associação Académica de Coimbra, em 1962;

(ii) foi expulso de todas as Escolas Nacionais, por dois anos, na sequência da crise académica de 62;

(iii) esteve preso no Forte de Caxias; liberto sem culpa formada, ao fim de 4 meses;

(iv) cumpriu o serviço militar e foi mobilizado para a Guiné, como alferes miliciano (CCAÇ 557, 1963/65);

(v) termina a licenciatura em direito, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, depois de ter regressado do TO da Guiné, em novembro de 1965:

(vi) inscreve-se na Ordem dos Advogados, em 13 de agosto de 1968 [, foto acima, à esquerda, reproduzida do respetivo boletim de inscrição, cortesia do portal da Ordem dos Advogados]

(vii)  participou em numerosos julgamentos e processos no Tribunal Plenário Criminal de Lisboa, onde defendeu vários presos políticos, nomeadamente Victor Ramalho, Francisco Canais Rocha, João Pulido Valente, António Peres, Diana Andringa, Fernando Rosas, Maria José Morgado, José Mário Costa, Paula Rocha, Isabel Patrocínio Saldanha Sanches, José Maria Martins Soares, Amadeu Lopes Sabino, Sebastião Lima Rego e Paula Metelo (Fonte: Esquerda.net)


2. Excertos, com a devida vénia,  do blogue "Caminhos da Memória" > Segunda feira, 19 de outubro de 2009 > Memória breve da história da Guiné > Um texto de José Augusto Roch

[Aconselha-se a leitura na íntegra deste depoimento, na fonte original; os excertos que reproduzimos levam subtítulos da nossa responsabilidade. LG]

(i) expulso da Universidade, ém 1962, é chamado para a tropa e mobilizado para a Guiné, em 1963

(...) A 25 de Novembro de 1963, embarquei no cargueiro «Ana Mafalda» (...), adaptado à pressa para transportar outra e nova carga – homens soldados – rumo à guerra colonial da Guiné. (...)

Nos anos sessenta, a ordem de incorporação e a ida para a guerra colonial estava indisfarçavelmente ligada à repressão política e à PIDE. Esta articulação era particularmente visível em relação ao movimento estudantil e em especial aos seus dirigentes. As medidas de repressão do aparelho do Estado, ao nível das forças armadas, eram várias e diversificadas e iam desde a incorporação em estabelecimentos militares disciplinares de correcção, como o de Penamacor, onde foi internado, por exemplo, o Hélder Costa e o João Morais, até incorporações antecipadas e transferências arbitrárias de quartéis, de acordo com estritas ordens da polícia política (PIDE).

No meu caso, libertado do Forte de Caxias, em Julho de 1963, fui incorporado logo em Setembro, para minha total surpresa, no Regimento de Lanceiros 2, conhecido como o quartel da polícia militar, unidade de confiança do regime político do Estado Novo.

Vim a encontrar aí outro dirigente associativo, da Associação dos Estudantes da Faculdade de Letras, o João Paulo [Gomes] Monteiro [1938-2016], filho do exilado político Adolfo Casais Monteiro. A surpresa de imediato foi esclarecida. O treino militar do 1º ciclo, naquele Regimento, era muito duro e de verdadeiro castigo e, logo que terminou, ambos fomos transferidos para a Escola Prática de Infantaria de Mafra, por despacho do então Ministro da Defesa Nacional, General Mário Silva [, ministro do exército, de 13 de abril de 1961 a 4 de dezembro de 1962, sucedendo-lhe o general Joaquim  Luz Cunha, até  19 de agosto de 1968]

Cumpre assinalar que ambos gozávamos de forte simpatia entre os cadetes instruendos e mesmo dos Alferes instrutores do Quadro. Fui chamado ao Comando e aí o Capitão Semedo (irmão do actor de teatro, Artur Semedo) fez questão em dizer que a convocatória queria expressar o seu profundo desacordo pela transferência, mas que ela era exterior ao Regimento e provinda de ordens do poder político. Terminada a instrução em Mafra, fui colocado, como Alferes Miliciano, no Quartel de Caçadores 5, em Lisboa.

Esta unidade militar era a unidade da confiança política do governo e comandada pelo Major Portugal, conhecido elemento da Legião Portuguesa. Tal como tinha acontecido no Regimento de Lanceiros 2, cedo gozei de grande simpatia junto dos Alferes Milicianos e do próprio Capitão da Companhia, Capitão Vieitas. Por força disso, fui escolhido pelos oficiais milicianos para integrar a mesa do Comando no dia oficial da Unidade e para em nome deles fazer o discurso oficial.


