sábado, 24 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13188: Memória dos lugares (266): Cachil, o meu suplício de Sísifo durante 30 dias (Benito Neves, ex-fur mil, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)



A lancha no cais do Cachil, responsável pelo transporte dos géneros de Catió para o Cachi



Transporte de todos os mantimentos à força bruta do homem do cais para o quartel, que ficava a cerca de 1Km.


A cozinha (?)  do quartel do Cachil...


Uma pausa nos trabalhos para beber... água (?)



Os trabalhos na construção da paliçada (1)


Os trabalhos na construção da paliçada (2)

Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

Fotos falantes...que não precisariam  de legenda... Um dos piores lugares do inferno verde e vermelho que foi, para muitos de nós, a Guiné... Fotos do álbum do José Colaço (ex-Soldado Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (*)

Fotos (e legendas): © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados.



1. Mensagem do Benito Neves, com data de 21 do corrente, e a propósito do poste P13172 :


 Julgo e quase tenho a certeza de que o rio que banhava o Cachil era um afluente do rio Cobade, que também banhava Catió...

E a propósito, nos 30 dias que estive no Cachil, fazíamos aquela viagem diariamente para irmos a Catió buscar o pão e a água. Era uma odisseia que posso descrever assim (**):

No Cachil carregavam-se todos os barris vazios em cima de um (único) Unimog que lá estava e que só viajava até ao cais. A estrada até ao cais do Cachil tinha umas largas, (muito largas) dezenas de metros, construída sobre troncos de palmeira, a uma altura de cerca de 4 metros e sobre os quais havia duas chapas a pouco mais que a largura dos pneus do Unimog.

Chegados ao cais, os barris eram descarregados e colocados numa lancha tipo LP2 e navegava-se para Catió com a maré cheia ou a encher. Recordo os inúmeros crocodilos que, prostrados nas margens, admiravam a coragem daqueles rapazes que lhes poderiam servir de almoço em consequência de uma qualquer bazucada que felizmente nunca aconteceu.

Chegados a Catió, descarragava-se a lancha e os barris eram colocados numa GMC que rumava ao quartel para enchimento. Enquanto esta operação decorria, era normal a maré descer e deixar a lancha em seco.

Deslocados de novo para o cais de Catió, descarregavam-se os barris para o cais e aguardávamos que a maré voltasse e colocasse a lancha à altura do cais para novo carregamento e navegação.

Chegados ao Cachil, repetia-se a operação inversa.

Depois de repousada a água, juntavam-se-lhe comprimidos tira-gosto, comprimidos de halozona e pós clarificadores. Passadas 4 horas poderia filtrar-se e consumir-se.

Foram assim 30 dias, em que registámos um ataque
entretanto feito ao aquartelamento.

Naqueles 30 dias, embora tivessem sido feitos relatórios de patrulhas e de outras actividades que constam dos documentos oficiais, ninguém saiu do quartel que não fosse para repor alguma armadilha que tivesse rebentado, porque do quartel ate à mata tínhamos um  "campo de minhas" feito com arame de tropeçar e granadas instantâneas que muitas vezes não resistiam à queda das folhas de palmeiras em noites de vento. 

Abraço

Benito Neves

[ex-fur mil, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67]

_________________________

Notas do editor:

8 comentários:

Luís Graça disse...

Benito, é impressionante o teu relato!.. Não sabia que tinhas estado 30 dias neste fim de mundo... A ideia do "suplício de Sísifo" veio-me logo à cabeça...

Mas voltando ao Rio... O rio que chegava ao Cachil, afluente do Rio Cobade, deveria ser o Rio Cagopère... Temos que fazer um recorte do mapa... No caso de Catio, tens o Cobade a oeste, o Ganjola a norte e o Cagopère a sul.... Cachil fica a sudoetse de Catió, é isso ?

Um bom fim de semana. Luis

Torcato Mendonca disse...

É com muito gosto que te leio aqui e volto a saber de ti. Um abração para ti meu caro Benito.

Um amigo contou-me o que era o Cachil. Ele foi dos ultimos a sair de lá queando aquilo levou o abençoado trotil. Assim se acabou com o pior inferno da Guine.

"Coisa" daquelas deixam marcas...e raiva!

Um Homem sorri por fora e sente o vulcão por dentro.

Um abração fraterno do Torcato que estendo a Todos aqui deste lugar de memórias e afetos, para que a guerra e aestupidez de alguns perdure para além da nossa...

Ab,T

Anónimo disse...

Só os portugueses viveram assim!
Suponho que por heroicidade e dedicação a qualquer coisa que variava entre a Pátria e afirmação da virilidade.
Um Ab.
António J. P. Costa

José Botelho Colaço disse...

