(...) 16.04.2023, domingo - Respeito, mas não concordância
Há valores neste povo que eu admiro e venero, nomeadamente os valores relacionados com a cultura. Mas também há comportamentos, motivados por algum obscurantismo social e religioso, com os quais não estou de acordo e contesto.
Ontem o “ Coro São Francisco de Assis “, de Ailok Laran, foi animar a liturgia da missa vespertina na catedral de Dili. Porque de alguma forma também estou ligado a este grupo, pedi ao Eustáquio para irmos à catedral, dar o nosso apoio presencial.
Depois da atuação, pedi para se juntarem à frente desta igreja, e fazermos a foto de grupo. Eis senão quando, do outro lado, se vê alguma agitação. Era um elemento do côro, uma moça de doze anos, que entrou em crise de gritos, espasmos, desmaios, etc, etc... quando se recompunha refugiava-se na igreja.
Quis saber mais pormenores sobre a situação e, de imediato, me responderam: “a menina tem espírito mau no corpo. Tem diabo nela”. Fiquei pasmado com a resposta, e pedi para ir ter com ela. Sim, não estava normal.Mas depois de me dar conta de alguns sinais, reagi como um “ocidental”, e disse: “ Ela está em estado de fraqueza. Precisa de um copo de água com açucar, precisa de comer e de descansar”.
“O que eu fui dizer!"... A Adobe que estava a meu lado, atalhou-me logo a conversa, sussurrando-me ao ouvido: “Pai Rui. Eu também penso assim, mas não podemos dizer isso, porque aqui toda a gente pensa que é espírito”.
Fiquei derrotado, completamente destroçado... Entretanto, chega um rapaz, vindo da procissão da Divina Misericórdia, que estava decorrendo rumo à catedral, faz três vezes o sinal da cruz na testa da miúda, e ela recupera os sentidos, levanta-se e vai de novo para a igreja, até que um irmão a veio buscar na sua mota. Perguntei depois por ela, como estava, e disseram-me que estava em casa, aqui bem perto de nós, a descansar, a dormir.
Não sei que vos diga, mas continuo a pensar que há muito a fazer no caminho do esclarecimento desta gente. Mesmo correndo o risco de ser imcompreendido pela maior parte dos que me rodeiam, prefiro ser coerente comigo mesmo e discordar da interpretação destes fenómenos.
E, para não ficar desmoralizado, voltamos a Ailok Laran, com a pick-up carregadinha: vinte e três passageiros. “Louvado sejas meu Senhor pela nossa irmã pick-up”...
17.04.2023, segunfa feira - Fome ou vontade de comer
A ideia que quase todos temos de países em vias de desenvolvimento é que a maioiria das pessoas passam fome. E passam... Os corpos franzinos que crianças, jovens, adultos e velhos apresentam provam que há carência alimentar, que a nutrição tendo como base o arroz não é de todo suficiente e muito menos sobejante para um desenvolvimento harmonioso da massa corpórea. Claro que também há gente gorda, por adn, por enfermidades ou por abusos alimentares. Mas essa não é a regra.
E à mesa, perante observações de comportamentos distintos (o malae tira uma ou duas colheres de arroz; o timorense “carrega” bem o prato), alguém comenta: “ para o timorense o que importa é haver comida. Se há só arroz, enche a barriga de arroz. O barriga (estômago) tem de ficar cheio, porque vazio dói. Se houver outra comida, enche a barriga dessa comida.”
Portanto não admira que, quando se vai às compras e se trazem novas iguarias para casa elas não durem muitos dias. Junta-se a fome com a vontade de comer. Mas talvez noutro contexto, noutros países, noutros continentes o comportamento seja outro, até por uma questão de aculturação. Saber comer, também se pode aprender, independentemente dos gostos de cada um. Bom apetite!...
20.04.2023, quinta feira Timor Leste – Dia de eclipse solar
A expetativa era grande. Há dias que se vem falando deste fenómeno, e tudo se prepara para o apreciar. Estrangeiros que chegam, escolas que fecham, hotéis e albergues que esgotam. Reina alguma ansiedade.
E não falhou. À hora indicada, lá começou a lua a interferir na luminosidade do sol, ficando cada vez mais escuro, mas sem nunca se ficar sem ver. Atingiu o ponto máximo por volta das 13.15h locais. Apetrechados dos óculos especiais, cada um ia mirando e comentando o que via.
Notou-se alguma deceção da parte dos comentadores. Pensavam que ia ficar tudo escuro, mas assim não aconteceu. Alguma excitação porém, quando alguém apontou para o céu e se viu brilhar a estrela da manhã.
Ouviram-se alguns foguetes e tiros e toques de metais. Questionado sobre o que se ouvia, o Eustáquio explicou:
“ Em Timor, quando há estes fenómenos da natureza (eclipses, terramotos, etc) as pessoas pegam em coisas e fazem barulho que é para Deus saber que ainda a gente cá em baixo.”
Mas até nisto já se nota alguma mudança. Já não é o que era.
Depois, já na fase decrescente, foi uma brincadeira pegada com o sol que, complacente connosco, se projetava e se deixava tocar como nós quiséssemos. Bem hajas Irmão Sol.