(ii)  feito 2º comandante da CCAÇ 557 (Bissau, Cachil, Bafatá, 1963/65)

Não tardou que novo despacho do mesmo General Mário Silva ordenasse a minha transferência para Évora, para a Companhia de Caçadores de Infantaria 557 [CCAÇ 557], rumo à Guiné, sendo que a Companhia donde fui transferido embarcou para um lugar relativamente calmo, a cidade da Beira, em Moçambique.

Esta transferência foi muito controversa, com oposição, por escrito, do próprio Comandante da Companhia. Sincero ou não, por sua vez, o Major Portugal chamou-me ao Comando onde manifestou o apreço que os oficiais tinham por mim e sugeriu que apresentasse uma exposição escrita, que ele a remeteria às autoridades superiores. Recusei e lá fui para a Guiné, no «Ana Mafalda».

Cheguei à Guiné em 3/12/63 e, logo em 14 de Janeiro de 64, a Companhia 557, comandada pelo Capitão João Luis Ares e de que eu era o segundo comandante, por ser o Alferes Miliciano mais classificado, foi integrada na maior operação de toda a guerra colonial, a Operação Tridente, destinada a libertar a Ilha do Como, onde o PAIGC tinha a sua bandeira hasteada, simbolizando a primeira região libertada da Guiné Bissau.

Fui, então, transitoriamente retirado da Companhia e fiquei em Bissau como elo de ligação, para o envio de alimentos e o mais necessário à sua sobrevivência.

Em Bissau, acabei por formar uma espécie de tertúlia no «Café Bento» – à data, frequentado também pelo hoje Major Tomé e pelo advogado Orlando Curto – com o cirurgião do Hospital Militar de Bissau, António Almeida Henriques, que conhecia de Viseu, donde ambos éramos naturais, e o reanimador daquela equipa cirúrgica, António Rosa Araújo, que mais tarde, muitos anos depois, viria a defender, como advogado, no conhecido processo judicial «caso dos hemofílicos», também conhecido por «processo do sangue contaminado».

Estes dois oficiais médicos não escondiam a sua discordância com a guerra colonial (...).


(iii) A Op Tridente (Ilha do Como,  jan / mar 1964), em que participou a CCAÇ 557

Existe informação vária sobre as batalhas e forças militares que integraram a Operação Tridente, mas nenhuma sobre a CCÇ 557, de que eu era, como referi, o segundo Comandante. A Operação Tridente, assim chamada por integrar os três ramos das forças armadas portuguesa, implicou efectivos na ordem de 1200 homens, aviões, fragatas e lanchas de desembarque.

Na rigorosa descrição feita pelo oficial do exército da república da Guiné Bissau, Queba Sambu, a ilha do Como tem uma superfície de 210 kms quadrados, 166 dos quais são lodo das marés, sendo constituída por um litoral de tarrafe, lamaçais que, na maré baixa, chegam a atingir quatro kms entre a terra firme e os canais, de fluxo e refluxo marítimos. Seguindo-se ao tarrafe, estendem-se as bolanhas (arrozais) com alguns palmares, sendo o centro da ilha de matagal. Nas bolanhas, de largos canais de irrigação, o nevoeiro só permite uma visibilidade de três a cinco metros.

Foi nesta ilha que, no dia 14 de Janeiro de 1964, desembarcaram os 145 soldados e oficiais da CCAÇ 557, numa operação muito arriscada em que os soldados foram salvos de asfixia e atolamento completo no lodo, por cordas lançadas pelas lanchas de desembarque. O médico da Companhia, de nome [Rogério] Leitão – aliás um bom fotógrafo – tirou fotografias do acontecimento, mas o rolo acabaria por ser confiscado e perdeu-se esse testemunho documental.

A operação terminou de forma dramática para as populações da ilha, tendo sido destruídas e queimadas as tabancas (aldeias indígenas) aí existentes, e abatidas centena e meia de vacas e tudo o mais que constituía a forma de viver daquelas populações, como máquinas de costura, camas, roupas, etc…


(iii) A construção do aquartelamento do Cachil, pela CCAÇ 557

As tropas regressaram a Bissau e foi deixada na mata do Cachil a CCAÇ 557, num aquartelamento feito à pressa com troncos de palmeiras na vertical e em tudo parecido a um aquartelamento índio. Sem água potável, sem alimentação e expostos à malária e a severas condições de carência e sofrimento, estes homens, totalmente isolados e comendo meses a fio só rações, dependiam do mundo exterior de uma barcaça que, de vez em quando, ia ao centro de Comando situado na povoação de Catió.