Obrigado Benito pelo relatório sobre o Cachil.
Durante a estada da C. caç 557 no Cachil se a memória não me atraiçoa a lancha a Catió era semanal ou bi-semanal mas nunca ficava no Cachil, o que tenho a certeza é que o pão era feito cozido no forno do Cachil, o forno foi construído pelo 1º cabo Demétrio e o padeiro era 1º cabo escriturário, (era descarregar e aproveitar a maré).
Quanto a relatórios e patrulhas parece que há coisas que continuam no segredo dos deuses, pois a partir não posso precisar Julho ou Agosto foi recebida mensagem confidencial através do comando de Catió que desaconselhava as explorações (patrulhas) à mata do Cachil também o piloto Miguel Pessoa comentou que nos anos 70 uma das zonas proibidos de bombardear era a Ilha do Como.
É do conhecimento geral a minha companhia e o 7º destacamento de fuzileiros coube-lhe a missão de ocupar o Cachil na operação tridente, terminada a operação a missão foi concluir o forte apache ou a fortaleza de troncos de palmeira como lhe chamou o sargento comando Mário Dias onde permanecemos 10 meses e uma semana de 23-01 a 27-11-1964.
A ultima companhia do abençoado trotil foi a C.caç 1620 20/03 a 11/07 de 1968.
Temos alguém no blogue desta companhia que nos relate o encerramento?

Mesmo com a falta de qualidade obrigado pelas fotos (falantes)

Um abraço
Colaço.

Luís Graça disse...

Sabemos, pelos laboriosos e valiosos apontamentos e fotos do Manuel Lema Santos (no seu blogue "Reserva Naval"), no que diz respeita à Marinha e ao seu papel na região de Tombali e em especial na vila de Catió, a par dos comentários e fotos do Benito Neves e do saudoso Victor Condeço - três dos nossos grã-tabanqueiros que conheceram aquela região por terra e água -, sabemos, dizia, que Catió tinha dois portos ou pontos de abicagem para as Lanchas de Desembarque: (i) porto interior no rio Cadima (, afluente do Rio Cagopère); e (ii) o porto exterior no rio Cagopère (afluente do Rio Cobade, por sua vez afluente do Rio Tombali)...

Heveremos de editar um poste sobre este tópico...

PS - Ah!, e não esquecendo o nosso cartógrafo-mor, Humberto Reis... Sem as suas preciosíssimas cartas, metade da nossa memória tinha-se perdido... Alguém se ia lembrar do Rio Cagopère (, topónimo francês ! ?)...

E a propósito, o meu caamarada, amigo e vizinho Humberto Reis foi operado a um joelho, no Hospital Amadadora Sintra, pelo nosso camarada Francisco Silva (que já é o ortopedista da Tabanca Grande!)...

O Humberto teve alta esta manhã, fui eu e a Alice dar-lhe um abraço antes de ele seguir para a Praia da Areia Branca, que é agora a sua "nova" casa...

Prometemos encontrar-nos em Monte Real, no dia 14 de junho. Ele lá estará, com joelhjo novo, mais a sua companheira Joana...

Cuida de ti, rapaz!

Luís Graça disse...

José Colaço: Infelizmente, não temos ninguém da CCAÇ 1620, aqui no blogue... O que será feito desta rapaziada ?

Vê se arranjas mais fotos do Cachil... Ab. Luis

Anónimo disse...

Este foi o quartel tirado do nada que minha Companhia a CCAÇ 728 herdou...onde passou uns 9 meses e deixou em melhores mãos...Um pedaço da história da nossa Pátria que estes apátridas vindouros procuram esquecer e renegar...Fotos-documentais - com um valor infinito...Obrigado Benito...
Um grande abraço
Joaquim Gomes

Unknown disse...

Da 1620 era -ou foi - o Manuel Cibrão Guimarães. (Tabanca dos Melros) que ficou de me passar uma informação sobre o Cachil.
Nas minhas memórias, não sei se correta por causa da PDI, o Cachil foi abandonado entre Outubro e Dezembro. Tive lá desde Maio de 68 até ao final uma secção de canhões. Os rapazes nunca quiseram ser rendidos.
Que me lembre, nesse período a lancha vinha todos os dias a Catió. Ou quási. À água. O pão não me lembro se o levavam.
Tanto quanto era constado, a companhia que lá se encontrava não fazia mais nada a não ser a operação Água. Mas que poderiam fazer naquele inferno de pantanos e mosquitos, os grandes IN da rapaziada ? Mas o Cibrão vai de certeza informar-me da vida que por lá viveram. Lembro que estou a recordar meados/fins de 1968.