22.04.2023, sábado - O negócio da “Ai”
“Ai” é uma palavra, um substantivo que, em tétum, quer dizer árvore, madeira, lenha e outros sinónimos.
Por todos os sítios onde passamos podemos encontrar nas bermas das estradas molhos de paus (4/5) empilhados, que esperam a toda a hora por compradores. Aqui pouca gente utiliza o gás para cozinhar. Primeiro porque é muito cara a garrafa deste produto; segundo porque têm medo das explosões. Por isso, recorrem a outros carburantes, com relevância para o mais acessível, a madeira. A cada molho chamam corda, porque os paus, de mais ou menos meio metro de compridos, vêm atados com um fio em cada ponta, e são vendidos ao consumidor por “uma quarta” (25 centimos).
Chegada a hora de preparar a refeição, é normal ver adultos e crianças com duas, três ou mais “cordas” nos braços a caminho das suas casas. Porque aqui, na casa do Eustáquio em Ailiok Laran, ´há um posto de venda ao público. “Negócio da mulher”, como ele diz. E ainda bem, digo eu.
Porque a Aurora a esposa do Eustáquio inesperadamente falecida há dias], apesar das suas limitações físicas, não é mulher de baixar os braços. Não pára. É um exemplo de dedicação. É uma “mulher de armas”, mesmo que estas armas sejam de madeira, sejam paus para a fogueira. “Ai”! “Ai”! “Ai”!...
23.04.2023, domingo - Tão longe e tão perto
A professora Cristina, sempre muito diligente em proporcionar encontros e conhecimentos, contactou-me no sentido de nos encontarmos no Timor Plaza, onde poderíamos almoçar em companhia de um casal amigo, a professora Aurora (professora no CAFA de Ainaro ) e o seu marido José Marques. Insistiu que haveria muito interesse em que nos conhecéssemos, porque partilhávamos ideais comuns.
Claro que respondi de imediato para concretizarmos este encontro que, como foi combinado, aconteceu hoje no Timor Plaza. Sem muitas palavras ainda, notou-se logo grande empatia se foi desenvolvendo ao longo de três horas de conversa. E, quem diria que, tão longe de Portugal, pudéssemos falar de amigos comuns de diversas localidades do nosso país.
Estupefatos com as nossas encruzilhadas da vida, fomos desfilando por regiões, terras, pessoas, peripécias, ideais, projetos...uma grande ementa que nos alimentou o espírito, porque o corpo já tinha sido alimentado anteriormente.
Foi um uma sorte e um prazer ter encontrado este casal. Com certeza que muito mais teremos para contar e, ainda melhor, para fazer. Obrigado Professoa Cristina!
24.04.2023, segunda feira - Sunset-Inn / Timor Leste: Quem somos?
A convite dos amigos professora Cristina, professora Aurora e do seu marido José Marques, hoje fomos conhecer o PRO EMA (Empoderamento de Mulheres e Adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade social), uma organização sem fins lucrativos, que vale a pena conhecer.
E, a melhor forma de o fazer foi irmos almoçar ao espaço que esta organização explora. Desde a entrada à saída, um acolhimento e uma simpatia excecional, só possível através de uma boa formação e preparação. Autênticas profissionais, com um serviço às mesas extraordinário, cheio de pormenores e delicadezas. É um sítio onde a gente se sente bem e onde se come sem ter fome.
Sabemos que o preço dos menus é mais caro que noutros restaurantes(?) da zona, mas nem por isso damos por mal empregue o dinheiro que pagamos, porque é uma forma muito solidária de contribuirmos para o programa desta organização sem fins lucrativos, com tão nobre missão.
Qualquer dos menus escolhidos estavam excelentes na apresentação, nos sabores, na qualidade dos produtos. Aconselho todos os amigos que vistem ou residam em Dili a que não percam a oportunidade de visitar e frequentar este espaço solidário. Não irão ficar defraudados nem desiludidos. (...)
25.04.2023, terça feira - 25 de Abril SEMPRE!...
Para os que tivemos o privilégio de participarmos neste evento tão significativo para as nossas vidas (tinha eu 27 anos) em 25 de Abril de 1974, o dia de hoje é para celebrar e reviver.
Por cincunstâncias da vida, desde 2017 que não tenho participado em eventos comemorativos do 25 de Abril. Mas não esqueço o slogan mais conhecido de sempre “ 25 DE ABRIL SEMPRE!...” que tem guiado os defensores dos ideais de Abril, entre os quais eu quero estar, e que por mais que custe aos delatores e inimigos desta “ revolução dos cravos”, tudo faremos para que a memória coletiva dos portugueses seja preservada.
Durante bastantes anos, seguindo esta vontade de não deixarmos cair esta celebração, colaborei sempre no espetáculo organizado pelo Município de Sabugal, com o nome “Abril entre Amigos”. Sim, enquanto houver Grupos de amigos que lutem por isso, o 25 de Abril acontecerá cada ano que passa, sempre com alguma nostalgia de quem viveu os acontecimentos e não quer deixar que o espírito da revolução de Abril seja abafado ou extinto.
Nem tudo está bem, está certo. Mas o que seria e como estaríamos se o 25 de Abril não tivesse acontecido?
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[Seleção / revisão e fixação de texto / negritos / subtítulos : LG]
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