Encurralados naquele curto espaço de mata, lamaçais e bolanhas, estes homens viveram uma verdadeira odisseia de isolamento e condições infra-humanas de sobrevivência, acossados por acções de ataques ao quartel e flagelações das forças do PAIGC, entretanto regressadas à Ilha, após a retirada das tropas da Operação Tridente para Bissau.


(iv) Regressado de Bissau, comandante interino da CCAÇ 557, no Cachil, sofre um ataque por engano da FAP

(...) Quando o capitão da Companhia foi de férias, vim de Bissau para o quartel de Cachil, para assumir as funções de comando, tomando contacto com homens destruídos psicológica e humanamente por condições tão duras de sobrevivência e onde situações de saúde física e mental se agravavam, dia a dia, à espera do dia redentor de uma substituição por outros efectivos.

Vivia-se este ambiente, quando um dia apareceram, lá no céu, dois aviões [F 86] [no original, Fiats lapso do autor, já que ainda não havia o Fiat G-91], que, para surpresa nossa, começaram a picar sobre o quartel e a metralhar toda aquela zona, nomeadamente junto ao improvisado cais do rio, onde estacionava a barcaça de ligação a Catió.

Em desespero, ordenei que fossem lançados para o ar very-lights e um grupo avançasse com a bandeira nacional, para mostrar que éramos tropa amiga, ao mesmo tempo que por via rádio comunicava com o Comando de Catió, para que o engano fosse desfeito. Os aviões desapareceram no horizonte e ninguém ficou ferido.

Na minha vida já tive dois acidentes graves de viação, mas aviões a jacto a picar sobre a minha cabeça, é acontecimento digno da linguagem própria de uma crónica de Fernão Lopes, quando no cerco a Lisboa, dizia: «era coisa espantosa de ver…».

Junto ao cais, entretanto, ficaram os destroços dos garrafões de vinho, grades de cerveja e rações de combate, que tinham sido abastecidos naquele dia à companhia!!!… O médico da companhia [, o Rogério Leitão, ] tirou fotografias do ataque, que infelizmente não disponho para ilustrar esta minha memória.

Fui a Bissau e protestei junto do Comando e encontrei-me com os aviadores que me informaram que tinham acabado de chegar à Guiné e faziam uma operação de reconhecimento, pensando que se tratava de forças inimigas… Que eu saiba, só houve dois enganos em ataques da aviação: este e um outro sobre os fuzileiros navais, de que resultaram, tanto quanto me lembro, dois mortos.

Acabámos por ser rendidos por outra Companhia e enviados para a zona da vila de Bafatá, donde regressei a Portugal a 24 de Novembro de 1965, para terminar o curso de Direito, que a minha expulsão da Universidade de Coimbra e de todas as escolas nacionais, por dois anos, tinha impedido de concluir.(...)

[Revisão / fixação de texto / subtítulos / hiperligações : LG]

3. O José Augusto Rocha e o nosso blogue:

(i) Comentário do nosso editor Luís Graça:

(...) Conheci, pessoalmente, o José Augusto Rocha em 15 de outubro de 2009 (**). Foi-me apresentado pela Diana Andringa, na estreia, no Doclisboa 2009, do seu filme Dundo, Memória Colonial.

Tivemos um conversa cordial, mas dise-me logo que não era homem de blogues nem pretendia "alimentar" o nosso banco de memórias... De resto não gostava de falar da Guiné e da guerra, a não ser no contexto das suas memórias políticas que estava a (ou tencionava) elaborar.. Falou-me do texto que estava a escrever (e de que reproduzimos acima  uma parte substancial), para o blogue "Caminhos da Memória", uma promessa que tinha feito, "a título excepcional"... Um dos autores que alimentava esse blogue era justamente a Diana Andringa. [Este blogue deixou de estar ativo a partir de 16 de maio de 2010, embora esteja "on line" e seja consultável.]

Falou-me por alto da Op Tridente, e de vários nomes do seu tempo: Cavaleiro Ferreira, Barão da Cunha, Saraiva... Fiquei a saber, por outro lado, que, na altura, em 1962, aquando da crise académica, e quando foi ele expulso de todas escolas do país, tinha a frequência do 5º ano do curso de licenciatura em direito... Só depois de regressar da Guiné, em finais de 1965, é que pôde completar o curso.

(ii) O José Colaço, nosso grã-tabanqueiro, ex-sold trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) acrescentou o seguinte a respeito do nosso camarada José Augusto Rocha:

(...) O ex-alferes miliciano Rocha era o meu comandante de pelotão, o 4º, ou seja, o pelotão de armas pesadas. Ele era também o 2º comandante da companhia.

Guardo dele, durante a nossa estada na guerra da Guiné, bem como de todos os oficiais e sargentos e restantes camaradas, as melhores recordações. Mas, para este ambiente funcionar como uma máquina bem oleada, houve, e ainda há, um homem que, além de militar com a sua patente de capitão, via no seu subordinado, no homem que estava à sua frente, outro ser humano como ele... Este homem dá pelo nome de João da Costa Martins Ares, hoje coronel reformado.

O Rocha possivelmente não te contou esta passagem: no início da nossa comissão é recebida uma mensagem dos serviços da PIDE com o seguinte teor, mais ou menos: que o capitão deunciasse o dia a dia do alferes Rocha pois ele era elemento a ser vigiado na sua conduta diária. As palavras não eram exactamente estas mas o sentido era vigiar o Rocha e informar os serviços da PIDE.

O capitão toma a seguinte resolução: chama o alferes Rocha, tem uma conversa séria de homem para homem, mostra-lhe a mensagem; o Rocha, por sua vez, conta-lhe todo o seu passado politico de oposicionista ao governo de Salazar, mas dá um voto de confiança ao capitão, o qual poderá contar com ele e, mais, que nunca seria atraiçoado.

Deste modo, o capitão conseguiu mais um amigo para levar a bom porto aquela nau durante vinte e três meses. (...)


(iii) Mensagem de email do José Augusto Rocha para o nosso editor Luís Graça, com data de 22/10/2009 :

(...) Sensibiliza-me o que diz sobre o depoimento que fiz para os Caminhos da Memória, mas permita-me que lhe diga que o seu depoimento sobre a guerra colonial é uma reflexão corajosa e muito lúcida. Se o termo não fosse controverso, acrescentaria: bela!

Bem, agora sim, estive a ler tudo o que consta do seu blogue, que se reveste de importância decisiva para a história da guerra colonial... ainda por fazer, ou não totalmente feita.

E a leitura que fiz, deu-me conhecimento de que, afinal, havia mesmo já alguém (o José Colaço) que tinha escrito sobre o Como e CCaç 557, ao invés do que digo no meu depoimento… Só me admiro que ele [não] fale do engano da aviação, até porque penso que foi ele que enviou o meu pedido de socorro para o Comando de Catió! ...

(iv) Três dias antes, a 19 de outubro de 2009, o José Augusto Rocha tinha esclarecido, sem qualquer margem para dúvidas, qual era a sua posição face ao nosso blogue e à nossa Tabanca Grande, razão por que emtendi não fazer sentido vir eu depois decidir, a título póstumo, sentá-lo à sombra do nosso poilão... Seria trair a sua confiança, desrespeitar a sua vontade e fazer batota, violando as nossas próprias regras do jogo...

(...) Quanto ao seu blogue, tenho as maiores dificuldades em nele colaborar. Tenho alguma radicalidade quanto a estas coisas da guerra colonial e sempre entendi que os encontros e confraternizações, a propósito dela, tendem a contar só meia memória, a memória boa, vista do lado de cá… Embora não pretenda julgar quem quer que seja, penso que compreender o passado implica um juízo de valor sobre o certo e o errado e, muitas vezes, nessas manifestações de convívio não é possível esconder a nossa discordância em relação ao que se ouve e isso cria um ambiente pouco propício ao encontro. Fui duas vezes a coisas dessas e jurei não mais ir!

(...) Por estas e por outras, quanto à guerra colonial, vou ficar-me pela “curta memória da guerra colonial das Guiné”, a publicar nos Caminhos da Memória, dando, quanto a este capítulo, por encerrado o meu dever de memória (...) 

(v) O último email que troquei com ele, nestes últimos 3 anos, em 8 de maio de 2015, e em que já nos tratávamos por tu, tirou-me as derradeiras ilusões sobre a possibilidade de ele vir um dia aceitar o nosso convite para se juntar ao nosso blogue, enquanto coletivo de ex-combatentes da guerra da Guiné. A sua posição sobre a guerra colonial era firme, coerente e definitiva, aos 76 anos, e só tive que respeitá-la... 

Tenho hoje pena de, não obstante a nossa troca de emails, nunca termos podido, em tempo útil, ou seja, em vida, sentarmo-nos, à mesa para uma conversa mais franca, "tête-à-tête", olhos nos olhos, sobre a nossa experiência enquanto combatentes e as nossas posições político-ideológicas face à guerra colonial:

(...) Quanto ao mais, tudo é mais difícil e diria mesmo impossível. A minha posição em relação à guerra colonial, a única que entendo possível, urgente e inadiável, é a sua denúncia activa, nela tendo um grau de responsabilidade incontornável, todos quantos assistiram e até participaram nos massacres( e depois até foram condecorados por esses feitos em nome da Pátria) de todo um povo cujo único crime foi existir. Ainda hoje vivo memórias horrorizadas de tudo que vi e presenciei e me foi narrado. 

Daí que pense que blogues como os "Camaradas da Guiné”, usando uma expressão de Roland Barthes, “ tendem em instituir-se como exteriores à História” e “é lá onde a História é recusada que ela mais claramente age”. Daí que a minha tribuna só possa ser política e ideológica, o que, como é evidente, não cabe no âmbito neutro e apolítico do teu blogue. Mas será que, bem vistas as coisas, existem blogues apolíticos a falar de acontecimentos de uma guerra, mesmo a propósito de camaradagem entre os seus autores e actores? Conversa longa que não cabe neste escrito. Não estaremos perante uma operação mitológica?

Espero que compreendas e não leves a mal esta minha posição, mas as minhas memórias da Guiné são políticas e como tal estão a ser escritas e delas darei justo testemunho cívico e republicano. (...)


Quando ele morreu, três anos depois, com 79 anos,   eu tive pena de não ter tido feito um esforço adicional, não para o convencer, mas pelo menos, para clarificar a missão (talvez impossível) do nosso blogue e sua íntrínseca ambiguidade. É possível fazer pontes, tentando concilitar o que é inconciliável ? Sem querer entrar em polémica, acho que sim, e é desejável.

Afinal, ao fim destes anos todos (mais de meio século), os combatentes de um lado e do outro nunca chegaram a fazer as pazes... Pôs-se uma pedra no sapato e, pronto!... À boa maneira portuguesa!... Onde está "reconcialiação" entre os inimigos de ontem ? Onde há espaços para falarmos, cada um à vez, das suas experiências de guerra ? O Blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné" provavelmente vai acabar sem o ter conseguido... Vai seguramente acabar um belo dia destes, porque estamos velhos e cansados... Como acabou, demasiado cedo, o blogue "Caminhos da Memória"... Espero, ao menos, que o nosso deixe alguma saudade...

Há 15 anos que o tentamos, recusando as posições radicais do tudo ou nada... Guardo, do José Augusto Rocha, a memória do homem e do cidadão,   afável,  coerente, inteligente, corajoso, solidário e frontal.  Foi seguramente também um dos "bravos do Cachil", ou seja, um camarada nosso. (***)
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Notas do editor:

(*) Alguns dos muitos postes que já publicados sobre o Cachil, ilustrados com fotos:

4 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13188: Memória dos lugares (266): Cachil, o meu suplício de Sísifo durante 30 dias (Benito Neves, ex-fur mil, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)

 4 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13688: Fotos à procura de uma legenda (36): Uma vacada... no Cachil (Victor Neto / José Colaço, CCAÇ 557, 1963/65)

5 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13692: Álbum fotográfico do Victor Neto, ex-fur mil, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > Cachil: parte I

(**) Vd. poste de 13 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18842: In Memoriam (318): José Augusto Rocha (1938-2018), ex-alf mil, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65... Um camarada cuja tribuna só podia ser "político-ideológica"...

(***) Último poste da série > 4 de julho de  2019 > Guiné 61/74 - P19948: (De) Caras (108): Manuel Barros Castro, ex-fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65), natural de Fafe, nosso grã-tabanqueiro nº 793..... Assumiu a paternidade da sua filha guineense, Maria Biai Barros Castro (1964-2009): uma história aqui (re)contada por Jaime Silva